Estética e Arte:
Algumas questões
- O que é a estética?
- O que estuda a estética?
- O que são objectos estéticos?
- O que é uma experiência estética?
- O que são juízos estéticos?
- Exemplifique juízos estéticos.
- Diga a que se refere cada um dos juizos estéticos citados no texto) (F1 a F7).
- relacione Teoria do Belo, Teoria do Gosto e Filosofia da Arte?
- Diga se: a) Há obras de Arte que não são belas? b) Há obras de Arte das quais não gostamos? c) Haverá coisas belas que não são Arte?
- Belo, Gosto e Arte serão conceitos sinónimos? Apresente três razões.
- Relacione Estética e Filosofia da Arte.
- Qual a questão fundamental da Teoria da Arte?
- O que é definir um conceito?
- Distinga dois tipos de definição.
- Relacione Definição e Caracterização.
- Em que sentidos são, frequentemente, utilizados os conceitos de Arte e Obra de Arte?
- O que é o sentido classificativo?
- Exemplifique.
- O que é o sentido valorativo?
- Exemplifique.
O texto seguinte, do professor Aires Almeida, responde a estas questões!
1. O que é a estética?
O ramo da filosofia a que
se dá o nome de “estética” inclui um conjunto de conceitos e de problemas tão
variado que, aos olhos daquele que se inicia no seu estudo, pode parecer uma
matéria demasiado dispersa e inacessível. Essa primeira impressão é compreensível,
mas ultrapassável. Uma maneira de desfazer tal impressão é começar por
esclarecer que a estética é a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas,
teorias e argumentos acerca da arte. A estética é, portanto, o mesmo que
filosofia da arte.
Mas há um problema com
esta forma de apresentar a estética: o termo “estética” não tem sido sempre
utilizado nesse sentido. E isso não ocorre apenas em relação ao uso comum da
palavra “estética”; ocorre também no interior da própria tradição filosófica.
Na tentativa de desfazer
essa dificuldade, a estética é muitas vezes apresentada como a disciplina
filosófica que se ocupa dos problemas e dos conceitos que utilizamos quando nos
referimos a objectos estéticos. Só que isso pouco adianta se não soubermos antes o que
se entende por “objectos estéticos”. Podemos, contudo, acrescentar que os
objectos estéticos são os objectos que provocam em nós uma experiência estética. Mas, uma vez mais, ficamos insatisfeitos, pois teremos agora de saber o
que é uma experiência estética. Resta-nos insistir e perguntar: “O que é uma
experiência estética?” Uma resposta possível, mas sem ser circular — sem voltar
ao princípio e afirmar que uma experiência estética é o que resulta da
contemplação de objectos estéticos —, é apresentar alguns exemplos daquilo que
consideramos ser juízos estéticos, isto é, juízos acerca de objectos estéticos e que,
portanto, exprimem experiências estéticas.
Eis alguns exemplos de
frases que habitualmente proferimos e que qualquer pessoa estaria disposta a reconhecer
que exprimem juízos estéticos:
F1: “Aquela casa é bonita”
F2: “O vale do Douro é belo”
F3: “O nascer do dia naquela amena manhã de Maio no Gerês com o cheiro a terra molhada e os pássaros a chilrear foi sublime”
F4: “A decoração desta montra está com muito bom gosto”
F5: “O último andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven é emocionante”
F6: “O quadro Mulher-cão de Paula Rego é uma verdadeira obra-prima”
F7: “O livro Ulisses de James Joyce é uma obra complexa”
F2: “O vale do Douro é belo”
F3: “O nascer do dia naquela amena manhã de Maio no Gerês com o cheiro a terra molhada e os pássaros a chilrear foi sublime”
F4: “A decoração desta montra está com muito bom gosto”
F5: “O último andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven é emocionante”
F6: “O quadro Mulher-cão de Paula Rego é uma verdadeira obra-prima”
F7: “O livro Ulisses de James Joyce é uma obra complexa”
Estas frases parecem trazer de volta a
impressão inicial de que os problemas da estética são heterogéneos.
