São famosos os exemplos, alguns caricatos,
outros meio macabros, que dão corpo a esta interrogação – mas será arte? – e
que estão longe de se esgotar na Fonte de Marcel Duchamp, típica obra da
postura dadaísta sobre a arte. O meu exemplo preferido é inegavelmente a obra
“O Embaixador” do artista belga Francis Alÿs e que consistiu no envio de um
pavão vivo à Bienal de Veneza de 20016. Segundo o artista, o pavão teria uma
dupla função: representaria o artista nesse evento, ao mesmo tempo que se
exibia como obra. Um dos aspectos fascinantes desta “criação” é que ela traduz
uma ideia muito cara, e que me parece correcta, de Danto, a saber, que este
tipo de obra, sem dúvida, provocatório, deve ser entendido como uma atitude do artista em relação
ao mundo da arte. Muitas obras de arte parecem estar mais interessadas em
apresentarem-se como manifestos ou proclamações sobre o mundo da arte do que se
constituírem como objectos artísticos dados à contemplação ou, mesmo, à
performance humana.
Ora, no mundo contemporâneo são apresentadas obras artísticas que procuram explorar os sentimentos de morbidez, de mal-estar e de alguma crueldade. A título de exemplo, referiria a obra do artista e anatomista alemão Gunther von Hagens que fabricou estátuas a partir de cadáveres humanos, através de uma técnica inventada por ele, chamada “plastinação” (Plastination). Inicialmente o projecto era científico com vista a estudos de anatomia, mas Von Hagens rapidamente se apercebeu do seu potencial artístico.
Este é apenas um caso da
criação de obras artísticas envoltas em morbidez e repulsa, que, nalguns casos,
ultrapassa o limiar do que eticamente permissível.
A segunda razão do mal-estar prende-se com obras de arte que são assumidamente banais, que aparentemente não parecem suscitar qualquer interesse. O problema não está naturalmente na simplicidade do tema, mas, antes, por se apresentarem explicitamente como desinteressantes. Muitas delas são “ready-mades” ou objectos encontrados, outras parecem que querem sublinhar a banalidade das mesmas, a um ponto tal que por vezes são indiscerníveis de objectos da vida quotidiana.
Por vezes, a sua criação parece não implicar qualquer esforço ou então, pelo contrário, envolver um zelo significativo que surge como desproporcionado em função do resultado obtido. Citaria, como exemplo, uma obra de um escultor inglês, Roger Hiorns, que apresentou na galeria Tate Modern, em Londres, uma criação que é apenas um aglomerado de pó. Mas para o realizar o artista teve que desfazer o motor de um avião a jacto. O esforço foi titânico, mas o resultado foi descrito, por muitos, como uma sala a precisar de ser aspirada. Na perspectiva do autor, a obra longe de ser desprovida de sentido, manifesta o princípio universal da entropia de todas as entidades materiais.
A terceira razão do mal-estar prende-se com o tipo de obras que claramente visam transcender qualquer apreciação estética. Não me estou a referir a obras que transcendem as habituais categorias estéticas de beleza e de sublime.
Como mostrou Nick Zangwill, no seu artigo sobre o conceito de estética, existem muitos mais juízos estéticos do que a mera valoração de algo como belo ou sublime. Ajuizamos que as coisas são belas ou feias, ou que têm ou não valor estético ou mérito estético. Chamemos veredictivos a esses juízos. (Classifico os juízos de beleza e de valor estético conjuntamente.) Também ajuizamos que as coisas são mimosas, desairosas, graciosas, garridas, delicadas, equilibradas, calorosas, arrebatadas, soturnas, desengraçadas e tristes. A estes juízos chamemos juízos estéticos substantivos. Os objetos e eventos acerca dos quais fazemos juízos veredictivos e substantivos incluem tanto objectos naturais como obras de arte.8
Ora, existem obras de arte criadas intencionalmente para transcenderem qualquer apreciação estética, seja ela veredictativa ou substantiva. Como exemplo, cito o caso da obra de Joseph Kosuth, considerada por muitos como o início da arte conceptual, One and three chairs (1965). Não foi Kosuth que fez a cadeira de madeira, nem a fotografia exposta é dele, nem muito menos é da sua autoria a definição de “cadeira”, retirada de um dicionário. Trata-se assim de uma obra conceptual em que o crucial se encontra no sentido ou significado e não tanto na reacção estética. “A arte é fazer sentido” (Art is making meaning), – é assim que Kosuth responde à nossa questão sobre o que é a arte9 . Mas como existem muitos modos de “fazer sentido”, sem passar por obras artísticas, é duvidoso que nos contentemos com esta resposta. 8 Zangwill 1998: 78. 9 Citado por Lyon 1988: 47.
