Kant,
Mill e Rawls: perguntas e respostas
A ética deontológica de Kant
(1724-1804)
1. O que
é o Problema da Fundamentação da Moral?
O Problema da Fundamentação da Moral coloca, precisamente, a reflexão entre o que torna uma acção moralmente boa ou não.
2. Que questões coloca?
- Qual o fundamento de
uma acção moralmente boa?
- Qual o critério que
distingue uma acção eticamente correcta?
- Será a intenção como
defende Kant?
- Serão as
consequências de uma acção, como defende Stuart Mill?
3. Que respostas, a este problema, estudamos nós?
A
ética deontológica de Kant e a ética utilitarista de Stuart Mill.
4. Porque
é que a ética de Kant é
deontológica?
Designa-se a ética kantiana como sendo deontológica porque esta defende que o valor moral de uma acção reside em si mesma e não nas suas consequências - ou seja, na sua intenção.
Qual o estatuto
da Moral, segundo Kant?
A Moral, segundo Kant, prescinde da Religião - a Moral
não necessita da religião e nem da ideia da existência de um ser superior que a
motive, isto é, um ser superior que levaria o homem a agir moralmente em
referência a este ser. A Moral, afirma Kant, não precisa da religião porque
basta-se a si mesma em função da razão pura prática.
5. O que é a boa vontade?
É a faculdade de escolher aquilo que a razão reconhece como bem.
6. Que características
tem a boa vontade?
Tem valor intrínseco, absoluto e incondicional, a boa vontade é boa em si mesma e por si mesma e não pela capacidade de alcançar certos fins.
7. No exemplo: Uma
rapariga que está numa cadeira de rodas, quer salvar uma criança de se afogar,
mas não consegue. A sua vontade é ou não uma boa vontade?
A sua vontade não deixa de
ter valor, apesar da rapariga não ser capaz de salvar a criança.
8. Qual a importância da intenção na ética de Kant?
Na avaliação moral das
acções, a única coisa que interessa são as intenções do agente e não as
consequências daquilo que fazemos. Uma pessoa de boa vontade poderá ter uma boa
intenção e daí resultarem más consequências- mas ela não é má por isso.
9. No exemplo: um
comerciante que não engana os seus clientes por receio de poder ser multado –
este terá uma boa intenção?
Não, não tem boa
intenção e não tem uma vontade boa. Embora o comerciante tenha agido no âmbito
legal, a sua acção é moralmente reprovável, mesmo que as consequências sejam
boas para os seus clientes.
10. Quando é que, segundo Kant,
uma acção é moralmente correcta?
Só e quando resultar da
intenção de cumprir o dever.
11. Dê exemplos de duas acções que
podem ter consequências igualmente boas e uma delas não ter valor moral.
12. Porque é que, segundo
Kant, só o agir por dever é o único agir com valor moral?
Porque é o único agir que
respeita de forma incondicional as ordens da nossa razão, que não age submetido
a qualquer tipo de interesse ou inclinação
13. Qual a importância da intenção na ética de Kant?
A
intenção é, para Kant, muito importante para avaliar a correcção moral de uma
acção. Na avaliação moral das acções, a única coisa que interessa são as
intenções do agente e não as consequências daquilo que fazemos. Sem
conhecermos as intenções dos agentes não podemos determinar o valor moral das
acções. Na verdade, uma acção pode não ter valor moral apesar de ter boas
consequências. Quando é que a intenção tem valor moral ou é boa? Quando o
propósito do agente é cumprir o dever pelo dever.
14. Segundo Kant, porque é que só o agir por dever é
o único agir com valor moral?
Porque
é o único agir que respeita de forma incondicional as ordens da nossa razão,
que não age submetido a qualquer tipo de interesse ou inclinação.
15. No exemplo: O Gabriel ajudou uma senhora de idade a atravessar a
rua- será que Gabriel agiu por dever?
O Gabriel
praticou esta acção, porque sabe que é seu dever ajudar pessoas idosas. Neste
caso, o Gabriel cumpriu o dever (ajudar a senhora de idade) pelo próprio dever
(pela própria obrigação moral de ajudar pessoas de idade).
16. Se o Gabriel tivesse ajudado a senhora de idade a atravessar a rua para
ser conhecido pelos familiares desta, estaria a agir por dever?
Não.
Segundo Kant, estaria a agir em conformidade com o dever e não por dever, pois
a intenção de Gabriel seria ser reconhecido pelos familiares da senhora - ou
seja, agiu por motivações extrínsecas.
17. Identifique e caracterize os tipos de acção defendidos por Kant.
Acções
por dever: Uma acção é moralmente correcta se resultar da intenção de
cumprir o dever. Só o agir por dever é o único agir com valor
moral. São legais e morais.
Acções
em conformidade com o dever: Ações conformes ao dever são ações que têm
como única motivação o cumprimento do dever, mas um interesse pessoal. São
ações que cumprem o dever com a intenção de evitar uma má consequência – perder
dinheiro, reputação – ou porque daí resulta uma boa consequência – a satisfação
de um interesse. São legais e imorais.
Acções
contra o dever: Ações contrárias ao dever são ações que violam o
dever. Por exemplo, matar, roubar, mentir. São ilegais e imorais.
18. Pode uma acção ser conforme ao dever e não ser por dever?
O
que determina se uma ação é realizada por dever ou em conformidade ao dever é a
sua intenção. Duas ações podem ter as mesmas consequências, mas só a que é realizada
com a intenção de cumprir o dever pelo dever é uma ação por dever.
19. Mas como é que podemos saber qual o nosso dever em cada situação
da vida?
Obedecendo
à lei Moral.
20. O que é a lei Moral?
A
lei moral é uma lei da nossa consciência racional que exige que se cumpra
o dever por dever. A lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo
cumprimento de certas normas como não matar, não roubar e não
mentir. Obedeço à lei moral quando respeito absolutamente o dever, quando
não preciso de mais nenhum motivo – a não ser a honestidade – para cumprir o
dever (para ser honesto).
21. Quais as caracteristicas da Lei Moral?
A
lei moral
é: incondicional, racional, formal, universal, absoluta
e objectiva.
22. Por que razão, Segundo Kant, a lei moral tem um caráter formal?
Porque
me diz a forma como é correto cumprir o dever. Não é uma regra concreta como
«Não matarás!» mas um princípio geral que deve ser seguido quando cumpro essas
regras concretas que proíbem o roubo, o assassinato, a mentira. A
lei moral, segundo Kant, diz-nos como cumprir esses deveres, qual a forma
correta de os cumprir. Assim sendo, é uma lei puramente racional e
puramente formal.
23. Por que razão, segundo Kant, a lei moral tem a forma de um
imperativo categórico?
A
lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo cumprimento de certas normas
como não matar, não roubar e não mentir. A palavra imperativo designa
dever, ordem, obrigação. A palavra categórico significa absoluto,
incondicional. Assim, respeitar a lei moral ou o que ela ordena é uma
obrigação absoluta. O que a lei moral ordena – cumprir o dever por puro e
simples respeito pelo dever – é, para Kant, uma exigência que tem a forma de um
imperativo categórico. Ordena que uma ação boa seja realizada pelo seu
valor intrínseco, que seja querida por ser boa em si e não por causa dos seus
efeitos ou consequências. O cumprimento de deveres como não roubar
ou não mentir é uma obrigação absoluta.
24. O
que são deveres absolutos?
Deveres
absolutos, ou perfeitos, são deveres que não admitem exceções, são deveres
incondicionais (não dependem de condições ou interesses) - é
obrigatório respeitar de forma absoluta.
25. Por que razão o cumprimento do dever é uma obrigação absoluta ou
categórica?
Se
cumprir o dever dependesse dos nossos interesses ou sentimentos, teríamos a
obrigação, por exemplo, de cumprir a palavra dada apenas em certas condições,
mas não sempre. Esta obrigação dependeria, digamos, do desejo de ficarmos
bem vistos aos olhos de Deus ou aos olhos dos outros, do desejo de agradar a
alguém, etc. Se agradar a Deus ou aos outros deixasse de nos preocupar, a
obrigação de cumprir a palavra dada simplesmente desapareceria. Ora,
não é isso que deve acontecer, segundo Kant. Continuamos a ter o dever de
cumprir a palavra dada quer isso nos agrade quer não.
26. Qual o critério que nos permite saber se uma acção exprime um dever
moral?
Critério
da universalização - Se for possível universalizar a máxima, ela expressa um
dever moral. Se não for possível, não expressa. Sabemos qual o nosso
dever, em cada situação da vida, quando cumprimos o IMPERATIVO
CATEGÓRICO!
27. Relacione Lei Moral e Imperativo Categórico?
A
lei moral exprime-se sob a forma de imperativo categórico. Kant considera
que mentir, roubar ou matar não são acções morais pois estas não são
universalizáveis. A nossa obrigação moral assenta no seguinte: as
nossas máximas (lado subjectivo do querer) devem ser possíveis de se
tornarem universais – temos de cumprir a lei moral que se exprime no
imperativo categórico.
