Filosofia da Arte
O problema da definição da arte
O problema da
definição de arte é uma das principais preocupações dos filósofos da arte e
pode ser formulado do seguinte modo: «O que é a arte?».
Qualquer definição de arte deve captar adequadamente os dois usos comuns da palavra «arte»: o sentido classificativo (descritivo) e o sentido valorativo (avaliativo).
Dizer que algo é uma obra de arte no sentido classificativo (descritivo) é dizer simplesmente que esse objeto pertence a uma determinada classe.
Ao passo que:
Dizer que algo é uma obra de arte
no sentido valorativo (avaliativo) é reconhecer que esse objeto, além de
pertencer à categoria das obras de arte, é um bom exemplar dessa categoria, ou
seja, é uma boa obra de arte.
Muitos autores
consideram que a resposta ao problema da definição de arte implica encontrar
uma definição explícita de arte, ou seja, estabelecer as condições necessárias
e suficientes para que algo possa ser considerado arte. Isto significa que
estes teóricos da arte têm tentado encontrar um conjunto de características que
todas as obras de arte e só as obras de arte têm em comum. Uma vez que se
dedicam a encontrar a essência da arte, estas teorias foram classificadas como teorias
essencialistas da arte.
Contudo, nem todos os teóricos da arte consideram este tipo de abordagem muito promissor. Para estes autores, dada a natureza dinâmica, criativa e inovadora do fenómeno artístico, nunca conseguiremos estabelecer de forma segura um conjunto de propriedades intrínsecas que todas as obras de arte, e apenas elas, possuem em comum. Mas isso não implica necessariamente que não se pode encontrar qualquer tipo de definição de «obra de arte», apenas indica que em vez de nos focarmos nas propriedades intrínsecas dos objetos artísticos devemos focar-nos nos seus aspetos relacionais, processuais e contextuais, isto é, nas relações que estes estabelecem, nos processos por que passam e no contexto histórico e social que os envolve.
Uma vez que sustentam que não existe uma espécie de essência comum a todas as obras de arte, as teorias que se dedicam a encontrar uma definição de arte nestes moldes ficaram conhecidas como teorias não essencialistas da arte.
Vamos abordar
três teorias essencialistas da arte – a teoria representacionista, a teoria
expressivista e a teoria formalista
– e duas teorias não essencialistas da arte –
a teoria institucional e a teoria
historicista.
Vejamos o que
caracteriza cada uma destas perspetivas e quais os principais argumentos a
favor e contra cada uma delas.
A teoria representacionista da arte
Uma das mais
antigas teorias da arte de que há registo é a teoria da arte como
representação.
Desde o século V a.C., que os filósofos, como Platão e Aristóteles, se têm interrogado acerca da natureza da arte. Estes autores debruçaram-se sobre as principais manifestações artísticas do seu tempo e concluíram que aquilo que havia de comum entre elas era o facto de todas corresponderem a uma forma de representação da realidade.
Por
representação entendemos o ato através do qual algo toma intencionalmente o
lugar de outra coisa. Ou dito de outra forma:
Algo representa outra coisa se, e só se, um emissor tem a intenção de que algo esteja em vez de outra coisa e o recetor compreende essa intenção.
Existem, contudo, diferentes tipos de representação. Desde logo, uma representação pode ser imitativa ou não imitativa. Por exemplo, alguns sinais de trânsito representam algo através da imitação da sua forma, mas outros não. O sinal de aproximação de um cruzamento representa a aproximação de um cruzamento imitando a forma do mesmo, mas o sinal de proibido estacionar limita-se a representar essa proibição, sem imitar a sua forma.
Platão e Aristóteles acreditavam
que o tipo de representação envolvido na produção artística consistia
simplesmente na imitação. Para estes autores:
Uma obra de arte só o é, quando imita algo.
Esta teoria
ficou conhecida como teoria mimética da arte (ou teoria da arte como imitação). Note-se,
contudo, que esta se limita a afirmar que todas as artes são imitações, mas não
afirma que todas as imitações são
arte. Ou seja,
de acordo com a teoria mimética, a imitação é uma condição necessária, mas não
suficiente, para que algo seja considerado arte.
Os contemporâneos de Platão e Aristóteles elogiavam o talento do pintor grego Zeuxis pelo enorme realismo das suas obras. Diz-se que era capaz de pintar uvas tão realistas que os pássaros tentavam comê-las. Ainda hoje há quem diga que uma boa pintura deve assemelhar-se aos elementos retratados; ou que um filme é bom porque consegue captar a realidade tal como ela é. Além disso, há quem considere que a pintura abstrata não é arte, porque não se parece com coisa alguma; ou que um filme não é arte, porque não tem qualquer relação com a realidade.