Bastariam estes exemplos para compreendermos como não é fácil responder à interrogação que nos motiva. Não nos parece muito razoável, como atitude filosófica, considerar que, relativamente às obras referidas, não estamos em face de genuínas obras de arte. Há uma diferença crucial entre os juízos de gosto, formulado, por exemplo, por um crítico de arte, e a conceptualização filosófica.
Se assim não for, a conhecida declaração do artista americano
Barnett Newman justifica‑se totalmente: “a estética está para os artistas como
a ornitologia está para os pássaros”10.
(...)
TEXTO 2
[...] Verificando que a
diversidade de obras de arte é bem maior do que as teorias da imitação e da
expressão fariam supor, uma teoria mais elaborada, e também mais recente,
conhecida como teoria da forma significante (abreviadamente referida como
“teoria formalista”), decidiu abandonar a ideia de que existe uma
característica que possa ser diretamente encontrada em todas as obras de arte.
Esta teoria, defendida, entre outros, pelo filósofo Clive Bell, considera que
não se deve começar por procurar aquilo que define uma obra de arte na própria
obra, mas sim no sujeito que a aprecia. Isso não significa que não haja uma
característica comum a todas as obras de arte, mas que podemos identificá-la
apenas por intermédio de um tipo de emoção peculiar, a que chama emoção
estética, que elas, e só elas, provocam em nós. Por esta razão a incluo nas
teorias essencialistas. De acordo com a teoria formalista de Clive Bell
Uma obra é arte se, e só se,
provoca nas pessoas emoções estéticas.
Note-se que não se diz que as obras de arte exprimem emoções, senão estar-se-ia a defender o mesmo que a teoria da expressão, mas que provocam emoções nas pessoas, o que é bem diferente. Se a teoria da imitação estava centrada nos objetos representados e a teoria da expressão no artista criador, a teoria formalista parte do sujeito sensível que aprecia obras de arte. Digo que parte do sujeito e não que está centrada nele, caso contrário não seria coerente considerar que esta teoria é formalista.
Tendo em conta a definição dada, reparamos que a característica de provocar emoções estéticas constitui, simultaneamente, a condição necessária e suficiente para que um objetos seja uma obra de arte. Mas se essa emoção peculiar chamada “emoção estética” é provocada pelas obras de arte, e só por elas, então tem de haver alguma propriedade também ela peculiar a todas as obras de arte, que seja capaz de provocar tal emoção nas pessoas. Mas essa característica existe mesmo? Clive Bell responde que sim e diz que é a forma significante.
Frases como “Este quadro é uma verdadeira obra prima devido à excecional harmonia das cores e ao equilíbrio da composição”, ou como “Aquele livro é excelente porque está muito bem escrito e apresenta uma história bem construída apoiada em personagens convincentes e bem caracterizadas”, exprimem habitualmente uma perspetiva formalista da arte.
Para já, esta teoria parece ter uma grande vantagem: pode incluir todo o tipo de obras de arte, inclusivamente obras que exemplifiquem formas de arte ainda por inventar. Desde que provoque emoções estéticas qualquer objeto é uma obra de arte, ficando assim ultrapassado o carácter restritivo das teorias anteriores.
[...]
Aires Almeida, O que é a
arte?, in Crítica na Rede
TEXTO 4
A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.
Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.
É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia a qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz «obscuro», «amplo», «barco», «pedra» é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do poema. O verso é denso, tenso como um arco, exatamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exatamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.
E no quadro sensível do poema
vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.
Sophia de Mello Breyner, Arte Poética II, in Obra Poética III,
Ed. Caminho, 1999, Lisboa, 95-96.
TEXTO 5
A Teoria Histórica apresenta
uma definição real de arte que é simultaneamente processualista e relacional.
Levinson defende assim que a natureza da arte reside em propriedades não
manifestas associadas ao modo como se processa a sua criação e que estas podem
ser entendidas como separadamente necessárias e conjuntamente suficientes para
haver arte em qualquer circunstância possível. Segundo Levinson, a arte é
necessariamente retrospetiva, uma vez que a criação artística estabelece uma
relação apropriada com a atividade e o pensamento humanos que se traduziram na
história efetiva da arte. É essa relação que determina aquilo que a arte é, o
seu carácter ontológico, e explica a unidade da arte através do tempo.
A definição histórica de arte
é formulada por Levinson do seguinte modo: X é uma obra de arte se, e só se, X
é um objeto acerca do qual uma pessoa ou pessoas, possuindo a propriedade
apropriada sobre X, têm a intenção não-passageira de que este seja perspetivado-como-uma-obra-de-arte,
i.e., perspetivado de qualquer modo (ou modos) como foram ou são perspetivadas
corretamente obras de arte anteriores. A definição histórica indica condições
necessárias e suficientes para haver arte, aplicando-se assim – acredita
Levinson – a toda a arte possível. Fornece ainda um critério de identificação
que permite distinguir as obras de arte dos meros objetos comuns que não são
arte. Para que possamos avaliá-la convenientemente, consideremos cada uma das
condições apontadas.
