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segunda-feira, 11 de maio de 2020

Deus e o Problema do mal



By João Martins


O problema do mal


O mundo em que vivemos está repleto de coisas más. Dor, fome, pobreza, tristeza, guerras, catástrofes e muitas outras coisas. Faz-nos pensar “Se eu fosse Deus, acabaria com tudo isso e faria um mundo melhor!” Dizem que Deus é criador, bom, omnipotente e omnisciente. Se assim fosse, o mal não existiria; um ser bom e com poderes ilimitados não criaria um mundo mau — criaria um mundo perfeito. Ao olharmos para o mundo e para os seus habitantes somos levados a concluir que o deus descrito atrás não existe.
Este é o problema do mal. Como podemos compatibilizar um mundo repleto de sofrimento com a existência de Deus? Dificilmente.
O problema do mal pode ser encarado de duas perspectivas distintas: por um lado temos os crentes, para quem o problema do mal é mais um desafio à fé que professam, talvez um Mistério da Fé; por outro, os não crentes, que encaram este problema como um argumento contra a existência de Deus.
Neste texto, irei abordar o problema do mal do ponto de vista do não crente e tentarei demonstrar que, contrariamente ao que o argumento nos diz, o mundo que conhecemos é compatível com Deus.


Deus

O argumento do mal contra a existência de Deus só se coloca quando se discute a existência de Deus tal como é defendida pelos teístas. Deus sabe tudo, pode fazer tudo, é infinitamente bom e criou o universo. Por saber tudo, sabe da existência do mal; por poder fazer tudo, pode eliminar o mal; por ser bom, quererá eliminar o mal; e por ter criado o universo é responsável pelo que fez. Se discutimos a existência de um deus que não reúna qualquer uma destas quatro características fundamentais, o problema do mal deixa de se colocar.
Importa detalhar um pouco o que se entende por um ser omnipotente e bom. Enquanto, neste contexto, a omnisciência de Deus não levanta grandes questões — Deus sabe do mal que existe no mundo — já a omnipotência e a bondade poderão originar alguns equívocos. Por omnipotência entende-se a capacidade de fazer tudo o que é logicamente possível. Assim, Deus poderá criar e destruir mundos, mas não poderá fazer um círculo quadrado ou um objecto demasiado pesado para Ele próprio levantar, dado que isto são impossibilidades lógicas. Quando dizemos que Deus é infinitamente bom, queremos dizer que Ele quererá fazer o melhor mundo possível, de acordo com critérios humanos.
Uma das maneiras de contornar o problema do mal seria afirmar que o conceito de bondade aplicado a Deus é diferente do aplicado aos seres humanos, pelo que, segundo os padrões de Deus, este seria o melhor mundo possível; o problema está em que, segundo este critério, não podemos afirmar que Deus é bom, uma vez que este conceito perde o seu significado.

Respostas possíveis

Assim, sendo Deus omnipotente, omnisciente, infinitamente bom e criador, como conseguimos compatibilizar o mundo que conhecemos, repleto de mal e sofrimento, com a Sua existência? Há diversos caminhos para responder a esta questão. Podemos justificar a existência do mal com base em bens maiores, proporcionados por esse mal. Temos assim o argumento do livre-arbítrio, que defende ser o sofrimento no mundo originado pela completa liberdade dos seres humanos — é um bem maior que origina o mal no mundo; temos também o argumento dos Santos e dos Heróis, que defende que o mal foi colocado no mundo para permitir a ocorrência de grandes feitos e actos de fé — é o mal que origina um bem maior.
Em qualquer uma destas explicações, e noutras da mesma natureza, faz-se uma tentativa de justificar e explicar todo o mal e todo o sofrimento do mundo. Ao justificar esse mal com recurso a um bem maior, deixa de ser contraditória a existência de Deus com o mundo que conhecemos.
Este tipo de argumento tem, quanto a mim, um problema de raiz: baseia-se numa análise dos propósitos e intenções de Deus. Como tal, apenas fará sentido depois de pressuposta uma determinada crença, não sendo possível contrariar a perplexidade dos não crentes perante o mal no mundo. Existem no mundo inúmeros factores que provocam quantidades exageradas de sofrimento — desde terramotos e outras catástrofes naturais a guerras e acções de extermínio provocado pelos seres humanos. Será que existe algum tipo de bem que justifique estes males? Qual é a justificação para a ocorrência de um terramoto que provoca milhares de mortes? Não seria possível para um ser omnipotente proporcionar esses alegados bens sem ter de recorrer a um terramoto? Estas e outras perguntas colocam sérios obstáculos aos argumentos de justificação do mal pela criação de bens maiores.
O argumento do mal é extremamente simples e, talvez por isso, muito forte; eventualmente mais forte do que qualquer justificação ou explicação do mal que consigamos arranjar. Se começamos por tentar explicar ou justificar a existência do sofrimento antes de conseguirmos demonstrar a sua compatibilidade com Deus, nunca conseguiremos ultrapassar o argumento do mal; a nossa argumentação ficará apoiada numa base muito fraca, de nada servindo contra a solidez do problema do mal.
O que eu defendo neste texto é que só conseguiremos ultrapassar o problema do mal, mesmo para aqueles que não crêem em Deus, se conseguirmos provar que a existência de um mundo sem mal é uma impossibilidade lógica. Se tal for conseguido, segue-se que nem a omnipotência nem a bondade de Deus são postas em causa pela existência do mal no mundo.

