Os conceitos cartesianos de
intuição e dedução
“Vamos aqui passar em
revista todos os actos do nosso entendimento que nos permitem chegar ao
conhecimento das coisas, sem nenhum receio de engano; admitem-se apenas dois, a
saber, a intuição e a dedução.
Por intuição entendo,
não a convicção flutuante fornecida pelos sentidos ou o juízo enganador de uma
imaginação de composições inadequadas, mas o conceito da mente pura e atenta
tão fácil e distinto que nenhuma dúvida nos fica acerca do que compreendemos; ou
então, o que é a mesma coisa, o conceito da mente pura e atenta, sem dúvida
possível, que nasce apenas da luz da razão e que, por ser mais simples, é ainda
mais certo do que a dedução (…).
Assim, cada qual pode
ver pela intuição intelectual que existe, que pensa, que um triângulo é
delimitado apenas por três linhas, que a esfera o é apenas por uma superfície,
e outras coisas semelhantes, que são muito mais numerosas que a maioria
observa, porque não se dignam aplicar a mente a coisas tão fáceis.
Poderá agora
perguntar-se porque é que à intuição juntámos um outro modo de conhecimento,
que se realiza por dedução, por ela entendemos o que se conclui necessariamente
de outras coisas conhecidas com certeza. Foi imperioso proceder assim, porque a
maior parte das coisas são conhecidas com certeza, embora não sejam em si
evidentes, contanto que sejam deduzidas de princípios verdadeiros, e já
conhecidos (…).
Distinguimos
portanto, aqui, a intuição intelectual da dedução pelo facto de que, nesta, se
concebe uma espécie de movimento ou sucessão e na outra, não; além disso, na
dedução não é necessário, como para a intuição, uma evidência actual, mas é
antes à memória que, de certo modo, vai buscar a sua certeza.
Os primeiros
princípios conhecem-se somente por intuição e, pelo contrário, as conclusões
distantes só podem ser conhecidas por dedução.
(…) Eis as duas vias
mais seguras para chegar à ciência (…) todas as outras devem ser rejeitadas
como suspeitas e passíveis de erros.”
René Descartes, Regras para a direcção do espírito,
trad. de João Gama, Lisboa, 1989,
Edições 70, pp. 20-22.
trad. de João Gama, Lisboa, 1989,
Edições 70, pp. 20-22.
Lola
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