segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Descartes: Intuição e Dedução




Descartes

Intuição e Dedução


"Por intuição entendo, não a convicção flutuante fornecida pelos sentidos ou o juízo enganador de uma imaginação de composições inadequadas, mas o conceito da mente pura e atenta tão fácil e distinto que nenhuma dúvida nos fica acerca do que compreendemos; ou então, o que é a mesma coisa, o conceito da mente pura e atenta, sem dúvida possível, que nasce apenas da luz da razão e que, por ser mais simples, é ainda mais certo do que a dedução, se bem que esta última não possa ser mal feita pelo homem, como acima observamos. Assim, cada qual pode ver pela intuição intelectual que existe, que pensa, que um triângulo é delimitado apenas por três linhas, que a esfera o é apenas por uma superfície, e outras coisas semelhantes, que são muito mais numerosas do que a maioria observa, porque não se dignam aplicar a mente a coisas tão fáceis. 
Ora, esta evidência e esta certeza da intuição não são apenas exigidas para as simples enunciações, mas também para quaisquer raciocínios. Seja, por exemplo, esta consequência: 2 e 2 é igual a 3 mais 1; é preciso ver intuitivamente não só que 2 e 2 são 4, e que 3e 1 são igualmente 4,mas, além disso, que destas duas proposições se conclui necessariamente aquela terceira. 

Poderá agora perguntar-se porque é que à intuição juntamos um outro modo de conhecimento, que se realiza por dedução; por ela entendemos o que se conclui necessariamente de outras coisas conhecidas com certeza. Foi imperioso proceder assim, porque a maior parte das coisas são conhecidas com certeza, embora não sejam em si evidentes, contanto que sejam deduzidas de princípios verdadeiros, e já conhecidos, por um movimento contínuo e ininterrupto do pensamento, que intui nitidamente cada coisa em particular: eis o único modo de sabermos que o último elo de uma cadeia está ligado ao primeiro, mesmo que não a prendamos intuitivamente num só e mesmo olhar o conjunto dos elos intermédios, de que depende a ligação; basta que os tenhamos examinado sucessivamente e que nos lembremos que, do primeiro ao último, cada um deles está ligado aos seus vizinhos imediatos. Distinguimos portanto, aqui, a intuição intelectual da dedução certa pelo facto de que, nesta, se concebe uma espécie de movimento ou sucessão e na outra, não; além disso, para a dedução não é necessário, como para a intuição, uma evidência atual, mas é antes à memória que, de certo modo, vai buscar a sua certeza. Pelo que se pode dizer que estas proposições, que se concluem imediatamente a partir dos primeiros princípios, são conhecidas, de um ponto de vista diferente, ora por intuição, ora por dedução, mas que os primeiros princípios se conhecem somente por intuição, e, pelo contrário, as conclusões distantes só o podem ser por dedução. 
Eis as duas vias mais seguras para chegar à ciência; do lado do espírito não se devem admitir mais, e todas as outras devem ser rejeitadas como suspeitas e passíveis de erro."

René Descartes, 
Regras para a Direção do Espírito, Lisboa, Edições 70, p. 7.



Síntese:

Intuição e dedução são:
·            duas funções cognitivas
·            duas formas de conhecimento
·            duas formas de raciocínio
·            duas operações da razão

Em que se distinguem?

1. INTUIÇÃO

- Temos um conhecimento por intuição, quando a nossa razão percebe directa e imediatamente, sem qualquer raciocínio e sem qualquer dúvida, que algo é verdade.

Exemplo: 

- Verdades evidentes como "EU EXISTO";
- Um triângulo tem três lados
- Duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si.

2. DEDUÇÃO


Quando, a partir de proposições que conhecemos por intuição, inferimos uma outra proposição que é também de certeza absoluta verdadeira, estamos perante um raciocínio dedutivo.

Exemplo:

- A partir da definição de triângulo inferimos que: a soma dos três ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos rectos.


“Pelo que se pode dizer que estas proposições, que se concluem imediatamente a partir dos primeiros princípios, são conhecidas, de um ponto de vista diferente, ora por intuição, ora por dedução, mas que os primeiros princípios se conhecem somente por intuição, e, pelo contrário, as conclusões distantes só o podem ser por dedução. 
Eis as duas vias mais seguras para chegar à ciência; do lado do espírito não se devem admitir mais, e todas as outras devem ser rejeitadas como suspeitas e passíveis de erro."

Assim:
- Tudo se pode concluir dos primeiros princípios;
- Por intuição ou por dedução;
- Os primeiros princípios só se conhecem por intuição;
 - Intuição e dedução são as vias mais seguras e suficientes para chegar à ciência;
 - Todas as outras deverão ser rejeitadas por serem suspeitas de erro.


                                                Lola

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