A primeira condição é a do
direito de propriedade: o artista não pode transformar em arte objetos que não
lhe pertençam ou em relação aos quais não esteja devidamente autorizado a agir
pelos seus proprietários. Com esta condição Levinson reduz substancialmente o
universo de possibilidades da criação artística e afasta-se definitivamente da
imagem caricatural do artista que faz arte através da mera nomeação de um
qualquer objeto que passa então a usufruir do estatuto de obra de arte. A
oposição à teoria Institucional de Dickie é uma presença declarada na proposta
Histórica, e este é um dos pontos que a tornam mais evidente.
A segunda condição é a
existência de um certo tipo de intenção que relaciona a arte do presente com a
arte do passado. Ter uma intenção, neste caso, é ter um propósito ou uma
finalidade em mente, e desenvolver uma ação para o atingir. Esta pode consistir
em fazer, apropriar-se ou conceber algo. A teoria é, pois, um caso de
internalismo histórico, uma vez que supõe que a relação entre o passado e o
presente não se faz através de características das próprias obras, mas sim das
intenções do artista. Embora possamos não ter acesso às intenções do artista,
que são, obviamente, estados psicológicos, é possível conhecê-las através de
pistas, como o contexto de criação, o género a que a obra pertence, etc.
Inferimos as intenções do artista através de aspetos concretos da obra porque a
obra, ela própria, não é mental.
Paula Mateus, A teoria histórica de Levinson
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/24224/1/Paulo%20Mateus.pdf
TEXTO 6
"(...) a verdadeira arte é expressão imaginativa da emoção. Por «expressão» Collingwood quer dizer algo bastante específico - não uma irrupção ou uma manifestação involuntária da emoção, nem um despertar deliberado da emoção, mas antes a clarificação de um sentimento inicialmente vago que através da sua expressão se torna claro. O processo de criar uma obra de arte é um refinamento desta emoção e ao mesmo tempo uma maneira de o artista ganhar uma espécie de conhecimento de si precisamente através da clarificação daquilo que sente (...)
A expressão bem sucedida de uma emoção permite ao observador ou à audiência ganhar consciência dela, exactamente como o processo de criação artística isola a natureza dessa emoção particular para a pessoa que dela tem experiência e que a expressa (...)
O observador deve expressar emoções, diz Collingwood, tal como o artista, e torna-se assim um artista no decorrer do próprio processo de apreciar arte. O artista mostra aos observadores da obra de arte como expressar a emoção particular que se encontra na obra. O valor da arte tanto para o criador como para os consumidores encontra-se na sua capacidade para clarificar e individualizar emoções. (...)
A noção de verdadeira arte de Collingwood admite muitas coisas que não são obviamente arte; ao mesmo tempo, exclui alguns casos paradigmáticos de arte. Inclui demasiado porque parece implicar que qualquer expressão imaginativa de emoção irá ser automaticamente qualificada como obra de arte - uma posição muitíssimo contra-intuitiva. É óbvio que a expressão de uma emoção não precisa de ser uma obra de arte. A expressão de emoções, mesmo no sentido em que Collingwood usa o termo expressão, não é certamente uma condição suficiente para que algo seja uma obra de arte. Por exemplo, a transferência e contratransferência entre um psicoterapeuta e o seu cliente poderia muito bem ter a forma de uma sentimento vago, quase inconsciente, aperfeiçoado numa emoção precisamente expressa; contudo poucas pessoas defenderiam que é, por isso, uma obra de arte. Talvez, contudo, na terminologia de Collingwood, tal não consistia numa expressão imaginativa de emoções. Porém, poder-se-ia fazer uma objecção semelhante a partir do interior da teoria de Collingwood: a sua descrição do papel apropriado do observador de uma pintura parece transformar esse observador num artista. O observador reexprime a emoção que se encontra no âmago da obra. Se esta for uma leitura correcta de Collingwood neste aspecto - e a sua teoria é notavelmente escorregadia - então é simplesmente implausível."
Nigel Warburton, O que é a Arte?,
pp. 62-63; 72.
TEXTO 7
Segundo as teorias
formalistas, o que caracteriza a obra de arte é a sua forma e não o seu caráter
representativo. Um paradigma do formalismo é a teoria proposta por Clive Bell
em 1914 com o objetivo de defender o neo-impressionismo de pintores como Paul
Cézanne6. Para Bell o que caracteriza as artes plásticas e talvez a música é a
presença da forma significante. O conceito de forma significante é simples, não
podendo ser definido. Mas na pintura ele resulta da combinação de formas,
linhas e cores. Considere, por exemplo, a Composição em Vermelho, Amarelo e
Azul de Mondrian. O que faz a singularidade dessa pintura é a inesperada
harmonia entre as cores puras, as formas e dimensões de seus retângulos, o que
deve constituir uma forma significante. Característico da forma significante é
que ela produz uma emoção estética em pessoas com sensibilidade para a arte.