28. Que tipos de Imperativos refere Kant?
Kant
distingue dois tipos de imperativos: imperativos
hipotéticos e imperativos categóricos. Os imperativos
hipotéticos são ordens que expressam deveres relativos, isto é, deveres
que devemos cumprir na condição de querermos ou desejarmos uma dada
coisa. Os imperativos hipotéticos existem quando impõem
uma condição (fruto de um desejo). Exemplo: “Se eu estudar, vou para a
Universidade”.
29. Porque é que, segundo Kant, a nossa obrigação moral não se pode
apoiar no imperativo hipotético?
Se
a moralidade, em Kant, se baseasse no imperativo hipotético, por exemplo, nós
só teríamos obrigação de ajudar os outros em certas circunstâncias e
não em todas. Segundo Kant é nosso dever ou obrigação ajudar o outro em
todas as circunstâncias. Os imperativos hipotéticos expressam
acções conformes ao dever. Uma obrigação (ou imperativo) é hipotética
quando existe apenas em certas condições, mas não noutras. Tenho a obrigação de
estudar para os exames de acesso a Medicina apenas na condição de querer ser
médico. Esta obrigação apenas existe em função de o agente ter um certo desejo.
Se o agente abandonar o desejo relevante, a obrigação desaparece também.
30. Exemplifique Imperativos hipotéticos.
"Deves
cumprir o Código da Estrada se não queres ser multado”; “Se queres
ser admirado pelos teus concidadãos, deves fazer apenas acções que a comunidade
aprove".
31. Que tipos de acções expressam os imperativos hipotéticos?
Os
imperativos hipotéticos expressam acções conformes ao dever.
32. Em que assenta a nossa obrigação moral?
A
nossa obrigação moral assenta no seguinte: as nossas máximas (lado
subjectivo do querer) devem ser possíveis de se tornarem universais –
temos de cumprir a lei moral que se exprime no imperativo categórico. Kant
conclui que a obrigação de não mentir (como todas as outras obrigações morais),
não são hipotéticas.
33. Qual a nossa obrigação moral básica?
Devemos
agir segundo máximas que todos possam também seguir. Esta obrigação moral
é o fundamento de todas as nossas obrigações morais particulares. Mentir,
roubar ou matar pessoas inocentes, não é permissível pois as máximas destas
acções não são universalizáveis. As Obrigações morais particulares como
não mentir, não roubar ou não matar pessoas inocentes, têm em comum o facto de
as suas máximas (A regra/norma que é proposta pela acção) serem
universalizáveis.
34. Como é que a fórmula da lei universal determina se uma máxima expressa um dever moral?
Verificando se ela é universalizável, isto é, se é possível que todos ajam segundo essa máxima - Se for possível universalizar a máxima, ela expressa um dever moral. Se não for possível, não expressa.
35. Porque é que o Imperativo Categórico é o
imperativo da Moralidade?
O Imperativo categórico é uma ordem ou obrigação absoluta e incondicional. O Imperativo categórico é acessível a qualquer ser racional, basta usar a razão para o descobrir – são imposições da própria razão e não imposições exteriores a ela (Exemplo: os mandamentos da igreja), ou seja, o homem obedece à sua própria lei.
36. Relacione o Imperativo Categórico e as inclinações
sensíveis?
Para Kant, agir moralmente bem é agir racionalmente e não em função das inclinações sensíveis (Exemplo: pena, compaixão ou medo), as nossas acções se agimos motivados pelas inclinações sensíveis não são moralmente correctas pois não são racionais.
37. Podemos não obedecer ao Imperativo
Categórico?
Podemos não obedecer ao Imperativo Categórico (campo da Moralidade) como podemos não obedecer às regras do nosso país (campo da Legalidade) – mas quem desobedece a essa ordem não age correctamente, ou seja, não age de acordo com as suas obrigações morais.
38. Apresente as formulações do Imperativo categórico.
As duas formulações do imperativo a que Kant
dá mais importância são a fórmula da lei universal e a fórmula da Humanidade.
A primeira diz que devemos agir apenas
segundo uma máxima tal que possamos querer ao mesmo tempo que se torne uma lei
universal; A primeira formulação do imperativo categórico determina se uma
máxima expressa um dever moral verificando se ela é universalizável, isto é, se
é possível que todos ajam segundo essa máxima. Se for possível
universalizar a máxima, ela expressa um dever moral. Se não for possível, não
expressa.
“Age apenas segundo uma
máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal”.
A segunda afirma que devemos agir de tal
maneira que usemos a humanidade, tanto na nossa pessoa como na pessoa de
outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.
Dê um exemplo de uma máxima que não possa ser
universalizável.
Eva precisava de
dinheiro. Pediu algum dinheiro emprestado a Bernardo com a promessa de lho
devolver. No entanto, já tinha a intenção de não lhe devolver o dinheiro.
Eva agiu de acordo com a seguinte máxima: “Sempre que precisar de dinheiro,
peço o dinheiro emprestado, mas com a intenção de não o devolver”. Em termos
mais gerais a regra que orienta a ação de Eva é esta: “Mente sempre que isso
for do teu interesse”.
A máxima da acção da
Eva (“Mente sempre que isso se tornar vantajoso para ti” )não pode ser
universalizada, logo, a sua acção não decorre de um imperativo categórico (A
Eva não gostaria que todos lhe mentissem) mas sim de um imperativo hipotético.
A Eva agirá
incorrectamente sempre que mentir.
Poderá esta máxima ser
universalizada? Não será contraditória? O que aconteceria se esta regra fosse
universalizada, se funcionasse como modelo para todos, se todos a seguissem?
Ninguém confiaria em ninguém.
Ora, a mentira só é
eficaz se as pessoas confiarem umas nas outras. É preciso que Bernardo confie
em Eva, para poder ser enganado por ela. Mas se eu souber que todos mentem
sempre que isso lhes convém, deixarei de confiar nos outros e por isso Bernardo
não confiará em Eva.
Não vale a pena Eva
prometer porque Bernardo não irá acreditar em nada que ela diga. Logo, Bernardo
não lhe iria emprestar o dinheiro se a máxima de Eva fosse uma lei universal.
Por estranho que pareça, ao exigir que todos mintam, estou a tornar a mentira
impossível.
A segunda afirma que devemos agir de tal
maneira que usemos a humanidade, tanto na nossa pessoa como na pessoa de
outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.
Age de tal maneira que
uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e
simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.
Segundo esta fórmula, cada ser humano é um fim em si e não um simples meio. Será moralmente errado instrumentalizar um ser humano, usá-lo como simples meio para alcançar um objetivo. Os seres humanos têm valor intrínseco, absoluto, isto é, dignidade. Neste sentido, a vida de um ser humano não vale mais do que a de outro.
39. Dê um exemplo em que se trata o outro como um meio
e não como um fim.
O Gervásio que está a estudar engenharia
aero espacial conheceu o Aniceto na faculdade e após os primeiros
encontros apercebeu-se que os pais do Aniceto possuem uma grande empresa de
material aeronáutico o que lhe pode trazer benefícios em termos de carreira
profissional futura.
Gervásio, embora não desgoste da companhia
de Aniceto, antevê nessa relação uma possibilidade de ascensão na sua vida para
conseguir ganhar muito dinheiro e o afastar de uma vida simples e remediada em
que sempre viveu.
Estará Gervásio a agir moralmente bem?
Será Aniceto visto por Gervásio como um
fim ou um meio?
OUTRO EXEMPLO:
A pessoa que pede
dinheiro emprestado e não o devolve está a encarar a pessoa a quem pede
dinheiro como um meio para obter um outro fim, está a colocar a pessoa ao
serviço dos seus interesses.
É evidente que está a
tratá-la como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece
respeito, consideração.
Pensa unicamente em
utilizá-la para resolver uma situação financeira grave sem ter qualquer
consideração pelos interesses próprios de quem se dispõe a ajudá-la.
40. A segunda formulação do imperativo
categórico impede-nos de tratar os outros como meios?
Não. Se impedisse, poria
em causa a própria existência da sociedade e de muitas relações entre os seres
humanos, que dependem de que nos tratemos uns aos outros como meios para os
nossos fins.
O que a segunda formulação
do imperativo categórico proíbe é que tratemos os outros apenas como meios para
os nossos fins, sem qualquer respeito pela sua dignidade e racionalidade.
