quinta-feira, 23 de março de 2023

Fundamentação da Moral: Kant e Stuart Mill





A Fundamentação da Moral: 

o problema do critério da moralidade

 das acções


Um caso:

A escolha de Sofia

No romance A escolha de Sofia, de William Styron, uma polonesa, Sophie Zawistowska, é presa pelos nazistas e enviada para o campo de extermínio de Auschwitz. Ao chegar no campo de concentração, por não ser judia, é premiada com uma escolha: Sofia pode escolher um de seus filhos para ser poupado da câmara de gás. O outro deve morrer. Em uma agonia de indecisão, quando vê as duas crianças sendo levadas para a morte, Sofia pede para que deixem seu filho mais velho viver e levem sua filha mais jovem. Sua decisão é motivada pelo fato de pensar que seu filho terá mais chance de sobreviver, por ser mais velho e forte. No fim, ela acaba se afastando do filho e nunca mais o vê. 

Ela fez a coisa certa? Anos depois, assombrada pela culpa de ter escolhido entre seus filhos, Sofia comete suicídio. Ela deveria ter se sentido culpada?

Reflexões possíveis:

Imagine que está no lugar de esta mãe: que decisão tomar?

A. Escolher o filho mais velho por este ter "mais possibilidades de sobreviver, por ser mais velho e forte"?

B. Escolher a menina mais nova por esta ser frágil e ainda necessitar muito dos cuidados da mãe?

C. Decidir não escolher e deixar os seus dois filhos morrerem na câmara de gás?


O Problema da Fundamentação da Moral coloca, precisamente, a reflexão entre o que torna uma acção moralmente boa ou não. 

Questões como:

- Qual o fundamento de uma acção moralmente boa?

- Qual o critério que distingue uma acção eticamente correcta?

- Será a intenção como defende Kant?

- Serão as consequências de uma acção, como defende Stuart Mill?


Qual a relevância filosófica do tema? 

Pretende-se avaliar o critério ético para justificar porque razão escolheríamos a opção A, B ou C numa situação em que as alternativas estão em conflito e se optarmos por uma delas, deixamos sempre outras duas para trás.

Vamos analisar duas posições filosóficas que tentam dar resposta bastante diferente à questão de encontrar um fundamento para considerar uma acção moralmente correcta.

1. A ética deontológica de Kant.

2. O utilitarismo de Stuart Mill.


A ética deontológica de Kant.


Quem é Kant?

- Filósofo alemão do séc. XVIII (1724-1804)

- Foi professor universitário.

- Nasceu e viveu em Königsberg, actual  Kaliningrado

- Escreveu várias obras acerca do conhecimento (Critica da Razão Pura) e acerca da Ética (Critica da Razão Prática e Fundamentação da Metafisica dos Costumes.

- Era reconhecido pela regularidade dos seus hábitos (as pessoas acertavam o relógio à sua passagem, dizem....)

- Foi um celibatário que viveu para a Filosofia.

- É considerado um dos maiores filósofos da história e as suas ideias influenciaram muito os filósofos posteriores.

Qual o estatuto da Moral, segundo Kant?

A Moral, segundo Kant, prescinde da Religião - a Moral não necessita da religião e nem da ideia da existência de um ser superior que a motive, isto é, um ser superior que levaria o homem a agir moralmente em referência a este ser. A Moral, afirma Kant, não precisa da religião porque basta-se a si mesma em função da razão pura prática.

A Moral, enquanto fundada no conceito do homem como um ser livre que, justamente por isso, se vincula a si mesmo pela razão a leis incondicionadas, não precisa nem da ideia de outro ser acima do homem para conhecer o seu dever, nem de outro móbil diferente da própria lei para o observar. (KANT, 2008, p. 11).


Porque é que a ética de Kant é deontológica?

- Deontologia deriva do conceito grego deon que significa dever ou obrigação

- A ética de Kant é uma ética do dever  pois há acções como mentir ou roubar que são sempre erradas e nunca admitem excepções, mesmo que tenham consequências positivas (roubar o medicamento para salvar a mulher).

- Segundo Kant há acções que é sempre certo realizar mesmo que as consequências sejam negativas (não mentir para que o melhor amigo evite ser preso).

-Recusa, por isso, o consequencialismo ou seja, a perspectiva segundo a qual a distinção entre uma acção moralmente boa ou má tem por base as consequências de uma acção.




- Segundo o Dilema do Trem  - "Será correcto provocar a morte de uma pessoa para salvar a vida de cinco pessoas"? NÂO, matar uma pessoa é sempre errado, mesma que tenha consequências  terríveis para outros.

- Para Kant existem deveres morais absolutos que devemos realizar sempre e de modo incondicional, independentemente das circunstancias - NÂO HÁ EXCEPÇÔES - Mentir ou roubar é, sempre, moralmente errado.

- Um exemplo: "A pergunta do assassino: um assassino jurou matar uma certa pessoa. Pergunta-nos onde está essa pessoa (nós sabemos e não podemos evitar a questão)....

"A veracidade nas declarações é o dever do homem em relação a quem quer que seja, por maior que seja a desvantagem que daí decorra, para ele ou para outrém...."

 Kant, A paz perpétua e Outros Opúsculos.



Qual a concepção de Homem, para  Kant?

 Segundo Kant, o Homem tem três disposições: 

- Animalidade (ser biológico),

 - Humanidade (ser social)  

- Personalidade (ser moral: racional, autónomo em que a razão deve orientar a acção)


A disposição para a animalidade, no homem, significa o amor a si mesmo, de natureza física e mecânica, para o qual não se requer a razão. Tem um sentido tríplice: primeiramente, tendo em vista a conservação de si próprio, a sobrevivência; em segundo lugar, considerando a ordem natural da propagação da espécie, através do impulso sexual; e, finalmente, tendo em vista a vivência em comunidade com seu semelhante, ou seja, o impulso à sociedade. Nessa primeira disposição para a animalidade, afirma Kant, podem ser introduzidos vícios de todo tipo, tais como os vícios da brutalidade da natureza, denominados, na sua forma mais vil, vícios bestiais, que seriam, por exemplo, os vícios da gula, da luxúria e da selvagem ausência de lei na relação com seus semelhantes na sociedade. 

No que se refere à disposição para a humanidade, Kant refere-se ao título geral do amor de si, de ordem física, mas que, nessa classificação, estabelece uma comparação – fato que exige o uso da razão. Significa dizer que o homem se considera ditoso ou desditado somente em comparação com os demais. Desse amor de si deriva uma inclinação para obter para si um valor na opinião dos outros. Kant analisa que essa disposição, quando mediada pelo desejo de não conceder a ninguém superioridade sobre si – apenas a igualdade – aliado ao constante receio de que os outros possam aspirar a tal superioridade, faz surgir gradualmente um desejo injusto de adquirir para si mesmo essa superioridade dos outros. Assim, analisa Kant, nesse ponto podem ser estabelecidos, através da inveja e da rivalidade, os maiores vícios de hostilidades secretas ou mesmo abertas contra todos os que são considerados estranhos. Segundo Kant, os vícios que podem ser introduzidos nessa propensão podem ser chamados de vícios da cultura e, no mais elevado grau de sua malignidade, vícios diabólicos: inveja, ingratidão, alegria malvada, etc.

Disposição para a personalidade significa a suscetibilidade da reverência pela lei moral como de um móbil, por si mesmo suficiente, do arbítrio. Essa suscetibilidade da mera reverência pela lei moral no homem seria o sentimento moral. 

Kant afirma que as três disposições acima referidas são originárias, porque pertencem à possibilidade da natureza humana e que não apenas são boas – dado que não são contrárias à lei moral – mas são igualmente disposições para o bem, visto que fomentam o seu seguimento. 

Das três, somente a terceira tem por raiz a razão por si mesma prática, ou seja, a razão incondicionalmente legisladora. A primeira não tem por raiz razão alguma, enquanto que a segunda tem a razão prática como raiz, mas apenas a serviço de outros móbiles. (KANT, 2008, p. 34). 

