Ética em clima de
pandemia
Kant, Stuart Mill, ou Aristóteles. Uma corrente
deontológica, utilitarista, ou de virtude? Qual seguir? Agir bem em relação a
si próprio e aos outros, além de contribuir para conter a pandemia, fará de si
um cidadão do mundo em paz consigo próprio
Vou mesmo ficar em casa todo o dia? Vou
comprar mais comida ao supermercado? Vou publicar a minha opinião nas redes
sociais? Vou bater palmas à janela às 22.00? Vou confiar nas decisões das autoridades?
Nesta altura de pandemia em que somos chamados a tomar decisões individuais com
impacte importante na sociedade, como vamos conseguir lidar com a complexidade,
a incerteza e a necessidade de acção colectiva? Não é fácil, a nível
individual, compreender como agir. Será que a ética nos pode ajudar a decidir
“o que devo fazer?”.
A ética normativa é uma disciplina
filosófica que nos ajuda a fundamentar e argumentar de forma coerente as nossas
decisões e acções. É isso que precisamos agora, de pensar de forma estruturada
em como agir. Fazemos muitas coisas em “piloto automático”, julgamos muito os
outros e achamos muitas coisas sem o necessário conhecimento. A pandemia - uma
epidemia que ocorre em todo mundo, ao mesmo tempo – exige mais de nós. Exige
exercícios de reflexão, de introspeção, de chamarmos à coação os nossos valores
éticos. Exige responsabilidade e exige que sejamos construtivos.
Há diferentes correntes éticas, a
deontológica inspirada em Kant, a utilitarista inspirada em John Stuart Mill e
a ética das virtudes inspirada em Aristóteles que assentam em diferentes
estruturas de pensamento:
A deontologia é a teoria do dever e da
universalidade. Para decidir o que fazer pergunte “e se todos fizessem isto,
estaria certo?” se a resposta for não, então Kant diz-lhe que o seu dever é não
o fazer. “Se todos comprarem mais comida do que precisam, isso é bom?” A sua resposta
dá-lhe a pista sobre se deve, ou não, fazê-lo.
A teoria utilitarista diz que devemos agir
de forma a maximizar as boas consequências e minimizar as más. Não é universal
como a anterior, foca-se mais no contexto e nas consequências. “O que acontece
se eu não seguir as instruções sobre a quarentena?” Se a consequência da sua
resposta for uma maior probabilidade de apanhar o vírus ou contagiar alguém,
Mill dir-lhe-ia que é errado.
A ética das virtudes assenta mais na
pessoa e menos na acção, dando ênfase ao carácter individual onde tão
importante como a pergunta, “o que devo eu fazer?” é a pergunta de “como quero
eu ser?”. Aristóteles perguntar-lhe-ia “Que tipo de pessoa é que quer ser neste
contexto de pandemia?” e é a sua resposta que o ajudará a decidir o que fazer.
Nem sempre há respostas absolutamente
certas ou erradas, mas ao menos serão dadas de forma mais consciente e
informada. Por isso, confie num destes filósofos, e questione ou o
universalismo dos seus actos ou nas suas consequências ou em pensar que tipo de
pessoa quer ser. Ou então em todos, apesar das respostas poderem não coincidir,
o pluralismo ético faz parte da vida real. O essencial é conseguir fundamentar
e argumentar de forma coerente o que decidir principalmente quando estamos,
como agora, em contextos novos, complexos, difíceis e dilemáticos.
Em tempos de crise podemos ainda recorrer
à inspiração de grandes políticos: se nesta fase só se promete sangue, suor e
lágrimas (Churchill), então não espere só o que podem fazer por si, centre-se
no que pode você fazer (Kennedy) para ultrapassarmos todos, da melhor forma,
esta pandemia. Mesmo se aquilo que tiver que fazer, seja não fazer nada e ficar
de quarentena em casa.
A boa notícia é que a ética tem
intrinsecamente uma componente de harmonia ou felicidade e por isso agir bem em
relação a si próprio e aos outros, além de contribuir para conter a pandemia,
fará de si um cidadão do mundo em paz consigo próprio. Fica a ganhar duplamente.
*Sofia Guedes Vaz, Investigadora no IFILNOVA
e Presidente da Sociedade de Ética Ambiental
Expresso, 17.03.2020 às 11h51
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