41. Qual é a função destas duas fórmulas? Para que servem?
Para sabermos, em cada circunstância da vida, se a ação que queremos praticar está, ou não, de acordo com a moral, temos de perguntar se aquilo que nos propomos fazer poderia servir de modelo para todos os outros e se não os transforma em simples meios ao serviço dos nossos interesses. Se faltar a uma promessa, não é algo que todos possam imitar e viola os direitos dos outros, então temos a obrigação de não o fazer, por muito que isso nos possa custar; se mentir não serve de modelo para os outros e os reduz a meios que usamos para satisfazer o nosso egoísmo, então não temos o direito de abrir uma exceção apenas para nós.
O imperativo categórico promove a ideia de imparcialidade na medida em que só podemos universalizar a máxima da nossa ação se não nos deixarmos influenciar pelos nossos interesses e pelo egoísmo.
O principal objetivo de Kant ao apresentar as duas formulações do imperativo categórico, sobretudo a segunda fórmula é mostrar que a sua é uma ética do respeito absoluto pelos direitos da pessoa humana e não simplesmente uma ética do dever.
Kant atribui a estas duas formulações do imperativo
categórico a função de critérios para determinar se uma máxima expressa ou não
um dever moral.
42. Qual o conceito de Pessoa, para Kant?
Cada ser humano é um fim em si e não um simples meio.
Será moralmente errado instrumentalizar um ser humano,
usá-lo como simples meio para alcançar um objetivo.
Os seres humanos têm valor intrínseco, absoluto, isto
é, DIGNIDADE.
Neste sentido, a vida de um ser humano não vale mais
do que a de outro..
A pessoa tem de ser tratada sempre como um fim em si
mesma e nunca como um meio, porque é o único ser de entre as várias espécies de
seres vivos que pode agir moralmente.
Se não existissem os seres humanos, não poderia haver
bondade moral no mundo e, nesse sentido, o valor da pessoa é
absoluto.
Enquanto as coisas ou objectos têm preço porque podem ser trocadas por outras, as pessoas têm dignidade, são um valor absoluto.
Para Kant, a pessoa tem de ser tratada sempre como um
fim em si mesma e nunca somente como um meio, porque é o único ser de entre as
várias espécies de seres vivos que pode agir moralmente.
43. Para Kant, quais os dois os dois critérios sem os quais não podemos atribuir moralidade às nossas acções?
A. o agirmos de acordo com uma máxima universal e
B. o agirmos encarando os outros como fins em si mesmos e não simplesmente como meios, critérios esses que se permutam entre si.
44. Distinga Autonomia e Heteronomia da Vontade.
A autonomia da vontade designa a capacidade de a vontade decidir respeitar uma lei – a lei moral – que exige o respeito absoluto pela dignidade e autonomia da pessoa humana.
Agir
em função dos mandamentos da igreja, por exemplo, é, para Kant,
fruto da heteronomia da vontade já que esta é determinada
por algo exterior.
O Imperativo Categórico é a expressão
da autonomia da vontade: O conceito de autonomia quer dizer “lei que se dá
a si mesmo” e é o oposto de heteronomia da vontade que é uma lei que
os outros nos fazem cumprir.
45. Caracterize a Vontade Autónoma
É a vontade que age com a intenção de
cumprir o dever pelo dever. Por isso é também dita uma boa vontade ou uma
vontade que respeita a lei moral.
A autonomia da vontade não é fazer o que
apetece.
O agente autónomo aceita a lei moral porque essa lei é
criada por ele mesmo, quando faz escolhas morais imparciais e desinteressadas
determinadas pela sua razão.
Uma vontade autónoma é uma vontade puramente racional,
que faz sua uma lei da razão, que diz a si mesma «Eu quero o que a lei moral
exige”.
Ao agir por dever obedeço à voz da minha razão e nada
mais.
46. Caracterize a Vontade Heterônoma.
É a vontade que não cumpre o dever pelo
dever.
Não é uma boa vontade.
O cumprimento do dever não é razão
suficiente para agir tendo de se invocar razões externas como o receio das
consequências, o temor a Deus, etc.
A vontade submete-se a autoridades que não a
razão.
É a vontade que é incapaz de vencer o
conflito entre o dever e os interesses e inclinações sensíveis.
Nestas circunstâncias, a vontade não tem a
razão como fonte da obrigação e rege-se pelo que a religião ou a sociedade em
geral pensam, o que é um sinal de menoridade moral.
47. Assim….
À capacidade do indivíduo agir de acordo com a lei
moral denomina Kant de autonomia da vontade.
Autonomia da vontade porque o indivíduo não está a
agir condicionado pelos seus interesses ou inclinações sensíveis, mas num puro
respeito pela lei da sua própria consciência racional.
Ao obedecer à lei moral, estou a obedecer a uma lei da
minha própria razão.
Kant denomina esta vontade que cumpre o dever pelo
próprio dever de boa vontade. ( A autonomia da vontade identifica-se em Kant
com o agir que cumpre o dever pelo próprio dever.)
Por sua vez, à incapacidade do indivíduo determinar a
sua conduta pela lei moral chama Kant vontade heterónoma.
A vontade heterónoma é aquela que cumpre o dever, não
por dever, mas por interesse, mas também a vontade que simplesmente não cumpre
o dever.
Ex.:
Cumprir o dever porque a sociedade o exige, porque Deus o requer ou porque os
meus pais querem é, para Kant, aquilo que é próprio de uma vontade heterónoma,
porque cumpro o dever, não por dever, mas por interesse (nos vários casos do
exemplo apresentado, porque alguém – sociedade, Deus ou pais – me diz que devo
cumprir o dever).
[Nota:
A vontade heterónoma em Kant identifica-se com o agir apenas em conformidade
com o dever.]
48. Mas por que razão
haveremos nós de obedecer à lei moral?
Kant diria que a lei moral
é uma lei da nossa razão e é a racionalidade que nos constitui como seres
humanos e nos distingue das outras espécies.
Ora, como nós não queremos
agir como agem os animais das outras espécies, então o nosso dever enquanto
seres humanos é o de agir de acordo com a lei moral.
Agir de acordo com a lei
moral é aquilo que nos constitui como seres livres, porque não ajo condicionado
por qualquer interesse ou inclinação, mas num respeito puro e incondicional à
lei da minha própria razão.
É este agir livre,
enquanto pura obediência às ordens da nossa razão, que nos constitui igualmente
como pessoas, seres com a capacidade de agir moralmente.
49. Que criticas podemos fazer à ética de Kant?
· É uma ética formal, ou seja, sem conteúdo - não
diz o que devemos ou não fazer mas como devemos agir;
· É universal ou universalizante - aplica-se a todas as
situações, independentemente das circunstancias particulares;
· Dificilmente dá resposta a situações de conflito -
dilemas morais;
· Defende princípios morais absolutos (nem sempre
aplicáveis a situações concretas);
· Desvaloriza a dimensão afectiva do homem
(sensibilidade e inclinações que se exprimem nas máximas);
· Compaixão, simpatia e piedade não são tidas em conta
na ética de Kant ( só o sentido do dever é relevante para o agir moral);
·
Valoriza a razão como única dimensão humana (A lei
moral é racional);
· Não tem em conta as consequências da acção, que em
alguns casos são importantes para a analise do valor moral de uma acção;
·
E rigorista, tem um rigor excessivo não admitindo
excepções;
· Não busca a felicidade pois defende que esta é um
ideal da imaginação e não da razão porque não há consenso acerca do que é a
felicidade!
·
Dá pouca ajuda aos casos práticos da vida;
· Se eu tenho o dever de proteger os amigos e de dizer a verdade - se um aspecto exigir a quebra do outro, como resolver os dois deveres em conflito?
A ética utilitarista de Stuart Mill
(1806-1873)
1. O que distingue Stuart Mill de
Kant?
"Kant, esse
«homem notável, cujo sistema de pensamento permanecerá por muito tempo como um
dos marcos na especulação filosófica, estabelece, realmente, no tratado em
questão [a Fundamentação da Metafísica dos Costumes], um primeiro
princípio universal como origem e fundamento da obrigação moral; é este: “Age
de tal maneira que a regra da tua ação possa ser adotada como lei por todos os
seres racionais”. Mas quando começa a deduzir deste preceito qualquer um dos
deveres reais da moralidade, fracassa, de forma quase grotesca, em demonstrar
que haveria qualquer contradição, qualquer impossibilidade lógica (para não
dizer física), da adoção por todos os seres racionais das regras de conduta
mais revoltantemente imorais. Tudo o que demonstra é que
as consequências da sua adoção universal seriam de tal ordem que
ninguém escolheria sofrê-las.»
John Stuart
Mill, Utilitarismo.
“O motivo nada tem a
ver com a moralidade da ação, embora tenha muito a ver com o valor do agente.
Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correto, quer o
seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo; quem trai
a confiança de um amigo, é culpado de um crime, ainda que o seu objetivo seja
servir outro amigo para com o qual tem deveres ainda maiores”.
Stuart Mill, Utilitarismo
2.
O que é o Utilitarismo?