A teoria da forma significante foi útil como defesa da pintura abstrata ou semi-abstrata surgida desde o final do século XIX. Mas ela possui defeitos sérios. Para Bell a representação e o contexto não possuem relevância. Mas não é difícil encontrarmos exemplos de obras de arte nas quais o elemento representacional ou o contexto são importantes.
Considere os auto-retratos de Rembrandt,
ou ainda, o quadro de Géricault, A Jangada do Meduza.
A composição do quadro é importante, mas o que
ele representa também. Nele estão retratados alguns náufragos à beira da morte,
em uma jangada perdida no oceano, no momento em que é divisada a salvação. A
pintura foi inspirada por um acontecimento verídico. Sentimos que esse quadro
potencializa o drama e a esperança humanos para além da simples representação
naturalista de um acontecimento. Certo é que não é só a composição, mas também
o conteúdo simbólico que aqui se somam na produção do sentimentos estético.
A dificuldade maior com a
teoria de Bell consiste, no entanto, em sua falta de conteúdo. Para a questão
“O que é forma significante?”, a melhor resposta parece ser: aquela que tende a
produzir no auditório um sentimento estético. À pergunta “O que é o sentimento
estético?”, a resposta parece ser: aquele que é produzido pela forma
significante. A teoria beira a vacuidade e a circularidade.
Cláudio F. Costa, in critica
TEXTO 8
Como a designação da teoria
deixa adivinhar, para Levinson a essência da arte reside no seu carácter
histórico ou retrospetivo. Toda a arte é o resultado de uma atividade humana
que se relaciona com o seu passado através da intenção de um indivíduo, que pode
ou não conhecer essa história. Todas as obras de arte se referem
necessariamente ao seu passado e, como tal, é legítimo considerar que, mais do
que uma sucessão de eventos, existe evolução na arte. A responsabilidade por
essa evolução pode atribuir-se não a uma instituição, mas às intenções de
indivíduos que pretendem que certos objetos sejam vistos como já o foram obras
de arte do passado. Uma das primeiras versões da definição histórica proposta
pela teoria é a seguinte:
«(I) X é uma obra de arte = df
X é um objeto acerca do qual uma pessoa ou pessoas, possuindo a propriedade
apropriada sobre X, têm a intenção não-passageira de que este seja
perspetivado-como-uma-obra-de-arte, i.e., perspetivado de qualquer modo (ou
modos) como foram ou são perspetivadas corretamente (ou padronizadamente) obras
de arte anteriores.» (Levinson, 1979, p. 236)
Como a própria mancha de texto
deixa adivinhar, Levinson pretende formular uma definição explícita composta
por condições necessárias e suficientes. Para compreender se é ou não uma
definição correta é preciso explicitar os termos da definição. A primeira
condição é a do direito de propriedade. Segundo esta, o artista não pode
transformar em arte objectos que não lhe pertençam ou em relação aos quais não
esteja devidamente autorizado a agir pelos seus proprietários. A esta luz fica
vedada ao artista a possibilidade de transformar em arte algo que, não sendo
seu, apenas indica ou nomeia como tal. O exemplo paradigmático de uma tentativa
de o fazer foi protagonizado por Duchamp em 1916, quando indicou como arte o
Edifício Woolworth. Das suas notas figurava uma indicação para procurar uma
inscrição para o Edifício, então o mais alto de Nova Iorque, como readymade.
Contrariamente ao que diria Dickie, que aceitaria que o Edifício Woolworth
adquiriria o estatuto de obra da arte com a apresentação, Levinson afirma que
este não pode chegar a ser arte, porque Duchamp não o possui nem está
autorizado pelos seus proprietários a usá-lo como produto artístico. Pelas
mesmas razões, os artistas não poderão transformar em arte paisagens, pessoas
ou acontecimentos sob os quais não tenham qualquer direito de propriedade. Esta
condição afasta a teoria Histórica tanto da proposta Institucional como de
todas as outras que afirmam que tudo pode ser arte. Propõe também que se
abandone uma visão caricatural do artista em que este surge dotado de um toque
de Midas, capaz de transfigurar tudo o que a sua arbitrariedade artística
selecionar como arte.
A segunda condição é a
existência de um certo tipo de intenção que relaciona a arte do presente com a
arte do passado. A arte requer conhecimento que se adquire ao longo do processo
de socialização. Mesmo que não possua quaisquer crenças verdadeiras acerca da
história da arte, o artista é alguém que tem conhecimentos suficientes acerca
dos objetos e dos auditórios para poder formar intenções acerca desses objetos
que fazem referência àquilo que a arte já foi. Mas que relação intencional é
essa? E em que sentido é usada a palavra «intenção»? Em primeiro lugar, note-se
que, para Levinson, a expressão «tem intenção de» é usada em sentido lato,
significando esta apenas «faz, apropria-se ou concebe com o propósito de». Ter
uma intenção, neste caso, é, então, ter um propósito ou uma finalidade em
mente, e desenvolver uma ação para o atingir. Esta pode consistir em fazer,
apropriar-se ou conceber algo. Depois, exige-se que a intenção não seja
transitória, mas sim persistente ou estável. Impede-se assim que a arte seja
fruto de caprichos passageiros ou de ímpetos momentâneos.
