quinta-feira, 23 de julho de 2015

O Rosto





O Rosto



Emmanuel Levinas nasceu em 1906, na República Lituânia, de família judaica. Mudou-se jovem para Estrasburgo, onde estudou filosofia e teve contato com importantes personalidades filosóficas. Seu itinerário acadêmico passou por contato com estudos de Husserl e Heidegger. Sua filosofia é fruto de tensão de vida, sofrimento pessoal e de um povo diante da violência ao diferente. Ele tem pensamento profético, não no sentido religioso, mas denuncia algo negativo e anuncia algo novo ou uma saída. Sua obra valoriza o outro e assim estreia sentidos social e humano para sobreviver e conviver em novos tempos.
Não se pode compreender o rosto, ele engloba Outrem, ou seja, não pode ser objetivado, mas transcende toda significação que se queira atribuir-lhe. O eu não nega o Outrem, o rosto. O Outrem é transcendente, estranho, seu rosto rompe com o mundo comum que se inscreve em sua natureza e se desenvolve em nossa existência. O Outrem é percebido pela diferença absoluta, instaurada pela linguagem. O rosto é mais que a exposição de algo humano que escapa, ele se revela constantemente
A linguagem é a relação (e possibilita-a) entre separados; ela é o “próprio poder de quebrar a continuidade do ser” (LEVINAS, Totalidade e Infinito, p.174). A palavra, dirigida a Outrem, tem-no não como tema e sim significação, falar com o outro é falar a ele.
Na relação, o outro é absoluto, ele nunca é reduzido, por isso ele se torna ‘infinito’, cuja ideia mantém sua exterioridade. Desse infinito é que deriva a exterioridade, que é a ruptura e o limite da totalização; a alteridade, a relação com o outro, com o todo outro; e o rosto, propriamente, como revelação do estranho e abertura ética por excelência (PELIZZOLI, Notas para compreender Levinas).
A relação ética que está na base do discurso não como desejo ou imperativo da consciência, mas cuja emanação parte do Eu. Ela questiona o eu cuja impregnação parte do outro. A relação ética não é do sujeito (de mim), nem fruto do consentimento. O outro se evidencia e, por isso, está no mundo, cabendo-lhe o respeito ético, que não lhe é devido por simples vaidade pessoal. A relação e o respeito ético, se assim se pode dizer, brotam da pura relação com o outro, que se volta ao eu possibilitando a convivência.
O outro, que é evidenciado – e tematizado por Levinas – pelo rosto não pode ser dominado ou oprimido; ele resiste à apropriação e desafia a opressão, o desejo de dominá-lo e a delimitá-lo. O rosto convida à relação com ele, mais que por fruição e conhecimento, ou seja, eticamente.
O “não matarás” está inscrito no rosto do outro, sendo-lhe expressão original, como interdito – sobretudo ao assassinato. Essa expressão brilha no rosto do outro, em seus olhos, em sua abertura transcendental.


Não existe o direito, por parte de ninguém, de findar a vida do outro por apropriação. Não se tem o direito de tirar a vida do outro, negando-o. E a negação do outro, segundo Levinas, somente pode ser total, ou seja, o assassinato. O assassino deseja negar o outro totalmente. “Matar não é dominar mas aniquilar, renunciar em absoluto à compreensão.” (LEVINAS, Totalidade e Infinito, p.177) O matar,então, não é apenas isolar o outro, negar-lhe  autonomia, mas de forma radical, tirar-lhe a vida.
O rosto exprime-se no sensível, e rasga-o, para usar uma expressão levinasiana. Sua alteridade é o que se nega ao matá-lo, foge-se dessa alteridade, daí dar a ela um fim completo e fatal. O outro ultrapassa os poderes e não se opõe a um possível assassinato, ou fim, apenas por si só impõe resistência. Por isso “Outrem é o único ser que eu posso querer matar” (ib., p.177). “Outrem, que pode soberanamente dizer-me não, oferece-se à ponta da espada ou à bala do revólver e toda firmeza inabalável do seu <para-si> com o não intransigente que opõe, apaga-se pelo facto de a espada ou a bala terem tocado nos ventrículos ou nas aurículas do seu coração” (ib., p.177).
“Há uma relação, não com uma resistência muito grande, mas com alguma coisa de absolutamente Outro: a resistência do que não tem resistência – a resistência ética” (ib., p.178). A manifestação, epifania do rosto, é ética. O simples fato de o Outro existir, e por isso vir ao eu, é ética. “O infinito apresenta-se como rosto na resistência ética que paraliza os meus poderes e se levanta dura e absoluto do fundo dos olhos, sem defesa na sua nudez e na sua miséria” (ib, p.177). A resistência ética é existente, mas o outro a faz não por vontade consciente própria e desejada, mas como que por direito intrínseco e natural, ao qual o eu se resigna e deve aceitar. Para Levinas, a ética não é ser bom ou moralista. Trata-se, porém, de uma estrutura que mantém a vida em cuja raiz se depende do outro e da alteridade revelada sempre pelo rosto (PELIZZOLI).





A ética de Levinas se revela com grande pertinência. Sobretudo quando a violência, o aborto, o assassinato insistem em se tornarem banais. O outro, sobretudo o mais inocente, se desvela diante do eu com todos os seus direitos, e deve ser respeitado e considerado. O outro exige por si postura ética. A alteridade ética proposta por Levinas, sobretudo em tempos de crítica à técnica e à reificação do homem, desperta para a valorização do outro, como reconhecimento, respeito e igualdade. E o outro está sempre evidente.


Referências
COSTA, Márcio Luis. Levinas: uma introdução. Trad. J. Thomaz Filho. Petrópolis: Vozes, 2000.
LEVINAS, Emmanuel. Toltalidade e infinito. Trad. José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1988.
PELIZZOLI, Marcelo. Notas para compreender Levinas. In: SOUZA, Ricardo Timm de, et al. Alteridade e ética: obra comemorativa dos 100 anos de nascimento de Emmanuel Levinas.
Porto Alegre: Edipucrs, 2008, p. 273-291.


Wilhiam Luiz de Lima


Lola

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