O utilitarismo é uma teoria filosófique propõe o
Princípio da Maior Felicidade como único critério de moralidade. O
Utilitarismo é uma ética consequencialista e é uma teoria hedonista.
3. Porque é que a ética de Stuart Mill e
uma Ética Consequencialista?
Considera–se
que a ética de Mill é consequencialista porque defende que o valor moral de uma
ação depende das suas consequências.
É
boa a ação que tem boas consequências ou dadas as circunstâncias melhores
consequências do que ações alternativas.
A
ação é avaliada pelas suas consequências e o motivo ou a intenção não são
decisivos porque se referem ao carácter do agente e não à ação em si mesma.
Não
há ações particularmente boas.
Para
o utilitarista, as ações são moralmente corretas ou incorretas conforme as
consequências: se promovem imparcialmente o bem-estar, são boas. Só as
consequências as tornam boas ou más. Assim sendo, não há, para o utilitarista,
deveres que devam ser respeitados em todas as circunstâncias.
Não
há deveres morais absolutos.
O
utilitarista defende uma perspetiva consequencialista – são as consequências de
um ato que determinam se este é certo ou errado.
Concepção
ética de índole utilitarista que considera que a moralidade de uma acção
depende unicamente das suas consequências.
Defende
que devemos escolher a acção que tem as melhores consequências globais.
4. Porque é que a ética de Stuart Mill e
uma Ética Hedonista?
O
princípio moral em que se baseia o utilitarismo é o princípio da Utilidade ou
da Maior Felicidade.
Chama-se
hedonismo (grego hédonê, prazer) a este tipo de concepção (prazer entendido
como felicidade para o maior número de pessoas).
Todas
as atividades humanas têm um objetivo último, isto é, são meios para uma
finalidade que é o ponto de convergência de todas.
Esse
fim é a chamada felicidade ou bem-estar.
Procuramos
em todas as atividades a que nos dedicamos viver experiências aprazíveis e
evitar experiências dolorosas ou desagradáveis.
Esta
perspectiva que identifica a felicidade com o prazer ou o bem-estar tem o nome
de hedonismo.
5. O que é que faz com que uma acção seja boa?
Uma
acção é boa quando promove a felicidade. A felicidade é “única coisa desejável
como fim” e, por isso, boa em si mesma. A felicidade é um estado de bem-estar,
de prazer e ausência de dor ou sofrimento.
6. O que é que, segundo Stuart Mill, torna as
acções boas ou más?
É
boa a acção que trouxer maior felicidade para o maior número de pessoas.
A felicidade é o prazer e a ausência de dor, os únicos fins desejáveis
7. Qual o critério para avaliar as acções?
O
critério de moralidade, segundo Stuart Mill, são as consequências previsíveis
da acção. Por isso, a Acção Moral ou boa é aquela que traz mais felicidade ao
maior número de pessoas
8. Será que uma acção é boa porque, uma vez
realizada, promove o bem de alguém?
Devemos
procurar agir de forma a promover a felicidade de todos os que são afetados
pela ação (incluindo a felicidade do próprio agente).
A
minha ação é correta se promover de forma imparcial (ou seja, sem distinções)
os interesses de todas e cada uma das pessoas implicadas pela ação, sendo o
interesse de cada pessoa a obtenção da felicidade.
9. Qual a finalidade da moralidade, segundo
Stuart Mill?
A
finalidade da moralidade é a felicidade
O
critério de moralidade das acções (o que torna uma acção boa) é a sua
utilidade, o seu contributo para criar a maior felicidade
Fazer
uma opção moral exige inventariação e avaliação das consequências possíveis
para se poder escolher a que previsivelmente produzirá mais felicidade ou
bem-estar
10. O que é uma acção moralmente correcta?
Para
o utilitarista as acções são moralmente correctas ou incorrectas conforme as
consequências: se promovem imparcialmente o bem-estar são boas. Isto quer dizer
que não há acções intrinsecamente boas. Só as consequências as tornam
boas ou más.
Assim
sendo, não há, para o utilitarista, deveres que devam ser respeitados sempre e
em todas as circunstâncias.
Se
para a ética kantiana, alguns actos como matar, roubar ou mentir são
absolutamente proibidos mesmo que as consequências sejam boas, para Mill
justifica-se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir.
11. O que é o princípio
da Utilidade ou da Maior Felicidade?
“A
doutrina que aceita como fundamento da moral a utilidade, ou princípio da maior
felicidade, defende que as ações são corretas na medida em que tendem a
promover a felicidade, e incorretas na medida em que tendem a gerar o contrário
da felicidade".
Stuart Mill, Utilitarismo
A tese principal
defendida pelo utilitarismo é o Princípio da Maior Felicidade.
O Principio da Maior
felicidade ou Principio da Utilidade diz-nos que devemos agir de modo a que da
nossa acção resulte a maior felicidade ou bem-estar possível para as pessoas
por ela afectadas.
Uma acção boa é aquela
que é mais útil, ou seja, a que produz mais felicidade para o maior número de
pessoas.
Quando não é possível
produzir felicidade ou prazer devemos tentar reduzir a infelicidade.
O principio da Utilidade
é, para Stuart Mill, o Principio da Maior Felicidade.
“Por princípio da utilidade, entendemos o princípio
segundo o qual toda a ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada
em função da sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes
afetadas pela ação. (...) Designamos por utilidade a tendência de alguma coisa
em alcançar o bem-estar, o bem, o belo, a felicidade, as vantagens, etc. O
conceito de utilidade não deve ser reduzido ao sentido corrente de modo de vida
com um fim imediato."
Stuart Mill, Utilitarismo
Stuart Mill entende por utilidade a tendência de alguma coisa em alcançar
o bem-estar, o bem, o belo, a felicidade e as vantagens.
"O credo que aceita a Utilidade ou o Princípio da Maior Felicidade
como fundamento da moral sustenta que: As acções são justas na proporção em que
tendem a promover a felicidade e injustas enquanto tendem a produzir o
contrário da felicidade. Entende-se por felicidade o prazer e a ausência de
dor; por infelicidade a dor e a ausência do prazer. O prazer e a ausência de
dor são as únicas coisas desejáveis como fins; e todas as coisas desejáveis
são-no pelo prazer inerente a elas mesmas, ou como meios para a promoção do
prazer e a prevenção da dor."
Stuart Mill, Utilitarismo
12. O que é a Felicidade?
A Felicidade é o grande fim da vida
humana e a sua promoção é uma forma de avaliar a acção humana..
A felicidade é o critério da
moralidade.
Para Stuart Mill a
felicidade é o prazer e a ausência de dor.
Para o utilitarista a
felicidade não é a própria felicidade do agente, mas a felicidade de todos os
envolvidos na acção.
Para o utilitarismo o agente da
acção deve ser estreitamente imparcial entre a sua própria
felicidade e a dos outros assumindo-se como um espectador
desinteressado e benevolente.
Devemos procurar
agir de forma a promover a felicidade de todos os que são afetados pela ação
(incluindo a felicidade do próprio agente).
A minha ação é correta se
promover de forma imparcial (ou seja, sem distinções) os interesses de todas e
cada uma das pessoas implicadas pela ação, sendo o interesse de cada pessoa a
obtenção da felicidade.
A felicidade é o maior bem
ou o bem ultimo e é a única coisa desejável como fim.
Todos os outros bens
apenas são bons e desejáveis enquanto meios para aquele que é considerado o
único propósito da acção - o prazer e ausência de dor.
Por exemplo: ouvir música
ou ver um filme em boa companhia são bens desejáveis, mas só o são na medida em
que são meios para um fim, o maior bem - a FELICIDADE.
A moralidade reside no
esforço para maximizar a felicidade ou prazer e para alcançar tanta felicidade
quanta nos for possível.
Temos de fazer escolhas que originem
a maior felicidade para todos, considerando imparcialmente o bem estar de todos aqueles que são afectados
pelas nossas acções.
“Se a
natureza humana é constituída de forma a nada desejar que não seja ou parte da
felicidade ou um meio para a felicidade, não podemos ter outra prova, e não
precisamos de outra, de que estas são as únicas coisas desejáveis. A ser assim,
a felicidade é o único fim da ação humana, e a sua promoção o teste por meio do
qual se avalia toda a conduta humana; de onde necessariamente se segue que tem
de ser o critério da moralidade”.
Stuart
Mill, Utilitarismo.
"Por felicidade entendemos o prazer, e a ausência de dor; por
infelicidade, a dor, e a privação de prazer”.
Stuart Mill,
Utilitarismo
“Tenho de repetir, uma vez mais, que a felicidade que
constitui o padrão utilitarista do que está correto na conduta não é a própria
felicidade do agente, mas a de todos os envolvidos [. . . ]. O utilitarismo
exige que o agente seja tão estreitamente imparcial entre a sua própria felicidade
e a dos outros como um espectador desinteressado e benevolente.”
