Páginas

terça-feira, 21 de março de 2023

Kant & Stuart Mill

 



Kant & Stuart Mill


Immanuel Kant pensava que as consequências boas ou más das ações não deviam ser tidas em conta na sua avaliação moral. Para ele, o imperativo categórico era uma forma de avaliar moralmente as ações completamente independente das suas consequências. Contudo, há quem pense que a única interpretação plausível do imperativo categórico é consequencialista. John Stuart Mill apresentou deste modo essa objeção contra Kant:

"Kant, esse «homem notável, cujo sistema de pensamento permanecerá por muito tempo como um dos marcos na especulação filosófica, estabelece, realmente, no tratado em questão [a Fundamentação da Metafísica dos Costumes], um primeiro princípio universal como origem e fundamento da obrigação moral; é este: “Age de tal maneira que a regra da tua ação possa ser adotada como lei por todos os seres racionais”. Mas quando começa a deduzir deste preceito qualquer um dos deveres reais da moralidade, fracassa, de forma quase grotesca, em demonstrar que haveria qualquer contradição, qualquer impossibilidade lógica (para não dizer física), da adoção por todos os seres racionais das regras de conduta mais revoltantemente imorais. Tudo o que demonstra é que as consequências da sua adoção universal seriam de tal ordem que ninguém escolheria sofrê-las.»

John Stuart Mill, Utilitarismo, Gradiva,

Lisboa, 2005, pág. 47.

 

O utilitarismo de Mill e 

a teoria deontológica de Kant



Tal como em Kant, também em Mill há um princípio básico a partir do qual as nossas acções devem regular-se para terem valor moral. Enquanto em Kant esse princípio era o do “cumprimento do dever pelo próprio dever”, em Mill esse princípio é o de “produzir a máxima felicidade possível para o maior número possível de pessoas”. Mas em relação a este mesmo princípio, existem diferenças entre a teoria ética de Kant e a de Mill.  

Enquanto em Kant averiguar a moralidade das nossas acções era perguntar pela razão por que agimos de uma determinada forma, pela intenção com que fazemos aquilo que fazemos (sendo a acção moral em Kant, aquela que cumpre ou respeita o dever pelo próprio dever), em Mill perguntar pelo valor moral da acção é perguntar pelas consequências que resultaram da acção.

A teoria utilitarista veio deste modo permitir solucionar algumas das principais críticas que eram dirigidas à teoria ética de Kant, em concreto, dando-nos uma resposta para o problema das regras morais absolutas e para o problema dos casos conflito, assim como para o problema da ausência de compaixão ou afectividade na realização de algumas das nossas acções.

Em relação ao problema das regras morais absolutas, a que a teoria ética de Kant não soube dar uma resposta satisfatória quando confrontada com a situação de ter de mentir para salvar a vida de uma pessoa, a teoria utilitarista diria que nos é permitido mentir desde que essa nossa decisão promova a felicidade sobre o maior número de pessoas possível do que em relação à decisão de não mentir ou de dizer a verdade.

Uma pessoa que foi colocada perante o dilema de ter de mentir e salvar a vida de uma pessoa e dizer a verdade e pôr em causa a vida de uma pessoa, o utilitarista resolvia esta situação optando por mentir e provavelmente salvar a vida de uma pessoa. Mentir e provavelmente salvar a vida de uma pessoa causa menor dor ou sofrimento (neste caso, sobre a pessoa em fuga) do que dizer a verdade e pôr em causa a vida de uma pessoa.

Assim, confrontado com esta situação, o utilitarista mentiria, obedecendo desse modo ao princípio da sua teoria que diz: “Deves procurar agir de modo a promover a felicidade sobre o maior número de pessoas.”

    A grande diferença na resolução desta situação entre a teoria ética de Kant e a de Mill é que em Kant as regras morais são absolutas (são para ser cumpridas em todas as circunstâncias da nossa existência), enquanto em Mill não existem regras morais absolutas.

Em relação ao problema dos casos - conflito, dos casos em que estamos perante uma situação em que temos duas possibilidades de acção e qualquer uma dessas duas alternativas é moralmente incorrecta, o utilitarista escolheria aquela que promovesse a máxima felicidade para o maior número possível de pessoas.

Se bem se lembra da situação que foi apresentada, os pescadores holandeses apenas tinham duas opções: ou mentiam ao chefe do barco patrulha nazi e salvavam a vida dos tripulantes judeus e as deles mesmos ou diziam a verdade e originavam a morte dos tripulantes judeus e até a sua própria morte. Perante esta situação, o defensor da teoria ética de Kant não sabia por qual das duas possibilidades de acção se decidir, porque qualquer uma das duas opções, “mentir” ou “matar” (ainda que de forma indirecta), é moralmente incorrecta. Concretamente da perspectiva ética de Kant, são acções que desrespeitam as ordens da nossa razão.  

O utilitarista resolvia este imbróglio ou enredo em que tinha caído o defensor da ética kantiana, optando por mentir ao chefe do barco patrulha nazi. Entre mentir e salvar a vida dos tripulantes judeus e dizer a verdade e causar a mais do que certa morte de todos os tripulantes do barco, a opção que causa uma menor dor ou sofrimento ao maior número de pessoas é certamente a primeira, a de mentir e salvar a vida dos tripulantes.  

Em relação à situação de ajudar os outros por um sentimento de piedade ou compaixão, acção que o defensor da ética kantiana considerava sem valor moral, o utilitarista diria que a acção teria valor moral desde que promovesse a felicidade nas pessoas que nós ajudamos, independentemente de ter sido ou não provocada por um sentimento de compaixão.


                                                                                                               In Platano Editora

 

LOLA

Sem comentários:

Enviar um comentário