A razão em Kant

Para Kant, uma acção só é moral se for feita por dever. Mas como podemos saber quais as acções que constituem um dever moral?Como podemos justificar o carácter absoluto e incondicional dos deveres? 

Para Kant isso deve-se à razão , ou seja, à capacidade de pensar. 

O homem é um ser racional e é a razão que dita o que é certo e o que é errado. Deste modo , poderemos afirmar que a moralidade, para Kant, é um assunto racional.

O homem tem sentimentos, ou como diz Kant, inclinações, mas estas tal como as convenções sociais, a religião e outros factores externos à razão  não têm qualquer papel na moralidade.

Segundo Kant, a razão tem uma função teórica (conhecer o mundo) e uma função prática (mostrar o que está certo e o que está errado).

Na moralidade, Kant analisa o uso prático da razão - a faculdade que deve exercer influência sobre a vontade.


A boa vontade

A vontade é, segundo Kant, a faculdade de escolher aquilo que a razão reconhece como bem.

A única coisa que tem valor intrínseco, absoluto e incondicional é a boa vontade.

A inteligência, a coragem, a perseverança e outros talentos, que todos nós podemos considerar positivos, só o serão se a vontade que deles fizer uso for uma vontade boa, pois se não o for estes talentos podem tornar-se prejudiciais.

A Felicidade, no entender de Kant, não possui valor intrínseco pois só poderá ser considerada boa se estiver associada a uma boa vontade.

A boa vontade é boa em si mesma e por si mesma e não pela capacidade de alcançar certos fins.

Mesmo que a vontade boa estivesse incapacitada de cumprir oss seus propósitos devido a uma condicionante externa, ela não deixaria de ter valor.

Exemplo: Uma rapariga que está numa cadeira de rodas, quer salvar uma criança de se afogar - a sua vontade não deixa de ter valor, apesar da rapariga não ser capaz de salvar a criança.

Só a vontade boa não poderá ser usada para o mal.

"Neste mundo e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma Boa Vontade. Discernimento, argúcia de espírito, capacidade de julgar e como quer que possam chamar-se os demais talentos do espírito, ou ainda coragem, decisão, constância de propósito, como qualidades do temperamento, são sem dúvida a muitos respeitos coisas boas a desejáveis; mas também podem tornar-se extremamente más e prejudiciais se a Vontade, que haja de fazer uso destes dons naturais e cuja constituição particular por isso se chama carácter não for Boa.

(...)

A boa vontade não é boa por aquilo que se promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é, em si mesma, e, considerada em si mesma, deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por se intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo, se quiser, da soma de todas as inclinações".

                  Kant, 

Fundamentação da Metafísica dos Costumes


A importância da intenção

·  Designa-se  a ética kantiana como sendo deontológica porque esta defende que o valor moral de uma acção reside em si mesma e não nas suas consequências - ou seja, na sua intenção.

·  A intenção é, para Kant, muito importante para avaliar a correcção moral de uma acção.

·  Na avaliação moral das acções, a única coisa que interessa são as intenções do agente e não as consequências daquilo que fazemos.

·  Uma pessoa de boa vontade poderá ter uma boa intenção e daí resultarem más consequências- mas ela não é má por isso.

·  MAS....

·  Uma pessoa poderá ter más intenções e daí resultar boas consequências- mas ela não é boa pessoa, mesmo assim.

·  Exemplo: um comerciante que não engana os seus clientes por receio de poder ser multado, não tem boa intenção e não tem uma vontade boa. Embora o comerciante tenha agido no âmbito legal, a sua acção é moralmente reprovável, mesmo que as consequências sejam boas para os seus clientes. 

·  Assim, e segundo Kant, uma acção só é moralmente correcta se e quando resultar da intenção de cumprir o dever.

·  Defende que o valor moral das acções depende unicamente da intenção com que são praticadas.

· Duas acções podem ter consequências igualmente boas e uma delas não ter valor moral.


Agir por dever

·  Para Kant uma acção só é moralmente correcta se for feita por dever.

·  Para Kant, só as boas intenções contam para uma acção moralmente boa.

·  A intenção geral de uma pessoa de boa vontade é cumprir o seu dever, ou seja, agir por dever o que é muito diferente de agir conforme ao dever.

·  Exemplo: O Vasquinho ajuda o seu colega Agostinho no teste de Filosofia porque quer ser bem visto pelos pais do Agostinho que são donos da empresa onde o Vasquinho pretende trabalhar. 

·  Uma acção é moralmente correcta se resultar da intenção de cumprir o dever.

·  Para Kant, só o agir por dever é o único agir com valor moral.

·  Porquê? Porque é o único agir que respeita de forma incondicional as ordens da nossa razão, que não age submetido a qualquer tipo de interesse ou inclinação.

·  É esse tipo de acção possível? Sim, temos como exemplo mais evidente o do juiz que decide de forma objectiva e imparcial um determinado caso.

· Exemplo: O Gabriel ajudou uma senhora de idade a atravessar a rua.

·  O Gabriel praticou esta acção, porque sabe que é seu dever ajudar pessoas idosas. Neste caso, o Gabriel cumpriu o dever (ajudar a senhora de idade) pelo próprio dever (pela própria obrigação moral de ajudar pessoas de idade). 

·  Kant defendia que o valor moral das acções depende unicamente da intenção com que são praticadas. 

·  PORQUÊ?  

·  Porque sem conhecermos as intenções dos agentes não podemos determinar o valor moral das acções. Na verdade, uma acção pode não ter valor moral apesar de ter boas consequências.

·  Quando é que a intenção tem valor moral ou é boa? Quando o propósito do agente é cumprir o dever pelo dever. 

·  O cumprimento do dever é o único motivo em que a acção se baseia. Ex: Não roubar porque esse acto é errado e não porque posso ser castigado.

·  O que é uma acção com valor moral? É uma acção que cumpre o dever por dever. Cumpre o dever sem «segundas intenções».

·  Deveres como não matar inocentes indefesos, não roubar ou não mentir devem ser cumpridos porque não os respeitar é absolutamente errado. 

 

Tipos de Acções

Segundo Kant, há três tipos de acções:

·  Acções por dever: Uma acção é moralmente correcta se resultar da intenção de cumprir o dever.

·   Só o agir por dever é o único agir com valor moral.

·  São legais e morais.

·  Acções em conformidade com o dever: Ações conformes ao dever são ações que não têm como motivação o cumprimento do dever, mas um interesse pessoal. 

·  São ações que cumprem o dever com a intenção de evitar uma má consequência – perder dinheiro, reputação – ou porque daí resulta uma boa consequência – a satisfação de um interesse. 

·  O comerciante que pratica preços justos para criar boa reputação e aumentar a clientela, cumpre o dever por interesse mas não cumpre o dever por dever.

·  São legais e imorais.

·  Acções contra o dever: Ações contrárias ao dever são ações que violam o dever. 

·  Por exemplo, matar, roubar, mentir.

·  São ilegais e imorais.

NOTA:

·  Uma ação pode ser conforme ao dever e não ser por dever. Exemplifique.?

O que determina se uma ação é realizada por dever ou em conformidade ao dever é a sua intenção. Duas ações podem ter as mesmas consequências, mas só a que é realizada com a intenção de cumprir o dever pelo dever é uma ação por dever.

Exemplo: 

Dou boas notas para ser reconhecida pelos meus alunos. Acção conforme ao dever.

Dou boas notas pelo dever de avaliar bem os alunos. Acção por dever

· Kant distingue  ações por dever e ações em conformidade com o dever. Porquê?
A razão de ser ou o objetivo da distinção é duplo:
1. Defender que o valor moral das ações depende unicamente da intenção com que são praticadas.
2. Mostrar que duas ações podem ter consequências igualmente boas e uma delas não ter valor moral.

