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domingo, 5 de janeiro de 2020

Senso comum


by Krzysztof Iwin 


O Senso Comum


Carta para Josefa, minha avó
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo — e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água.
Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira — sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com  isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja.(Contaste-mo tu, ou terei sonhado que o contavas?)
Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém. Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos — e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti — e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos, realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas — e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, por que te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»
É isto que eu não entendo — mas a culpa não é tua.
 José Saramago


No ano de 1968, José Saramago publicou no jornal A Capital, de Lisboa, a crónica Carta a Josefa, minha avó. Anos mais tarde, ela seria publicada no livro Deste Mundo e do Outro. 



Poderiamos dizer que Josefa personifica uma visão do mundo simples, vulgar, sensorial e empírica - o senso comum!


O que é o Senso Comum?

É um nível de conhecimento
Nasce da experiência vivida
É um saber feito através da experiência
É um saber espontâneo e sensorial
É o contacto imediato e directo com o real. Exemplo: Hoje está quente!

Qual a sua origem?

As tradições que passam de geração em geração
As nossas experiências de vida traduzem-se na forma como vemos o real
As experiências práticas do quotidiano.

O que permite o conhecimento vulgar?

Conviver
Integração num grupo social
Lidar imediata e sensorialmente com o real.



Sendo o Conhecimento vulgar tão falacioso, porque é que este tipo de conhecimento é importante?

  • Orienta a vida quotidiana
  • tem um carácter prático
  • satisfaz necessidades básicas
  • orienta as nossas acções
  • permite resolver problemas simples
  • o seu grande objectivo é a prática

Exemplos de Senso comum

- conhecimentos vulgares mas muito úteis na vida quotidiana: saber cozinhar, conhecer a cidade onde se vive, saber que no Verão há mais calor que na Primavera;

- superstições, isto é, crenças falsas ou injustificadas: acreditar que o número 13 dá azar, acreditar que uma mulher durante o período menstrual não deve fazer bolos pois estes não ficarão bons.

- Ditados populares e provérbios;


Quais as características do conhecimento vulgar?
  • vulgar
  • empírico (provém da experiência)
  • aparente
  • ingénuo
  • imediato
  • sensorial
  • superficial
  • variável (de homem para homem, de cultura para cultura)
  • subjectivo (varia de sujeito para sujeito)
  • espontâneo
  • dogmático (não aceita a crítica)
  • acrítico
  • assistemático (não organizado)
  •  directo
  • constata/regista o que capta pelos sentidos
  • não explica
  • heterogéneo
  • acumulado (soma "conhecimentos" e não os relaciona)
  •  é mais um reconhecimento e menos um conhecimento
  • constata mas não descobre, não cria nem constrói
  • lida com qualidades: quente, frio, alto baixo
  • lida com o facto bruto (facto tal qual surge na natureza)
  • avulso (responde a cada situação à medida que ela surge)
  • faz observações ocasionais: desprovidas de reflexão, organização e sistematização
  • não prevê
  • não usa instrumentos
  • gera ambiguidades
  • falível
  • faz generalizações falsas
  •  Intuitivo
  • Dependente de preconceitos  
  • Dado e não construído
  • Ilusório
  • sincrético
  • imperfeito
  • falacioso
  • não é rigoroso
  • limitado
  • pragmático


by Krzysztof Iwin 

                                                Lola

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