Assim, frases como F1 e F2 exprimem juízos
acerca do que se considera ser bonito ou belo, mas nenhuma das outras o faz.
Talvez F1 esteja também a referir alguma obra de arte (se essa casa for, por
exemplo, a casa da cascata, de Frank Lloyd Wright) o que não acontece com F2.
Por sua vez, frases como F4, F5, F6 e F7
exprimem a opinião de alguém acerca de algo realizado por outras pessoas, mas
enquanto as três últimas referem obras de arte, tal não sucede com F4.
Quanto a F3 e F4 sabemos que não está em
causa o conceito de belo nem se refere qualquer obra de arte, mas apenas o que
sentimos em relação a algo que simplesmente nos agrada. Isso é também o que
acontece em relação a F5, só que desta vez a propósito de uma obra de arte.
O que podemos concluir daqui?
- Se os nossos exemplos se limitassem a F1 e F2, então a estética seria entendida apenas como teoria do belo, pois o problema parece consistir em saber o que significa “ser belo”.
- Caso pensemos apenas em F3, F4 e F5, o que temos como problema já não é rigorosamente o do significado de “ser belo” mas o de saber por que razão e sob que condições acabamos por formar esse tipo de juízos, ou seja, juízos de gosto (nesta perspectiva também F1 e F2 podem simplesmente ser tomados como juízos de gosto).
- Finalmente, se pensarmos em F1 (pelo menos em certos casos, como o da referida casa da cascata ), F5, F6 e F7, o problema com que nos deparamos não é o do belo, nem sequer o do juízo de gosto, mas sim o problema de saber o que é e como se avalia uma obra de arte.
Estamos, assim, em condições de concluir
que a estética pode ser — o que de resto é mostrado pela sua história — uma de
três coisas: teoria do belo, teoria do gosto ou filosofia
da arte.
Deveria também ficar claro que a teoria do
belo não exclui completamente do seu domínio muitas das obras de arte e a
filosofia da arte não se desinteressa completamente de algumas obras belas, tal
como a teoria do gosto se pode aplicar quer a objectos belos, quer a objectos
de arte.
Mas não devemos confundir teoria do belo,
teoria do gosto e filosofia da arte. Até porque:
- há obras de arte que não são belas, como o célebre Urinol, de Marcel Duchamp;
- há obras de arte de que não gostamos, como acontece comigo em relação à música dos Madredeus, aos quadros de Júlio Pomar, aos livros de José Saramago e aos filmes de Manoel de Oliveira;
- há coisas belas que não são arte, como um pôr-do-sol natural e a planície alentejana; e há coisas de que gostamos que não são arte nem são belas, como a nossa caminha e melão com presunto.
Isto significa que os objectos que fazem
parte da extensão dos conceitos de belo, de gosto e de arte não são os mesmos,
pelo que não estamos a discutir os mesmos problemas quando discutimos cada um
desses conceitos.
Em que ficamos, então?
Se bem que a estética tenha sido entendida
inicialmente como teoria do belo e só depois como teoria do gosto, é como
filosofia da arte que ela é actualmente entendida.
Vale a pena, ainda que brevemente, apresentar algumas razões para isso:
Vale a pena, ainda que brevemente, apresentar algumas razões para isso:
Em primeiro lugar, tanto a teoria do belo como a teoria do gosto
dirigiram o seu interesse de forma particular para as obras de arte. Para além
do problema de saber o que é o belo, um dos problemas colocados pela teoria do
belo foi o da distinção entre o belo natural e o belo artístico. No mesmo
sentido também os defensores da teoria do gosto procuraram compreender porque é
que a arte está na origem de grande parte dos nossos juízos de gosto.
