A Banalização do Medo
1. A propósito da emergência grave que vivemos, são os
especialistas e os decisores políticos que devem dizer o mais importante. Mas
desde que o Governo determinou a situação de alerta, o pânico foi alastrando e
contagiando boa parte dos portugueses. Nesta onda de mata e esfola, cresceu o
apoio a medidas mais drásticas e disso se ocupará o Conselho de Estado de hoje.
Porém, à democracia do medo (que tanto nos pode confrontar com o melhor como
com o pior dos comportamentos cívicos), incentivada agora por muitos dos que
foram imolando o SNS no altar da austeridade, preferia a democracia da
serenidade fundamentada e bem comunicada.
Repito que é grave o momento que o país atravessa. Mas,
por isso mesmo, não pode valer tudo e ficar sem coordenação a multiplicidade de
comandos com que o cidadão é confrontado (do Governo, de câmaras municipais, da
Direcção-Geral da Saúde, de distintas instituições públicas ou de empresas
privadas). Cruzam-se decisões pouco fundamentadas com análises em cascata,
criteriosas umas, simplesmente especulativas ou descuidadas outras (no último
Prós e Contras foi dito que teríamos 12 (sim, doze) milhões de portugueses
infectados dentro de poucos dias), tudo contribuindo para a banalização do medo
e escancarando portas a iniciativas, eventual e desnecessariamente atentatórias
de responsabilidades partilhadas e de direitos e liberdades.
Num cenário de colisão de respostas contraditórias a um
tema que provoca medos profundos, não chega a procura do melhor aconselhamento
técnico e científico, se não for conseguida a unificação das ordens, quer das
organizações nacionais, quer das europeias. A propósito do encerramento das
escolas, não foi salutar o registo de posições opostas entre o Centro Europeu
de Prevenção e Controlo das Doenças e o nosso Conselho Nacional de Saúde
Pública, sobrando deste a impressão de ser um organismo guiado por critérios
que ficaram parados no tempo, sem perceber o que mudou nos dinamismos de
mobilidade das sociedades actuais. Para dominar o contágio não chega a higiene sanitária.
Precisamos, também, de higiene social, para simplesmente não enclausurarmos
toda a vida.
2. Com o medo de ficarmos contaminados ou a angústia de
vermos adoecer familiares e amigos, esquecemos rápido o vírus da xenofobia
desumana que se abateu sobre milhares de refugiados, algures entre a Grécia e a
Turquia. Devendo ser a mesma, a banalização do medo tornou próxima a
fraternidade que dispensamos aos vizinhos e longínqua (para não dizer
inexistente) a que devíamos dispensar aos que nas nossas cidades não têm casa
para se recolher em quarentena ou aos que fogem da guerra, sem pão nem amor,
vindos não importa donde. É em momentos como este que a solidariedade
incondicional deve ser reiterada.
Muitas doenças, evitáveis ou pelo menos substancialmente
retardáveis por alteração de comportamentos ou estilos de vida, entram naquilo
que aceitamos (erradamente) como determinismos do nosso existir. As mortes que
provocam (porque dispersas no nosso desconhecimento da sua existência),
numericamente bem mais significativas do que as que esta pandemia vai causar,
não nos afligem como este confronto inesperado com a nossa fragilidade, para
mais sujeito a uma mediatização, que tanto informa validamente, como agita o
medo desnecessariamente.
3. O ministro da Educação afirmou que existe conhecimento
suficiente para garantir que o ensino a distância vai funcionar. Como sempre,
falou do que não sabe. Os ambientes de ensino não presencial que deu como
exemplos (atletas de alto rendimento e populações itinerantes), circunscrevem-se
a um exíguo número de professores e de alunos. Por outro lado, é sabido que
soluções de ensino a distância, com a dimensão em apreço, requerem recursos
tecnológicos e materiais de ensino que não existem no nosso sistema. Só a
ignorância e o atrevimento inconsciente podem levar alguém a admitir que se
passa do ensino presencial, massivo, para um ensino a distância, por simples
proclamação ministerial. Faltou-lhe só a imbecilidade de sugerir que o
Coronavírus abriu uma janela de oportunidade futura para substituir professores
por máquinas. Por este caminho, lá chegaremos!
Pela negativa, uma pandemia produz pânicos colectivos e
torrentes de informações falsas e contraditórias. Mas, pela positiva, pode
suscitar mudanças que, de outro modo, não se produziriam.
Santana Castilho
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