Stuart Mill, Utilitarismo.
“A única prova de que um som é audível é que as
pessoas o ouvem. (. . . ) Penso que, de modo semelhante, a única prova que é
possível apresentar de algo é desejável, é as pessoas desejarem-no de facto. (.
. . ) Nenhuma razão pode ser avançada para explicar por que razão a felicidade
geral é desejável, excepto que cada pessoa, na medida em que pensa poder
alcançar a sua própria felicidade, deseja-a. (. . . ) [Assim,] a felicidade de
cada pessoa é desejável para essa pessoa e, a felicidade geral é, portanto, desejável
para o conjunto de todas as pessoas (. . . ) e, consequentemente, um dos
critérios da moralidade”.
Stuart Mill, Utilitarismo.
13. Será esta uma Felicidade
Geral ou Felicidade Individual?
“Esse padrão [utilitarista] não é a maior
felicidade do próprio agente, mas a maior porção de felicidade no todo. [. . .
] Pode ser, na sua máxima extensão, garantida a toda a humanidade; e, não
apenas à humanidade, mas na medida em que a natureza das coisas o permitir, a
todas as criaturas sencientes.”
Stuart Mill, Utilitarismo
A minha felicidade não é
mais importante do que a felicidade dos outros.
O utilitarismo de Stuart
Mill não defende que tenhamos de renunciar à nossa felicidade, a uma vida
pessoal em nome da felicidade do maior número.
Trata-se através da
educação segundo o Princípio de Utilidade de abrir um espaço amplo para que a
inclinação para o bem geral se sobreponha, com frequência cada vez maior, ao
egoísmo.
O Princípio da Maior
Felicidade em Stuart Mill exige que cada indivíduo se habitue a não separar a
sua felicidade da felicidade geral sem deixar de ter projectos, interesses e
vida pessoal.
Alguns críticos argumentaram que a teoria
utilitarista é uma teoria que defende o egoísmo ético que
só procurava a felicidade do próprio sujeito.
A felicidade de que fala o utilitarismo não
é simplesmente a felicidade individual. Mas também não é a felicidade geral à
custa da felicidade do agente.
A procura da felicidade tem
um sentido altruísta e voltado para os outros.
Ao defender como única
regra directiva da conduta da humanidade o princípio da máxima felicidade,
recusa toda a actuação que se exerce em função exclusivamente das disposições e
interesses individuais (egoísmo
ético)
“A moralidade utilitarista reconhece, de facto, nos
seres humanos o poder de sacrificarem o seu maior bem em prol do bem dos
outros. Apenas recusa admitir que o sacrifício é, em si, um bem. A moralidade
utilitarista considera desperdiçado qualquer sacrifício que não aumente, ou
tenda a aumentar, a quantidade total de felicidade.”
Stuart Mill, Utilitarismo.
14. Mas o que é que causa
maior felicidade ou prazer?
Jeremy Benthan, filósofo
inglês considerado o fundador do utilitarismo, defende um hedonismo quantitativo em que todas as fontes de prazer são
equivalentes.
Por exemplo, a felicidade
de amar alguém não é, em si mesma, superior ou inferior ao prazer que se obtém
ao saborear uma boa refeição.
Tudo depende do grau de
prazer, ou seja, da intensidade e da duração que se experimenta em cada
situação - se a refeição provocar mais prazer, será mais valiosa.
Todos prazeres (e dores)
são comensuráveis, ou seja, podemos fazer um cálculo da felicidade: • valor(p)
= Intensidade(p) × Duração(p)
A melhor vida é
aquela que, depois de considerados todos os prazeres e dores que a constituem,
apresenta o saldo mais positivo.
“Seria absurdo que a avaliação dos prazeres dependesse apenas da
quantidade, dado que ao avaliar todas as outras coisas consideramos a qualidade
a par da quantidade. (. . . ) É um facto inquestionável que aqueles que estão
igualmente familiarizados com [dois prazeres], e são igualmente capazes de os
apreciar e gozar, dão uma acentuada preferência ao modo de vida no qual se faz
uso das faculdades superiores. Poucas criaturas humanas consentiriam em ser
transformadas em qualquer um dos animais inferiores, a troco da máxima
quantidade dos prazeres de um animal”.
Stuart Mill, Utilitarismo.
Stuart Mill defende um hedonismo qualitativo Mill
defende que alguns tipos de prazeres são qualitativamente superiores a outros -
ou seja, há prazeres intrinsecamente melhores do que outros.
Os Prazeres Inferiores correspondem aos prazeres corpóreos, ou seja,
dizem respeito à satisfação das necessidades físicas (comer, dormir, beber,
sexo)
Os Prazeres Superiores correspondem aos prazeres intelectuais e
emocionais, ou seja, dizem respeito à satisfação das necessidades
mentais/espirituais (como a fruição da beleza, do conhecimento, da amizade e do
amor, apreciar a beleza, a verdade, o amor, a liberdade, o conhecimento, a
criação artística).
15. Mas como sabemos que os
prazeres intelectuais são superiores aos corporais?
Stuart
Mill argumenta que um juiz competente, o qual tem experiência dos dois tipos de
prazeres (intelectuais e corporais), não trocaria a oportunidade de fruir dos
prazeres superiores por nenhuma quantidade de prazeres inferiores.
Um juiz competente é aquele que tendo sido
educado para a fruição de um vasto leque de prazeres, está familiarizado com
ambos e consegue decidir qual dos 2 prazeres é o mais desejável – se houver
divergência, deverá prevalecer a opinião da maioria.
Por
exemplo, ainda que os prazeres de um porco fossem mais intensos e duradouros do
que os de um ser humano, os de um ser humano seriam preferíveis aos de um
porco, pois o porco apenas pode ter prazeres inferiores.
Stuart Mill
dá preferência aos prazeres intelectuais (prazeres superiores) – prazeres que
resultam do exercício das nossas capacidades intelectuais – sobre os prazeres
sensíveis (prazeres inferiores), querendo com isso dizer que não troca uma vida
de prazeres intelectuais por outra vida com um maior número de prazeres sensíveis.
Para
testemunhar isso mesmo, Stuart Mill exemplifica dizendo que preferia ser um
«Sócrates insatisfeito» do que um «porco satisfeito», ou seja, é preferível uma
vida fraca em prazeres intelectuais a uma vida cheia de prazeres sensíveis,
porque os prazeres intelectuais são qualitativamente superiores aos prazeres
sensíveis.
O
prazer pode ser mais ou menos intenso e mais ou menos duradouro. Mas a novidade
de Stuart Mill está em dizer que há prazeres superiores e inferiores, o que
significa que há prazeres intrinsecamente melhores do que outros.
16. Mas o que quer isto dizer?
Simplesmente
que há prazeres que têm mais valor do que outros devido à sua natureza. Stuart
Mill defende que os tipos de prazer que têm mais valor são os prazeres do
pensamento, sentimento e imaginação;
Qualquer
prazer destes terá mais valor e fará as pessoas mais felizes do que a maior
quantidade imaginável de prazeres inferiores.
“É indiscutível que o ser cujas capacidades de prazer
são baixas tem uma maior possibilidade de vê-las inteiramente satisfeitas; e um
ser superiormente dotado sentirá sempre que qualquer felicidade que possa
procurar é imperfeita, tendo em conta a maneira como o mundo é constituído. Mas
ele pode aprender a suportar as imperfeições da sua felicidade. (. . . ) É
melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; um Sócrates
insatisfeito do que um idiota satisfeito. E se o idiota, ou
o porco, têm opiniões diferente, é porque apenas conhecem o seu lado da
questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados”.
Stuart Mill, Utilitarismo.
Sintese
A felicidade ou bem-estar de um indivíduo consiste unicamente no prazer e
na ausência de dor ou sofrimento.
Assim, a felicidade consiste apenas em experiências aprazíveis (e a
ausência de experiências dolorosas).
Nem todos os prazeres têm o mesmo valor: alguns são melhores que outros.
Mas porquê?
Duas teorias que respondem a essa questão:
A - Hedonismo quantitativo: O valor
intrínseco de um prazer depende apenas da sua duração e intensidade.
B - Hedonismo qualitativo: O
valor intrínseco de um prazer depende sobretudo da sua qualidade.
17. Os Fins e os Meios
Para Stuart Mill, o fim –
a felicidade geral – justifica frequentemente os meios. Na teoria utilitarista,
há uma prioridade dos fins da ação em relação aos meios.
Para ele, é suficiente que
a felicidade produzida com a ação seja superior ao sofrimento eventualmente
provocado com a sua realização para que a ação tenha valor moral.
É neste sentido que há uma
prioridade dos fins da ação, da maximização da felicidade para o maior número,
sobre os meios, mesmo que a ação produza sofrimento a algumas pessoas.