Em segundo lugar, a teoria do belo e a teoria do gosto não conseguem
dar conta de muitos dos problemas que se colocam com o conceito de arte. É o
caso das obras de arte que dificilmente podemos considerar belas e daquelas de
que não gostamos mas não podemos deixar de considerar obras de arte.
Em terceiro lugar, o desenvolvimento da arte consegue levantar problemas
acerca dos conceitos de belo e de gosto que estes não conseguem levantar acerca
da arte. Isso torna-se evidente quando, por exemplo, os gostos e a própria
noção de belo se podem modificar à medida que contactamos com diferentes obras
de arte (a ideia de que a arte educa os gostos e influencia a nossa própria
noção de belo).
2. Estética e filosofia da arte
É, pois, como filosofia da arte que a
partir de aqui irei falar de estética. A filosofia da arte é, por sua vez,
formada por um conjunto de problemas acerca da arte, para a resolução dos quais
concorrem diferentes teorias. Algumas dessas teorias e os argumentos que as
sustentam serão aqui discutidos, nomeadamente aquelas teorias que têm um
conteúdo aparentemente mais intuitivo, isto é, aquelas que colhem a adesão
espontânea de grande parte das pessoas que se defrontam pela primeira vez de
forma directa com o problema. São também as teorias mais antigas e que, embora
com um menor poder explicativo, gozam de uma popularidade assinalável.
2.1. O problema da definição de “obra de arte”
O primeiro problema que qualquer teoria da
arte tem de enfrentar é o problema da própria definição de “arte” ou de “obra
de arte”. Como podemos então definir “arte”? Para o saber temos de perceber
antes o que é definir algo.
Tipos de definições
Há quem defenda que definir um conceito é
dizer em que consiste e caso não saibamos defini-lo dessa maneira também não
estamos em condições de o utilizar adequadamente. Defender isto é o mesmo que
dizer que há apenas uma forma de definir conceitos, o que não é o caso. Ao
contrário do que é vulgar pensar, não existe apenas um tipo de definições.
Sabemos utilizar perfeitamente o conceito “azul” sem que, no entanto, o possamos
definir dessa maneira. Não o saber definir dessa maneira não é o mesmo que o
não poder definir. Para compreendermos isso é preciso distinguir dois tipos de
definições: definições explícitas e
definições implícitas.
Diz-se que uma definição é explícita quando
apresentamos as condições necessárias e suficientes do conceito a definir. Mas
o que são condições necessárias e suficientes? Oferecemos uma condição
necessária de X se apresentarmos uma propriedade que qualquer objecto tem de
ter para ser X. Por exemplo, se dissermos que uma mãe é alguém que já teve
filhos, estamos apenas a referir uma condição necessária para alguém ser mãe
(de facto ninguém pode ser mãe se não tiver tido pelo menos um filho); só que
isso não é suficiente, pois há pessoas que já tiveram filhos, como é o caso dos
homens com filhos, e que não são mães. A condição necessária aplica-se
a todas as mães, mas não tem de se aplicar só às mães. Temos, pois, de definir
“mãe” de tal maneira que a definição inclua as mães e só as mães, o que se faz
indicando a condição suficiente. Uma condição suficiente de X é uma
característica tal que se um qualquer objecto a possui, então esse objecto é X.
Isso indica-nos que se trata de uma característica de X e apenas de X. A
condição suficiente de X não nos garante, pois, a inclusão de tudo o que
queremos incluir na definição de X. Para dar um exemplo, é condição suficiente
viver no Algarve para viver em Portugal, embora essa não seja uma condição
necessária. Afinal de contas, as pessoas que vivem no Minho também vivem em
Portugal. Voltando ao meu primeiro exemplo, se quisermos dar uma definição
explícita de “mãe” teremos de dizer qualquer coisa como isto: “alguém é uma mãe
se, e somente se, é do sexo feminino e já teve filhos”. Ser do sexo feminino e
ter tido filhos são em conjunto propriedades suficientes para alguém ser mãe;
mas cada uma delas em separado é apenas condição necessária.