A teoria mimética tem sido criticada por ser demasiado restrita, pois exclui do conceito de arte várias obras oriundas das artes não imitativas, como a pintura abstrata, a arte decorativa, a arquitetura, a música instrumental, a found art e algumas formas de teatro, dança, cinema e literatura, que não têm qualquer intuito imitativo. Estas obras constituem-se como contraexemplos óbvios à teoria mimética tal como esta foi defendida por Platão e Aristóteles.
Contudo, a teoria representacionista não precisa de se cingir à representação imitativa, pode adotar um sentido mais abrangente de representação, que inclui quer a representação imitativa, quer a representação não imitativa. Uma tal teoria da arte pode ser genericamente formulada nos seguintes termos:
Algo é uma obra de arte só se é uma representação.
A teoria
mimética exclui muitas obras de arte, mas, visto que a noção de representação é
mais geral do que a noção de imitação, talvez a teoria representacionista numa
versão mais lata resista melhor aos contraexemplos do que a teoria mimética.
Por exemplo, segundo a versão mais lata da teoria representacionista, tal como
as cinco quinas da bandeira portuguesa não imitam Portugal, mas antes
representam este país, também a pintura abstrata de Mark Rothko não imita a
aparência das coisas, mas antes representa a sua essência.
Assim, embora
não possamos dizer que toda a arte implica imitação, talvez possamos dizer que
toda a arte implica alguma forma de representação. Será a teoria
representacionista numa versão mais lata verdadeira? Ou será que esta
perspetiva também enfrenta sérias objeções e contraexem-
plos?
Vejamos em
seguida algumas das principais
objeções à teoria representacionista.
Críticas à teoria
representacionista
É demasiado restritiva
• Mesmo na sua versão mais lata, a teoria representacionista não está isenta de objeções, pois, uma vez que existem várias obras de arte que não são de todo representações, pode considerar-se que, ainda assim, esta teoria é demasiado restritiva. Apesar de passar a incluir algumas pinturas abstratas alegando que, embora não imitem a natureza das coisas, estas, de certa forma, podem representá-la, a teoria representacionista continua a enfrentar alguns contraexemplos, pois continuam a existir obras de arte sem qualquer conteúdo representativo.
A teoria expressivista da arte
Com a expansão
do movimento artístico romântico, ao longo do século XIX, a arte afasta-se
definitivamente do objetivo de imitar a aparência das coisas e passa a ser
encarada, sobretudo, como uma forma de dar corpo ao mundo subjetivo da
experiência interior, dos estados de espírito, das emoções
e das atitudes. Os teóricos da arte
sentem necessidade de propor uma definição de arte que dê conta desta nova
forma de encarar a criação artística. Surge, assim, a teoria expressivista da
arte.
Uma das
versões mais difundidas desta perspetiva é atribuída ao romancista russo Leão
Tolstoi (1828-1910). Na sua obra O Que é a Arte?, Tolstoi defende que
“A arte é uma atividade humana que consiste nisto: um
homem comunica conscientemente a outros, por meio de certos
sinais externos, os sentimentos de que teve experiência, e outras pessoas são contaminadas
por estes sentimentos e também deles têm experiência.”
Ou seja,
segundo Tolstoi:
Algo é uma obra de arte se, e só se, transmite as
emoções do seu criador a um público.
Assim, de acordo com esta teoria, existem três condições necessárias, e conjuntamente suficientes, para a arte:
-O artista tem de experimentar um sentimento
(condição experimentalista)
- O artista tem de criar uma obra que exprima esse sentimento
(condição expressivista)
- O público tem de ser contagiado por esse sentimento.
(condição identitária)
Por exemplo, a
participação de Tolstoi na guerra despertou nele certos sentimentos. Escreve o
romance Guerra e Paz como forma de expressar esses sentimentos. Por fim, o
público lê a obra e deixa-se contagiar por esses sentimentos. Satisfeitas
conjuntamente as três condições necessárias propostas por Tolstoi, temos assim
uma condição suficiente para que o romance Guerra e Paz seja considerado uma
obra de arte.
A teoria expressivista consegue
abarcar muitos dos contraexemplos
não imitativos anteriormente
apresentados à teoria mimética, pois, embora não imitem coisa nenhuma, podemos
considerar que essas obras contagiam o público com os sentimentos dos seus
criadores e, por conseguinte, seriam encaradas como obras de arte pelos
defensores da perspetiva expressivista.
Críticas à teoria expressivista da arte
• A condição experimentalista - é demasiado
restritiva, porque deixa de fora muitas obras que não tiveram na sua origem uma
determinada experiência emocional do artista. Segundo a teoria de Tolstoi, para
haver arte é necessário que o artista seja afetado por um sentimento que o leva
a criar uma obra de arte. No entanto, é possível imaginar um artista
desapaixonado a criar grandes obras de arte.