Sintese
- O
utilitarismo defende o Princípio da Maior Felicidade
- De
acordo com este princípio, uma ação é correta quando produz a maior
felicidade para o maior número. Ou seja, quando maximiza imparcialmente o
bem.
- Aquilo
que importa promover não é a felicidade do próprio agente (egoísmo ético),
mas a felicidade geral ou bem-estar agregado (sendo indiferente a forma
como o bem-estar está distribuído).
- A
melhor escolha será aquela que, de um ponto de vista imparcial, promove a
maior felicidade geral. Ou seja, aquela que mais felicidade trouxer a um
maior número de agentes morais.
- Na
avaliação de um ato, o que interessa são as melhores consequências (o que
resultará desse ato); sendo irrelevante o motivo ou intenção do agente (a
razão pela qual queremos fazer algo).
- Assim,
o utilitarista defende uma perspetiva consequencialista – são as
consequências de um ato que determinam se este é certo ou errado.
- Não há
regras morais absolutas ou invioláveis.
17. Que criticas ou
objecções podemos apresentar à Ética Consequencialista de Stuart
Mill?
Valoriza
as consequências independentemente dos meios;
Os
fins a atingir justificam os meios;
Nem
sempre é possível prever as consequências de uma acção;
Defende
a maximização do bem estar de muitos sem referir a noção de
quantidade, o que se torna vaga;
Não
defende princípios morais absolutos;
Define
a moralidade em função da "quantidade" de felicidade para o
maior numero de pessoas;
É
impossível medir a felicidade e comparar a felicidade de pessoas
diferentes;
Esquece
a intenção na acção;
A
felicidade é um estado de prazer e satisfação dos prazeres superiores;
As
acções valem para atingir um fim;
Defende
um altruísmo ético MAS pode sacrificar-se um em função de muitos e
mentir se as consequências o exigirem.
Esta
concepção poderá justificar muitas acções que
são consideradas imorais como por exemplo enforcar um inocente para como
factor de dissuasão para reduzir crimes violentos.
Outras Críticas ao hedonismo
(máquina de experiências).
- Experiência Mental da máquina de
experiências (de Robert Nozick) Imagine-se que vivemos num mundo em que todas
as pessoas se encontram ligadas a sofisticadas máquinas que controlam os nossos
pensamentos e sentimentos. Imagine-se também que as máquinas controlam as
nossas experiências de forma a tornar as nossas vidas virtuais extremamente
ricas em prazeres. Em tal mundo, temos uma vida repleta de sucesso e prazer,
sem nunca termos de enfrentar obstáculos ou dissabores. Imagine-se ainda que
este mundo seria pleno de todo o tipo de prazeres, superiores e inferiores.
Seria uma boa ideia estar ligado à máquina de experiências? De acordo com
Robert Nozick (1974): • Não é verdade que uma vida seja boa apenas devido às
experiências agradáveis que a constituem. • A autenticidade das nossas
experiências é algo intrinsecamente valioso. • Uma vida constituída por
experiências ilusórias, ainda que que muito agradáveis, tem menos valor do que
uma vida real.
O utilitarismo é uma ética demasiado
exigente.
Se um ato não contribui no máximo grau
possível para a felicidade geral, então é errado. Assim, devemos fazer tudo o
que está ao nosso alcance para contribuir para o bem-estar de todos.
Utilitarismo é demasiado exigente. Mas, esta perspetiva não exigirá de nós
um altruísmo extremo? Não nos obrigará a fazer sacrifícios excessivos para
benefício dos outros?
Um
exemplo: Imagina que tens 50 euros no banco e que estás a
decidir como hás-de gastá-los. Como gostas muito de ver filmes, tencionas
gastar esse dinheiro em bilhetes de cinema. Mas, como tu és um utilitarista, o
que deves fazer: gastar esse dinheiro em bilhetes de cinema ou doá-lo a
instituições de caridade para ajudar a combater a fome? Qual é a ação que
maximiza o bem e contribui para o bem-estar geral? Um utilitarista diria que
gastar esse dinheiro em bilhetes de cinema provavelmente não gerará um estado
de coisas tão bom como dar esse dinheiro a instituições de caridade; logo,
deve-se doar este dinheiro a uma instituição de caridade.
Se o utilitarismo fosse verdadeiro, então teríamos o dever de dedicar a
nossa vida a gerar o melhor estado de coisas possível, e não teríamos muita
oportunidade para tentar desenvolver os nossos projetos pessoais (como ir ao
cinema, fazer um curso, comprar livros, etc. . . ).
Assim, se seguirmos o utilitarismo, parece que teremos que redefinir
radicalmente a nossa vida, prescindindo de quase tudo o que apreciamos para
benefício dos outros.
Teremos de sacrificar o nosso bem-estar até àquele ponto em que
sacrificá-lo ainda mais não resultaria numa maior felicidade geral.
Uma resposta é dizer que o critério utilitarista de maximização imparcial
do bem apenas nos dá um ideal orientador.
O utilitarismo é uma ética demasiado
permissiva. A
felicidade geral pode ser o melhor dos fins, mas nem sempre os fins justificam
os meios; ou seja, existem certas formas de maximizar o bem que não são
eticamente permissíveis.
Um exemplo: A Sara é uma
cirurgiã especializada na realização de transplantes. No hospital em que
trabalha enfrenta uma terrível escassez de órgãos – cinco dos seus pacientes
estão prestes a morrer devido a essa escassez. Onde poderá ela encontrar os
órgãos necessários para salvá-los? O Jorge está no hospital a recuperar de uma
operação. A Sara sabe que o Jorge é uma pessoa solitária – ninguém vai sentir a
sua falta. Tem então a ideia de matar o Jorge e usar os seus órgãos para realizar
os transplantes, sem os quais os seus pacientes morrerão.
Problemas do cálculo da utilidade: Segundo o utilitarismo dos
atos temos de realizar o cálculo das consequências favoráveis e desfavoráveis
de uma ação. Dificuldades de realizar o cálculo das consequências • Pressupõe
que todos os prazeres e dores, de variáveis tipos e sentidos de diferentes
formas por diversas pessoas, podem ser reduzidos a alguma escala puramente
numérica. Mas isso é implausível. • O cálculo também pressupõe que podemos
saber quais são as consequências prováveis das ações. Porém, não parece que se
consiga prever com plausibilidade as consequências a longo prazo.
Será possível quantificar a
felicidade?
Será possível prever todas as consequências
possíveis de uma acção?
Não será uma exigência excessiva a
obrigação da imparcialidade?
Será que o utilitarismo não nos poderá
conduzir a consequências moralmente inaceitáveis pela excessiva obrigação
da imparcialidade?
John Rawls e a Justiça como equidade
(1921 - 2002)
"Há crianças vendidas por pais extremamente pobres a quem tem dinheiro e falta de escrúpulos para as comprar; pessoas cujo rendimento não permite fazer mais do que uma refeição por dia; jovens que não têm a menor possibilidade de adquirir pelo menos a escolaridade básica; cidadãos que estão presos por terem defendido as suas ideias. Perante casos destes sentimos que as nossas intuições morais de justiça e igualdade não são respeitadas. Surge assim a pergunta: Como é possível uma sociedade justa? Este problema pode ter formulações mais precisas. Uma delas é a seguinte: Como deve uma sociedade distribuir os seus bens? Qual é a maneira eticamente correcta de o fazer? Trata-se do problema da justiça distributiva. A pergunta que o formula é a seguinte: Quais são os princípios mais gerais que regulam a justiça distributiva?
A teoria da justiça de John Rawls é a resposta mais influente a este problema!"
(Faustino Vaz in Critica)
1. Quem é John Rawls?
John Bordley Rawls (1921 – 2002), filósofo norte americano é autor da mais importante teoria de justiça
social do século XX.
Constata que a população negra de Baltimore (região onde morava) vivia em condições muito
diferentes da população branca.
Rawls
contactou com os brancos pobres da região do Maine, onde passava férias.
Em 1961, Rawls é convidado e vai para Harvard em 1962, onde deu aulas até 1991,
ano em que se aposentou.
Os anos seguintes, em
Harvard, foram dedicados a acabar de escrever Uma Teoria da Justiça.
No final da década de
60, Rawls faz parte de movimentos contra a
Guerra do Vietname.
Toda essa polémica levou Rawls a reflectir sobre questões como a desobediência civil e a ética nas relações internacionais.
2. Qual o seu objectivo?
Criar um
conjunto de ideais para formar uma sociedade justa, respondendo a questões como: será possível uma
sociedade justa? Serão as desigualdades justas? Como deve uma sociedade
distribuir os seus recursos? Qual a maneira ética e socialmente justa de o
fazer?
Porque reconhece diferenças
na sociedade, Rawls procura que esta seja julgada com direitos iguais na
diferença.
Defende a
liberdade individual.
Propõe-se
apresentar uma teoria alternativa ao utilitarismo de Stuart Mill.