O argumento

Quando afirmamos que a quantidade de mal existente no mundo é incompatível com a existência de Deus estamos a afirmar duas coisas simultaneamente:
1.      Há demasiado mal no mundo.
2.      É possível a existência de um mundo melhor.
Caso 2 seja falsa, Deus, mesmo sendo omnipotente, terá criado o melhor dos mundos, pelo que o argumento do mal perde a sua força.
Não vou contestar 1, uma vez que me parece óbvia, mas irei desenvolver um pouco mais 2 com vista a provar a sua falsidade.
Quando dizemos que existe demasiado mal no mundo, estamos a basear-nos nas nossas próprias observações. É o ser humano, o ser que sofre, que diz que o mundo tem demasiado sofrimento; não poderia nunca ser de outro modo. O sofrimento, quando se trata de abordar o problema do mal, será sempre avaliado pelos humanos. Assim, as proposições 1 e 2 serão equivalentes, respectivamente, a:
1'. Quanto a nós, habitantes do mundo, existe demasiado mal no mundo
2'. É possível que exista um mundo que os seus habitantes considerem suficientemente bom.
O que eu defendo é que 2' é uma impossibilidade lógica, ou seja, que por muito pouco que seja o sofrimento ou mal existente num determinado mundo, este será sempre considerado exagerado pelos seus habitantes. Assim, o facto de nós considerarmos que o nosso mundo tem demasiado sofrimento não implica que seja um mundo mau; mesmo que o sofrimento existente fosse apenas uma ínfima parte do que agora conhecemos, continuaríamos a achar, com a mesma convicção, que o mundo era demasiado mau. Verifica-se assim, se 2' for falsa, que o mundo em que vivermos pode ser o melhor mundo possível, independentemente de nós concordarmos ou não. Note-se que esta afirmação é diferente de dizer que o conceito de bondade de Deus é diferente do conceito de bondade dos homens; o que se diz aqui é que os seres humanos não são observadores isentos e imparciais no que respeita a avaliar o mal do mundo.
A defesa do argumento

Vou agora apresentar argumentos que defendem que 2' é falsa — que não é possível que exista um mundo que os seus habitantes considerem suficientemente bom.
Analisemos antes de mais nada aquilo a que chamamos “sofrimento”. Quanto a mim, todo o sofrimento resulta de uma Necessidade por satisfazer. Temos as necessidades físicas, que são necessidades no verdadeiro sentido da palavra — se não forem satisfeitas resultarão em sofrimento físico e eventualmente em morte. Temos as necessidades psicológicas, que habitualmente designamos por “desejos” — aquilo que queremos; se não conseguirmos ter aquilo que queremos, sofremos. Note-se que o termo “necessidade” é utilizado com dois significados distintos: aquilo que precisamos e aquilo que queremos. Ao longo do texto utilizarei “Necessidade” para designar o conjunto daquilo que precisamos e daquilo que queremos e “necessidade” para designar apenas aquilo que precisamos.
Conseguimos enquadrar na fórmula das Necessidades por satisfazer todo o tipo de sofrimento: dor (necessidade de bem-estar), fome (necessidade de alimento), doença (necessidade de saúde e bem estar), saudade (necessidade de alguém de que gostamos), tristeza (necessidade de algo/alguém que não temos), etc.
Se pensarmos bem nos vários tipos de sofrimento que conhecemos, verificamos que todos se enquadram neste conceito. Verificamos também que a maioria dos sofrimentos que consideramos mais graves, aqueles que dizemos incompatíveis com Deus, dão-se quando a Necessidade por satisfazer é do tipo desejo — falta-nos aquilo que queremos, não aquilo que precisamos. No topo da escala está a morte. Considero que a morte é sofrimento na medida em que queremos viver, não que precisamos de viver, pelo que será um sofrimento psicológico; a dor eventualmente associada à morte é que será um sofrimento físico.
Em suma: temos necessidades e vontades que, quando não são satisfeitas, resultam em sofrimento.
Para demonstrar que, independentemente da quantidade de mal existente num dado mundo, este será sempre considerado demasiado mau pelos seus habitantes temos que provar os seguintes pontos:
3.      Um mundo sem qualquer tipo de mal não é um mundo bom.
4.     Um mundo com menos mal do que o nosso, por muito pouco que seja, será considerado demasiado mau pelos seus habitantes.

