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Hubert Reeves em 2014 TRIZEK |
Cosmólogo e divulgador de ciência Hubert Reeves estará no Porto na
quinta-feira
O cientista
canadiano Hubert Reeves vai falar numa conferência no Porto sobre o cosmos e a
sustentabilidade e responsabilidade do homem em relação à Terra.
O
COSMÓLOGO E DIVULGADOR DE CIÊNCIA HUBERT REEVES VAI ESTAR NESTA QUINTA-FEIRA
NUMA CONFERÊNCIA DA PORTO BUSINESS SCHOOL INTITULADA “COSMOS, SUSTENTABILIDADE
E RESPONSABILIDADE”.
O DEBATE
PARTIRÁ DA HISTÓRIA DO UNIVERSO ATÉ AOS “FENÓMENOS QUE AMEAÇAM A SUSTENTABILIDADE
DO PLANETA EM ÁREAS COMO O AMBIENTE OU A BIODIVERSIDADE”, LÊ-SE NUM COMUNICADO
DA EDITORA GRADIVA, QUE PUBLICA AS OBRAS DESTE AUTOR CANADIANO DESDE O INÍCIO
DA DÉCADA DE 1980.
O
COSMÓLOGO, DE 81 ANOS, QUE NASCEU E CRESCEU NO CANADÁ E FOI VIVER PARA A FRANÇA
QUANDO SE TORNOU DIRECTOR DO CENTRO NACIONAL DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA (CNRS,
NA SIGLA EM FRANCÊS), É AUTOR DE ALGUNS DOS MAIS EMBLEMÁTICOS LIVROS SOBRE
CIÊNCIA, COMO UM POUCO MAIS DE AZUL E AS ÚLTIMAS
NOTÍCIAS DO COSMOS. O ÚLTIMO LIVRO EDITADO EM PORTUGAL CENTRA-SE NO FUTURO
DA TERRA: ONDE CRESCE O PERIGO SURGE TAMBÉM A SALVAÇÃO.
O
CIENTISTA VAI INICIAR O DEBATE ÀS 9H DA MANHÃ DE QUINTA-FEIRA, QUE CONTINUARÁ
ATÉ ÀS 13H. NO PAINEL DA MANHÃ TAMBÉM ESTARÃO ALEXANDRE QUINTANILHA, FÍSICO DE
FORMAÇÃO E BIÓLOGO, ACTUALMENTE PROFESSOR DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS
ABEL SALAZAR, E PAULO TUNHAS, FILÓSOFO DA FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE
DO PORTO.
À TARDE, O DEBATE CABERÁ A
RESPONSÁVEIS DE EMPRESAS QUE APRESENTARÃO “AS MELHORES PRÁTICAS DO MERCADO A
NÍVEL DE SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE CORPORATIVA”, REVELA O COMUNICADO.
ENTRE AS EMPRESAS ESTARÃO A LIPOR, A SIEMENS, A PORTUCEL E A SONAE.
Hubert Reeves: "É um erro cortar na educação só porque é fácil"
Um dos astrofísicos mais
famosos do mundo esteve no Porto e deixou um alerta: "A humanidade pode
desaparecer se não fizermos mais nada"
Cosmólogo de 81 anos, é
uma das referências mundiais da divulgação científica e esteve em Portugal para
uma conferência sobre Cosmos Sustentabilidade e responsabilidade, organizada
pela Porto Business School. Não tem receio de se colocar ao lado do Papa
Francisco na denúncia da idolatria do dinheiro, mas está convencido de que o
futuro da humanidade passa pelo homem deixar de se considerar mais importante
do que as outras espécies. Acaba de lançar em Portugal mais uma obra -
"Onde Cresce o perigo Surge Também a Salvação", uma adaptação de um
verso do poeta alemão Friedrich Hölderlin - que resume duas das suas maiores
preocupações de sempre: o ambiente e a astrofísica. Divide a vida entre Paris e
a sua cidade natal, Montreal, onde ainda ensina e dá palestras. Há três décadas
lançou "Um Pouco mais de Azul", uma obra que o tornou famoso por usar
uma linguagem simples e até lírica para explicar complexidades da ciência.
Que mensagem trouxe a
Portugal, tendo como plateia empresários e engenheiros?
Quero sensibilizar para
a situação perigosa em que nos encontramos. Vemos um crescendo de ameaças ao
futuro da vida no planeta, do aquecimento, à poluição ou aumento dos gases de
estufa. É interessante falar com pessoas que de-senvolvem projectos e ajudá-las
a ver o ponto em que nos encontramos, para que possam avaliar de forma mais
acertada o que devem e o que não devem fazer.