Aliás, a
história está cheia destes exemplos. Muitas obras-primas da história da arte
são encomendas de arte religiosa. Contudo, sabe-se que muitos dos seus autores
não sentiram uma única vez a devoção religiosa que as suas obras inspiram, sem
que isso signifique que tais obras não são arte.
Objeções à condição
expressivista
• A segunda condição necessária da teoria expressivista sustenta que qualquer obra de arte tem de corresponder à expressão dos sentimentos do seu criador. No entanto, há muitas obras de arte que não expressam qualquer tipo de emoção e que, por conseguinte, constituem sérios contraexemplos a este requisito. Vejamos em seguida alguns desses contraexemplos.
Contraexemplo da arte aleatória – designa-se arte aleatória todo o tipo de composição artística que surge a partir de elementos aleatórios, fruto do acaso, precisamente com o objetivo de eliminar da criação artística qualquer vestígio dos estados emocionais do seu criador. Para esse efeito, os artistas substituem os processos subjetivos de decisão por procedimentos objetivos, fortuitos e aleatórios como, por exemplo, compor obras coletivas em que cada interveniente desconhece os restantes elementos da composição, salpicar tinta ao acaso, dispor aleatoriamente objetos, utilizar programas de computador para compor estruturas musicais, etc. Estas obras surgem como consequência destes processos e são mais aproveitamentos do acaso do que propriamente uma manipulação consciente de certos meios para dar corpo a um determinado sentimento ou emoção. Assim, também por este motivo, a teoria expressivista é considerada excessivamente restritiva, pois exclui determinadas obras apenas por não corresponderem à expressão das emoções dos seus criadores, independentemente dos seus méritos formais, plásticos ou sonoros.
Contraexemplo da arte
concetual – a arte concetual não
tem como principal intuito transmitir emoções, mas sim despertar
determina das ideias no seu público.
Por exemplo, grande parte da arte moderna e contemporânea visa deliberadamente desafiar a nossa compreensão do próprio conceito de arte (de escultura, pintura, música, dança, etc.), como acontece com as obras de Marcel Duchamp, Andy Warhol, John Cage, Yvone Rainer, Steve Paxton,etc. Portanto, uma vez que recusa o estatuto de arte às obras destes autores, a teoria expressivista revela-se, mais uma vez, demasiado restritiva.
Contraexemplo da arte percetiva – a chamada arte percetiva é criada com o único propósito de estimular as nossas estruturas sensoriais.
A arte decorativa, por exemplo, com os seus padrões
geométricos e arabescos, não visa necessariamente exprimir nenhuma emoção em
particular. O mesmo acontece com alguns estilos musicais e alguns tipos de performance.
São criações que visam apenas ser agradáveis para os sentidos, sem qualquer
pretensão de comunicar as emoções do artista.
Estas obras não exprimem prazer, limitam-se a
provocá-lo através das suas configurações formais, plásticas e/ou sonoras. Ou,
então, procuram apenas explorar a forma como certos efeitos visuais interagem
com o nosso aparelho ótico, como acontece com a Op Art (arte ótica).
Com efeito, aceitar a teoria expressivista, teria a
estranha consequência de recusar o estatuto de arte à arte percetiva.
Objeções à condição identitária
• A condição identitária também pode ser bastante restritiva, pois considera que algo só é arte se o público experimentar as mesmas emoções que o artista. Desde meados do século XX, grande parte dos críticos e filósofos da arte considera que apreciar uma obra em função da intenção que o artista tinha quando a criou é cometer aquilo que apelida de “falácia intencional”. Segundo estes autores, a intenção original do artista é irrelevante para se apreciar genuinamente uma obra, que deve valer por si e pelas interpretações que suscita, independentemente de estas corresponderem ou não àquilo que o artista pretendia transmitir quando a concebeu.
Na verdade, é muito estranho pretender que as emoções do público tenham de ser idênticas às do artista. Isso não se verifica (nem pode verificar) em diversas ocasiões. Os artistas podem nunca experimentar as mesmas emoções que despertam no seu púbico. Por exemplo, inspirar medo quando sentem ódio, podem despertar o desejo de consumir um produto quando sentem vontade de manipular os consumidores, ou incentivar a devoção religiosa quando sentem pena dos crentes, etc.
Nem toda a transmissão de emoções é
arte
• A teoria expressivista também
pode ser acusada de ser excessivamente inclusiva pois, podemos imaginar uma
situação em que alguém:
i) experimenta um sentimento – por
exemplo, a tristeza de perder um familiar;
ii) exprime esse sentimento – chora
convulsivamente e grita algumas palavras de revolta;
iii) contagia outra pessoa com esse
sentimento – essas ações fazem
com que outra pessoa se recorde de como se sentiu quando ela própria perdeu
um familiar, despertando novamente esse sentimento.