Tipo de acções

"Passo aqui em silêncio todas as ações geralmente havidas por contrárias ao dever, se bem que, deste ou daquele ponto de vista, possam ser úteis, pois nelas não se põe a questão de saber se podem ser praticadas por dever\ uma vez que estão em contradição com ele. Deixo também de lado as ações que são realmente conformes com o dever, para as quais entanto os homens não sentem inclinação imediata, mas que apesar disso executam sob o impulso de outra tendência porque, em tal caso, é fácil distinguir se a ação conforme com o dever foi realizada por dever ou por cálculo interesseiro. Muito mais difícil é notar esta distinção, quando, sendo a ação conforme com o dever, o sujeito sente para com ela uma inclinação imediata. 

É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não suba os preços ao comprador inexperiente, e, quando o movimento do negócio é grande, o comerciante esperto não faça semelhante coisa, mas mantenha um preço fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode comprar em sua casa tão bem como qualquer outra pessoa.

É-se, pois, servido honradamente; mas isso ainda não é bastante para acreditar que o comerciante tenha assim procedido por dever e princípios de honradez; o seu interesse assim o exigia; mas não é de aceitar que ele, além disso, tenha tido uma inclinação imediata para os seus fregueses, de maneira a não fazer, por amor deles, preço mais vantajoso a um do que a outro. A ação não foi, portanto, praticada por dever (…), mas somente com intenção egoísta. 

Pelo contrário, conservar cada qual a sua vida é um dever, e é além disso uma coisa para que toda a gente tem inclinação imediata. Mas por isso mesmo é que o cuidado, por vezes ansioso, que a maioria dos homens lhe dedica não tem nenhum valor intrínseco e a máxima que o exprime nenhum conteúdo moral. Os homens conservam a sua vida, conforme ao dever, sem dúvida, mas não por dever. Em contraposição, quando as contrariedades e o desgosto sem esperança roubaram totalmente o gosto de viver; quando o infeliz, com fortaleza de alma, deseja a morte e conserva contudo a vida sem a amar, não por inclinação ou medo, mas por dever, então a sua máxima tem um conteúdo moral.”                                                                  

                                                   Kant, 

Fundamentação da metafísica dos Costumes

 

Mas como é que podemos saber qual o nosso dever em cada situação da vida?


A Lei Moral

·  Segundo Kant, uma acção só é moralmente correcta se resultar da intenção de cumprir o dever.

·  A lei moral é uma lei da nossa consciência racional que exige que se cumpra o dever por dever.

·  A lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo cumprimento de certas normas como não matar, não roubar e não mentir.

·  Obedeço à lei moral quando respeito absolutamente o dever, quando não preciso de mais nenhum motivo – a não ser a honestidade – para cumprir o dever (para ser honesto).

  

·  Características da Lei Moral

·   incondicional, 

·   racional

·   Formal,

·  universal

·  absoluta

·  objectiva


Por que razão, Segundo Kant, a lei moral tem um carácter formal?

·  Porque me diz a forma como é correto cumprir o dever. Não é uma regra concreta como «Não matarás!» mas um princípio geral que deve ser seguido quando cumpro essas regras concretas que proíbem o roubo, o assassinato, a mentira. 

·  Pensemos  em normas morais como «Não deves mentir»; «Não deves matar»; «Não deves roubar». 

·  A lei moral, segundo Kant, diz-nos como cumprir esses deveres - qual a forma correta de os cumprir. 

·  Assim sendo, é uma lei puramente racional e  formal.

. A lei moral, em Kant, diz-nos como devemos agir e não o que devemos fazer.


Por que razão, segundo Kant, a lei moral tem a forma de um imperativo categórico?

·  A lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo cumprimento de certas normas como não matar, não roubar e não mentir. 

·  A palavra imperativo designa dever, ordem, obrigação. 

·  A palavra categórico significa absoluto, incondicional.

·  Assim, respeitar a lei moral ou o que ela ordena é uma obrigação absoluta.

·  O que a lei moral ordena – cumprir o dever por puro e simples respeito pelo dever – é, para Kant, uma exigência que tem a forma de um imperativo categórico.

·  Ordena que uma ação boa seja realizada pelo seu valor intrínseco, que seja querida por ser boa em si e não por causa dos seus efeitos ou consequências. 

·  O cumprimento de deveres como não roubar ou não mentir é uma obrigação absoluta.

·   O que são deveres absolutos?

·  Deveres absolutos, ou perfeitos, são deveres que não admitem exceções. 

·  Os deveres absolutos são deveres incondicionais (não dependem de condições ou interesses). 

·  Os deveres morais propriamente ditos são deveres absolutos. 

·  A lei moral enquanto imperativo categórico diz – nos que deveres é obrigatório respeitar de forma absoluta.

·  Por que razão o cumprimento do dever é uma obrigação absoluta ou categórica?

·  Se cumprir o dever dependesse dos nossos interesses ou sentimentos, teríamos a obrigação, por exemplo, de cumprir a palavra dada apenas em certas condições, mas não sempre.

·  Esta obrigação dependeria, digamos, do desejo de ficarmos bem vistos aos olhos de Deus ou aos olhos dos outros, do desejo de agradar a alguém, etc. Se agradar a Deus ou aos outros deixasse de nos preocupar, a obrigação de cumprir a palavra dada simplesmente desapareceria.

·  Ora, não é isso que deve acontecer, segundo Kant. Continuamos a ter o dever de cumprir a palavra dada quer isso nos agrade quer não.

·   Como é que a fórmula da lei universal determina se uma máxima expressa um dever moral?

·  A primeira formulação do imperativo categórico determina se uma máxima expressa um dever moral verificando se ela é universalizável, isto é, se é possível que todos ajam segundo essa máxima.

·  Se for possível universalizar a máxima, ela expressa um dever moral. Se não for possível, não expressa.

 

Sabemos qual o nosso dever,  em cada situação da vida, quando cumprimos o IMPERATIVO CATEGÓRICO! 



Os imperativos

imperativo hipotético é uma ordem condicionada, na medida em que se submete a condições para que cumpramos o dever, dizendo-me o seguinte: “Tu deves fazer isto, se queres obter aquilo”. Por exemplo, eu devo dizer a verdade, se quero ficar bem visto perante os vizinhos do meu bairro. Ora, a expressão que temos aqui tem a seguinte forma: Eu digo a verdade (cumpro o dever) para não ficar mal visto perante os outros (não pelo próprio dever, mas por interesse). Cumpro o dever, não pelo próprio dever, como um fim em si mesmo, mas como um meio para obter um fim. (O imperativo hipotético é o princípio que norteia a acção do indivíduo que age apenas em conformidade com o dever.)

Pelo contrário, o imperativo categórico é uma ordem incondicionada, na medida em que não se submete a qualquer condição para que realizemos uma certa acção, anunciando o seguinte: “Tu não deves mentir aos teus pais, porque esse é teu dever”. Não devo mentir aos meus pais, porque é meu dever não mentir em todas as circunstâncias possíveis e não por causa de qualquer outro interesse ou inclinação. Neste caso, estou a cumprir o dever pelo próprio dever, não minto porque é meu dever não mentir. Para Kant, mentir é sempre incorrecto, sejam quais forem as circunstâncias em que me encontro, porque para Kant as regras morais são absolutas, não existem excepções para um eventual incumprimento dessas mesmas regras. 

 

·  Kant distingue dois tipos de imperativos:

·   imperativos hipotéticos imperativos categóricos.

·  Os imperativos hipotéticos são ordens que expressam deveres relativos, isto é, deveres que devemos cumprir na condição de querermos ou desejarmos a obtenção de algo. 

·  Os imperativos hipotéticos existem quando impõem uma condição (fruto de um desejo). 

·  Exemplo: “Se eu estudar, vou para a Universidade”.

·  Será que, segundo Kant, a nossa obrigação moral se apoia no imperativo hipotético?

·  Não. 

·  Se a moralidade, em Kant, se baseasse no imperativo hipotético, por exemplo, nós só teríamos obrigação de ajudar os outros em certas circunstâncias e não em todas.

·  Segundo Kant é nosso dever ou obrigação ajudar o outro em todas as circunstâncias.

·  Kant considera que mentir, roubar ou matar não são acções morais pois estas não são universalizáveis.

