Descartes
O conhecimento
"Gostaria de expor as razões que servem para provar que os verdadeiros princípios que permitem alcançar o mais alto grau da sabedoria, que consiste no soberano bem da vida, são aqueles que expus neste livro; e, para tanto, apenas duas são necessárias: a primeira, que os princípios sejam muito claros; e a segunda, que deles se possa deduzir todas as outras coisas. Na verdade apenas existem estas duas condições exigidas por esses princípios. Ora, posso facilmente provar que são muito claros: em primeiro lugar pela forma como os encontrei, isto é, rejeitando todas as coisas em que podia encontrar a mínima oportunidade de duvidar; é certo que aquelas que não puderam ser rejeitadas por este processo, e desde que passamos a considerá-las, são as mais evidentes e as mais claras que o espírito humano consegue conhecer. Aquele que pretende duvidar de tudo não pode no entanto duvidar que existe enquanto duvida, e que aquele que assim raciocina, não podendo duvidar de si próprio e todavia duvidando de tudo o resto, não é aquilo a que chamamos corpo, mas sim aquilo a que chamamos alma ou pensamento. Assim. Considerei o ser ou a existência de tal pensamento, como o primeiro princípio, do qual deduzi muito claramente os seguintes: que Deus existe e é o autor de tudo o que existe no mundo e que, sendo a fonte da verdade, não criou o nosso entendimento de tal maneira que este se possa enganar no juízo que faz das coisas e das quais tem uma perceção muito clara e muito distinta. São estes os princípios de que me sirvo no que respeita às coisas imateriais ou metafísicas, dos quais deduzo, muito claramente os princípios das coisas corporais ou físicas: que há corpos extensos em comprimento, largura e altura, que tomam diversas formas e se movem de diversas maneiras. Eis, em poucas palavras, os princípios donde deduzo a verdade das outras coisas."
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