segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Descartes: a filosofia aristotélico-escolastica



By Vasco Gargalo

Descartes

 A filosofia aristotélico-escolastica




"Fui nutrido nas letras[ desde a infância, e por me haver persuadido de que, por meio delas, se podia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo o que é útil à vida, sentia extraordinário desejo de aprendê-las. Mas, logo que terminei esse curso de estudos, ao cabo do qual se costuma ser recebido na classe dos doutos, mudei inteiramente de opinião. Pois me achava enleado em tantas dúvidas e erros, que me parecia não haver obtido outro proveito, procurando instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estivera numa das mais célebres escolas da Europa, onde pensava que deviam existir homens sapientes, se é que existiam em algum lugar da Terra. 

Aprendera aí tudo o que os outros aprendiam, e mesmo, não me tendo contentado com ciências que nos ensinavam, percorrera todos os livros que tratam daquelas que são consideradas as mais curiosas e as mais raras, que vieram a cair em minhas mãos. Além disso, eu conhecia os juízos que os outros faziam de mim; e não via de modo algum que me julgassem inferior a meus condiscípulos, embora entre eles houvesse alguns já destinados a preencher os lugares de nossos mestres. E, enfim, o nosso século parecia-me tão florescente e tão fértil em bons espíritos como qualquer dos precedentes. O que me levava a tomar a liberdade de julgar por mim todos os outros e de pensar que não existia doutrina no mundo que fosse tal como dantes me haviam feito esperar".



Descartes, O Discurso do Método


A rejeição do pensamento aristotélico-medieval


Quais as razões de Descartes para rejeitar a forma medieval de compreender e explicar o mundo?
Em primeiro lugar, Descartes achava as teorias dos filósofos medievais duvidosas e incertas, isto é, que, uma vez que não tinham o grau de certeza que ele considerava necessário para que fossem conhecimento, era possível duvidar da sua verdade. Segundo ele, isto seria a uma consequência da teoria do conhecimento que as suportava, que tinha também as suas raízes no pensamento de Aristóteles, e afirmava que todo o conhecimento tem origem na experiência.2 Ao contrário daquilo que pensavam os medievais, Descartes não pensava que a experiência pudesse garantir a verdade das nossas crenças e, portanto, julgava que a experiência não constitui uma base sólida e segura para o conhecimento.
Em segundo lugar, Descartes discordava completamente da metafísica tradicional. Como a maioria das pessoas da época, ele aceitava as crenças essenciais do Cristianismo — a existência de Deus e a imortalidade da alma —, mas recusava o essencial da metafísica de Aristóteles e dos medievais, que dependia de vários tipos de causas e de um infindável número de substâncias e de distinções conceptuais, de que Descartes não via nem a necessidade nem a utilidade.3 Embora não recuse a noção de substância, ele vai aceitar apenas dois tipos de substâncias e eliminar a maior parte do aparato conceptual medieval.
Por último, Descartes recusa também a ciência medieval, em particular, a física, que é, no essencial, uma vez mais, a de Aristóteles. Esta física recorria a diferentes tipos de causas para explicar os objetos. Uma estátua, por exemplo, tem uma causa formal (a forma da estátua), uma causa material (a matéria de que é feita), uma causa eficiente (o artista), e uma causa final (o propósito ou finalidade com que é feita), que em última instância determina o que ela é. A física de Aristóteles é, por este motivo, uma física finalista: tudo o que acontece é explicado pelo seu propósito ou finalidade. Descartes recusa esta explicação por intermédio de causas finais e substitui-a por uma física mecanicista, que, tal como a física atual, aceita apenas a causa eficiente e explica os fenómenos a partir de um número muito reduzido de leis da natureza.
Podemos sintetizar as principais diferenças entre o pensamento medieval e o de Descartes no quadro seguinte:

PENSAMENTO MEDIEVALDESCARTES
Filosofia do conhecimentoO conhecimento (mesmo o matemático) tem origem nos sentidos.O conhecimento tem origem na razão e é constituído por verdades indubitáveis.
MetafísicaA realidade é constituída por um grande número de substâncias.A realidade é constituída por um pequeno número de substâncias.
CiênciaQualitativa e finalista. Os acontecimentos são explicados com base em vários tipos de causas.Quantitativa e mecanicista. Usa apenas a causa eficiente e um pequeno número de leis da natureza para explicar os objetos físicos e os seres vivos.
In Critica na Rede


Lola

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