·  A nossa obrigação moral assenta no seguinte: as nossas máximas (lado subjectivo do querer) devem ser possíveis de se tornarem universais – temos de cumprir a lei moral que se exprime no imperativo categórico.

·  Os imperativos hipotéticos expressam acções conformes ao dever. 

·  Exemplos: 

·   "Deves cumprir o Código da Estrada se não queres ser multado”; 

·  “Se queres ser admirado pelos teus concidadãos, deves fazer apenas acções que a comunidade aprove".

·  Uma obrigação (ou imperativo) é hipotética quando existe apenas em certas condições, mas não noutras.

·  Tenho a obrigação de estudar para os exames de acesso a Medicina apenas na condição de querer ser médico.

·  Esta obrigação apenas existe em função de o agente ter um certo desejo.

·  Se o agente abandonar o desejo relevante, a obrigação desaparece também.

·  Serão as nossas obrigações morais apenas hipotéticas?

·  Se a moral fosse seguir regras hipotéticas, só teríamos, por exemplo, a obrigação de ajudar os outros em certas condições, não em todas.

·  Mas temos o dever de ajudar quem precisa em todas as circunstâncias, quaisquer que sejam os nossos desejos.

·  A obrigação de ajudar os outros não deixa de existir porque deixámos, por exemplo, de querer agradar. Continua a existir mesmo nesse caso.

·  Kant conclui que a obrigação de não mentir (como todas as outras obrigações morais), não são hipotéticas.

·  Mentir, roubar ou matar pessoas inocentes, não é permissível pois as máximas destas acções não são universalizáveis:

·  As Obrigações morais particulares como não mentir, não roubar ou não matar pessoas inocentes, têm em comum o facto de as suas máximas (A regra/norma que é proposta pela acção) serem universalizáveis.

·  Esta característica comum reflecte a nossa obrigação moral básica: agir segundo máximas que todos possam também seguir.

·  Esta obrigação moral é o fundamento de todas as nossas obrigações morais particulares.

·  Trata-se do IMPERATIVO CATEGÓRICO ou lei moral.

·  Cumpro o dever como um fim em si mesmo e não como um meio para obter outro fim.

Imperativo Categórico

. A lei moral exprime-se sob a forma de imperativo categórico.

· Uma acção é moralmente correcta quando cumprimos/seguimos o Imperativo categórico.

·  O Imperativo categórico é uma ordem ou obrigação absoluta e incondicional.

· Podemos não obedecer ao Imperativo Categórico (MORALIDADE) como podemos não obedecer às regras do nosso país (LEGALIDADE) – mas quem desobedece a essa ordem não age moralmente correcto , ou seja, não age de acordo com as suas obrigações morais.

·  O Imperativo categórico é acessível a qualquer ser racional, basta usar a razão para o descobrir – são imposições da própria razão e não imposições exteriores a ela (Exemplo: os mandamentos da igreja), ou seja, o homem obedece à sua própria lei.

·  Para Kant, agir moralmente bem é agir racionalmente e não em função das inclinações sensíveis (Exemplo: pena, compaixão ou medo), as nossas acções se agimos motivados pelas inclinações sensíveis não são moralmente correctas pois não são racionais.

· Agir em função dos mandamentos da igreja é, para Kant, fruto da heteronomia da vontade já que esta é determinada por algo exterior.

· O Imperativo Categórico é a expressão da autonomia da vontade: O conceito de autonomia quer dizer “lei que se dá a si mesmo” e é o oposto de heteronomia da vontade que é uma lei que os outros nos fazem cumprir.

 

Quais as formulações do Imperativo categórico?

·  As duas formulações do imperativo a que Kant dá mais importância são a fórmula da lei universal e a fórmula da Humanidade. 

·  primeira diz que devemos agir apenas segundo uma máxima tal que possamos querer ao mesmo tempo que se torne uma lei universal; 

·  segunda afirma que devemos agir de tal maneira que usemos a humanidade, tanto na nossa pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.

·  Qual é a função destas duas fórmulas? Para que servem?

·  Para sabermos, em cada circunstância da vida, se a ação que queremos praticar está, ou não, de acordo com a moral, temos de perguntar se aquilo que nos propomos fazer poderia servir de modelo para todos os outros e se não os transforma em simples meios ao serviço dos nossos interesses. 

·  Se faltar a uma promessa, não é algo que todos possam imitar e viola os direitos dos outros, então temos a obrigação de não o fazer, por muito que isso nos possa custar; se mentir não serve de modelo para os outros e os reduz a meios que usamos para satisfazer o nosso egoísmo, então não temos o direito de abrir uma exceção apenas para nós.

A - Uma das formulações do Imperativo categórico é a fórmula da lei universal e a formulação é a seguinte: 


“Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal”.

(agir de um modo tal que eu queira que o princípio que determina a minha acção seja também ele seguido por todos os indivíduos)

·  Cumpro o imperativo categórico (equivalente a obedecer à lei moral ou a agir por dever) quando a minha máxima pode ser universalizada sem contradição.

·  uma máxima é uma regra ou principio de acordo com o qual agimos - se a máxima não puder ser universalizável, a acção não é moralmente correcta. 

·  Como é que a fórmula da lei universal determina se uma máxima expressa um dever moral?

·  A primeira formulação do imperativo categórico determina se uma máxima expressa um dever moral verificando se ela é universalizável, isto é, se é possível que todos ajam segundo essa máxima.

·  Se for possível universalizar a máxima, ela expressa um dever moral. Se não for possível, não expressa.

· Exemplo: Eva precisava de dinheiro. Pediu algum dinheiro emprestado ao Bernardo com a promessa de lho devolver. No entanto, já tinha a intenção de não lhe devolver o dinheiro.

Eva agiu de acordo com a seguinte máxima: “Sempre que precisar de dinheiro, peço o dinheiro emprestado, mas com a intenção de não o devolver”. Em termos mais gerais a regra que orienta a ação de Eva é esta: “Mente sempre que isso for do teu interesse”.

·  A máxima da acção da Eva (“Mente sempre que isso se tornar vantajoso para ti” )não pode ser universalizada, logo, a sua acção não decorre de um imperativo categórico (A Eva não gostaria que todos lhe mentissem) mas sim de um imperativo hipotético.

·  A Eva agirá incorrectamente sempre que mentir.

·  Poderá esta máxima ser universalizada? Não será contraditória? O que aconteceria se esta regra fosse universalizada, se funcionasse como modelo para todos, se todos a seguissem? Ninguém confiaria em ninguém. 

·  Ora, a mentira só é eficaz se as pessoas confiarem umas nas outras. É preciso que Bernardo confie em Eva, para poder ser enganado por ela. Mas se eu souber que todos mentem sempre que isso lhes convém, deixarei de confiar nos outros e por isso Bernardo não confiará em Eva. 

·  Não vale a pena Eva prometer porque Bernardo não irá acreditar em nada que ela diga. Logo, Bernardo não lhe iria emprestar o dinheiro se a máxima de Eva fosse uma lei universal. Por estranho que pareça, ao exigir que todos mintam, estou a tornar a mentira impossível.

·  O imperativo categórico promove a ideia de imparcialidade na medida em que só podemos universalizar a máxima da nossa ação se não nos deixarmos influenciar pelos nossos interesses e pelo egoísmo.

 

 

B - Segunda formulação do imperativo categórico - Fórmula da Humanidade: Homem como um fim


A fórmula é: 

 

"Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente, como fim e nunca apenas como meio".


10º D 

(agir de um modo tal que, ao agir, encare o outro como o fim da minha acção e não simplesmente como um meio para atingir algo)

 

· Segundo esta fórmula, cada ser humano é um fim em si e não um simples meio.

·Será moralmente errado instrumentalizar um ser humano, usá-lo como simples meio para alcançar um objectivo. 

·  Os seres humanos têm valor intrínseco, absoluto, isto é, DIGNIDADE.

·  Neste sentido, a vida de um ser humano não vale mais do que a de outro.