Sente que este tipo de
preocupação tem estado ausente da formação nestas áreas?
Tem melhorado mas ainda
pode melhorar mais. Por vezes faltam ideias práticas e foi isso que procurámos
fazer: uma espécie de lista de coisas de que não nos devemos esquecer ao pensar
num projecto. O meu contributo é no sentido de apresentar uma visão de que
temos no presente duas histórias: uma boa, que é como chegámos até aqui desde o
início do universo. A outra é como a humanidade está a deteriorar o planeta com
a sua presença e influência. O desafio - nosso e deles - é conseguir conciliar
as duas histórias.
Somos os vilões nesta
última história?
De certa forma. Fizemos
coisas maravilhosas como medicamentos, mas temos vindo a transformar o nosso
planeta de uma maneira que não é favorável à vida. Estamos a aquecê-lo, a
acidificar os oceanos. Temos de fazer alguma coisa se não podemos desaparecer.
É a principal mensagem: a humanidade pode desaparecer se não fizermos nada.
Quando?
Ninguém sabe. Pode ser
um processo gradual ou repentino. Ninguém sabe o futuro mas a probabilidade
existe e parece ser grande. Se aqueceremos a atmosfera 4oC, 5oC ou 6oC, o clima
pode tornar-se ingovernável e isso é um perigo para os nossos filhos e netos.
O professor defende um
novo humanismo, como quando o Papa Francisco condenou a idolatria do dinheiro.
Ciência e fé aproximam-se neste apelo?
O dinheiro, de facto,
tem um papel tão negativo, hoje, que deve haver um esforço no sentido de o
tornar positivo. Esse esforço passa muito pela responsabilidade das empresas e
instituições. Começam a acontecer algumas mudanças - o edifício onde trabalho
acaba de ser construído com preocupações enormes de sustentabilidade. Nesse
aspecto, move-nos um mesmo objectivo: salvar a humanidade da destruição.
Vive em França, onde o
presidente Hollande, recentemente, anunciou que quer poupar a ciência e o
ensino superior de cortes. Em Portugal não têm sido áreas poupadas...
É verdade. Todos os
países quando atravessam uma crise, como esta em que estamos, tenta fazer
algumas poupanças. A questão é onde se poupa. Se um país como Portugal corta os
apoios a escolas, professores e alunos vai depender mais de tecnologia
desenvolvida no exterior e no futuro vai gastar mais a comprá-la do que teria
gasto ao apostar na formação. Acho que um dos sectores principais a garantir
num país, mesmo quando se pensa em questões económicas, é a educação. Por isso
é um erro cortar nesta área só porque é mais fácil do que noutras. Já aconteceu
noutros países e a longo prazo saíram--se pior do que os que decidiram manter o
financiamento. Os apoios à educação, ciência, cultura devem ser os últimos a
ser cortados.
Nasceu no Canadá, um dos
melhores países na competição global por pessoas qualificadas. Em Portugal
agora há a intenção de lançar vistos de talento. Como vê este campo?
A melhor forma de atrair
pessoas de fora é ter boas instituições e, para isso, os centros e as pessoas
têm de ser apoiadas. Acho que é uma contradição cortar apoios internos se se
quer atrair de fora. Se o objectivo é esse, então o caminho e a mensagem estão
erradas.
Aos 81 anos quais são os
seus sonhos científicos?
Continuar a
popularização da ciência, torná-la compreensível. Isto tem um duplo objectivo:
por um lado as histórias da ciência são maravilhosas e há um interesse natural por
elas, que torna entusiasmante partilhar. Por outro lado, só a popularização da
ciência vai permitir que as pessoas percebam a importância do conhecimento e
actuem contra o aquecimento global e este paradigma de que a humanidade,
através das suas actividades, destrói o planeta.
Para si, qual foi a
melhor história?
Muitas. Começou com a
confirmação da teoria do Big Bang em 1965 e cada vez sabemos mais sobre o
passado e de onde vimos. Para mim, grandes histórias são estas, a descoberta do
átomo. Mas acho que o que mais surpreende a audiência é a ideia de que o
universo tem uma história e como o natural se organiza através de moléculas e
átomos. E mesmo que comecemos por falar do universo, de estrelas e planetas,
trata-se da nossa própria história. Depois há a questão se tudo isto tem um
propósito ou não, que devemos fazer, e não tem resposta.