Na obra “Uma teoria da Justiça”,
Rawls defende uma perspectiva contratualista.
"A teoria da justiça como equidade é um exemplo daquilo a que chamei
teoria contratualista. Pode objetar-se ao uso do termo «contrato», ou de termos
semelhantes, mas creio que ele é útil. (…) Como já afirmei, para compreender o
conceito é preciso ter presente que ele implica um certo grau de abstração. Em
particular deve ter-se presente que o conteúdo do acordo não está na adesão a
uma sociedade dada ou na adoção de uma certa forma de governo, mas na aceitação de certos princípios morais.
Por outro lado, os compromissos a que ele se refere são puramente hipotéticos: a conceção contratual
defende que certos princípios serão adotados numa situação inicial devidamente
definida".
John Rawls, Uma teoria da justiça,
Editorial Presença.
3. Quais as suas influências?
John
Rawls baseia a sua teoria politica em Kant e John Locke.
Critica a
teoria utilitarista de Stuart Mill.
4.
Qual a Posição de Rawls face ao
utilitarismo?
John Rawls discorda do Utilitarismo:
Não há um
critério único e universal que permita distinguir boas e más acções;
Não há o
reconhecimento de direitos fundamentais do Homem;
Não é levada em consideração a forma justa ou injusta como a felicidade é distribuída.
5.
Compare Rawls e Kant.
Rawls defende uma
perspectiva contratualista, ou seja, uma ideia renovada do contrato social que
tem uma influencia de Kant;
Tal como
Kant, Rawls considera a pessoa um ser livre, racional, igual e um fim em
si mesmo.
Ambas as
teorias apresentadas de Kant e Rawls baseiam-se no dever ser, em princípios que estão já definidos e segundo
os quais cada ser humano deve reflectir antes de agir, são assim teorias deontológicas – a primeira de natureza moral, a segunda de
natureza política.
Ambas as
teorias abdicam do carácter útil e consequencialista das acções - ambos
estão em desacordo com o utilitarismo de Stuart Mill.
Os dois filósofos defendem a universalidade o homem é um ser de dignidade.
6.
Porquê a necessidade de uma
sociedade justa?
Embora todos nós
tenhamos uma concepção de justiça, a maioria de nós reconhece a necessidade de
um conjunto de principios para a atribuição de direitos e deveres e para a
correcta distribuição dos encargos e beneficios da vida em comum, considerando
o que é justo e injusto e normalmente objecto de disputa.
O homem é, para Rawls, um
ser social que obtém vantagens a partir da vida em sociedade.
Contudo, esta vida em
sociedade pode trazer conflitos que
levam à necessidade de definição de princípios que sirvam como critérios para atribuir
direitos e deveres.
A definição de princípios
pode ser uma tarefa difícil pois como se podem criar regras que garantam a
imparcialidade, a justiça e evitem o conflito de interesses se o Homem é,
por natureza, egoísta?
Rawls soluciona o problema com a "Posição Original".
7.
O que é a Posição Original?
A Posição Original é
uma situação hipotética inicial que
coloca os Homens numa base de igualdade, despidos das suas características, dos
seus interesses e dos seus objectivos e se aprovam os principios que
governarão a vida em comum e as instituições sociais.
Ignorando as suas vontades
pessoais, o Homem e optar pelo seu melhor que acaba por ser o melhor para
todos visto estarem todos na mesma base de igualdade. (recorda Kant e o
imperativo categórico)
A Posição Original garante
então a igualdade, imparcialidade e a universalidade.
A posição original
pressupõe o “véu
de ignorância”.
8.O que é o véu de ignorância?
Situação imaginária que
caracteriza a posição original.
O véu de ignorância é uma construção conceptual que significa
que se desconhecem as características, vontades, desejos, interesses,
estatutos dos homens e leva-os a ignorar também a situação dos seus
parceiros.
O véu de ignorância tem
como objectivo levar os Homens a optar sempre com imparcialidade
O véu de ignorância é uma barreira contra os
interesses dos homens e dos grupos porque “esquece” toda a informação (Condição
social e económica, etnia, sexo, religião, orientação sexual, nível de
instrução, profissão, talentos, aspectos psicológicos, valores e concepção de bem).
Qual será utilidade deste
ponto de partida?
Muitas vezes, as pessoas
têm uma concepção de justiça muito parcial porque são influenciadas pelos seus
interesses particulares.
O véu de ignorância anula
as contingências naturais e sociais de cada uma e obriga à imparcialidade,
condição básica de qualquer sociedade justa.
Se cada um de nós
desconhecer a situação em que se encontra ou poderá vir a encontrar-se, será
imparcial, isento e defenderá o bem comum.
O véu de ignorância
permite que, ao tentarmos estabelecermos os princípios de um acordo imaginário,
somos tentados a procurar o maior benefício de todos, tendo em conta que a
lotaria natural ou social foi eliminada.
Trata-se de uma situação
imaginada para que o acordo ou negociação aconteça em situação de absoluta
de equidade.
9.
Defina
equidade.
Equidade é a reciprocidade
ou simetria de relações garantida pelo véu de ignorância, dado que ninguém se
encontra numa situação de vantagem ou desvantagem aquando da escolha dos
princípios da justiça.
10. Mas
como é que uma pessoa num estado de ignorância poderá pensar em alternativas e
fazer escolhas?
As partes que se encontram
na situação original, apesar de estarem cobertas pelo véu de ignorância, têm
informação necessária e suficiente para decidir quala concepção de justiça que
mais vantagens lhe traz.
São seres livres, e
racionais que sabem que devem proteger a liberdade, garantir oportunidades e
alargar benefícios.
Possuem uma teoria fraca do
bem – querem bens primários e preferem ter mais do que menos.
"Suponhamos que, num futuro não muito distante,
deixa de haver oferta de árbitros de futebol. (…) Para muitos jogos, torna-se
impossível descobrir um árbitro neutro. Suponhamos que foi isto que se passou
no jogo entre o Futebol Clube do Porto e o Benfica e suponhamos também que o
único árbitro qualificado a assistir ao desafio é o presidente do Futebol Clube
do Porto.
Compreensivelmente, o Benfica não aceita a proposta de que seja ele a
arbitrar o jogo. Contudo, a Liga de Futebol sabe que este problema surge de
tempos a tempos e, por isso, inventou um fármaco. Quando tomamos esta
substância, a nossa conduta é perfeitamente normal, com excepção de um aspecto:
temos uma perda muito seletiva de memória. Deixamos de ser capazes de dizer
qual o clube de futebol de que somos presidentes (…). Tendo tomado o fármaco em
questão, como iria o presidente do Futebol Clube do Porto arbitrar o jogo?
A resposta é: poderia ser imparcial. Sabe que é presidente de um dos dois
clubes, mas não qual. Assim, se escolher favorecer aleatoriamente uma equipa,
pode vir a descobrir que prejudicou o seu próprio clube. Se presumirmos que ele
não quer correr o risco de malograr injustamente as perspectivas do seu clube,
só lhe restará agir tão justamente quanto lhe seja possível e deixar o jogo
desenrolar-se de acordo com as regras. A ignorância gera imparcialidade.
Com isto em mente, podemos analisar a concepção de Rawls da posição
original. As pessoas na posição original – os contratantes hipotéticos – têm à
sua frente um «véu de ignorância» que não lhes permite aperceberem-se das suas
circunstâncias particulares. Devido a esta ignorância, não sabem como ser
parciais a seu favor e, assim, vêem-se obrigadas a agir imparcialmente."
Wolf, Introdução à Filosofia Política
(adaptado)
11.O que é a regra maximin (maximizar
o mínimo)
Se para Stuart Mill a distribuição correcta dos bens
sociais primários será sempre aquela que maximize o bem, a felicidade.
De acordo com o principio da maior felicidade é
possível que perdas menores para algumas pessoas possam ser justificadas pelos
ganhos maiores de outras.
Rawls discorda porque um ser livre e racional colocado
na posição original não estaria disposto a aceitar e reconhecer como justo o
principio da utilidade ou da maior felicidade.
12. Como escolher, então os princípios da justiça?
Sabendo que: queremos bens sociais primários, que
preferimos ter mais a ter menos, que os princípios que escolhermos formarão a
estrutura básica da nossa sociedade, que não temos conhecimento algum acerca da
sociedade e do lugar que nela ocuparemos, temos de imaginar a pior situação
possível e estabelecermos princípios de justiça, garantindo um mínimo
satisfatório.
A alternativa que devemos adoptar é selecionar a pior
consequência das piores consequências.