De acordo com a teoria
expressivista, estão reunidas as condições suficientes para estarmos na
presença de uma obra de arte, mas isso seria absurdo, pois não permitiria
distinguir uma obra de arte de um qualquer desabafo emocional entre duas
pessoas amigas. Deste modo, podemos concluir que há transmissão de emoções que
não é arte e, uma vez que não consegue
excluir estes casos, a teoria
expressivista deve ser rejeitada por ser demasiado inclusiva
A teoria formalista da arte
A primeira formulação explícita e
acabada da teoria formalista da arte é geralmente atribuída a Clive Bell
(1881-1964). No seu livro de 1914, intitulado Arte, Bell defende que:
Algo é uma obra de arte se, e só se, tem forma
significante.
Segundo Bell, uma forma
significante é uma configuração de linhas, cores, formas e espaços que tem a
capacidade de provocar um determinado tipo de emoção no espetador – uma “emoção
estética”. Neste sentido, atribuir o estatuto de obra de arte a um objeto é
dizer que as suas linhas, cores, formas
e espaços têm a capacidade de gerar
esse tipo de emoção naqueles que o contemplarem.
Uma vez que abandona os requisitos
imitativos e expressivistas das teorias anteriores, a teoria formalista acomoda
facilmente os contraexemplos da arte moderna e contemporânea que afetam essas
perspetivas.
Críticas à teoria formalista da
arte
Nem toda a arte tem como principal
intuito exibir forma significante •
A teoria formalista é demasiado
restritiva, pois deixa de fora toda e qualquer obra de arte que não tenha uma
forma significante. Por exemplo, a chamada “arte demoníaca” é geralmente
concebida com o principal intuito de assustar os seus observadores, como
acontece com as gárgulas nos castelos e nas catedrais, ou as gravações
presentes em armaduras ou outros instrumentos de batalha tradicionais. Ora, é
manifestamente implausível afirmar que estas obras servem simultaneamente para
assustar o observador e provocar uma emoção estética, isto é, proporcionar um
certo tipo de prazer visual.
O conceito de forma significante é difícil de definir • Bell oferece uma definição viciosamente circular de forma significante, pois recorre à noção de emoção estética para definir forma significante, mas define a noção de emoção estética em função da noção de forma significante. Com efeito, Bell define a noção de forma significante como uma configuração de linhas, cores, formas e espaços que tem a capacidade de provocar uma emoção estética no espetador, mas simultaneamente define emoção estética como
o tipo de
emoção que sentimos quando estamos perante certas configurações de linhas,
cores e formas, ou seja, quando estamos perante uma forma significante.
Alternativamente,
o formalista poderia tentar definir forma significante como qualquer
configuração, ou forma, que relacione de modo adequado as diferentes partes de
um todo. No entanto, não só existem obras de arte que não relacionam partes de
um todo – a arte minimalista, por exemplo, é
frequentemente constituída por um único elemento, pelo que dificilmente podemos
considerar que relaciona de modo adequado diferentes partes –, como também seria
impossível distinguir obras de arte de outros objetos comuns que relacionassem
de modo adequado diferentes partes de um todo, pois, nesse caso, qualquer
coisa, desde um carro até uma esferográfica, teria forma significante. Por
conseguinte, esta definição teria simultaneamente a desvantagem de ser demasiado
restritiva e demasiado inclusiva.
Há obras de arte com formas
indistinguíveis de objetos comuns
•
A teoria formalista sustenta que aquilo que distingue uma obra de arte
de um objeto comum é o facto de este ter sido concebido de modo a que as suas
propriedades formais produzam uma determinada emoção no seu espetador. No entanto,
existem muitas obras de arte que têm exatamente as mesmas propriedades formais
de certos objetos do quotidiano aos quais esse estatuto não é reconhecido, como
acontece, por exemplo, com os ready-made e outros exemplos da chamada found art.
De acordo com a teoria formalista, isso não seria possível. Assim como não
seria possível distinguir o valor artístico de uma obra genuína do valor de uma
falsificação bem executada, pois, de um ponto de vista estritamente formal,
seriam indistinguíveis.
Por vezes a forma é inseparável do
conteúdo
• Muitas vezes, é impossível
apreciar o valor de uma obra de arte concentrando-nos apenas nas suas
propriedades formais e ignorando inteiramente o seu conteúdo imitativo e/ou expressivo: o que há de apelativo em
muitas formas é justamente o modo inteligente e cativante como dão corpo a
determinados conteúdos. Nesses casos, forma e conteúdo tornam-se inseparáveis a
ponto de ser impossível sustentar que o conteúdo é irrelevante para a
apreciação da obra.