Uma cientista premiada
em Portugal noutro dia defendia a necessidade de maior racionalidade na tomada
de decisões, quase uma importação do método científico para a política contra
alguma subjectividade. Concorda?
Acho que precisamos de
ciência para nos contar donde viemos e o que somos. Mas acho que a ciência não
nos pode ajudar a tomar as decisões correctas. Ensina-nos a fazer a bomba
atómica e transgénicos mas não é a ciência que nos diz se os devemos usar. Isso
é o campo da moralidade, da discussão sobre o mundo em que queremos viver.
A sua defesa de um novo
humanismo então também não é a estritamente ciência?
Assenta na ideia de que
temos de expandir o nosso conceito de humanismo. Tem sido o homem primeiro e
depois o resto. O que vemos no estudos é que é fundamental que a noção de
humanismo e humanidade se estenda a toda a natureza porque dependemos de plantas
e animais, racionalmente não sobrevivemos sem eles. Somos uma grande rede e
esta generalização é importante, é objectiva.
Rompemos o dogma de que
a Terra era o centro do universo mas continuámos a pôr o homem excessivamente
no centro?
Sim. Somos uma espécie e
há muitas outras. Não temos nenhuma razão para acreditar que somos melhores que
as outras.
Por Marta F. Reis
publicado em 17 Fev 2014 - 05:00
in ionline de 17 de Fevereiro de 2014
Hubert Reeves: “Não acredito que os seres humanos possam exterminar a vida”
Publicou Um Pouco mais de Azul há mais de 30 anos, o livro que o lançou numa carreira com mais de uma dezena de títulos de divulgação científica. Tem também uma carreira científica notável. Cosmólogo, nascido no Canadá, fez de França a sua casa depois de se ter sido escolhido para director do Centro Nacional da Investigação Científica.
As mãos de Hubert Reeves traem-no quando tenta abrir uma garrafa de água.
Aos 81 anos, a destreza física começa a faltar-lhe, mas a forma enérgica como
expõe o seu pensamento permanece intocada. Continua a ler as principais
revistas científicas “por prazer”, mas também “por dever”: “Se as pessoas
querem que eu seja capaz de lhes falar sobre as últimas novidades, preciso de
estar actualizado.”
Reeves esteve na Porto Business School, na última quinta-feira, para uma
conferência sobre <i>Cosmos, Sustentabilidade e
Responsabilidade</i>, onde explora algumas das ideias do seu último livro
editado em Portugal “Onde Cresce o Perigo Surge Também a Salvação” (Gradiva).
Em breve deverá editar um novo livro sobre o mar, a Terra e as placas
tectónicas, dedicado ao público juvenil.
Ainda fala de ciência com o mesmo entusiasmo que tinha nas primeiras
palestras feitas nas noites das suas férias em França, nos anos 1970?
Tanto quanto consigo ver, sim. Para mim é sempre muito importante poder falar
de ciência.
Quando percebeu que a ciência podia ser interessante para uma audiência
mais vasta?
Era estudante e dava palestras em Montreal [Canadá]. Um dia fui dar uma
palestra a uma escola de estudantes problemáticos. A directora da escola estava
à espera que eles fossem grosseiros comigo ao ponto de ela e outro professor
terem ficado à espera à porta, na expectativa de terem de me ajudar. Mas não
houve problemas e para mim foi uma experiência agradável.
E nessa altura percebeu que a ciência não interessa apenas aos cientistas?
Sim, em particular a astronomia. É um assunto agradável, porque fala para as
pessoas. É uma área onde podemos compreender, fazer física, mas também podemos
sonhar. E isso é um bom tema para uma audiência. Esta história passou-se no
Quebeque, de onde sou, e encontro alguma similitude com Portugal. Temos uma
história análoga: quando eu era miúdo, o Quebeque era uma região muito
religiosa, onde o conhecimento e o ensino eram completamente governado pelos
padres e pela Igreja. Em 1960, aconteceu o que chamamos a “Revolução Tranquila”
e isto mudou completamente as coisas. Costumava ser ensinada às pessoas uma
verdade eterna e, de repente, foram deixadas no vácuo. Por alguma razão, a
astronomia tornou-se muito importante para preencher esse espaço. E encontro
coisas muito semelhantes em Portugal, depois de 1974 e da Revolução dos Cravos.
Passou a haver um grande interesse em olhar para as questões do Universo. Havia
gente que vivia numa espécie de certeza e, de repente, teve a necessidade de
pensar sobre estas coisas. Agora as pessoas estão sozinhas e não há uma
autoridade que lhes diga o que pensar.
