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sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Filósofos e a mentira


Os filósofos e a mentira

O Dicionário Oxford revelou em 2016 que a palavra de maior destaque internacional daquele ano foi o adjetivo “pós-verdade”. O termo foi escolhido porque a frequência de uso daquela expressão havia aumentado 2000% em relação ao ano anterior. Com isso, veio à tona a expressão fake news, ou notícia falsa, em português. Quando se pensa em ambiente digital, um problema precisa ser respondido: como confiar naquilo que se lê na internet? Qual o caminho do jornalismo quando opiniões e fatos se misturam na disputa pela atenção de uma audiência dispersa? Fui atrás da filosofia para obter respostas ao conceito de mentira.
O historiador Robert Darnton conta que as notícias falsas sempre existiram. Procópio foi um historiador bizantino do século 6 que escreveu um texto secreto chamado “Anekdota” e lá já espalhava notícias falsas. Pietro Aretino (1492–1556), jornalista e aventureiro, é considerado o principal difusor de notícias falsas. Em 1522, ele escrevia poemas curtos, sonetos, e os grudava na estátua de um personagem chamado Pasquino, em Roma. Ele difamava a cada dia um dos cardeais candidatos a virar papa. Na Londres de 1770 havia os chamados “homem-parágrafo”, que recolhiam fofocas e as redigiam em um único parágrafo em pedacinhos de papel e vendiam para impressores/editores, que as imprimia em forma de pequenas reportagens muitas vezes difamatórias.
Jean-Jacques Rousseau considera que muitas vezes a vantagem de um faz o prejuízo do outro. Para este filósofo do século XVIII, o interesse particular está quase sempre em oposição o interesse público. Este pensamento é tão atual que parece ter sido escrito para os dias de hoje. Rousseau afirma que é raro e difícil que uma mentira seja completamente inocente. Quando se mente para a própria vantagem é impostura; mentir para a vantagem de outrem é fraude; mentir para prejudicar é calúnia e é considerada a pior espécie de mentira.
Immanuel Kant, considerado o principal filósofo da era moderna, acredita que aquele que mente, por mais com boas intenções que esteja ao mentir, tem de responder pelas consequências de sua mentira. Nas obras de Kant, a mentira é um tema recorrente porque ela corrompe na raiz todas as coisas humanas. Morto no início do século XIX, as colocações de Kant também servem para refletir acerca do que vivemos hoje. Aqui fica apenas uma pergunta: quem responde pela exagerada produção de notícias falsas criadas em ambiente digital?
Teólogo e filósofo, Tomás de Aquino diferenciava entre três tipos de mentira: a viciosa, que visa enganar por um fim vil mesmo; a oficiosa, que visa algum bem; e a jocosa, que visa divertir ou entreter. Essas duas últimas são, na opinião dele, pecado venial, ou seja, não muito graves, mas ainda assim moralmente erradas. Aquino diz que mentir é sempre errado, mas apenas as mentiras para fazer mal são as consideradas pecados mortais. Aquelas mentiras criadas para divertir e para ajudar os outros são perdoáveis.
À época destes filósofos a produção de informação não tinha a mesma velocidade que se tem hoje. Considerando que o ambiente digital propicia que a mentira se prolifere mais rapidamente, vai caber aos que não querem ser enganados seguir os seguintes passos: conferir a data de publicação; identificar se a URL é confiável; saber se autor é confiável; descobrir qual a fonte da fonte; observar se já ouviu falar do site onde leu a notícia; identificar se a informação se apresenta de forma viralizada na timeline e orientar-se para saber se o título da mensagem tem adjetivos apelativos.
É possível que não dê tempo de fazer tudo isso antes de encostar o seu dedo na tela e compartilhar as notícias e fatos que você acessa, por exemplo, em seu celular. De qualquer forma, daqui para frente, devemos sempre lembrar que a filosofia nos orienta acerca do conceito de mentira, mas cabe a nós acreditarmos nela ou não.

Márcio Gonçalves


Lola

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