karl Popper e Thomas Kuhn:
questões e respostas
1. Quem foi
Karl Popper?
Karl
Popper foi um filósofo nascido na Áustria e naturalizado inglês. A sua
indiscutível reputação como pensador está, fundamentalmente, associada à sua
filosofia da ciência. Neste campo, foi opositor feroz da perspetiva
indutivista, defendendo que a observação não é o ponto de partida da atividade
científica, que existem alternativas à indução e que o papel da experimentação
é falsificar ou refutar hipóteses e não confirmá-las.
2. Como se posiciona
Karl Popper face ao problema da indução?
O
problema da indução, tal como foi formulado por Hume, existe e não é
solucionável: serão sempre injustificáveis as nossas tentativas de ir de
enunciados singulares ou particulares para enunciados gerais. Porém, Popper
considera que existem alternativas à indução. Segundo este filósofo, os
cientistas devem submeter as suas teorias a testes que visem falsificá-las
(refutá-las), e não verificá-las (confirmá-las). A lógica subjacente à
falsificação de um enunciado universal é dedutiva e não indutiva. Vejamos porquê.
Pensemos no enunciado geral «todos os peixes têm escamas». É possível
verificá-lo? Não, pois isso implicaria observar todos os peixes, sem exceção.
Contudo, sabemos que se todos os peixes têm escamas, então não existem peixes
sem escamas. Imaginemos que somos confrontados com um peixe sem escamas. Daqui
deriva, necessariamente, que é falso que todos os peixes tenham escamas. Este
exemplo mostra que é possível, recorrendo a inferências puramente dedutivas,
concluir acerca da falsidade de enunciados universais: S implica P; não
acontece P; logo, não acontece S.
3. Em que consiste o
método de Popper?
Em
alternativa ao verificacionismo e ao indutivismo, Popper propõe um método
falsificacionista e hipotético-dedutivo, o método das conjeturas e refutações.
Em primeiro lugar, para Popper, já vimos, a investigação científica não começa
pela observação, mas pelo problema, que surge quando uma dada observação põe em
causa a teoria estabelecida e as expectativas do cientista. Face ao problema, a
imaginação do cientista cria uma hipótese ou conjetura para explicá-lo.
Segue-se a refutação. A hipótese é sujeita a testes empíricos rigorosos, que
têm por objetivo falsificá-la ou refutá-la, isto é, mostrar que é falsa, e não
verificar a sua verdade. Se a hipótese for refutada, a teoria é substituída por
outra, mais forte e mais resistente. Se a hipótese resistir aos testes, dizemos
que se trata de uma explicação provisoriamente corroborada.
4. Corroboração e
verdade são sinónimos?
Não, para
Popper as hipóteses nunca perdem o seu carácter conjetural. Verdade e
corroboração não são a mesma coisa. A corroboração é um indicador temporal. Uma
teoria corroborada é uma teoria que resistiu aos testes a que foi sujeita num
determinado momento, mas isto não faz dela uma verdade, apenas indica que, até
ao momento, é a melhor teoria. Nada garante, porém, que ela não venha a ser
refutada, ou parcialmente refutada num próximo momento de falsificação.
5. Que diferença existe
entre uma teoria falsificada e uma teoria falsificável?
Uma
teoria falsificável ou refutável é uma teoria que tem a propriedade (uma
importante propriedade, na perspetiva de Popper) de poder ser sujeita a testes
empíricos que a possam refutar. Uma teoria falsificada ou refutada é uma teoria
que já se provou ser falsa, isto é, que foi sujeita a testes e não resistiu.
5A. Porque tem o erro, para Popper, um lugar central?
Popper defende que há progresso em ciência e que o erro é o motor desse progresso. Sempre que sujeitamos uma teoria a testes e descobrimos que ela inclui erros ou está efetivamente errada eliminamos os erros e, assim, aproximamo-nos da verdade. Podemos estar seguros de alguma vez termos alcançado a verdade? Não, mas, de eliminação de erro em eliminação de erro, caminhamos na sua direção.
5A. Porque tem o erro, para Popper, um lugar central?
Popper defende que há progresso em ciência e que o erro é o motor desse progresso. Sempre que sujeitamos uma teoria a testes e descobrimos que ela inclui erros ou está efetivamente errada eliminamos os erros e, assim, aproximamo-nos da verdade. Podemos estar seguros de alguma vez termos alcançado a verdade? Não, mas, de eliminação de erro em eliminação de erro, caminhamos na sua direção.