A teoria institucional da arte
Na década de 1950, num importante ensaio intitulado «O Papel da Teoria na Estética», o filósofo da arte Morriz Weitz sustenta que o fracasso das teorias essencialistas da arte se deve ao facto de todas elas assumirem erradamente que existe um conjunto de condições necessárias e suficientes para a arte. Weitz considera que não devemos procurar uma característica que seja partilhada por todos os objetos artísticos, pois não só isso não se verifica, como teria uma implicação indesejável caso se verificasse: estaria a impor limites a uma atividade que se caracteriza justamente pela sua abertura à mudança, à expansão e à inovação.
Assim sendo, Weitz rejeita qualquer definição essencialista, por considerar que, ao indicar as propriedades que as criações deveriam possuir a fim de poderem ser consideradas obras de arte, este tipo de perspetiva tem um efeito castrador da criatividade dos artistas. A posição de Weitz ficou conhecida como «antiessencialismo».
Contudo, ao
contrário do que se possa supor, do facto de não ser possível fornecer uma
definição essencialista da arte não se segue necessariamente que nenhuma
definição de arte possa ser encontrada. As definições essencialistas caracterizam-se
por apresentar condições necessárias e suficientes para as obras de arte serem
consideradas como tal; trata-se de propriedades que todas as obras de arte e só
as obras de arte exibem, e não
poderiam deixar de exibir sem que, por esse motivo, deixassem de ser obras de
arte.
No entanto, apesar de não ser fácil encontrar propriedades que todos os objetos artísticos exibam, talvez seja possível encontrar uma definição de arte que assente não em propriedades intrínsecas e manifestas dos objetos artísticos, mas sim em propriedades extrínsecas e relacionais, isto é, que não sejam inerentes ao próprio objeto em si mesmo considerado, mas que dependam fundamentalmente do tipo de relações que este estabelece com outras realidades.
É justamente este tipo de sugestão que Arthur
Danto apresenta no seu artigo de 1961 intitulado «O Mundo da Arte». Nesse
artigo, Danto analisa a obra Caixa de Brillo, de Andy Warhol, e conclui que
aquilo que distingue a obra de Warhol da dos seus semelhantes no quotidiano não
são as suas características formais, nem quaisquer outras características que
lhe sejam intrínsecas, mas sim o facto de esta se inserir no contexto de uma prática
social instituída – o mundo da arte.
Com este artigo, Danto chamou a
atenção para a natureza institucional da arte e, em 1974, o filósofo americano George
Dickie formulou de modo articulado a primeira teoria institucional da arte. De
acordo com esta teoria:
Algo é uma obra de arte, no sentido classificativo,
se, e só se, algo é um artefacto que possui um conjunto de características ao qual
foi atribuído o estatuto de candidato
a apreciação por uma ou várias pessoas que atuam em nome de determinada
instituição social: o mundo da arte.
Esta definição estabelece duas
condições necessárias conjuntamente suficientes para que algo seja arte. O
primeiro requisito é o da artefactualidade.
Tradicionalmente, a palavra
“artefacto” é utilizada para designar um objeto construído ou transformado por
mãos humanas. Contudo, o sentido que Dickie atribui à noção de artefacto é bastante
mais lato do que o tradicional, pois este considera que, para além dos objetos
materiais concretos produzidos ou transformados pelos seres humanos, também os movimentos
de uma coreografia, ou as notas de uma
melodia, por exemplo, são artefactos, e mesmo objetos que não foram
manufaturados ou cujas propriedades formais não foram alteradas pela
intervenção direta de um ser humano podem, em determinados contextos, adquirir
o estatuto de artefacto, por serem utilizados de certa maneira por alguém.
Por exemplo, se pegarmos num pedaço de madeira e o usarmos para nos defendermos de um cão, este passa a poder ser considerado uma arma, apesar de as suas propriedades formais não terem sido alteradas.
Algo de semelhante pode ocorrer no contexto
da arte. Se o pedaço de madeira tivesse sido recolhido e exibido numa exposição
como uma pintura ou uma escultura, também se teria convertido num artefacto.
Assim, o uso que Dickie faz da palavra “artefacto” acolhe perfeitamente, entre
outros, os desafios lançados pelos ready-made e pela found art, pelo que a artefactualidade
não pode constituir uma condição demasiada restritiva para arte.
Mas será que esta condição
constitui um constrangimento da prática artística, no sentido apontado por
Weitz? Isto é: será que o requisito da artefactualidade limita a criatividade
dos artistas?
Dickie considera que não, pois, na
sua opinião, a existência de um artefacto é uma condição necessária para a
criatividade. Sem artefacto (entendido neste sentido lato) não se pode dizer
que tenha havido lugar a qualquer tipo de criação.
A segunda condição imposta pela
teoria institucional diz-nos que para que um artefacto seja uma obra de arte é
necessário que uma (ou várias pessoas) que atuam em nome do mundo da arte
atribua (ou atribuam) o estatuto de candidato a apreciação a um conjunto das
suas características.