Na ciência, é sempre preciso ter dúvidas?
Fundamentalmente, sim. Questionar tudo. Por que devo acreditar nisto? Em que
devo acreditar? E, muito frequentemente, a ciência não dá a resposta. Uma
questão simples sobre a bomba atómica: devemos fazer bombas atómicas? A ciência
não responde a isso. Diz como se faz uma bomba, mas não diz se a devemos fazer.
Desde a década de 1980, quando começou a publicar livros, houve mudanças na
forma como as pessoas acolhem a ciência?
A corrida à Lua abriu um grande interesse pela ciência e pela astronomia. E
isto voltou a sentir-se agora com a exploração de Marte. Tinha sido dito que
este interesse ia diminuir, que não ia haver um grande espectáculo como no
tempo de [J. F.] Kennedy, [antigo presidente dos EUA], mas a Internet mostrou
que o interesse das pessoas pelo tema ainda é muito grande.
Está no campo da divulgação científica há décadas e publicou vários livros.
Qual é a grande diferença que sente com a Internet?
Todo o conhecimento está lá, o que não era de todo o caso nos anos 1970 ou
1980. O que não mudou é que continua a ser preciso alguém para intermediar.
Mesmo que o conhecimento esteja lá, as pessoas que não conhecem não vão procurá-lo
espontaneamente. E isso é um papel importante do “apresentador”, que é quem
diz: “Aqui está alguma coisa que pode interessá-lo.” A Internet até tornou mais
importante o papel do intermediário.
Nos seus livros, torna interessante ler sobre o assunto. Por que é que isso
importante?
Se os livros tiverem apenas ciência árida, não vão despertar interesse em lado
nenhum. A ciência diz-lhe alguma coisa acerca da sua origem e toda a gente está
interessada em saber de onde vem e qual é a história. Mas é importante que
alguém diga que a química, a física, a geologia, são todos capítulos desse
sítio de onde alguém veio.
Acredita que a divulgação tornou as pessoas mais conscientes da necessidade
de ter conta as descobertas científicas?
Tem de haver alguma coisa entre a religiosidade – num sentido absolutamente
naïf – e a ciência pura. Não é preciso fazer parte de nenhum grupo evangelista,
nem negar toda a possibilidade de espiritualidade. As pessoas hoje podem
decidir por si.
Como é que um homem de ciência vê o debate crescente nos EUA sobre o
criacionismo?
É ridículo. Nenhuma pessoa inteligente pode acreditar no criacionismo.
Mas já há estados dos EUA onde há a possibilidade disto ser ensinado nas
escolas.
Acho que essa é mais uma questão política do que uma questão científica. Há uma
pressão social e política de algumas pessoas com interesses. É difícil ver que
um miúdo que tem algum cérebro possa acreditar que o mundo foi feito há 4000
anos. E é o caso. Acho que é inútil lutar contra o criacionismo.
O debate na Europa acerca da utilidade da ciência também é uma arma
política?
Não vejo que seja esse o caso na Europa. Vejo antes neste sentido: acreditou-se
durante todo o século XIX que a ciência traria felicidade ao ser humano e o
século XX mostrou que não era assim tão simples. A ciência em si mesma não é
garantia de tornar as pessoas felizes. E há uma decepção daqueles que pensaram
que a ciência traria felicidade à humanidade.
Todo o conhecimento tem de ter uma aplicação?
É uma questão de escolha pessoal. Algumas pessoas, como eu, pensam que o
conhecimento é importante por si mesmo, independentemente da sua aplicação.
Queremos perceber este mundo, o que significa a vida. E algumas pessoas não
estão interessadas nestas respostas. Mas há uma grande quantidade de pessoas
que está interessada em ter um novo conhecimento na ciência. As pessoas têm o
direito de saber como a ciência é uma descoberta.
Como olha hoje para o seu primeiro livro, Um Pouco mais de Azul,
de 1981 [editado pela Gradiva em 1983], e a sua primeira experiência na
divulgação científica?
Fico sempre muito contente quando algumas pessoas me dizem que foi importante
para elas. Isso foi o que descobri entretanto, porque quando lancei o livro não
tinha ideia alguma do que aconteceria. Quando algumas pessoas me dizem que foi
muito importante, que o tiveram na mesinha de cabeceira, isso é gratificante
para mim.
Ainda há pessoas que ficam chocadas quando diz que o Sol vai morrer em 5000
milhões de anos?
