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domingo, 20 de outubro de 2019

Descartes: do Cogito a Deus






Descartes

 do Cogito a Deus


[4] Em seguida, tendo refletido sobre aquilo que eu duvidava, e que, por conseqüência, meu ser não era totalmente perfeito, pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que o duvidar, deliberei procurar de onde aprendera a pensar em algo mais perfeito do que eu era; e conheci, com evidência, que devia ser de alguma natureza que fosse de fato mais perfeita. 

Se Descartes duvida, não é um ser perfeito pois conhecer é maior perfeição do que duvidar. Porém, Descartes tem em si  a noção de PERFEIÇÃO que só pode ter sido posta nele por um ser mais perfeito.

No concernente aos pensamentos que tinha de muitas outras coisas fora de mim, como do céu, da terra, da luz, do calor e de mil outras, não me era tão difícil saber de onde vinham, porque, não advertindo neles nada que me parecesse torná-los superiores a mim, podia crer que, se fossem verdadeiros, seriam dependências de minha natureza, na medida em que esta possuía alguma perfeição; e se não o eram, que eu os tinha do nada, isto é, que estavam em mim pelo que eu possuía de falho. 

Quanto a outras realidades (céu, terra, luz, do calor e mil outras) que não considera superiores a si próprio, se forem verdadeiras podiam depender de si (já que possui alguma perfeição) ou terem vindo do nada.

Mas não podia acontecer o mesmo com a idéia de um ser mais perfeito do que o meu; pois tirá-la do nada era manifestamente impossível; e, visto que não há menos repugnância em que o mais perfeito seja uma conseqüência e uma dependência do menos perfeito do que em admitir que do nada procede alguma coisa, eu não podia tirá-la tampouco de mim próprio. 

É impossível que a ideia de ser perfeito tenha vindo do nada e muito menos de si próprio pois a perfeição não pode vir da imperfeição - Descartes, porque duvidou, é um ser imperfeito.

De forma que restava apenas que tivesse sido posta em mim por uma natureza que fosse verdadeiramente mais perfeita do que a minha, e que mesmo tivesse em si todas as perfeições de que eu poderia ter alguma idéia, isto é, para explicar-me numa palavra, que fosse Deus[58]. A |48 isso acrescentei que, dado que conhecia algumas perfeições que não possuía, eu não era o único ser que existia (usarei aqui livremente, se vos aprouver, alguns termos da Escola); mas que devia necessariamente haver algum outro mais perfeito, do qual eu dependesse e de quem eu tivesse recebido |69 tudo o que possuía[59].

De onde vem a ideia de ser perfeito?
De um ser mais perfeito do que ele.
Descartes não é o único ser que existe pois há um outro ser mais perfeito do que ele depende - Deus.
Descartes depende de Deus tal como depende de Deus tudo o que Descartes possui.

 Pois, se eu fosse só e independente de qualquer outro, de modo que tivesse recebido, de mim próprio, todo esse pouco pelo qual participava do Ser perfeito, poderia receber de mim, pela mesma razão, todo o restante que sabia faltar-me, e ser assim eu próprio infinito, eterno, imutável, onisciente, todo-poderoso, e enfim ter todas as perfeições que podia notar existirem em Deus. Pois segundo os raciocínios que acabo de fazer, para conhecer a natureza de Deus, tanto quanto a minha o era capaz, bastava considerar, acerca de todas as coisas de que achava em mim qualquer idéia, se era ou não perfeição possuí-las, e estava seguro de que nenhuma das que eram marcadas por alguma imperfeição existia nele, mas que todas as outras existiam. 

Que características possui Deus e que faltam a Descartes?
Deus é infinito, eterno, imutável, omnisciente, todo-poderoso/omnipotente.
De todas estas características tem Descartes ideia mas como é um ser 
imperfeito estas não lhe pertencem – são próprias de um ser perfeito que é Deus. 

Assim, eu via que a dúvida, a inconstância, a tristeza e coisas semelhantes não podiam existir nele, dado que eu próprio estimaria muito estar isento delas. Além disso, eu tinha idéias de muitas coisas sensíveis e corporais; pois, embora supusesse que estava sonhando e que tudo quanto via e imaginava era falso, não podia negar, contudo, que as idéias a respeito não existissem verdadeiramente em meu pensamento; mas, por já ter reconhecido em mim mui claramente que a natureza inteligente é distinta da corporal, considerando que toda a composição testemunha dependência, e que a dependência é manifestamente um defeito[60], julguei por aí que não podia ser uma perfeição em Deus o ser composto dessas duas naturezas, e que, por conseguinte, ele não o era[61], mas que, se haviam alguns corpos no mundo, ou então algumas inteligências, ou outras naturezas, que não fossem inteiramente perfeitos, seu ser deveria depender do poder de Deus, de tal sorte que não pudessem subsistir sem ele um só momento[62].

A dúvida, a inconstância e a tristeza não existem em Deus pois o próprio desejaria estar isento delas.

Descartes tem ideia de coisas sensíveis e corporais e mesmo que estivesse a sonhar não podia negar que não tivesse essas ideias (estivessem no seu pensamento).
No entanto, Descartes já reconheceu que o pensamento e o corpo (matéria) são distintos e que a dependência é um defeito, considera que Deus não é composto por estas duas naturezas.
Se existirem corpos ou outras naturezas estas dependem de Deus – Deus é que lhe garante a existência.

Descartes, Discurso do Método




                                                Lola

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