Mas o que significa isto
exatamente? Comecemos por perceber o significado de “atribuição de estatuto”.
Dickie fornece exemplos de
atribuição de estatuto fora do contexto artístico para tornar a noção mais
familiar:
“Os exemplos mais óbvios de atribuição de estatuto são determinadas ações legais dos Estados. (…) A Assembleia da República ou uma comissão legalmente constituída podem conferir estatuto de parque ou de monumento nacional a uma área ou a uma coisa. (…) Nesses casos tem de existir um sistema social como quadro no âmbito do qual a atribuição tem lugar (…).”
Segundo Dickie, a found art é, em
grande medida, responsável por chamar a atenção para o ato de conferir o
estatuto de arte, pois alguns artistas conferiam o estatuto de arte a objetos
vulgares formalmente indistinguíveis das suas contrapartes mundanas. Essa
atribuição tem lugar no contexto de uma prática social instituída, que Dickie
apelida de “mundo da arte” (para usar a expressão de Danto).
Assim sendo, o mundo da arte é uma instituição social no seio da qual há lugar para atribuições de estatuto, por parte dos seus representantes. Claro que o mundo da arte não é uma instituição formal com uma constituição formalmente estabelecida, funcionários, hierarquias e regulamentos perfeitamente definidos, mas esse não é o único tipo de instituições que existe. Existem instituições informais que se estruturam de forma menos rígida, a partir de práticas sociais mais ou menos estabelecidas.
Segundo Dickie, o
“núcleo fundamental do mundo da arte é um conjunto vagamente organizado (…)
que inclui artistas (…), produtores, diretores de museus, visitantes de museus,
espetadores de teatro, jornalistas, críticos de todos os tipos de publicações,
historiadores da arte, teóri-
cos da arte, filósofos da arte e outros. (…) Todos estes papéis estão
institucionalizados e têm de ser aprendidos, de uma forma ou de outra, pelos
participantes.”
Uma vez constituída a instituição
social do mundo da arte, basta que um dos seus membros, muitas vezes o próprio
artista, atue como representante dessa instituição e atribua o estatuto de
candidato à apreciação a um determinado artefacto. Quando isso acontece, esse
artefacto passa a ser considerado uma obra de arte no sentido classificativo.
Fica ainda em aberto a questão de
saber se se trata de uma obra de arte no sentido valorativo. De acordo com esta
teoria, uma obra de arte no sentido valorativo (isto é, uma boa obra de arte) é
um candidato à apreciação que efetivamente chega a ser apreciado, ao passo que
uma má obra de arte não.
Neste sentido, atribuir o estatuto de candidato à apreciação a um artefacto acarreta uma certa responsabilidade, pois caso ninguém o venha a apreciar, a pessoa que fez essa atribuição pode perder alguma credibilidade
Por fim, resta-nos destacar que o estatuto de candidato à apreciação é atribuído não exatamente ao artefacto como um todo, mas sim a um conjunto das suas características. Isto porque existem características do artefacto que não são relevantes para o seu estatuto enquanto arte, como, por exemplo, a moldura de uma pintura (salvo algumas exceções em que esta faz parte da obra), a cor da parte de trás da tela, o fio que a sustenta na parede, etc.
A teoria institucional da arte
parece ter alguns méritos relativamente às suas rivais. Os filósofos da arte
precedentes estavam tão focados nas características figurativas ou expressivas
da arte que acabaram por ignorar completamente a sua natureza institucional e a
propriedade não exibida do estatuto.
Isto acontece porque, ao contrário
das teorias anteriores, a teoria institucional oferece uma definição processual,
e não uma definição funcional de arte, pois defende que aquilo que faz com que
algo seja uma obra de arte não são os seus efeitos ou funções, mas sim o modo
como é tratado por quem o criou, por quem o expõe e por quem o aprecia.
Críticas à teoria institucional da
arte
A teoria
institucional é, por vezes, acusada de elitismo
• A teoria institucional
da arte é, por vezes, criticada por ser elitista e antidemocrática, visto que
confere poderes especiais a um círculo fechado de indivíduos:
os membros do
mundo da arte. Se só os membros do mundo da arte têm o poder de conferir
estatuto de arte aos artefactos, então estes indivíduos possuem uma espécie de
toque de Midas transformando em ouro – neste caso, em arte – tudo aquilo que
consideram digno de ser apresentado como candidato à apreciação.
Faz da arte algo de arbitrário e infundado
• A teoria institucional levou a sério
as recomendações de Weitz quanto à necessidade de preservar a criatividade
inerente ao processo artístico e, portanto, sustenta que qualquer coisa pode
tornar-se arte, desde que esse estatuto lhe seja atribuído por um representante
do mundo da arte. Muitos autores veem aqui uma razão para rejeitar
esta teoria, pois parece admitir
demasiadas coisas como obras de arte. Se qualquer coisa pode ser uma obra de
arte, que razões temos para nos preocuparmos com a distinção entre arte e
não-arte?