·  Quem pede dinheiro emprestado (por exemplo) sem intenção de o devolver está a tratar a pessoa que lhe empresta dinheiro sem respeito pela sua dignidade. 

·  A pessoa que pede dinheiro emprestado e não o devolve está a encarar a pessoa a quem pede dinheiro como um meio para obter um outro fim, está a colocar a pessoa ao serviço dos seus interesses.  

·  É evidente que está a tratá-la como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece respeito, consideração. 

·  Pensa unicamente em utilizá-la para resolver uma situação financeira grave sem ter qualquer consideração pelos interesses próprios de quem se dispõe a ajudá-lo.

·  Para Kant, a pessoa tem de ser tratada sempre como um fim em si mesma e nunca como um meio, porque é o único ser de entre as várias espécies de seres vivos que pode agir moralmente.

·  Se não existissem os seres humanos, não poderia haver bondade moral no mundo e, nesse sentido, o valor da pessoa é absoluto.  

·  Enquanto as coisas ou objectos têm preço porque podem ser trocadas por outras, as pessoas têm dignidade, são um valor absoluto.

NOTA:

·  Para Kant, os dois critérios sem os quais não podemos atribuir moralidade às nossas acções são:

·   o agirmos de acordo com uma máxima universal (UNIVERSALIZAÇÃO)

· o agirmos encarando os outros como fins em si mesmos e não simplesmente como meios.

Que relação entre os dois critérios?

· Ao agir segundo uma máxima universal, estou a encarar o outro como um fim em si mesmo e, por sua vez, ao encarar o outro como um fim em si mesmo, estou a agir segundo uma máxima universal. 

· A segunda formulação do imperativo categórico impede-nos de tratar os outros como meios?

· Não. Se impedisse, poria em causa a própria existência da sociedade e das  relações entre os seres humanos;

· O que a segunda formulação do imperativo categórico proíbe é que tratemos os outros apenas como meios para os nossos fins, sem qualquer respeito pela sua dignidade e racionalidade.

·  O principal objetivo de Kant ao apresentar as duas formulações do imperativo categórico, sobretudo a segunda fórmula é mostrar que a sua é uma ética do respeito absoluto pelos direitos da pessoa humana e não simplesmente uma ética do dever.

·  Para Kant, a pessoa tem de ser tratada sempre como um fim em si mesma e nunca somente como um meio, porque é o único ser de entre as várias espécies de seres vivos que pode agir moralmente. 

·  Se não existissem os seres humanos, não poderia haver bondade moral no mundo e, nesse sentido, o valor da pessoa é absoluto.

·  Assim, a fórmula da humanidade, também conhecida por fórmula do respeito pelas pessoas, exprime a obrigação moral básica da ética kantiana.

·  Como pessoa o ser humano tem direitos que, em circunstância alguma, podem ser violados ou infringidos. 

·  A ética kantiana pode parecer a ética de um "fanático do dever" mas é mais do que isso -  é a ética dos direitos da pessoa humana.

·  Nas duas fórmulas do imperativo categórico está presente a máxima que deve orientar a nossa ação para que ela tenha valor moral.

·  A máxima dá – nos a conhecer a intenção ou o motivo que está na base da ação do agente.

·  Kant atribui a estas duas formulações do imperativo categórico a função de critérios para determinar se uma máxima expressa ou não um dever moral.


 

 


Autonomia e Heteronomia da vontade

 

· Agir em função dos mandamentos da igreja, por exemplo, é, para Kant, fruto da heteronomia da vontade já que esta é determinada por algo exterior.

·  O Imperativo Categórico é a expressão da autonomia da vontade: O conceito de autonomia quer dizer “lei que se dá a si mesmo” e é o oposto de heteronomia da vontade que é uma lei que os outros nos fazem cumprir.

 

Vontade Autónoma

·  É a vontade que age com a intenção de cumprir o dever pelo dever. Por isso é também dita uma boa vontade ou uma vontade que respeita a lei moral. 

·  A autonomia da vontade designa a capacidade de a vontade decidir respeitar uma lei – a lei moral – que exige o respeito absoluto pela dignidade e autonomia da pessoa humana. 

·  A autonomia da vontade não é fazer o que apetece. 

·  O agente autónomo aceita a lei moral porque essa lei é criada por ele mesmo, quando faz escolhas morais imparciais e desinteressadas determinadas pela sua razão. 

·  Uma vontade autónoma é uma vontade puramente racional, que faz sua uma lei da razão, que diz a si mesma «Eu quero o que a lei moral exige”.

·   Ao agir por dever obedeço à voz da minha razão e nada mais.



Vontade Heterónoma

·  É a vontade que não cumpre o dever pelo dever. 

·  Não é uma boa vontade. 

·  O cumprimento do dever não é razão suficiente para agir tendo de se invocar razões externas como o receio das consequências, o temor a Deus, etc. 

·  A vontade submete-se a autoridades que não a razão.

·  É a vontade que é incapaz de vencer o conflito entre o dever e os interesses e inclinações sensíveis. 

·  Nestas circunstâncias, a vontade não tem a razão como fonte da obrigação e rege-se pelo que a religião ou a sociedade em geral pensam, o que é um sinal de menoridade moral.

 

Assim….

·        À capacidade do indivíduo agir de acordo com a lei moral denomina Kant de autonomia da vontade. 

       Autonomia da vontade porque o indivíduo não está a agir condicionado pelos seus interesses ou inclinações sensíveis, mas num puro respeito pela lei da sua própria consciência racional. 

       Ao obedecer à lei moral, estou a obedecer a uma lei da minha própria razão.

·        Kant denomina esta vontade que cumpre o dever pelo próprio dever de boa vontade. ( A autonomia da vontade identifica-se em Kant com o agir que cumpre o dever pelo próprio dever.)

·        Por sua vez, à incapacidade do indivíduo determinar a sua conduta pela lei moral chama Kant vontade heterónoma.

·        A vontade heterónoma é aquela que cumpre o dever, não por dever, mas por interesse, mas também a vontade que simplesmente não cumpre o dever.

 

Ex.: Cumprir o dever porque a sociedade o exige, porque Deus o requer ou porque os meus pais querem é, para Kant, aquilo que é próprio de uma vontade heterónoma, porque cumpro o dever, não por dever, mas por interesse (nos vários casos do exemplo apresentado, porque alguém – sociedade, Deus ou pais – me diz que devo cumprir o dever). 

[Nota: A vontade heterónoma em Kant identifica-se com o agir apenas em conformidade com o dever.]

 

Mas por que razão haveremos nós de obedecer à lei moral?

· Kant diria que a lei moral é uma lei da nossa razão e é a racionalidade que nos constitui como seres humanos e nos distingue das outras espécies.

· Ora, como nós não queremos agir como agem os animais das outras espécies, então o nosso dever enquanto seres humanos é o de agir de acordo com a lei moral.

·  Agir de acordo com a lei moral é aquilo que nos constitui como seres livres, porque não ajo condicionado por qualquer interesse ou inclinação, mas num respeito puro e incondicional à lei da minha própria razão.

· É este agir livre, enquanto pura obediência às ordens da nossa razão, que nos constitui igualmente como pessoas, seres com a capacidade de agir moralmente.




 Objeções à ética deontológica de Kant: 

• Kant pensava que a exigência de praticar apenas acções cujas máximas pudessem ser universalizadas garantia que as regras morais eram absolutas.

• Elisabeth Anscombe, uma filósofa inglesa do século XX, mostrou que Kant estar enganado neste ponto.

• O respeito pelo imperativo categórico não implica a obrigação de não mentir em todas as situações

• A ideia de que temos a obrigação de não mentir seja em que circunstância for não é fácil de defender.

• Kant acreditava que as regras morais serem absolutas é uma consequência de apenas serem permitidas as acções cujas máximas podem ser universalizadas.

• Isto levou-o a concluir que obrigações como respeitar a palavra dada ou não mentir, não dependem das circunstâncias, sejam quais forem as consequências.

• Um exemplo pode mostrar que Kant não tem razão.