Paula Mateus, A teoria
histórica de Levinson
TEXTO 9
Teremos ganho muito para a
ciência estética ao chegarmos não só à compreensão lógica, mas também à
imediata segurança da opinião de que o progresso da arte está ligado à
duplicidade do Apolínico e do Dionisíaco; de maneira parecida com a dependência
da geração da dualidade dos sexos, em lutas contínuas e com reconciliações
somente periódicas. Estes nomes tomamos emprestados aos gregos, que manifestam
ao inteligente as profundas ciências ocultas da sua conceção artística não em
ideias, mas nas figuras enérgicas e claras do seu mundo mitológico. A ambas as
divindades artísticas destes, Apolo e Dionísio está ligado o nosso
reconhecimento de que existe no mundo grego uma enorme contradição, na origem e
nos fins, entre a arte plástica — a de Dionísio; — ambos os impulsos, tão
diferentes, marcham um ao lado do outro, na maior parte das vezes em luta
aberta e incitando-se mutuamente para novos partos, a fim de neles poder
perpetuar a luta deste contraste, que a palavra comum “arte” somente na
aparência consegue anular; até que eles afinal, através do milagroso ato
metafísico do “desejo” helénico, aparecem unidos, produzindo por fim, nesta
união, a obra de arte, tanto dionisíaca quanto apolínica, da Tragédia Ática.
Para melhor apreciarmos ambos os impulsos imaginemo-los, antes de mais nada, como mundos de arte separados do sonho e da embriaguez; fenómenos fisiológicos entre os quais é possível notar uma contradição como a existente entre o apolínico e o dionisíaco. No sonho se apresentaram primeiramente, segundo a opinião de Lucrécio, as esplêndidas figuras divinas às almas humanas.
No sonho via o grande escultor
a fascinante estrutura dos membros de seres sobre-humanos, e o poeta helénico,
inquirido sobre os segredos da produção poética, seria da mesma forma lembrado
ao sonho e teria dado ensinamentos parecidos, como aos de Hans Sachs nos
Mestres-Cantores:
Meu amigo, eis a obra do
poeta,
Percebe seus sonhos e os
interpreta.
Acredita, o verdadeiro, o
humano destino
É-lhe mostrado ao sonhar:
Toda a arte poética e todo
poetar,
Nada mais é que uma
interpretação com tino.
O belo brilho dos mundos de sonho, em cuja produção o homem é um artista perfeito, é condição de existência para toda arte plástica, e também, como veremos, de uma parte essencial da poesia. Gozamos a imediata compreensão da figura, todas as formas falam connosco, nada há de indiferente e desnecessário. Na vida mais elevada desta verdade de sonho ainda temos o sentimento transparente da sua aparência; pelo menos é esta a minha experiência, para cuja continuidade e normalidade teria eu de citar diversos testemunhos e os ditos dos poetas. O filósofo tem mesmo o pressentimento de que também sob esta realidade em que vivemos e somos, se encontra oculta uma bem diferente, e que portanto também ela é aparência; e Schopenhauer indica mesmo o dom que a alguns homens todas as cousas parecem meros fantasmas ou sonhos, como sinal de aptidão filosófica. Assim como o filósofo se porta, perante a realidade da existência, assim se comporta o homem, artisticamente impressionável, perante a realidade do sonho; ele gosta de contemplar, e contempla atentamente; pois é por estas imagens que ele interpreta a vida, e com estes acontecimentos se exercita para a mesma.
Friedrich Nietzsche, A Origem
da tragédia, cap.4 p.20
Dickie começa por aderir à
ideia de que o projeto tradicional de encontrar uma definição essencialista
deve ser abandonado. No entanto, defende que é perfeitamente viável dar uma
definição explícita de arte. O objetivo de Dickie é, pois, o de apresentar uma
definição verdadeira capaz de resolver o problema: como distinguir arte de
não-arte? O que ele procura é uma definição nominal, ou, nas suas palavras, uma
definição em “sentido classificativo” de arte, que indique condições
necessárias e conjuntamente suficientes (Dickie 1974). Dickie apresentou a
seguinte definição institucionalista:
Algo é uma obra de arte no sentido classificativo se, e só se,
1) é um artefacto
e
2) alguém age sobre ele
em nome de uma dada instituição (o mundo da arte), propondo-o como candidato a
apreciação.