Imaginemos um mundo sem sofrimento. Um mundo sem sofrimento é um mundo em que os seus habitantes não têm Necessidades por satisfazer. Isto pode ser conseguido de duas formas: ou não têm Necessidades ou todas elas estão satisfeitas. Num mundo sem mal estas duas situações são equivalentes. Se todas as Necessidades estão satisfeitas, é o mesmo que não haver Necessidades. Poder-se-á dizer que nós, no nosso mundo, precisamos de água para beber, mas que por vezes essa Necessidade está satisfeita. No entanto, num mundo sem mal, essa Necessidade nunca esteve ou estará por satisfazer, pelo que os seus habitantes nunca tomaram consciência dela; para eles, será como se não tivessem Necessidade alguma. Um mundo sem qualquer tipo de Necessidade é um mundo sem emoções, sem sentimentos, sem movimento. Se não queremos nada nem precisamos de nada, por que razão fazer seja o que for? Se pensarmos cuidadosamente verificamos que um mundo sem qualquer tipo de Necessidade por satisfazer não é um mundo bom; com efeito, é um mundo que dificilmente conseguimos conceber.
Muito bem, diremos nós, um mundo sem mal não é um mundo bom. De qualquer modo, o sofrimento existente no nosso mundo é manifestamente exagerado. Podemos perfeitamente admitir um mundo em que possa haver sede, fome, alguns desejos não realizados e outras coisas mais, mas daí às guerras, terramotos e sabe-se lá mais o quê, vai um grande salto. Não temos dúvidas em afirmar que o sofrimento existente no nosso mundo é excessivo, sendo incompatível com a existência de Deus.

Isto leva-nos a 4, que diz que se existe sofrimento num determinado mundo, por muito pouco que seja, este será considerado demasiado pelos seus habitantes.
Um mundo com menos sofrimento do que o nosso, mas mesmo assim com algum sofrimento, será um mundo em que existem algumas, eventualmente poucas, Necessidades por satisfazer, que originam sofrimento.
Quanto a mim, cada indivíduo tem uma escala pessoal de sofrimento, que está relacionada com uma escala pessoal de Necessidades: uns resistem melhor à dor, outros são mais sensíveis, uns são mais fortes emocionalmente, outros choram por tudo e por nada. Situações semelhantes provocam em cada um de nós emoções diferentes e, se for o caso, sofrimentos diferentes. Isto deve-se a cada um de nós ter uma escala pessoal de Necessidades, dando uns mais valor a umas coisas do que a outras, precisando uns mais de umas coisas do que de outras. Todos precisamos ou desejamos diferentes coisas; e mesmo quando Necessitamos das mesmas coisas, a intensidade dessa Necessidade varia.

Podemos classificar as Necessidades da seguinte forma:

  • Necessidades latentes: São aquelas que ainda não foram consciencializadas por nós. Há coisas que queremos ou que precisamos mas que ainda não sabemos. Quando nascemos não sabemos que o ar nos faz falta. A necessidade do ar, nessa fase, é uma Necessidade latente. À medida que vamos crescendo o número de Necessidades latentes vai diminuindo, apesar de nunca desaparecerem por completo. Uma Necessidade latente deixa de o ser no momento em que se torna uma Necessidade por satisfazer, passando a ser uma Necessidade activa.
  • Necessidades activa: São aquelas que já conhecemos e que estão presentes no nosso pensamento. Uma Necessidade pode estar satisfeita, mas ser uma Necessidade activa. É o caso da necessidade do ar que respiramos — podemos não estar a sofrer com falta de ar, mas sabemos constantemente que nos é imprescindível. Uma Necessidade activa pode passar a Necessidade adormecida quando se afasta demasiado do nosso consciente. Todas as Necessidades por satisfazer são Necessidades activas.
  • Necessidades adormecidas: São aquelas que já conhecemos mas que, de momento, estão longe do nosso pensamento. Uma Necessidade adormecida é, basicamente, uma Necessidade activa que se foi afastando do nosso consciente. Se partimos uma perna, vivemos uma Necessidade por satisfazer aguda — a Necessidade que a perna fique boa. Mesmo depois de curar a perna conhecemos uma Necessidade activa, apesar de não estar por satisfazer, que a perna se mantenha boa. Ao fim de alguns meses ou anos deixamos de sentir essa Necessidade, passando esta a ser uma Necessidade adormecida — não pensamos mais na perna partida, será apenas uma vaga recordação.
A escala pessoal de Necessidades de cada um de nós, que está intimamente ligada com uma escala pessoal de sofrimento, é determinada pelo conjunto de Necessidades activas que vivemos no momento. Essa escala não é constante, varia ao longo do tempo em função dos inúmeros factores que determinam as nossas Necessidades.
Quando vivemos uma situação de Necessidade por satisfazer, o sofrimento por ela provocado será função da posição dessa Necessidade na nossa escala pessoal. Se a Necessidade não satisfeita está no topo da escala, sofremos muito, se está na base, sofremos pouco.
Se me telefonam a meio da noite a dizer que alguém que me é querido teve um acidente e faleceu, sofrerei imenso. No momento em que recebo o telefonema estou longe de imaginar que tal vai acontecer — a Necessidade que tenho dessa pessoa é uma Necessidade adormecida ou então activa mas distante da minha consciência. Como tal, a situação que estou a viver é de uma Necessidade por satisfazer elevadíssima, nesse momento é o topo da minha escala, não estou consciente de mais Necessidades que possam surgir naquele momento. Sofro imenso.

Por outro lado, imaginemos que houve um terramoto, com milhares de vítimas, num lugar onde diversas pessoas que me são queridas estão a passar férias; as notícias que tenho apontam para que ninguém tenha sobrevivido. Depois, recebo a notícia de que afinal apenas uma pessoa faleceu; o sofrimento que sinto será certamente elevado, mas inferior ao do exemplo anterior. As notícias precedentes aumentaram consideravelmente a minha escala de Necessidades activas. A morte de “apenas” uma pessoa já não está no topo da escala, passou a estar num nível mais abaixo.
Quantas vezes, ao viver uma situação de tristeza, não tentamos inconscientemente aumentar a nossa escala de Necessidades activa, para diminuir o sofrimento que sentimos. Pensamos naqueles que estão pior do que nós, tentamos imaginar que poderia ser pior; em suma, tentamos alargar a nossa escala de Necessidades activas, de modo a que a Necessidade por satisfazer que causa o nosso sofrimento desça um pouco de nível, diminuindo com isso o sofrimento que sentimos.
Voltemos agora ao mundo ideal, com algum sofrimento mas em menor quantidade do que o nosso. Para que este mundo tenha menos sofrimento temos duas hipóteses: ou existem menos Necessidades ou o seu grau de satisfação é maior. Qualquer uma destas situações resulta numa escala de Necessidades activas de menor amplitude — a quantidade de Necessidades por satisfazer é menor. No entanto, depois do que foi dito anteriormente, facilmente se verifica que qualquer criatura desse mundo que viva uma Necessidade por satisfazer do topo da sua escala, seja ela qual for, estará a sofrer intensamente. Mesmo que esse sofrimento seja provocado por uma unha encravada, se for o topo da escala de Necessidades activas, será um sofrimento atroz. Vemos situações destas todos os dias, especialmente com as crianças. Uma criança que viva numa família estável, com um nível de vida médio ou elevado, vive num mundo semelhante ao mundo que dizemos ideal, com pouco sofrimento. Com efeito, esta criança não conhece nenhum tipo de sofrimento que nós, adultos, dizemos ser elevado: não conhece a fome, a morte, a pobreza, a guerra nem nenhuma outra das desgraças do mundo. No entanto não podemos dizer que essa criança não sofre; quando quer algo que não pode ter o seu sofrimento será extremamente elevado, essa Necessidade por satisfazer está no topo da sua escala pessoal. Os pais dirão que é apenas uma birra, o sofrimento que o filho está a sentir não é nada comparado com o que existe à sua volta. Na escala de Necessidades dos pais, que já conhecem muitos outros tipos de sofrimento, a falta desse brinquedo está no nível mais baixo, se é que chega a figurar nela.
Alternativamente, podemos imaginar um mundo em que a escala de Necessidades activas seja bastante alargada, mas em que os seus habitantes apenas vivam situações “a meio da escala”. O problema desta hipótese está em que para a escala das Necessidades activas ser alargada será necessária uma tomada de consciência das Necessidades que a compõem, caso contrário estas passarão a Necessidades adormecidas ou então nunca deixarão de ser Necessidades latentes. Para uma Necessidade ser activa temos que tomar algum tipo de contacto com ela, seja porque foi uma Necessidade por satisfazer, mesmo que temporariamente, ou porque sabemos de alguém que a sofreu. Se o conhecimento que temos dessa Necessidade é muito afastado, não será uma Necessidade activa. Para qualquer um de nós, a necessidade que temos de um sistema solar estável é algo que está longe dos nossos pensamentos, é uma Necessidade latente muito reduzida; no entanto, se imaginarmos que o planeta Terra estará habitado pelos nossos descendentes daqui a alguns milhões de anos, quando se prevê que o Sol se expanda consumindo todo o sistema solar interior, esta Necessidade será fortíssima, estará certamente no topo da escala. Eventualmente dirão: “Um terramoto ou uma guerra mundial até seria compatível com Deus, agora um conjunto de planetas consumido por uma bola de fogo? Nunca!”
Em jeito de resumo podemos dizer que qualquer situação de Necessidade por satisfazer próxima do topo da escala de Necessidades activas será insuportável para quem a vive. Por outro lado, a escala pessoal de Necessidades activas, que condiciona o sofrimento, é definida pelo sofrimento máximo que conhecemos. Assim, num mundo em que haja sofrimento, por muito pouco que este seja, haverá necessariamente situações de sofrimento insuportável, do topo da escala do sofrimento, que serão consideradas por quem as vive como incompatíveis com Deus.
Conclusão