Não, acham que é tempo suficiente.
Mas quando se diz isso, parece haver uma ideia pessimista.
Por que diz isso?
Porque nos mostra que há um fim na vida.
Não necessariamente. Há outras estrelas, algumas das quais viverão muito mais
tempo do que o Sol. Isso não significa o fim da vida no Universo. O futuro
longínquo da física do Universo está cheio de incertezas, mas não diria que
possa dizer-se que é o fim. Será realmente um problema, mas há outras estrelas
que continuam. Se houver vida à volta dessas outras estrelas, a vida pode
continuar.
No seu último livro diz que a beleza do mundo está ameaçada pelo ser
humano. É uma ideia que explorou em O Tempo do Deslumbramento em
que falava numa “pulsão de morte”. Estamos mesmo a caminhar para uma destruição
da vida na Terra como a conhecemos?
Não sabemos. O futuro é desconhecido. Não acredito que os seres humanos possam
exterminar a vida. Ela é muito robusta, muito mais adaptável do que pensávamos
antes. Encontramos sempre novas formas de vida que são muito mais resistentes
do que pensávamos e por isso ela continuará.
Mas não como a conhecemos?
A humanidade poderá não estar lá. Os vírus e as bactérias, ninguém sabe. São
muito robustos e podem viver muito mais tempo. A questão é o futuro do ser
humano. Possivelmente, mais tarde, outra espécie animal poderá desenvolver
inteligência. Há poucos milhões de anos, uma espécie recebeu um dom da natureza
e uma inteligência fantástica e é hoje em dia este dom que ajuda estas pessoas
a viver num ambiente hostil. Mesmo que a humanidade desapareça, ninguém sabe o
que pode acontecer dentro de 100 milhões de anos.
É como um historiador: pode entender o passado, mas não pode prever o
futuro.
Nesta área, podemos dizer quais são os perigos, mas é impossível dizer o que
acontecerá. Quase sempre as pessoas tentaram fazer estas previsões e falharam.
Como vê as alterações climáticas e o desentendimento entre os países nesta
matéria?
Pensamos que se a temperatura subir dois graus [Celsius], o clima deixará de
poder ser gerido. As previsões actuais são mais próximas de uma subida de três
ou quatro graus e isso vai tornar a vida extremamente difícil.
Foi muito crítico com os discursos políticos sobre esta matéria. É
importante começar a agir e não apenas produzir documentos?
O Protocolo de Quioto foi uma tentativa positiva, mas o sucesso não foi o que
se esperava. A questão é sempre dinheiro. O Canadá, que há uns anos era muito
verde, agora descobriu petróleo em Alberta e mudou completamente de política. O
dinheiro está primeiro.
A conferência que deu no Porto foi complementada como uma apresentação de
“boas práticas” de empresa portuguesas em termos de sustentabilidade. Este
discurso chega de facto às empresas?
Há progressos em muitos casos e esforços que vão no sentido certo. Não sou de
todo pessimista nesse sentido. Mas há sempre esta questão de dinheiro. O
exemplo que dou é o de Fukushima, no Japão. Como é que um país que tem os
melhores engenheiros do mundo e alguns dos melhores cientistas, decidiu colocar
um reactor nuclear numa das regiões sísmicas mais activas e protegê-la com um
muro de seis metros, quando se sabe que um “tsunami” chega a 20 metros de
altura? Se fosse no mundo em desenvolvimento, podia dizer-se que eles não
sabiam, mas aqui não. A resposta é que a segurança e o lucro não andam juntos.
Isto é puramente humano e será sempre o problema. As pessoas correm sempre
risco para ganhar dinheiro e, às vezes, mesmo que o evento possa ser muito
raro, ele acontece.
O dinheiro e a sustentabilidade podem alguma vez ter um terreno comum?
É o que esperamos. Mas quando olhamos para o que acontece, temos exemplos
claros contrários.
Os seus livros têm referências constantes à literatura e às artes
plásticas. Como vê a relação entre a ciência e a arte?
A ciência diz como é que o mundo funciona. É uma operação racional, mental. A
arte é mais o sentido de maravilhamento do mundo, da imaginação. Ambas são
fundamentais para o ser humano. Se alguém está apenas no mundo racional,
“seca-se”. Se está apenas no da imaginação, enlouquece. São dois pilares para
um desenvolvimento saudável dos indivíduos. Essas pessoas estão impressionadas
com o mundo, a nossa vida, o nosso corpo. Mas quando se é um artista, não se
está apenas a contemplar o mundo, está-se a usar este poder da imaginação para
criar. O cientista é o que tenta entender com lógica, o artista é o que tenta
recriar algo que faz as pessoas felizes.