Uma das características mais salientes desta definição é que qualquer coisa pode ser uma obra de arte, desde que alguém a proponha como candidata para apreciação de acordo com o procedimento descrito. Por isso Davies diz tratar-se de uma definição procedimentalista. Assim, objetos completamente diferentes, sem qualquer semelhança percetível a não ser a sua a sua artefactualidade, podem adquirir o estatuto de obras de arte. A noção de artefacto de Dickie é alargada de modo a incluir objetos que não são físicos, como, por exemplo, poemas. A ideia é que um artefacto é tudo o que é feito por seres humanos, aí se incluindo o conjunto de movimentos coordenados que constituem uma dança ou o que resulta do ato de apanhar um pedaço de madeira à deriva nas águas de um rio para ser exibido numa galeria de arte.
Quanto à condição 2, Dickie esclarece que as pessoas aptas a propor um
dado artefacto para candidato a apreciação são geralmente os artistas, os
galeristas, os críticos de arte ou os curadores de arte e outros agentes
ligados a museus, revistas de arte, faculdades de artes, casas de espetáculos,
etc. Essa é a instituição, genericamente designada ‘mundo da arte’, em nome da
qual se confere a esse artefacto o estatuto de candidato para apreciação.
Estamos, portanto, perante condições necessárias e conjuntamente suficientes da
arte, que não excluem inovação artística alguma.
Críticas
1.
O que é ser “candidato a
apreciação”? E quem exatamente tem autoridade para “agir em nome de uma
determinada instituição”? E em que sentido se diz que o chamado ‘mundo da arte’
é uma instituição, dado que não exibe a formalidade – hierarquias, regulamentos
escritos, cerimónias oficiais – característica das outras instituições como as
instituições religiosas, militares, académicas, etc?
2.
Os entendidos em arte decidem
o que deve ser considerado uma obra de arte com base em razões ou fazem-no
arbitrariamente. Se eles o fazem com base em razões, essas razões constituem
uma teoria da arte que não é a teoria institucional. Assim, alguém poderá dizer
que os quadros de determinada pessoa apresentam excelentes combinações de cores
aliadas à simplicidade formal. Mas essa é uma maneira de dizer, por exemplo,
que eles possuem forma significante. Nesse caso a teoria institucional esbarra
em outras conceções da arte. Suponhamos agora que os entendidos em arte decidam
arbitrariamente o que deve ser considerado obra de arte. Ora, nesse caso não
fica claro porque devemos dar qualquer importância à arte.
3.
O problema mais notório da
definição de Dickie é a sua manifesta circularidade: as obras de arte são
definidas como objetos que são aceites como tais pelas pessoas que entendem de
arte; e as pessoas que entendem de arte são definidas como as que aceitam certos
objetos como sendo obras de arte.
TEXTO 11
Os jogos de cartas são como os
jogos de tabuleiro em alguns aspetos mas não noutros. Nem todos os jogos são
divertidos, e nem sempre há ganhar e perder, ou competição entre os jogadores.
Alguns jogos assemelham-se a outros em alguns aspetos – isto é tudo. O que
encontramos não são propriedades necessárias e suficientes, mas apenas «uma
rede complicada de parecenças que se cruzam e sobrepõem entre si», de tal modo
que podemos dizer que os jogos formam uma família com parecenças de família e
sem qualquer traço comum. Se perguntarmos o que é um jogo, para responder vamos
buscar exemplos de jogos, descrevemo-los, e acrescentamos o seguinte: «a isto e
a coisas parecidas chama-se um jogo». Isto é tudo o que precisamos de dizer e
de facto tudo o que sabemos acerca de jogos. Saber o que é um jogo não é saber
uma definição real ou uma teoria, mas ser capaz de reconhecer e explicar os
jogos e ser capaz de decidir de entre exemplos novos e imaginários a quais
chamaríamos «jogos». O problema da natureza da arte é como o da natureza dos
jogos, pelo menos neste aspeto: se olharmos realmente para aquilo a que
chamamos «arte», também não iremos encontrar qualquer propriedade comum –
apenas cadeias de similaridades. Saber o que é a arte não é apreender uma
essência manifesta ou latente mas ser capaz de reconhecer, descrever e explicar
aquelas coisas a que chamamos «arte» em virtude de certas similaridades. A
semelhança básica entre estes conceitos é a sua estrutura aberta. Ao
elucidá-los, pode -se apresentar alguns casos (paradigmáticos), acerca dos
quais não pode existir a mínima dúvida ao serem descritos como «arte» ou
«jogo», mas não é possível fornecer um conjunto exaustivo de exemplos. Posso
fazer uma lista de alguns casos e algumas condições sob as quais aplico
corretamente o conceito de arte, mas não posso fazer uma lista de todos esses
casos e condições pela simples razão que estão sempre a surgir ou a antever-se
condições novas ou imprevisíveis. Um conceito é aberto se as suas condições de
aplicação são reajustáveis e corrigíveis; isto é, se se pode imaginar ou
acontecer uma situação ou um caso que requeresse algum tipo de decisão da nossa
parte de modo ou a alargar o uso do conceito para abranger o novo caso ou a
fechar o conceito inventando um novo para abranger o novo caso e a sua nova
propriedade. Se podemos estabelecer condições necessárias e suficientes para a
aplicação de um conceito, o conceito é fechado. Mas isto é algo que apenas pode
acontecer na lógica e na matemática onde os conceitos são construídos e completamente
definidos. Isto não pode acontecer com conceitos empiricamente descritivos e
normativos, a não ser que os fechemos arbitrariamente estipulando o alcance dos
seus usos. [...]
