segunda-feira, 14 de março de 2016

Humanidades, porque não?





Humanidades, porque não?

Humanidades. 
O que vale para a sociedade a sua capacidade de pensar?


O que levou dois bons alunos a apostarem em cursos que muitos evitam. E o que significa, para José Gil, aprender a pensar
"Se eu não morresse, nunca! E eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas!". As palavras de Cesário Verde - poeta que morreu cedo, aos 31 anos, mas se aproximou tanto do que perseguia que influenciou gerações - enfeitam uma das paredes da estação de metro da Cidade Universitária, em Lisboa. Todos os dias são lidas por centenas de estudantes que por ali passam. Mas talvez sejam poucos os que absorvem - ou valorizam - aquela ambição estranha de passar uma eternidade a perseguir a sabedoria.
Tiago Silva, 20 anos, aluno de Artes e Humanidades na Universidade de Lisboa, será uma dessas exceções. Não vale a pena recordar-lhe que a área que escolheu não consta da lista das mais procuradas nos anúncios de emprego. Muito menos procurar-lhe angústias sobre o futuro. O presente, a "estudar e aprender" é tudo o que o preocupa.
"Quero continuar a aprender ao longo da vida, isso seria o ideal", lá admite. "Não consigo pensar na universidade como um percurso para algo. Vejo-a como um fim em si próprio. Isso é muito importante: influencia a atitude e a postura que temos enquanto estamos cá. Trabalhamos para isso porque gostamos de facto de estar cá".
Beatriz Saraiva, os mesmos 20 anos, aluna de Línguas, Literaturas e Culturas, também já deixou há muito para trás as inquietações. Ainda arriscou seguir um rumo diferente daquele que lhe apontava a vocação. No 10.º ano, influenciada pela escolha do seu "unido grupo de amigas", aventurou-se nas Ciências. "Queríamos todas ser médicas", recorda. Um ano, "com as notas em acentuada descida", bastou para retomar o caminho.
Quando , no final do secundário, anunciou à família que iria para Letras, e ainda teve de enfrentar a preocupação do pai com "as saídas profissionais", já tinha a resposta para lhe dar: "Nunca serei boa a ciências se tiver 10 ou nove valores". E, como que para provar que fez a opção certa, tornou-se numa das melhores alunas do seu curso. "Tenho a crença de que quem é bom no que faz consegue fazer o seu caminho, arranjar emprego. E tento sempre ser a melhor".
É claro que ambos têm expectativas de futuro para além da academia. Beatriz vê-se a fazer crítica literária, a trabalhar numa editora, talvez, um dia, a arriscar mostrar a alguém as palavras que escreve e para já guarda para si. Tiago talvez dê aulas. Tem temas prediletos. "Gosto muito de trabalhar as relações entre cinema e literatura", diz, agradecendo o facto de ter escolhido um curso onde é possível, "no mesmo semestre, estudar João de Damasco [ou Damasceno] e os filmes de Bresson. É uma loucura. Mas uma loucura com método".
Para já, o que os preenche mesmo, aos dois, é a oportunidade de frequentarem cursos onde são incentivados a verem o mundo pelos seus próprios olhos.
"Gostava de acabar com aquela ideia de que é importante estudar Humanidades porque nos ajudam a descobrir o nosso lugar no mundo ou a perceber de onde viemos", diz o estudante. "Também pode ser isso, mas há muitas coisas na nossa vida que fazem isso por nós. Eu acho que é importante sobretudo porque nos ajuda a pensar. Nos dá tempo para pensar".
Têm ambos a consciência de que hoje, na área em que estão, pertencem a uma minoria. E não apenas por serem bons alunos, cujas médias teriam sido suficientes para que tivessem entrado em muitos outros cursos, com outras garantias de segurança. São diferentes, sobretudo, porque nunca se arrependeram da escolha.
"Nota-se muito, à medida que as semanas avançam, que as turmas vão-se esvaziando", conta Beatriz. "Logo de início, distinguem-se as pessoas que percebem que nas Humanidades se tem de trabalhar tanto ou mais do que nas outras áreas", completa Tiago.

O "erro de reduzir o homem"

José Gil, que estudou Matemática antes de se licenciar em Filosofia - e que, de acordo com o Nouvel Observateur, é um dos 25 grandes pensadores do mundo - angustia-se perante os dados (ver texto ao lado) que mostram que as chamadas Humanidades - "a filosofia e ciências humanas em geral, as línguas" - passaram a ser uma segunda escolha para a maioria dos estudantes.
Uma realidade diretamente influenciada pelos sinais que lhes são transmitidos pela sociedade. "O afastamento que existe em Portugal entre o ensino e o interesse público e económico e, por outro lado, as Humanidades, é um erro", avisa. "Mesmo do ponto de vista da cultura da empregabilidade, do empreendedorismo, do rendimento económico é um erro", reforça. "Sabemos como essa cultura, nos Estados Unidos, em Inglaterra, em França, vai buscar humanidades de toda a espécie, da sociologia à psicologia, para promover e fazer render os seus produtos. Mesmo do ponto de vista deles, veja como o Pessoa se tornou para o turismo uma mercadoria tão rentável".
A este soma-se o erro de "acreditar que o conhecimento é resultado apenas de uma ciência positiva. Há uma espécie de positivismo ou neopositivismo que leva a que só se dê crédito às ciências duras: a matemática, a biologia, pensando que se pode pôr de lado, como uma inutilidade, as humanidades". Este, considera, "é um erro que se paga caro. O que é que cientistas como [António] Damásio fazem? Vão buscar referências a Descartes, a Espinoza, para compreenderem os resultados das suas experiências em neurociências", argumenta.
Há ainda um definitivo erro, diz: "Reduzir o homem e a sua inquietação, o seu desassossego, a duas ou três funções elementares. Como se fosse possível isso fazê-lo aprender a pensar". Sobretudo "quando derrubar barreiras disciplinares é uma exigência dos tempos de hoje. Quando nos interrogamos sobre a violência que deflagra no mundo, por exemplo, vamos logo perguntar o que é o instinto de morte. E porquê a vida, já que a morte faz parte da vida? A nossa cultura de hoje exige aprender a pensar".
Ou, como disse Cesário Verde , no poema "O Sentimento de Um Ocidental"- o tal que emprestou uma frase à parede do metro da Cidade Universitária: "A Dor humana busca os amplos horizontes".

in DN by Pedro Sousa Tavares




                                               Lola

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