Imaginemos que um representante do mundo da arte se lembrava de atribuir o estatuto de arte a tudo o que existe – coisa que pode até já ter acontecido. Assim, a teoria institucional seria forçada a aceitar que tudo o que existe é, de facto, arte. Nestas circunstâncias, uma definição de arte tornar-se-ia totalmente inútil e desinteressante
A teoria histórica da arte
A crítica da
teoria institucional da arte é o ponto de partida para a teoria histórica
da arte defendida por Jerrold Levinson. À semelhança da teoria institucional,
também a teoria histórica de Levinson procura definir arte apelando a propriedades
extrínsecas e relacionais/contextuais, e não a propriedades intrínsecas e manifestas dos objetos. Contudo,
Levinson procurou desenvolver uma teoria da arte que possibilitasse a
existência de arte solitária, isto é, de arte fora do contexto institucional do
mundo da arte.
Para Levinson:
Algo é uma obra de arte se, e só se, alguém com direitos
de propriedade sobre esse algo
tem a intenção séria de que esse algo seja encarado da
mesma forma
como foram corretamente encarados outros objetos abrangidos pelo conceito de
«obra de arte».
Assim, de
acordo com esta perspetiva, mesmo um homem do período Neolítico (isto é, de um
período anterior à constituição da instituição social do mundo da arte) poderia
produzir uma obra de arte ao combinar algumas pedras coloridas de forma a
provocar prazer visual. Isto acontece porque uma das formas como as obras de
arte foram corretamente encaradas ao longo da história é, precisamente, como
objetos que visam produzir prazer visual.
Claro que
também existem objetos que foram concebidos com o intuito de provocar náusea
visual e que, ainda assim, são considerados obras de arte, mas isso só se
verifica porque, embora estas duas intenções sejam diametralmente opostas,
ambas possuem bons precedentes históricos, isto é, ambas correspondem a formas
como as obras de arte foram corretamente encaradas ao longo dos tempos.
Note-se que se diz «foram corretamente encaradas» e não simplesmente «foram encaradas». Isto justifica-se porque algumas obras de arte podem perfeitamente ter sido erradamente encaradas de uma determinada forma, quando na verdade deveriam ter sido encaradas de outra maneira. Para ilustrar esta situação consideremos o seguinte exemplo:
Imaginemos que no passado alguém
encarou os painéis de São Vicente como um bom tapume para a construção civil.
No entanto, embora os painéis de São Vicente sejam efetivamente obras de arte,
isso não seria suficiente para tornar todos os tapumes da construção civil em
obras de arte. Isto acontece porque os referidos painéis foram erradamente
encarados como tapumes da construção civil, quando na verdade deveriam ter sido
encarados como um retrato da Corte e de vários estratos da sociedade portuguesa
da época.
Assim, para
que um objeto seja uma obra de arte não basta que esse objeto seja encarado tal
como certas obras de arte foram encaradas no passado, é preciso que ele seja encarado
tal como certas obras de arte foram corretamente encaradas no passado.
Segundo
Levinson, para que um objeto seja uma obra de arte, não se exige que o
artista tenha consciência de que a sua intenção tem bons precedentes na
história da arte, basta que esses precedentes, de facto, existam. O que quer
dizer que o criador pode nem sequer ter consciência de que aquilo que produziu
é uma obra de arte.
Uma vez que
recorre a exemplos conhecidos da história da arte, pode dizer-se que esta
teoria define arte historicamente, daí ter sido designada «teoria histórica da
arte».
Contudo, a existência de bons
precedentes históricos não é uma condição suficiente para que um objeto seja
efetivamente uma obra de arte; Levinson acrescenta alguns requisitos que
precisam de ser igualmente satisfeitos.
- Um desses requisitos é o de que a intenção em causa seja uma intenção
séria. Isto quer dizer que, qualquer que seja a intenção por detrás da criação,
ela não pode ser momentânea, passageira ou meramente ilustrativa. Por exemplo,
para
ilustrar esta teoria um professor
poderia sugerir aos seus alunos que tinha a intenção de que a sua caneta fosse
encarada como um ready-made, isto é, como um objeto do quotidiano ao qual foi
atribuído o estatuto de obra de arte com o intuito de desafiar a compreensão do
conceito de arte. Ora, como os ready-made são obras de arte e alguns deles
foram concebidos com essa mesma intenção,
isso significa que existem bons
precedentes históricos e, por conseguinte, pode parecer que a teoria histórica
está condenada a considerar que o professor acabou de criar uma obra de arte.