Prova-se assim que a existência de um mundo considerado bom pelos seus habitantes é logicamente impossível, pelo que um mundo considerado mau pelos seus habitantes não se torna incompatível com Deus. O nosso mundo é considerado mau pelos seus habitantes; mas daí não se segue que é incompatível com Deus.
Faço notar, para finalizar, que o argumento que defendo apenas nos diz que o mundo que conhecemos é compatível com a existência de Deus. Não podemos daqui inferir que Deus é bom, que Deus existe ou sequer que se Deus existisse, seria bom; não podemos a partir deste argumento justificar o mal que há no mundo, nem sequer concluir que o mundo é bom. O argumento apenas nos diz que não podemos retirar do problema do mal, tal como enunciado no início, que Deus não existe. A partir daqui podemos avançar para uma tentativa de justificar o sofrimento existente no mundo e, eventualmente, provar que este é o melhor mundo possível. Este caminho será, mesmo com base no argumento exposto, extremamente difícil; apesar de termos demonstrado que o problema do mal não é conclusivo quanto à existência de Deus, este continua a ser extremamente forte.
Aquele que coloca o problema do mal poderá sempre dizer que, no mundo em que vivemos, as situações de sofrimento do topo da escala média dos humanos são muito mais frequentes do que o necessário. Seria suficiente um terramoto de vinte em vinte anos para “alargar” a nossa escala de sofrimento, resultando isso num sofrimento médio mais reduzido. Por outro lado, o crente poderá dizer que não é bem assim, que nos parece a nós que o sofrimento é todo do topo da escala porque, em face de situações de sofrimento elevado, temos tendência para esquecer o sofrimento mais reduzido.
Podemos agora dizer, seguramente, que um mundo com mal é compatível com Deus; mas será que podemos dizer que o nosso mundo, com o mal que nele existe, também o é?
Fica a pergunta, faltam as respostas.

Jaime Quintas
Leituras

·             Richard Swinburne, “Por que Razão Deus Permite o Mal” in Será que Deus Existe?, Cap. 6 (Gradiva, 1998)
·             Brian Davies, “God and Evil” in An Introduction to the Philosophy of Religion, cap. 3 (Oxford University Press, 1993)
·             J.L. Mackie, The Miracle of Theism (Oxford, 1982)
In Critica



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