Há um par de anos publicou um livro para jovens. É diferente escrever para
pessoas jovens e para um público adulto?
Escrever para crianças é particularmente difícil. É preciso manter a todo o
tempo o seu interesse e compreensão. Quando se escreve, é preciso ter um
objectivo e ter sempre em mente que os leitores vão continuar a ler. A
dificuldade é esta: se eu usar esta palavra, o leitor vai entender? Tem de se
evitar que a pessoa que está a ler o livro pense que não é suficientemente
inteligente para o entender.
In Publico de 17 de Fevereiro de 2014
Hubert Reeves esteve no Porto, onde participou na conferência sobre Cosmos
Sustentabilidade e responsabilidade, organizada pela Porto Business School. É
uma das referências mundiais da divulgação científica. Acaba de lançar em
Portugal mais um título, de sonoridades poéticas – Onde Cresce o perigo Surge
Também a Salvação, uma adaptação de um verso de Hölderlin – que cruza duas das
suas preocupações de sempre: a ecologia e a astrofísica. O canadiano Hubert
Reeves, 81 anos, divide a vida entre Paris e a sua Montréal natal, onde ensina
e dá palestras. Há 30 anos, Um Pouco Mais de Azul garantia-lhe fama mundial,
pela clareza da explicação científica, que sempre pontuou com algum lirismo,
sob a bandeira da defesa da Terra, ameaçada, cada vez mais, pela acção humana.
Reeves falou ao SOL após a conferência na Porto Business School sobre todos
estes temas
Quando começou a interessar-se pela ecologia? Afinal, vinha da física
teórica…
Aos poucos, ao longo dos anos. Nos anos 60, tudo ia bem, pensávamos que
éramos positivos, que seguíamos um caminho sem obstáculos em direcção à
felicidade. Mas gradualmente percebemos que a nossa influência sobre o planeta
estava a tornar-se cada vez maior. Com o aumento do número de carros, de
aviões, apercebemo-nos de que estávamos a afectar a atmosfera de uma forma
perigosa para nós, devido ao aquecimento. Um bom indicador dessas
transformações são os valores das companhias de seguros, a quantidade de
dinheiro que é despendida todos os anos por essas empresas para cobrir
desastres naturais, por exemplo.
Os desastres naturais aumentaram?
Temos todas as razões para acreditar que essas catástrofes se devem ao
efeito de estufa. Era uma ideia não muito presente nos anos 60 e nos 70,
começou a aparecer na década de 80. Nos anos 90 as pessoas começaram a
interrogar-se se era a nossa influência ou se se tratava de fenómenos naturais.
Mas é o IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU] que
diz agora que não, é mesmo por nossa influência, não é por alterações no campo
magnético do sol, nada disso. É o que sai dos nossos carros, das nossas casas.
Mas houve problemas, recentemente, com dados do IPCC, que foram forjados
para adaptar a realidade à teoria.
Sim. Mas isso é normal. É humano. Os dados estão a tornar-se cada vez
melhores. A questão fundamental do trabalho deles tem a ver com questões locais
ou globais. Uma coisa é conseguir prever o tempo à escala do planeta, outra à
escala portuguesa no próximo ano, por exemplo. Essa é outra história. E mesmo
isto está a melhorar, porque o método científico melhorou, aumentou o número de
observações, e de medições na atmosfera e nos oceanos. E eles apresentam
conclusões com uma credibilidade de 95%, enquanto podíamos considera-la de 80%
há alguns anos. É bom que eles não digam ‘é assim’. Não seria muito científico
dizê-lo.
Os cépticos também se referem a outros períodos históricos recentes com
alterações climáticas sem acção humana, como a pequena idade do gelo na Idade
Média…
Mas isso foi muito localizado. Nesse caso, estamos a falar da Europa, da
Groenlândia. Temos de olhar para a média anual global. Esses argumentos são
demasiado paroquiais para serem realmente importantes.
Carl Sagan já dizia, nos anos 70, que podíamos ficar com a mesma atmosfera
de Vénus.
Ele já apresentava isso como uma possibilidade. Ainda não havia provas
consistentes na altura, como há agora. Vénus é um bom exemplo. A temperatura à
superfície é de 500ºC. Por que é assim não sabemos, mas sabemos que é devido a
gases com efeito de estufa. E sabemos que se os continuamos a produzi-los é o
que teremos no futuro. É como um sinal a dizer-nos: ‘esperem! Vejam! Tomem
cuidado’.
