O que tem a Filosofia que o Português ou a
Matemática não tenham?
Foi no exame de Filosofia que se
registou a maior diferença de resultados entre estudantes de meios favorecidos
e mais carenciados.
Muitos alunos inscrevem-se no exame de Filosofia só para “fugir” das provas
de Física ou Biologia, que acham mais difíceis MARIA JOÃO GALA
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Uma disciplina que esteve em risco de extinção no secundário
Se não há pensamento fora da linguagem, nem linguagem sem pensamento, então
em que pensa um bebé? A pergunta é uma das muitas que animam mais uma aula de
Filosofia da turma 11º L da escola secundária Camões, em Lisboa.
Durante
cerca de 90 minutos, a partir de um texto do filósofo alemão Nicolai Hartmann,
os 22 alunos presentes (faltaram três) são desafiados pelo seu professor, Rui
Meireles, a descodificar a “estrutura do acto de conhecer”. O que é o
conhecimento? O que quer dizer transcendente? E imanente? As questões são
lançadas pelo professor à medida que o texto de Hartmann vai sendo lido, em voz
alta, pelos alunos, que por sua vez vão colocando mais perguntas e sugerindo
algumas conclusões.
É uma das
características de marca desta turma, de curso de Humanidades, onde a média de
idades anda pelos 16 anos. “Querem sempre participar, promover o debate,
emocionam-se”, resume Rui Meireles, 54 anos, dos quais 27 como professor. Antes
de se fixar, há 11 anos, no Camões, um dos mais antigos liceus da capital, passou
por várias outras escolas da região de Lisboa. Apesar de ter constatado já há
muito que a performance dos alunos é “muito marcada” pela sua origem
socioeconómica, Rui Meireles não deixa de se surpreender com o facto de ser
precisamente a filosofia que existe uma maior diferença de resultados entre
estudantes de meios favorecidos e mais carenciados.
Quase
dois valores de diferença, na verdade, entre as médias de exame que se esperava
que uns e outros obtivessem no exame de Filosofia do 11.º ano realizado no ano
passado. Esta é uma das conclusões a que chegou a equipa da Universidade
Católica Portuguesa que tem colaborado com o PÚBLICO nos rankings das escolas,
elaborados com base nas médias dos oito exames mais concorridos. Em 2014, com
7918 provas realizadas, o exame de Filosofia passou a integrar este grupo,
ocupando o lugar que antes pertencia à Geometria Descritiva.
A equipa
da Católica, liderada pelo ex-secretário de Estado da Educação Joaquim Azevedo,
dividiu as escolas em três contextos com base nos dados socioeconómicos dos
alunos fornecidos pelos Ministério da Educação e Ciência, sendo o 1 o mais
carenciado e o 3 o mais favorável. Com base nas médias dos exames e nos dados
de contexto, também calculou o resultado médio obtido pelas escolas do mesmo
meio a cada uma das oito disciplinas mais concorridas.
Este
exercício, iniciado em 2012, permitiu concluir que é a Português que a
diferença entre médias tem sido menor (0,24 pontos) e que não são nas
disciplinas com exames tidos como mais difíceis (caso da Matemática A ou de
Física e Química) que estas se acentuam. Nos dois primeiros anos foi Geometria
Descritiva que teve as maiores diferenças (2,3 valores entre as médias das
escolas do contexto 3 e as do contexto 1). Como esta disciplina desapareceu do
lote dos oito exames mais concorridos, em 2014 a maior diferença encontrada
entre médias (1,89 pontos) registou-se a Filosofia.
Pedro
Galvão, dirigente da Sociedade Portuguesa de Filosofia, considera “precipitado
avançar com uma tentativa de explicação” deste facto. “Talvez essa diferença
seja acidental. Caso se mantenha nos próximos anos valerá a pena explica-la”,
disse em resposta por escrito ao PÚBLICO.
No
Camões, uma escola do contexto 3, o mais favorecido, 22,4% dos alunos são
beneficiários da Acção Social Escolar e os seus pais têm cerca de 12 anos de
escolaridade. Na secundária de Penafiel a percentagem de alunos com acção
social quase duplica para os 40% e os pais, em média, não têm mais do que sete
anos passados na escola.
Na turma
11.º G, do curso de Ciências e Tecnologias, em Penafiel, a aula é de introdução
às teorias sobre a origem do conhecimento. “Que tipo de conhecimento é o
xadrez?”, pergunta Luís. No quadro estão escritos dois tipos: saber fazer e por
contacto. “Não é saber por contacto, porque qualquer pessoa pode pegar nas
peças e não quer dizer que saiba jogar”, continua. “Estou a ver que já estás a
perceber onde vamos chegar”, responde a professora Manuela Lopes, que é aqui
docente há mais de 20 anos.
Esta
matéria é uma daquelas em que habitualmente os seus alunos revelam maiores
dificuldades. Ouvi-los a participar logo nas primeiras aulas é motivo de
satisfação. Mas há outros obstáculos comuns ao bom desempenho a filosofia: “têm
dificuldades de interpretação e de raciocínio lógico”. E na escrita. É isso que
é avaliado nos exames, sobretudo. “Nas aulas avaliamos outras coisas, como a
participação, os trabalhos, as discussões que temos. No exame não há nada disso”, lembra.
In Publico CLARA VIANA e SAMUEL SILVA
Lola
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