Teorias não essencialistas da arte
A
reação [ao ceticismo acerca da possibilidade de definir arte] traduziu-se,
assim, na procura de uma definição não-essencialista, capaz de identificar as
condições necessárias e suficientes da arte.
Perante
isto, poder-se-á perguntar: mas se as condições necessárias e suficientes não
referem características essenciais da arte, hão-de referir o quê? Para melhor
se compreender as definições não-essencialistas é útil começar por responder a
esta pergunta, fazendo algumas comparações.
A
primeira diz respeito à questão da função da arte. As definições essencialistas
tendem a identificar a essência da arte com a função que a arte é suposto
desempenhar, seja ela representar algo, exprimir emoções ou proporcionar
satisfação estética. Assim, de acordo com a teoria representacional, a arte tem
como função principal representar a realidade, fazendo-nos ver e compreender
melhor aspetos do mundo que, sem ela, nos poderiam passar despercebidos; a
teoria expressionista, por sua vez, assenta na ideia de que a função da arte é
exprimir sentimentos que aproximem as pessoas entre si — na perspetiva de
Tolstói — ou que contribuam para nos compreendermos melhor a nós próprios — na
perspetiva de Collingwood —; de acordo com a teoria formalista, a arte tem como
função criar padrões interessantes capazes de nos proporcionar satisfação
estética. Portanto, o mérito artístico de obras de arte particulares depende
substancialmente do modo como cada obra satisfaz os critérios funcionais da
teoria considerada correta, os quais decorrem, por sua vez, do que se considera
ser a essência da arte. Por exemplo, de acordo com a teoria da representação,
as melhores obras são as que conseguem representar melhor ou mais fielmente
aquilo que está a ser representado. E o mesmo tipo de critério funcional se
aplica às restantes teorias tradicionais.
Os não-essencialistas admitem, ao
invés, que a arte possa ter as mais variadas funções — alargar o conhecimento,
exprimir e explorar emoções, proporcionar experiências compensadoras, divertir,
proporcionar prazer, ajudar-nos a ser pessoas melhores, comunicar ideias,
criticar a sociedade, transformar o mundo, criar coisas belas, valorizar as
nossas vidas, ajudar-nos a suportar os males do mundo, etc. — o que torna
inútil procurar nos objetos de arte características permanentes supostamente associadas
a funções tão diferentes. Até porque uma mesma obra de arte, consideram os
não-essencialistas, pode servir diferentes funções, adquirir diferentes
significados, admitir diferentes interpretações ou exprimir sentimentos
diferentes, consoante o contexto em que ela é produzida ou apreciada.
Dado
que os não-essencialistas não esperam que a definição sirva para determinar os
méritos ou a qualidade de obras de arte particulares, o que eles procuram é uma
definição que permita simplesmente classificar corretamente certos objetos como
arte, sem qualquer preocupação de caráter valorativo. Buscam,
portanto, uma definição que seja compatível com a existência de boas
e de más obras de arte.
Tudo
isto sugere que as condições necessárias e suficientes da arte não dependem das
características internas dos objetos. O não-essencialista considera, em
contrapartida, que tais condições são relativas ao contexto em que eles estão
inseridos e ao modo como tais objetos adquirem o estatuto de obras de arte. Uma
metáfora adequada da perspetiva do não-essencialista é a afirmação atribuída ao
escritor Jorge Luís Borges sobre a arte de que "nenhuma obra é uma
ilha", no sentido em que é preciso procurar fora da obra — mais
precisamente no contexto em que ela se encontra —, aquilo que a torna arte.
Assim, a pergunta relevante para o não-essencialista não é "Quais são as
características de um dado objeto que fazem esse objeto ser uma obra de
arte?" mas antes "Como é que um qualquer objeto adquire o estatuto de
obra de arte?" A primeira pergunta aponta para as próprias obras de arte
ao passo que a segunda aponta para o seu contexto social. Por isso, os próprios
defensores do não-essencialismo consideram ajustado o termo
"contextualismo" para classificar o tipo de teorias da definição que
eles propõem.
Aires Almeida
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