Além de cientista, é também um activista. É presidente da associação
ecologista francesa Humanité et Biodiversité.
Sim. A associação está envolvida na política, e a ideia é intervir junto
daqueles que detêm o poder. Em França, o presidente Hollande fez muitas
promessas, mas está a atrasar-se a cumpri-las. Por isso, estamos a
pressioná-lo. Mas não temos poder. Queremos ter alguma influência e essa
influência só se pode exercer pessoalmente. Também reuni muitas vezes com
Sarkozy para o lembrar de algumas questões. Os governantes têm de atender a
muitos interesses diferentes. Um dia eles encontram-se com os ecologistas, no
dia seguinte com os caçadores… é um trabalho difícil. Tem de se ser louco para
se ser presidente [risos].
Não têm uma intervenção mais directa, como a do Greenpeace.
Não. Não queremos ter actividades ilegais. Não que sejamos contra elas. Às
vezes são importantes. Mas não é a nossa escolha.
Também é professor em Paris.
Sim, no CNRS. E também na universidade de Montréal.
Nunca cortou os laços com o Canadá.
Não. Tenho lá muitos amigos. É parte da minha vida. Um dos meus filhos está
lá e os meus netos. Tenho quatro filhos.
Seguiram todos carreira científica?
Não. O que está em Montréal é arquitecto. Tenho uma filha jurista em
Rennes, na França. Outro é músico e outro seguiu ciência computacional.
Também escreveu recentemente um livro para um público mais juvenil.
Sim, O Universo Explicado aos Meus Netos. A minha editora em Paris, a
Seuil, tem uma colecção em que pedem a uma pessoa com muita experiência numa
determinada área para escrever um livro dirigido às crianças. E pedem que seja
o autor a escolher as idades. Eu escolhi os 14 anos. Fiz uma síntese do que
tinha aprendido, achei que era uma boa ideia. O livro teve algum sucesso.
In SOL, 14 de Fevereiro, 2014 por Ricardo Nabais
Hubert
Reeves: O físico prodigioso (parte II)
Hubert Reeves
esteve no Porto, onde participou na conferência sobre Cosmos Sustentabilidade e
responsabilidade, organizada pela Porto Business School. É uma das referências
mundiais da divulgação científica. Acaba de lançar em Portugal mais um título,
de sonoridades poéticas – Onde Cresce o perigo Surge Também a Salvação, uma
adaptação de um verso de Hölderlin – que cruza duas das suas preocupações de
sempre: a ecologia e a astrofísica. O canadiano Hubert Reeves, 81 anos, divide
a vida entre Paris e a sua Montréal natal, onde ensina e dá palestras. Há 30
anos, Um Pouco Mais de Azul garantia-lhe fama mundial, pela clareza da
explicação científica, que sempre pontuou com algum lirismo, sob a bandeira da
defesa da Terra, ameaçada, cada vez mais, pela acção humana. Reeves falou ao
SOL após a conferência na Porto Business School sobre todos estes temas
Fala
no seu livro mais recente, da influência que o núcleo da Terra tem à superfície
e refere-se ao facto de a conhecermos pior do que o sol.
Sim,
falo do campo magnético que empurra os raios cósmicos para fora e a provocar o
movimento das placas tectónicas, a formação de montanhas, a erupção de vulcões.
Começámos a conhece-lo melhor a partir dos anos 60. É um capítulo muito
importante da ciência, entre 1960 e 1965, que nos permitiu perceber como a
matéria do interior da Terra se comporta, fazendo mover continentes e a
separá-los uns dos outros. Mas eles podem recuar e por isso temos uma
circulação contínua de matéria da superfície até aos vulcões, o que garante que
temos uma renovação constante de gases e de CO2. O CO2 é um problema hoje, mas
é também uma necessidade. Se não o tivéssemos na Terra, a temperatura seria
demasiado baixa, com gelo sólido e sem vida. Por isso é importante que tenhamos
a quantidade correcta de CO2. O problema é que o estamos a aumentar.
Estamos
a aquecer demasiado o planeta.
Sim,
prevemos que ela aumentará quase de certeza 2ºC, o que não parece muito – entre
o início da noite e a manhã podemos ter diferenças de 10ºC – mas é importante
porque derrete o gelo na Groenlândia e na Antárctida, o que é muito mau. Há a
salinização das terras, com o avanço da água salgada.