• Durante a segunda guerra mundial, Helga esconde em sua casa uma amiga judia para evitar ser deportada para um campo de extermínio. Um dia, um oficial nazi bate à porta de Helga e pergunta onde está a sua amiga.

• Segundo Kant, Helga tinha o dever de dizer a verdade.

• A máxima “É permissível mentir” não pode ser universalizada: se todos mentissem ninguém acreditaria em nada e mentir deixava de ser eficaz.

• Mas a máxima “Mente na condição de isso permitir salvar a vida a um inocente” não tem este defeito.«, isto é, pode ser universal.


OUTRA OBJECÇÃO


Kant não responsabiliza o agente moral pelas consequências materiais da acção. Uma acção cuja intenção é boa, não pode ter directamente consequências nefastas. Mas esta acção de não mentir obedeceria ao dever mas teria consequências graves para a amiga de Helga. Logo, poderemos acusar esta teoria de formal ou ideal. 

Num mundo ideal "não mentir" seria sempre obrigatório mas no mundo real, "não mentir" pode ter consequências materiais graves, das quais o agente moral é também responsável. Os deveres morais não podem depender das circunstâncias porque se assim for há sempre justificação para não se cumprirem e a moral será uma quimera, uma mera ilusão. Mas o agente moral não é só responsável por si, também é responsável pelos outros e pela sua felicidade e bem estar. Esse princípio não é importante, porque consideraria Kant, não podemos legislar sobre a felicidade só sobre o que devemos fazer.


·  É uma  ética formal, ou seja, sem conteúdo - não diz o que devemos ou não fazer mas como devemos agir;

·  É universal ou universalizante - aplica-se a todas as situações, independentemente das circunstancias particulares;

·  Dificilmente dá resposta a situações de conflito - dilemas morais;

·   Defende princípios morais absolutos (nem sempre aplicáveis a situações concretas);

·   Desvaloriza a dimensão afectiva do homem (sensibilidade e inclinações que se exprimem nas máximas);

·   Compaixão, simpatia e piedade não são tidas em conta na ética de Kant ( so o sentido do dever é relevante para o agir moral);

·   Valoriza a razão como única dimensão humana (A lei moral é racional);

·   Não tem em conta as consequências da acçao, que em alguns casos sao importantes para a analise do valor moral de uma acçao;

·   E rigorista, tem um rigor excessivo não admitindo excepções;

·  Não busca a felicidade pois defende que esta é um ideal da imaginação e não da razão porque não há consenso acerca do que é a felicidade!

·  Dá pouca ajuda aos casos práticos da vida;

·  Se eu tenho o dever de proteger os amigos e de dizer a verdade - se um aspecto exigir a quebra do outro, como resolver os dois deveres em conflito?


Kant e Stuart Mill

Kant propõe um sistema ético baseado na deontologia, isto é, uma ética de princípios, que ele considera Moral, em contrapartida ao utilitarismo, que ele considera Imoral. Uma ação baseada na deontologia significa a capacidade do homem agir a partir de intenções intrinsecamente boas, por princípio, objetivando a busca da dignidade, sendo que todo esse processo deontológico é orientado pela razão e resulta num sistema Moral. Por outro lado, uma ação fundamentada no utilitarismo resulta num sistema Imoral porque o homem age em busca de resultados, de fins e de sua felicidade. Nesse processo ele se deixa guiar pelas inclinações e não pela razão. Nesse sentido, Kant afirma:

 [...] como condição suprema [...] de todos os fins, a Moral não necessita em geral de nenhum outro fundamento material de determinação do livre arbítrio, isto é, de nenhum fim, nem para reconhecer o que seja dever, nem ainda para impelir a que ele se leve a cabo; mas pode e até deve, quando se trata de dever, abstrair de todos os fins. (KANT, 2008, p. 11-12).




A ética consequencialista de Stuart Mill 


Antes de mais...

O que é que faz com que uma acção seja boa?

Uma acção é boa quando promove a felicidade. A felicidade é “única coisa desejável como fim” e, por isso, boa em si mesma. A felicidade é um estado de bem-estar, de prazer e ausência de dor ou sofrimento.

 

O que é que, segundo Stuart Mill, torna as acções boas ou más?

É boa a acção que trouxer maior felicidade para o maior número de pessoas.  A felicidade é o prazer e a ausência de dor, os únicos fins desejáveis

 

Qual o critério para  avaliar as acções?

O critério de moralidade, segundo Stuart Mill, são as consequências previsíveis da acção. Por isso, a Acção Moral ou boa é aquela que traz mais felicidade ao maior número de pessoas

 

Será que uma acção é boa porque, uma vez realizada, promove o bem de alguém?

Devemos procurar agir de forma a promover a felicidade de todos os que são afetados pela ação (incluindo a felicidade do próprio agente).

A minha ação é correta se promover de forma imparcial (ou seja, sem distinções) os interesses de todas e cada uma das pessoas implicadas pela ação, sendo o interesse de cada pessoa a obtenção da felicidade.

 

Qual a finalidade da moralidade, segundo Stuart Mill?

A finalidade da moralidade é a felicidade

O critério de moralidade das acções (o que torna uma acção boa) é a sua utilidade, o seu contributo para criar a maior felicidade

Fazer uma opção moral exige inventariação e avaliação das consequências possíveis para se poder escolher a que previsivelmente produzirá mais felicidade ou bem-estar

 

O que é uma acção moralmente correcta?

Para o utilitarista as acções são moralmente correctas ou incorrectas conforme as consequências: se promovem imparcialmente o bem-estar são boas. Isto quer dizer que não há acções intrinsecamente boas. Só as consequências as tornam boas ou más. 

Assim sendo, não há, para o utilitarista, deveres que devam ser respeitados sempre e em todas as circunstâncias. 

Se para a ética kantiana, alguns actos como matar, roubar ou mentir são absolutamente proibidos mesmo que as consequências sejam boas, para Mill justifica-se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir.

 

 

Quem é John Stuart Mill (1806-1873)?

Filósofo e economista britânico

Defende o Utilitarismo ou consequencialismo

A teoria utilitarista foi explicitamente desenvolvida a partir do século XVIII por Jeremy Bentham.

Mas foi no século XIX que John Stuart Mill lhe deu nova vida, sendo hoje uma das teorias éticas mais estudadas.

A tese principal defendida pelo utilitarismo é o Princípio da Maior Felicidade.

     O  Utilitarismo é uma ética consequencialista e é uma teoria hedonista.

 

Stuart Mill e Kant

 

“O motivo nada tem a ver com a moralidade da ação, embora tenha muito a ver com o valor do agente. Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo; quem trai a confiança de um amigo, é culpado de um crime, ainda que o seu objetivo seja servir outro amigo para com o qual tem deveres ainda maiores”. 

Stuart Mill, Utilitarismo

 

Para o utilitarista as acções são moralmente correctas ou incorrectas conforme as consequências: se promovem imparcialmente o bem-estar são boas. Isto quer dizer que não há acções intrinsecamente boas. Só as consequências as tornam boas ou más. Assim sendo, não há, para o utilitarista, deveres que devam ser respeitados sempre e em todas as circunstâncias. 

Se para a ética kantiana, alguns actos como matar, roubar ou mentir são absolutamente proibidos mesmo que as consequências sejam boas, para Mill justifica-se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir.

 

 Ética Consequencialista

 

Considera–se que a ética de Mill é consequencialista porque defende que o valor moral de uma ação depende das suas consequências.

É boa a ação que tem boas consequências ou dadas as circunstâncias melhores consequências do que ações alternativas.

A ação é avaliada pelas suas consequências e o motivo ou a intenção não são decisivos porque se referem ao carácter do agente e não à ação em si mesma.

Não há ações particularmente boas.

Para o utilitarista, as ações são moralmente corretas ou incorretas conforme as consequências: se promovem imparcialmente o bem-estar, são boas. Só as consequências as tornam boas ou más. Assim sendo, não há, para o utilitarista, deveres que devam ser respeitados em todas as circunstâncias.