Contudo, uma vez que a intenção do professor era meramente ilustrativa, e não
uma intenção séria, não se pode dizer que o professor tenha efetivamente criado
uma obra de arte
- O outro requisito é o de que o artista tenha direitos de propriedade sobre
o objeto em questão. De acordo com este requisito, não se pode dizer que alguém
produziu uma determinada obra de arte se, logo à partida, essa pessoa não tinha
sequer o direito de usar esse objeto fosse de que maneira fosse.
Para ilustrar aquilo que está aqui em causa, pensemos no seguinte exemplo. Marcel Duchamp tentou, sem sucesso, converter o «Edifício Woolworth», em Nova Iorque, num dos seus ready-made. Uma possível explicação para o facto de esta tentativa não ter sido bem-sucedida pode ser precisamente o facto de Duchamp não ter direitos de propriedade sobre o edifício.
A teoria histórica apresenta algumas vantagens sobre as teorias precedentes. Não só possibilita a existência de arte solitária, como mostra por que razão na arte vale tudo, embora nem tudo resulte. A razão pela qual vale tudo é que não existem limites definidos em relação ao tipo de coisas que as pessoas podem seriamente pretender que sejam encaradas como obras de arte. A razão pela qual nem tudo resulta é que para que algo seja, atualmente, considerado arte é preciso ter em conta a história da arte.
Assim sendo, não há garantias de que um determinado uso presente da palavra «arte» seja legitimado pela história da arte.
Apesar das
suas virtudes, a teoria
histórica da arte também enfrenta críticas.
Vejamos, em
seguida, em que consistem algumas delas.
Críticas à teoria histórica da arte
Não explica por que razão a primeira obra de arte é considerada arte
• Um dos
primeiros problemas que se levanta perante esta teoria é o seguinte: se o que
faz com que algo seja uma obra de arte é a sua relação com a arte anterior,
então como surgiu a primeira obra de arte? Esta (hipo-tética) obra não tem bons
precedentes aos quais possamos apelar. Ora, na impossibilidade de recorrer a
casos precedentes, a teoria histórica revela-se incapaz de explicar por que
razão a primeira obra de arte é considerada arte.
É demasiado inclusiva
• Uma outra
crítica à teoria histórica prende-se com o facto de esta não prever que certas
formas de encarar a arte no passado expirem. Uma pessoa pode criar um objeto
com a intenção séria de que ele seja encarado como as grandes obras do passado
eram corretamente encaradas e ainda assim não produzir uma obra de arte, pois
aquilo que, no passado, se considerava ser uma forma correta de encarar as
obras de arte deixou de fazer sentido por qualquer motivo.
Por exemplo,
uma parte significativa das obras do passado consistia em retratos cujo
objetivo era representar o modelo tão fielmente quanto possível. Ora, existem
hoje vários exemplos de objetos que partilham essa intenção com os grandes
retratos
do passado, e,
no entanto, não são obras de arte – como acontece, por exemplo, com as
fotografias tipo-passe, ou com os retratos-robô que a polícia utiliza para
identificar criminosos. Qualquer teoria que não consiga excluir estes objetos
do domínio artístico será considerada demasiado inclusiva.
É demasiado exclusiva
• Também há
quem considere que a teoria histórica da arte é demasiado exclusiva, por não se
poder dizer que alguns exemplos de obras que são hoje expostas em museus como
genuínas obras de arte foram criados com a intenção séria de que fossem vistos
como as obras de arte precedentes. Por exemplo, algumas estátuas de demónios, escudos
e capacetes de guerreiros destinavam-se a assustar e afastar os seus
observadores. Contudo, esta intenção não é reconhecidamente uma das formas de
encarar corretamente as obras de arte precedentes. À luz da teoria história da
arte, isso implicaria que estas obras não poderiam ser legitimamente
consideradas obras de arte. Mas na verdade, há objetos que são reconhecidos
como arte independentemente das intenções dos seus criadores.
Além disso,
também há quem veja na condição dos direitos de propriedade um fator de
exclusão excessiva. Vejamos por exemplo o graffiti.
Os
graffiters fazem as suas criações artísticas em túneis, carruagens de comboio e
metro, casas e fachadas que não lhes pertencem. Quer isso dizer que, por esse
motivo, essas criações não podem ser consideradas arte? E se Picasso tivesse
pintado ilegalmente a Guernica na lateral de uma carruagem de metro, esta
deixaria de poder ser considerada arte, apesar de a sua forma ser exatamente a
mesma? Estas interrogações parecem sugerir que a teoria histórica exclui
arbitrariamente do conceito de arte algumas obras simplesmente porque o artista
não é proprietário dos meios de produção (nem tem qualquer outro tipo de direito sobre a utilização dos mesmos)
Luís Veríssimo
Domingos faria
Resumos Filosofia 11º ano,
Sebenta
(O sublinhado é nosso)
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