Já numa definição implícita
não temos de oferecer as condições necessárias e suficientes de um conceito.
Exigir, por exemplo, as condições necessárias e suficientes do conceito de
azul, é fazer uma exigência que não pode ser satisfeita. Penso que o mesmo
acontece também com o conceito de filosofia. Daí o embaraço do professor de
filosofia quando o aluno lhe pede que defina a disciplina que lecciona.
Significa isso que não podemos definir tais conceitos? Se estivermos a pensar
numa definição explícita, é claro que não. Mas é perfeitamente possível dar uma
definição implícita, que é o que fazemos com as crianças quando lhes queremos
ensinar as cores (e com os alunos quando nos perguntam o que é a filosofia) e o
que provavelmente teríamos de fazer se nos aparecesse por aí algum
extraterrestre interessado em compreender o que dizemos. Assim, para dar uma
definição de X, usamos esse conceito em situações diferentes de tal modo que,
ao fazê-lo, estamos a exemplificar as propriedades dos objectos que com X
queremos identificar. Diríamos, então, ao extraterrestre que o céu (poderíamos
até apontar) é azul, que o mar é azul, que as camisolas do Belenenses são
azuis, e por aí em diante.
Definições e caracterizações
Mas acontece, ainda assim, que muitas das
nossas definições implícitas nos deixam insatisfeitos. Precisamos de saber algo
mais acerca dos conceitos definidos. Algo que seja relevante para a compreensão
do conceito e que nos informe acerca das propriedades mais importantes dos
objectos que fazem parte da sua extensão. Para isso é que servem as caracterizações,
isto é, a apresentação das principais características daquilo que os conceitos
referem. No caso da filosofia, o professor pode apontar exemplos de problemas,
teorias e argumentos filosóficos. Estará assim a dar uma definição implícita de
filosofia. Mas pode e deve ir mais longe, fazendo acompanhar a sua definição de
uma caracterização. Nesse sentido, poderá referir o que distingue os problemas
filosóficos dos problemas científicos e religiosos; as teorias filosóficas das
teorias científicas, religiosas e artísticas, etc. É claro que tal caracterização nunca
irá ser exaustiva nem pacífica, mas, concordemos ou não com ela, sempre
clarifica aquilo que se tem em mente quando se usa tal conceito.
Utilização classificativa e valorativa de “arte”
Retomando o problema da definição de
“arte”, quero desde já esclarecer que o termo “arte” ou a expressão “obra de
arte” são frequentemente usados em dois sentidos diferentes: o sentido classificativo e o sentido
valorativo.
No primeiro destes dois sentidos não se tem em conta se uma
determinada obra de arte é boa ou não, mas apenas se cai ou não debaixo da
extensão do conceito de arte. Pretende-se apenas estabelecer se um certo
objecto deve ser classificado como obra de arte. Ao classificarmos um veículo
como automóvel nada dizemos acerca do seu valor como automóvel.
Mas, às vezes,
proferimos frases como “isto sim, é um automóvel”, em que o significado de
“automóvel” não é o mesmo que o apontado anteriormente. Estamos, neste caso,
perante um exemplo da utilização valorativa de “automóvel”, uma vez que com
esta expressão queremos manifestar de forma positiva a nossa apreciação do
veículo em causa, tal como o fazemos em relação a uma obra de arte ao afirmar
“este quadro sim, é uma obra de arte”. Aqui não estamos a classificá-la como
obra de arte, mas a avaliá-lo como obra de arte boa.
Estes dois usos são frequentemente confundidos e é imprescindível tê-los em mente quando se discutem as diferentes teorias da arte. (...)
Estes dois usos são frequentemente confundidos e é imprescindível tê-los em mente quando se discutem as diferentes teorias da arte. (...)
Aires Almeida
Trabalho realizado no âmbito da Acção de Formação “O Pensamento Crítico e a Tradição Socrática na Sala de Aula”, leccionada por Desidério Murcho.
In Critica
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