6. Existe progresso em
ciência, para Popper?
Sim. A
ciência progride por conjeturas e refutações, eliminando erros. O erro é o
motor de progresso em ciência. De cada vez que se eliminam erros,
aproximamo-nos da verdade, embora não tenhamos forma de saber se alguma vez a
alcançaremos. Popper estabelece, neste ponto, uma analogia com o evolucionismo
e a ideia de seleção natural.
7. Será a ciência objetiva,
para Popper?
Sim, na
medida em que se afasta progressivamente do erro e dado que possuímos um método
que nos permite comparar teorias e afirmar que a teoria X está mais próxima da
verdade do que a teoria Y. A objetividade advém do método utilizado e não, por
exemplo, da forma como são elaboradas as hipóteses.
8. Existem objeções ao
falsificacionismo de Popper?
Sim, na
medida em que, por exemplo, se valorizam apenas os resultados negativos da
prática científica. Popper não considera uma dada descoberta, mas sim as
fragilidades e fracassos do trabalho dos cientistas. Por outro lado, na
prática, os cientistas não procedem como Popper diz.
9. Quem foi
Thomas Kuhn?
Thomas Kuhn foi um pensador
norte-americano e um dos filósofos contemporâneos mais importantes, cujas
ideias marcaram a reflexão sobre a ciência na segunda metade do séc. XX.
10. Qual
é o padrão habitual de desenvolvimento de uma ciência?
Para Thomas Kuhn, as transições em ciência acontecem segundo um
processo cíclico, em que se alternam três fases sucessivas: fase normal, fase
crítica e fase revolucionária.
11. O que é uma
revolução científica, para Thomas Khun?
A
revolução científica corresponde a uma mudança profunda nas convicções e no
trabalho dos cientistas. Trata-se de um episódio não cumulativo, no qual a
comunidade científica abandona o
caminho
até então seguido a favor de outra abordagem da sua disciplina, em geral
incompatível com a anterior, alterando-se a forma como olha para o mundo e
pratica ciência.
As
grandes mudanças no desenvolvimento científico associadas a nomes como
Copérnico, Newton, Lavoisier ou Einstein são episódios que espelham revoluções
científicas. As alterações revolucionárias de uma dada tradição científica são
relativamente raras.
12. Em que consiste a
prática da ciência normal?
Ciência
normal é a ciência que a maioria dos cientistas pratica no seu dia a dia. É a
ciência em que o paradigma é encarado como um dado adquirido, que não deve ser
desafiado. A ciência normal articula e desenvolve o paradigma. Kuhn descreve a
ciência normal como a atividade de resolver enigmas, dirigida pelas regras do
paradigma. Durante a atividade científica normal, a comunidade científica
procede a reajustamentos e ao aumento da abrangência e precisão do paradigma.
Trata-se, por esta razão, de uma atividade essencialmente cumulativa,
conservadora e, por conseguinte, pouca dada à inovação.
13. Qual a importância
do paradigma para a prática da ciência normal?
Desde
logo, a existência de um paradigma é o que distingue a ciência da não ciência.
É o paradigma que dá os suportes teóricos e práticos gerais da atividade da
ciência normal.
Do mesmo
modo, o paradigma estabelece as normas necessárias para tornar legítimo o
trabalho dentro dessa ciência e forja a comunidade científica. Por fim, ele é
também fundamental, pois coordena e dirige a atividade de resolver os problemas
com que os cientistas se deparam na fase de ciência normal, fornecendo um
critério para escolher aqueles que sejam solucionáveis. Em boa medida, como diz
Kuhn, estes são os únicos problemas que a comunidade considerará científicos ou
merecedores de atenção.
14. O que caracteriza o
estado de crise?
As crises
são uma pré-condição necessária para a emergência de novas teorias e
paradigmas. Começam a formar-se quando se dá um acumular de anomalias que, pela
sua quantidade e grau, põem em causa os fundamentos do paradigma. As anomalias
levam a um esforço suplementar, por parte da comunidade científica, para tentar
preservar a visão do mundo que o paradigma lhes garante. 45. O que se entende
por ciência extraordinária? A crise provocada pela acumulação de anomalias pode
originar alterações na prática científica, entrandose num período de ciência
extraordinária. Aqui, os cientistas procuram encontrar soluções para as
anomalias, uns dentro do paradigma vigente (ciência normal), outros fora desse
modelo (ciência extraordinária). A ciência extraordinária é, portanto, a
prática científica que acontece à margem do paradigma dominante.