Não há deveres morais absolutos.

O utilitarista defende uma perspetiva consequencialista – são as consequências de um ato que determinam se este é certo ou errado.

Concepção ética de índole utilitarista que considera que a moralidade de uma acção depende unicamente das suas consequências.

Defende que devemos escolher a acção que tem as melhores consequências globais. 

Utilitarismo - Teoria que propõe o Princípio da Maior Felicidade como único critério de moralidade.

 

Ética Hedonista

 

O princípio moral em que se baseia o utilitarismo é o princípio da Utilidade ou da Maior Felicidade.

Chama-se hedonismo (grego hédonê, prazer) a este tipo de concepção (prazer entendido como felicidade para o maior número de pessoas).

Todas as atividades humanas têm um objetivo último, isto é, são meios para uma finalidade que é o ponto de convergência de todas. 

Esse fim é a chamada felicidade ou bem-estar.

Procuramos em todas as atividades a que nos dedicamos viver experiências aprazíveis e evitar experiências dolorosas ou desagradáveis. 

Esta perspectiva que identifica a felicidade com o prazer ou o bem-estar tem o nome de hedonismo.

 

O principio da Utilidade ou da Maior Felicidade

 

“A doutrina que aceita como fundamento da moral a utilidade, ou princípio da maior felicidade, defende que as ações são corretas na medida em que tendem a promover a felicidade, e incorretas na medida em que tendem a gerar o contrário da felicidade". 

                                                                                   Stuart Mill, Utilitarismo

 

A tese principal defendida pelo utilitarismo é o Princípio da Maior Felicidade. 

O Principio da Maior felicidade ou Principio da Utilidade diz-nos que devemos agir de modo a que da nossa acção resulte a maior felicidade ou bem-estar possível para as pessoas por ela afectadas.

Uma acção boa é aquela que é mais útil, ou seja, a que produz mais felicidade para o maior número de pessoas.

Quando não é possível produzir felicidade ou prazer devemos tentar reduzir a infelicidade.

O principio da Utilidade é, para Stuart Mill, o Principio da Maior Felicidade.

 

Por princípio da utilidade, entendemos o princípio segundo o qual toda a ação, qualquer que seja, deve ser aprovada ou rejeitada em função da sua tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar das partes afetadas pela ação. (...) Designamos por utilidade a tendência de alguma coisa em alcançar o bem-estar, o bem, o belo, a felicidade, as vantagens, etc. O conceito de utilidade não deve ser reduzido ao sentido corrente de modo de vida com um fim imediato."

 Stuart Mill, Utilitarismo

 

Stuart Mill entende por  utilidade a tendência de alguma coisa em

alcançar o bem-estar, o bem, o belo, a felicidade e as vantagens.

 

"O credo que aceita a Utilidade ou o Princípio da Maior Felicidade como fundamento da moral sustenta que: As acções são justas na proporção em que tendem a promover a felicidade e injustas enquanto tendem a produzir o contrário da felicidade. Entende-se por felicidade o prazer e a ausência de dor; por infelicidade a dor e a ausência do prazer. O prazer e a ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins; e todas as coisas desejáveis são-no pelo prazer inerente a elas mesmas, ou como meios para a promoção do prazer e a prevenção da dor." 

                                                                                   Stuart Mill, Utilitarismo

 

 

O que é a Felicidade?

 

A Felicidade é o grande fim da vida humana e a sua promoção  é uma forma de avaliar a acção humana..

A felicidade é o critério da moralidade.

Para Stuart Mill a felicidade é o prazer e a ausência de dor.

Para o utilitarista a felicidade não é a própria felicidade do agente, mas a felicidade de todos os envolvidos na acção.

Para o  utilitarismo o agente da acção deve ser  estreitamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros assumindo-se como  um espectador desinteressado e benevolente.

 Devemos procurar agir de forma a promover a felicidade de todos os que são afetados pela ação (incluindo a felicidade do próprio agente).

A minha ação é correta se promover de forma imparcial (ou seja, sem distinções) os interesses de todas e cada uma das pessoas implicadas pela ação, sendo o interesse de cada pessoa a obtenção da felicidade.

A felicidade é o maior bem ou o bem ultimo e é a única coisa desejável como fim.

Todos os outros bens apenas são bons e desejáveis enquanto meios para aquele que é considerado o único propósito da acção - o prazer e ausência de dor.

Por exemplo: ouvir música ou ver um filme em boa companhia são bens desejáveis, mas só o são na medida em que são meios para um fim, o maior bem - a FELICIDADE.

A moralidade reside no esforço para maximizar a felicidade ou prazer e para alcançar tanta felicidade quanta nos for possível.

Temos de fazer escolhas que originem a maior felicidade para todos, considerando imparcialmente o bem estar de todos aqueles que são afectados pelas nossas acções.

 

“Se a natureza humana é constituída de forma a nada desejar que não seja ou parte da felicidade ou um meio para a felicidade, não podemos ter outra prova, e não precisamos de outra, de que estas são as únicas coisas desejáveis. A ser assim, a felicidade é o único fim da ação humana, e a sua promoção o teste por meio do qual se avalia toda a conduta humana; de onde necessariamente se segue que tem de ser o critério da moralidade”. 

Stuart Mill, Utilitarismo.

 

"Por felicidade entendemos o prazer, e a ausência de dor; por infelicidade, a dor, e a privação de prazer”. 

                                                                                   Stuart Mill, Utilitarismo

 

“Tenho de repetir, uma vez mais, que a felicidade que constitui o padrão utilitarista do que está correto na conduta não é a própria felicidade do agente, mas a de todos os envolvidos [. . . ]. O utilitarismo exige que o agente seja tão estreitamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros como um espectador desinteressado e benevolente.”

 Stuart Mill, Utilitarismo.

 

“A única prova de que um som é audível é que as pessoas o ouvem. (. . . ) Penso que, de modo semelhante, a única prova que é possível apresentar de algo é desejável, é as pessoas desejarem-no de facto. (. . . ) Nenhuma razão pode ser avançada para explicar por que razão a felicidade geral é desejável, excepto que cada pessoa, na medida em que pensa poder alcançar a sua própria felicidade, deseja-a. (. . . ) [Assim,] a felicidade de cada pessoa é desejável para essa pessoa e, a felicidade geral é, portanto, desejável para o conjunto de todas as pessoas (. . . ) e, consequentemente, um dos critérios da moralidade”. 

Stuart Mill, Utilitarismo.

 

 

Felicidade Geral ou Felicidade Individual?

 

Esse padrão [utilitarista] não é a maior felicidade do próprio agente, mas a maior porção de felicidade no todo. [. . . ] Pode ser, na sua máxima extensão, garantida a toda a humanidade; e, não apenas à humanidade, mas na medida em que a natureza das coisas o permitir, a todas as criaturas sencientes.”

                                                                                  

 Stuart Mill, Utilitarismo

 

A minha felicidade não é mais importante do que a felicidade dos outros.

O utilitarismo de Stuart Mill não defende que tenhamos de renunciar à nossa felicidade, a uma vida pessoal em nome da felicidade do maior número. 

Trata-se através da educação segundo o Princípio de Utilidade de abrir um espaço amplo para que a inclinação para o bem geral se sobreponha, com frequência cada vez maior, ao egoísmo.

O Princípio da Maior Felicidade em Stuart Mill exige que cada indivíduo se habitue a não separar a sua felicidade da felicidade geral sem deixar de ter projectos, interesses e vida pessoal.

Alguns críticos argumentaram que a teoria utilitarista é uma teoria que defende o egoísmo ético que só procurava a felicidade do próprio sujeito.

A felicidade de que fala o utilitarismo não é simplesmente a felicidade individual. Mas também não é a felicidade geral à custa da felicidade do agente.

A procura da felicidade tem um sentido altruísta e voltado para os outros.