UM EXEMPLO:
Há 100 unidades de bens
sociais primários para distribuir por três pessoas. Sabendo que há quatro
decisões possíveis, qual das opções estaria mais de acordo com a regra maximin?
|
Rosa |
Paulo |
Rui |
Decisão 1 |
45 |
40 |
15 |
Decisão 2 |
15 |
5 |
80 |
Decisão 3 |
20 |
55 |
25 |
Decisão 4 |
60 |
15 |
25 |
A regra maximin exige que optemos pela decisão 3, uma
vez que o pior que pode acontecer é ficarmos com 20 unidades de nens sociais
primários, o que é melhor do que 15 (1ª e 4ª condição) e 5 (na 2ª condição).
Regra maximin é um principio de decisão que nos recomenda, por prudência, que consideremos os piores resultados possíveis e optemos pelo menos mau – Maximizar o ganho mínimo e minimizar a perda máxima.
13. O conceito de justiça de Rawls
desenvolve-se em torno de dois princípios:
Que princípios surgiriam se fossemos
colocados sob o véu da ignorância?
Rawls defende que seres racionais e
independentes, colocados numa posição original de equidade, escolheriam 2 princípios.
A- Princípio da liberdade igual:
A sociedade deve assegurar a máxima liberdade para cada pessoa compatível com uma liberdade igual para todos os outros.
B- Princípio da diferença:
A sociedade deve promover a distribuição igual da riqueza, excepto se a existência de desigualdades económicas e sociais gerar o maior benefício para os menos favorecidos.
B1 - Princípio da oportunidade justa:
As desigualdades económicas e sociais devem estar ligadas a postos e posições acessíveis a todos em condições de justa igualdade de oportunidades.
14. O que nos diz o Princípio de Liberdade.
Cada pessoa deve
ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas que seja
compatível com um sistema de liberdades idêntico para os outros.
Este princípio defende a liberdade individual e
esta tem de ser compatível com a liberdade individual dos outros.
Os Homens têm igual liberdade na política, na justiça,
na opinião, na propriedade, no respeito pela dignidade humana - todos
devem ter liberdades básicas iguais...
Há igualdade nos direitos e deveres básicos.
O
conjunto de liberdades básicas para todos é condição necessária mas não
suficiente para uma sociedade justa.
Este
princípio nunca deve ser quebrado sob nenhuma circunstância.
Se há justiça, a liberdade deverá estar garantida, mas
muitas vezes a sociedade garante liberdades iguais mas predominam injustiças
decorrentes da lotaria natural e social.
Para
eliminar essas injustiças, Rawls apresenta-nos o principio da oportunidade
justa e o da diferença.
15. O que nos diz o Princípio da Oportunidade Justa?
As desigualdades
sociais e económicas devem ser distribuídas de forma a que estejam ligadas a
funções e posições abertas a todos em situação de igualdade equitativa de
oportunidades.
Rawls
não exclui as desigualdades.
Uma
sociedade justa admite a desigualdade desde que esta traga benefícios
para a sociedade e, principalmente, para os mais desfavorecidos.
Este
princípio refere a igualdade nas oportunidades ou oportunidade
justa.
Todos
têm o mesmo direito a aceder a posições e cargos.
Este
princípio não é suficiente para anular as desigualdades decorrentes de acasos
naturais e sociais, daí ele introduzir o princípio da diferença.
16.O que nos diz o Princípio da
Diferença
As desigualdades
sociais e económicas devem ser distribuídas de forma a que propiciarem a maior
expectativa de beneficio às pessoas menos favorecidas.
Este princípio defende a distribuição desigual da
riqueza, para que os mais desfavorecidos sejam mais beneficiados.
Os ricos devem dar auxílios e contribuições aos mais
pobres e devem combater o número de pessoas que nascem mais desfavorecidas - o
grande objectivo é contrariar a diferença entre muito rico e muito pobre.
Rawls
defende que o facto de alguns de nós nascermos com certos talentos ou
socialmente mais favorecidos não são merecidos (no sentido moral)mas um bem
comum.
Assim, quem ganha mais tem a obrigação de contribuir para melhorar a vida das pessoas menos afortunadas natural e socialmente.
17. Qual a Importância dos dois princípios?
Os princípios são hierárquicos;
A liberdade tem prioridade sobre o princípio da
diferença;
Enquanto as exigências da liberdade não estiverem
satisfeitas, o outro princípio não pode ser invocado;
Não há, porém, liberdades básicas absolutas;
Todas as liberdades básicas podem ser limitadas,
ajustadas e melhoradas;
A liberdade, no entanto, só poderá ser restringida se
tal for benéfico para a própria liberdade;
Em nenhuma situação a redução de liberdades básicas
pode comprometer o sistema global de liberdades iguais para todos;
18. Qual a posição de Rawls em relação
à desobediência civil?
No
desenvolvimento da ideia do Contrato Social de John Locke, Rawls tem como
funções:
Organizar
a sociedade civil com base nos princípios da justiça;
Harmonizar
as liberdades individuais com a igualdade
Respeitar
os princípios de justiça.
Se tal não acontecer, Rawls assume a
possibilidade de desobediência civil.
A desobediência civil consiste num movimento
público não violento (manifestação, desfile, ocupação de
instituições…) que visa o não cumprimento da lei a fim de
provocar alterações na lei do governo.
Para Rawls, este acto de gravidade considerável deve
ser bem ponderado e as suas consequências têm de ser medidas. Nunca deve
resultar anarquia e desordem de um acto de desobediência civil.
19. Aspectos a ser ponderados quando a
ela se recorre
Visto
a desobediência civil constituir um acto grave, é necessário ponderar as
circunstâncias e condições até onde pode ser justificada.
A
desobediência civil pode ser aplicável se tiverem sido violados os dois
princípios de justiça (liberdade básica e diferença), se for a última
alternativa, isto é, se nenhum dos apelos feitos anteriormente resultou e
se não houver riscos de advir desordem ou anarquia com consequências negativas
para todos (por exemplo, o funcionamento normal das instituições deve ser
respeitado).
20.Qual o papel da desobediência civil?
Só
existe desobediência civil numa sociedade quase justa. Se uma sociedade fosse
totalmente justa, todos os direitos dos cidadãos seriam assegurados e estes
nunca teriam de reivindicar.
Assim, a
desobediência civil vêm contribuir para o melhoramento e aperfeiçoamento das
leis de uma sociedade, garantindo que todos os direitos dos cidadãos são
cumpridos.
É
afastada a ideia de anarquia e desordem se a desobediência civil for apenas
usada como último recurso e se foram ponderados todos os riscos.
A
desobediência civil é um acto público.
21. O que é a objecção de consciência?
Trata-se de um acto individual, pessoal e
privado que consiste na recusa do cumprimento da lei por motivos de
consciência. O objector pode alegar motivos políticos, ideológicos, morais
religiosos, ambientais, …
Por exemplo, recusar realizar um aborto por parte de
um médico é uma questão de objecção de consciência por motivos religiosos. Por
exemplo: a recusa de alguns militares norte americanos em participar na guerra
do Vietname.
Para o objector de consciência há o primado da
consciência em relação à lei.
É um principio de liberdade de consciência e, por isso
mesmo, uma questão ética.
22. Pontos de contacto
e divergência entre as perspectivas de Rawls, Kant e Stuart
Mill.
É notório o afastamento entre a teoria
utilitarista de Stuart Mill e a teoria política de Rawls. Rawls
critica a falta de um critério absoluto e universal na definição de boas e
más acções e o relativismo com o qual as acções são tratadas.
Para Rawls a felicidade tem o preço da justiça e
não pode ser reduzida à ausência de dor.
Por outro lado, Rawls tem como grande
influência Kant. As suas teorias convergem na
universalidade pois Rawls defende que aquilo que é bom para um tem de
ser bom para todos através da Posição Original e Kant defende o mesmo
princípio através do seu Imperativo Categórico (“Age sempre segundo
uma máxima tal que esta se possa tornar lei universal”).
Os pontos de vista destes dois filósofos são
semelhantes também na forma como encaram o Homem. O Homem é para eles um
ser livre, igual e fim em si mesmo.
Ambos apresentam teorias
deontológicas baseadas no dever ser: a teoria de Kant é moral e a
teoria de John Rawls é uma teoria social ou de Justiça.
23. Que Criticas se poderão fazer à Teoria de
Justiça de John Rawls?
Incentivos- terão as pessoas mais talentosas incentivos
para trabalharem mais ou de forma mais exigente?
Esforço - Não merecerão as pessoas que se esforçam
mais, verem o resultado do seu esforço recompensado?
Correr riscos - como garantir que as pessoas colocadas na
posição original optam pelo seguro? Porque não imaginar que algumas estarão
dispostas a jogar e a correr riscos?
Então...
Vários
autores opõem-se à ideia do autor de que nunca merecemos o beneficio retirado
dos nossos talentos e esforço.
Rawls
responde aos seus críticos afirmando que, quer os talentos, quer a
capacidade de lutar por um objectivo são de tal maneira influenciados por
factores naturais e sociais que escapam ao controlo individual e que não
faz sentido falar em merecimento de recompensa.
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