Essa
subida das águas pode submergir terras habitadas.
Sim.
Uma grande área do Bangladesh, por exemplo, está abaixo do nível do mar e por
isso uma subida de um metro – que é esperada no fim deste século – significa a
deslocação de milhões de pessoas. Muitas ilhas no Pacífico também são assim,
tal como a Holanda ou Nova Iorque. Em muitas cidades, se houver um aumento do
nível do mar, acompanhado de tempestades, o que acontece é o que aconteceu com
o furacão Sandy e todos os estragos que provocou em Nova Iorque.
Mas
também houve um aumento da população nessas áreas.
Claro.
As duas coisas aumentaram. Um vulcão é hoje muito mais perigoso, não por si,
mas porque há muitas pessoas a viver perto dele. É o caso do Vesúvio. E o mesmo
se passou com o tsunami no Índico. Não é nada que seja feito pela humanidade,
mas o seu grau de destruição foi muito maior porque todos os pântanos da
região, que serviam de barreira ao avanço das ondas, foram destruídos para
tornarem as praias melhores. E assim abriram caminho às ondas.
Se
falarmos do caso do Japão, a central de Fukushima foi instalada numa zona de
grande risco sísmico.
Se
nos perguntarmos como é que se lembraram de instalar reactores nucleares num
dos centros sísmicos mais activos e protege-los com um muro de seis metros de
altura, quando sabemos que um tsunami pode produzir ondas de 20 metros, a
resposta é, simplesmente, que a segurança e o lucro não andam de mãos dadas. As
pessoas arriscam. E as coisas acontecem. Será que aprenderam? Não sabemos.
Acha
que a filosofia do lucro, que está globalizada, não é benéfica?
Não
devemos correr riscos desnecessários. É importante fazer lucro, é importante
ter electricidade, mas daí a instalar uma central nuclear naquele local, é
loucura. Esperemos que as autoridades comecem a ser mais prudentes e a não
quererem fazer lucro a qualquer preço. Às vezes isso pode custar-nos mais do
que julgamos. Para mim a energia nuclear não é a solução adequada, é demasiado
perigosa. É boa para as estrelas e para a medicina, não para nós. Se tivermos
de investir, deverá ser nas energias renováveis. Os moinhos de vento funcionam,
é uma técnica antiga, não é perigosa. Ainda não é suficientemente eficiente,
mas terá de melhorar.
Mas
alguns estudos indicam que mesmo que se enchesse um país de hélices de energia
eólica isso não seria suficiente…
Claro.
Precisaríamos de algo como milhões delas. Mas a capacidade das eólicas está a
melhorar. A ideia tem sido instalá-las no oceano, onde há mais vento, e elas
não são vistas. As pessoas não gostam de as ver [risos]. Acho que era
interessante investir nelas, é melhor aumentar-lhes a capacidade de produzir
energia, bem como apostar na energia solar.
Também
fala da matéria negra e da energia negra do universo no livro. Esse equilíbrio
de forças foi uma das muitas coisas que, segundo diz, permite-nos «estar aqui
para falar».
Não
as conhecemos, mas sabemos que lá estão. Cada ensaio que foi feito para as
conhecer não deu resultados. São parte importante dos factores que
possibilitaram a nossa existência.
Mas
também há surpresas que o universo nos tem revelado. Por exemplo, há sistemas
em que são os planetas que estão no centro, com a estrela a orbitar à volta
deles…
Há
alguns anos, pensávamos que o nosso sistema era um modelo geral. O que
encontraríamos seriam sistemas semelhantes, com órbitas circulares, com os
planetas próximos das estrela. No meio encontraríamos mais planetas de gases
voláteis, nomeadamente Júpiter, que não poderiam manter-se se estivessem
próximos do sol. Evaporar-se-iam depressa. Mas a surpresa é que até agora ainda
não encontrámos que tenha esta configuração. Temos grandes planetas, tão
grandes ou maiores do que Júpiter, que estão muito próximos da sua estrela, há
todos os tipos de circulação desses planetas. O sistema solar parece ser muito
especial. O primeiro exoplaneta foi descoberto em 1995, é muito recente. Agora
já conhecemos mais de mil, e é um zoo, com todos os tipos de animais [risos].
Há
tantas estrelas, pode ser que o nosso tipo de sistema seja mais frequente.
Mesmo que seja raro, quando multiplicamos a raridade por números grandes, ainda
ficamos com números grandes.
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