O próprio conceito de arte é
um conceito aberto. Novas condições (novos casos) surgiram e continuarão
certamente a surgir; aparecerão novas formas de arte, novos movimentos, que
irão exigir uma decisão por parte dos interessados, normalmente críticos de arte
profissionais, sobre se o conceito deve ou não ser alargado. Os estetas podem
estabelecer condições de similaridade, mas nunca condições necessárias e
suficientes para a correta aplicação do conceito. Com o conceito arte, as suas
condições de aplicação nunca podem ser exaustivamente enumeradas, uma vez que
novos casos podem sempre ser considerados ou criados pelos artistas, ou mesmo
pela natureza, o que exigirá uma decisão por parte de alguém em alargar ou
fechar o velho conceito ou em inventar um novo (por exemplo, «Isto não é uma
escultura, é um mobile.») Assim, aquilo que estou a defender é que o próprio
carácter expansivo e empreendedor da arte, as suas sempre presentes mudanças e
novas criações, torna logicamente impossível garantir um qualquer conjunto de
propriedades definidoras. É claro que podemos escolher fechar o conceito. Mas
fazer isso com arte ou tragédia ou retrato, etc., é ridículo, uma vez que
exclui as próprias condições de criatividade na arte.
Morris Weitz, «O Papel da Teoria na Estética», 1956,
trad. de Célia Teixeira, pp. 3-5
TEXTO 12
O Sr. Andy Warhol, o artista
pop, exibe fac-símiles de caixas de Brillo, em pilhas altas, em limpas
prateleiras como nas prateleiras do supermercado. Elas são, casualmente, de
madeira, pintadas de modo a parecer cartonado; e por que não? Parafraseando a crítica
do Times, se alguém pode fazer o fac-símile de um ser humano a partir do
bronze, por que não o fac-símile da caixa de Brillo a partir da madeira? O
custo dessas caixas chega a ser de 2 x 103 o das congéneres na vida real – um
diferencial dificilmente atribuível a sua maior durabilidade. Na verdade, o
pessoal da Brillo pode, mediante algum custo extra, fazer suas caixas de
madeira, sem que elas se tornem obras de arte, e Warhol pode fazer as suas a
partir do papel-cartão, sem que elas deixem de ser arte.
Desse modo, podemos esquecer
as questões relativas ao valor intrínseco e indagar por que o pessoal da Brillo
não pode manufaturar arte e por que Andy Warhol não pode fazer nada senão obras
de arte.
(…)O artista pop reproduz
laboriosamente à mão objetos feitos à máquina, pintando, por exemplo, os
rótulos em latas de café (pode-se ouvir a conhecida advertência: “feito
inteiramente à mão” (…).Mas a diferença não consiste no artesanato: um homem
que extraiu gemas a partir de rochas e construiu cuidadosamente uma obra
chamada Pilha de cascalho (Gravel Pile) pode invocar a teoria do valor-trabalho
para justificar o preço que ele pede; mas a questão é: o que torna isso arte? E
por que Warhol precisa fazer isso ? Por que não apenas pôr sua assinatura numa
delas? Ou amassar totalmente uma e exibir como Caixa de Brillo Amassada (“um
protesto contra a mecanização...”) ou simplesmente exibir um cartonado de
Brillo como Caixa de Brillo Desamassada (“uma afirmação categórica da
autenticidade plástica dos objetos industriais...”)? Esse homem é uma espécie
de Midas, transformando tudo em que toca no ouro da pura arte? (…)
O que, afinal de contas, faz a
diferença entre uma caixa de Brillo e uma obra de arte consistente de uma caixa
de Brillo é uma certa teoria da arte. É a teoria que a recebe no mundo da arte
e a impede de recair na condição do objeto real que ela é. É claro que, sem a
teoria, é improvável que alguém veja isso como arte e, a fim de vê-lo como
parte do mundo da arte, a pessoa deve dominar uma boa dose de teoria artística,
assim como uma quantia considerável da história da recente pintura
nova-iorquina. Isso poderia não ter sido arte cinquenta anos atrás. (…)O mundo
tem que estar pronto para certas coisas – o mundo da arte não menos do que o
real. É o papel das teorias artísticas, hoje como sempre, tornar o mundo da
arte e a própria arte possíveis. Nunca ocorreria, devo pensar, aos pintores de
Lascaux que eles estavam a produzir arte
naquelas paredes. Assim como não havia estetas no Neolítico.”