15. Como terminam as
crises?
Todas as
crises terminam, segundo Kuhn, de uma de três maneiras: - A ciência normal
acaba por ser capaz de lidar com o problema que gerou a crise. - O problema é
etiquetado, mas abandonado e deixado para uma geração futura. - Emerge um novo
candidato a paradigma e batalha-se pela sua aceitação.
16. Quais são as
consequências de uma revolução científica?
A
principal consequência de uma revolução científica é a mudança de paradigma,
com tudo o que isso implica: novas práticas da ciência normal, porque novos
serão os problemas e as soluções avançadas, novos pressupostos, novas teorias,
etc. O novo paradigma será muito diferente do velho e incompatível com ele. No
fundo, o que a revolução científica impõe é uma nova visão do mundo.
17. O que significa
dizer que os paradigmas são incomensuráveis entre si?
Ao dizer
que são incomensuráveis, Kuhn pretende dizer que eles não são comparáveis, nem
tão-pouco podem servir de medida um para o outro, pois o novo paradigma não é
melhor do que o anterior, é apenas diferente. Os proponentes de paradigmas
rivais praticam a sua atividade em mundos completamente distintos, discordam
sobre a lista de problemas a resolver e sobre os critérios a adotar e comunicam
de forma forçosamente parcial: termos idênticos ganham novos significados e
novos termos são adotados. A nova representação do real que o novo paradigma
traz consigo não se acrescenta à precedente, pelo contrário, substitui-a. O que
antes se via como um coelho passa a ser visto como um pato.
18. Podemos falar em
objetividade em ciência, para Kuhn?
Os
critérios que Kuhn considera para avaliar uma teoria são de dois tipos:
objetivos e subjetivos. Os critérios objetivos são partilhados por toda a
comunidade científica e são os seguintes: exatidão, consistência, alcance,
simplicidade e fecundidade. Os critérios subjetivos, dada a natureza humana dos
cientistas, também existem e devem ser considerados, pois, perante uma mesma
realidade, a interpretação e as convicções podem fazer dois cientistas trabalharem
de maneira diversa e adotarem paradigmas diferentes. Pelo facto de a escolha
entre paradigmas estar sujeita a critérios subjetivos relevantes, não é
possível falar em objetividade em ciência. Esta posição foi alvo de duras
críticas, tendo sido frequentemente classificada como sendo, além do mais,
contraditória.
19. O que separa Popper
de Kuhn?
Popper e
Kuhn respondem de forma divergente ao problema do progresso em ciência. Popper
crê que a eliminação de erros conduz, por aproximação, à verdade. O autor
estabelece, neste ponto, uma analogia com o evolucionismo e a ideia de seleção
natural: as teorias que melhor resistirem ao erro são as que se mantêm. Já para
Kuhn, não existe progresso em ciência, nem por acumulação, nem por eliminação
de erros. A transição sucessiva de um paradigma para outro ocorre por meio de
revoluções científicas, nada garantindo que o novo paradigma seja mais
verdadeiro que o anterior. Popper e Kuhn respondem também de forma
relativamente distinta ao problema da objetividade em ciência. Popper crê que a
ciência é objetiva, na medida em que se afasta progressivamente do erro e dado
que existe um método que nos permite comparar teorias e afirmar que a teoria X
está mais próxima da verdade do que a teoria Y. Para Kuhn, embora existam
critérios objetivos na escolha de teorias, a ciência não é imune à
subjetividade, já que esta desempenha um papel decisivo na escolha de um
determinado modelo em detrimento de outro.
20. Existem objeções a
Kuhn?
Sim. Kuhn
foi frequentemente acusado de defender uma posição relativista. Kunh rejeitou a
crítica, considerando-a injusta e redutora. Todavia, não há dúvida de que
algumas das suas afirmações a propósito do progresso científico parecem
aproximar Kuhn da tentação relativista. Se os paradigmas são incomensuráveis,
se não podemos comparar paradigmas nem concluir que um é superior ao outro, se
não podemos estar certos de que nos aproximamos da verdade, o que nos resta?
Para alguns, apenas o relativismo.
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