Arthur Danto, O mundo da Arte, Arte filosofia,
Ouro Preto, n.1, p.13-25, jul. 2006
TEXTO 13
A arte é uma atividade humana que consiste nisto: em uma pessoa conscientemente, por intermédio de certos sinais externos, levar a outras pessoas sentimentos de que teve experiência e que estas sejam contagiadas por tais sentimentos e deles também tenham experiência.
A arte não é, como os metafísicos dizem, a
manifestação de alguma ideia misteriosa de belo ou de Deus ; não é, como os
psicólogos estéticos dizem, um jogo que serve para descarregar o excesso de
energia acumulada; não é apenas a expressão das emoções de uma pessoa através
de sinais externos; não é a produção de objetos que agradem; e acima de tudo,
não é prazer; mas é um meio de união entre pessoas, unindo-as nos mesmo
sentimentos, indispensável à vida e ao progresso em direção ao bem-estar dos
indivíduos e da humanidade.
Tolstoi, O que é a arte?
TEXTO 14
A atividade artística é baseada no facto de uma
pessoa, ao receber através da sua audição ou visão a expressão do sentimento de
outra pessoa, ser capaz de ter a experiência emocional que motivou aquele que a
exprime. […]
É nesta capacidade de as pessoas receberem a
expressão do sentimento de outras pessoas, e de terem elas próprias esses
sentimentos, que a atividade artística se baseia. [...]
A arte começa quando alguém com o intuito de unir
a si outro ou outros num mesmo sentimento exprime tal sentimento através de
certas indicações externas.
Desde que os espectadores ou ouvintes sejam
contagiados pelos mesmos sentimentos que o autor sentiu, há arte.
O grau de contágio da arte depende de três
condições:
- Da maior ou menor individualidade do sentimento transmitido.
- Da
maior ou menor clareza com que o sentimento é transmitido.
- Da sinceridade do artista, isto é, da maior ou
menor força com que o próprio artista sente o que é transmitido.
Quanto mais individualizado é o sentimento, tanto
mais fortemente atua sobre o recetor; quanto mais individualizado o estado de
alma para o qual ele é transferido, maior prazer obtém o recetor e,
consequentemente, com mais prontidão e força adere a ele.
A clareza de expressão ajuda o contágio porque o
recetor, que se mistura na sua consciência com o autor, ficará tanto mais
satisfeito quanto maior for a clareza com que o sentimento for transmitido, o
qual ele julga há muito conhecer e sentir, mas para o qual só agora encontra
expressão.
Mas o grau de contágio aumenta, acima de tudo,
com o grau de sinceridade do artista. Logo que o espectador, ouvinte ou o
leitor sente que o artista está contagiado pela sua própria produção e escreve,
canta ou representa para ele próprio, e não apenas para impressionar os outros,
o recetor também é contagiado por esse estado mental. [...]
Leon Tolstoi,
O que é a arte
TEXTO 15
Para Collingwood, que era uma pessoa com
experiência pessoal da criação artística, ao contrário do expressivismo
ingénuo, antes do artista produzir a sua obra ele ainda não possui a emoção
estética que a sua obra produzirá na audiência e em si mesmo. O que ele possui
é uma “excitação emocional”, um sentimento indefinido e incompreensível. Na
medida em que ele utiliza a sua imaginação e pensamento planeando e produzindo
a obra de arte, ele consegue reconhecer melhor a natureza de suas emoções,
defini-las, refiná-las, clarificá-las e articulá-las na sua relação com seus
objetos. Essas emoções assim clarificadas são, por sua vez, imaginativamente
reconhecidas enquanto tais pela audiência capaz de apreciar a obra de arte.
Podemos considerar como exemplo o painel de Picasso intitulado Guernica. A
cidade de Guernica foi criminosamente bombardeada pelos nazistas para efeito de
experiência militar. Tendo sido informado acerca disso, o artista, movido por
emoções, pintou Guernica. Mas as emoções que o painel suscita em nós e no
próprio pintor foram transformadas. Elas são emoções estéticas, muito
superiores à emoção bruta que cada um de nós poderia ter, digamos, ao ler em um
jornal sobre o bombardeio de Guernica.
Para Collingwood a imaginação e o pensamento são
na produção artística no mínimo tão importantes quanto a expressão de emoções.
É pela imaginação que o artista refina e articula os seus sentimentos, e é
também pela imaginação que o auditório interpreta e compreende os sentimentos
expressos na obra de arte. Como resultado, a obra de arte é capaz de produzir
no auditório e no próprio artista uma compreensão maior de seus próprios
sentimentos, e com isso uma ampliação e regeneração de seu
autoconhecimento e consciência.
Cláudio
F. Costa, Teorias da Arte, in crítica
(O sublinhado é nosso)
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