Ao defender como única regra directiva da conduta da humanidade o princípio da máxima felicidade, recusa toda a actuação que se exerce em função exclusivamente das disposições e interesses individuais (egoísmo ético)

 

 

“A moralidade utilitarista reconhece, de facto, nos seres humanos o poder de sacrificarem o seu maior bem em prol do bem dos outros. Apenas recusa admitir que o sacrifício é, em si, um bem. A moralidade utilitarista considera desperdiçado qualquer sacrifício que não aumente, ou tenda a aumentar, a quantidade total de felicidade.” 

Stuart Mill, Utilitarismo.

 

Stuart Mill e os prazeres

 

Mas o que é que causa maior felicidade ou prazer?

 

Jeremy Benthan, filósofo inglês considerado o fundador do utilitarismo, defende um hedonismo quantitativo em que todas as fontes de prazer são equivalentes.

Por exemplo, a felicidade de amar alguém não é, em si mesma, superior ou inferior ao prazer que se obtém ao saborear uma boa refeição.

Tudo depende do grau de prazer, ou seja, da intensidade e da duração que se experimenta em cada situação - se a refeição provocar mais prazer, será mais valiosa.

Todos prazeres (e dores) são comensuráveis, ou seja, podemos fazer um cálculo da felicidade: • valor(p) = Intensidade(p) × Duração(p)

 A melhor vida é aquela que, depois de considerados todos os prazeres e dores que a constituem, apresenta o saldo mais positivo.

 

“Seria absurdo que a avaliação dos prazeres dependesse apenas da quantidade, dado que ao avaliar todas as outras coisas consideramos a qualidade a par da quantidade. (. . . ) É um facto inquestionável que aqueles que estão igualmente familiarizados com [dois prazeres], e são igualmente capazes de os apreciar e gozar, dão uma acentuada preferência ao modo de vida no qual se faz uso das faculdades superiores. Poucas criaturas humanas consentiriam em ser transformadas em qualquer um dos animais inferiores, a troco da máxima quantidade dos prazeres de um animal”.

 Stuart Mill, Utilitarismo.

 

Stuart Mill defende um hedonismo qualitativo

Mill defende que alguns tipos de prazeres são qualitativamente superiores a outros - ou seja, há prazeres intrinsecamente melhores do que outros. 

 

Os Prazeres Inferiores correspondem aos prazeres corpóreos, ou seja, dizem respeito à satisfação das necessidades físicas (comer, dormir, beber, sexo) 

 

Os Prazeres Superiores  correspondem aos prazeres intelectuais e emocionais, ou seja, dizem respeito à satisfação das necessidades mentais/espirituais (como a fruição da beleza, do conhecimento, da amizade e do amor, apreciar a beleza, a verdade, o amor, a liberdade, o conhecimento, a criação artística. ). 

 

Mas como sabemos que os prazeres intelectuais são superiores aos corporais?

 

Stuart Mill argumenta que um juiz competente, o qual tem experiência dos dois tipos de prazeres (intelectuais e corporais), não trocaria a oportunidade de fruir dos prazeres superiores por nenhuma quantidade de prazeres inferiores. 

Um juiz competente é aquele que tendo sido educado para a fruição de um vasto leque de prazeres, está familiarizado com ambos e consegue decidir qual dos 2 prazeres é o mais desejável – se houver divergência, deverá prevalecer a opinião da maioria.

Por exemplo, ainda que os prazeres de um porco fossem mais intensos e duradouros do que os de um ser humano, os de um ser humano seriam preferíveis aos de um porco, pois o porco apenas pode ter prazeres inferiores.

Stuart Mill dá preferência aos prazeres intelectuais (prazeres superiores) – prazeres que resultam do exercício das nossas capacidades intelectuais – sobre os prazeres sensíveis (prazeres inferiores), querendo com isso dizer que não troca uma vida de prazeres intelectuais por outra vida com um maior número de prazeres sensíveis. 

Para testemunhar isso mesmo, Stuart Mill exemplifica dizendo que preferia ser um «Sócrates insatisfeito» do que um «porco satisfeito», ou seja, é preferível uma vida fraca em prazeres intelectuais a uma vida cheia de prazeres sensíveis, porque os prazeres intelectuais são qualitativamente superiores aos prazeres sensíveis.

O prazer pode ser mais ou menos intenso e mais ou menos duradouro. Mas a novidade de Stuart Mill está em dizer que há prazeres superiores e inferiores, o que significa que há prazeres intrinsecamente melhores do que outros.

 

Mas o que quer isto dizer?

Simplesmente que há prazeres que têm mais valor do que outros devido à sua natureza. Stuart Mill defende que os tipos de prazer que têm mais valor são os prazeres do pensamento, sentimento e imaginação; 

Qualquer prazer destes terá mais valor e fará as pessoas mais felizes do que a maior quantidade imaginável de prazeres inferiores.

 

“É indiscutível que o ser cujas capacidades de prazer são baixas tem uma maior possibilidade de vê-las inteiramente satisfeitas; e um ser superiormente dotado sentirá sempre que qualquer felicidade que possa procurar é imperfeita, tendo em conta a maneira como o mundo é constituído. Mas ele pode aprender a suportar as imperfeições da sua felicidade. (. . . ) É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; um Sócrates insatisfeito do que um idiota satisfeito. E se o idiota, ou o porco, têm opiniões diferente, é porque apenas conhecem o seu lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados”. 

Stuart Mill, Utilitarismo.

 

Sintese

A felicidade ou bem-estar de um indivíduo consiste unicamente no prazer e na ausência de dor ou sofrimento. 

Assim, a felicidade consiste apenas em experiências aprazíveis (e a ausência de experiências dolorosas). 

Nem todos os prazeres têm o mesmo valor: alguns são melhores que outros. Mas porquê? 

Duas teorias que respondem a essa questão: 

A - Hedonismo quantitativo: O valor intrínseco de um prazer depende apenas da sua duração e intensidade. 

B - Hedonismo qualitativo: O valor intrínseco de um prazer depende sobretudo da sua qualidade.

 

 

EXERCÍCIOS

 

1 O que é o hedonismo?

2 Como difere o hedonismo de Bentham do hedonismo de Mill?

3 Como distingue Stuart Mill os prazeres inferiores dos superiores?

4 Segundo Stuart Mill, que prazeres são inferiores e que prazeres são superiores?

5 "O ser mais feliz é aquele que se sente mais satisfeito". Será que Stuart Mill concorda com esta perspectiva? Porquê?

 

EXERCÍCIOS

 

Considere-se duas vidas possíveis: 

(1) a vida de uma ostra, que contém apenas prazer físico ténue, mas que se estenderá por um milhão de anos; 

(2) a vida feliz de um  cientista que inventou a vacina para o covid-19, que terá a duração normal da vida humana. 

 

1 Segundo o hedonismo quantitativo, que vida será melhor? Porquê? 

2 Segundo o hedonismo qualitativo, que vida será melhor? Porquê? 

3 Que vida será melhor? Porquê?

 

 

Os Fins e os Meios

 

Para Stuart Mill, o fim – a felicidade geral – justifica frequentemente os meios. Na teoria utilitarista, há uma prioridade dos fins da ação em relação aos meios.

Para ele, é suficiente que a felicidade produzida com a ação seja superior ao sofrimento eventualmente provocado com a sua realização para que a ação tenha valor moral.

É neste sentido que há uma prioridade dos fins da ação, da maximização da felicidade para o maior número, sobre os meios, mesmo que a ação produza sofrimento a algumas pessoas.

 

 

 

Sintese

  • O utilitarismo defende o Princípio da Maior Felicidade 
  • De acordo com este princípio, uma ação é correta quando produz a maior felicidade para o maior número. Ou seja, quando maximiza imparcialmente o bem.
  • Aquilo que importa promover não é a felicidade do próprio agente (egoísmo ético), mas a felicidade geral ou bem-estar agregado (sendo indiferente a forma como o bem-estar está distribuído).
  • A melhor escolha será aquela que, de um ponto de vista imparcial, promove a maior felicidade geral. Ou seja, aquela que mais felicidade trouxer a um maior número de agentes morais.
  • Na avaliação de um ato, o que interessa são as melhores consequências (o que resultará desse ato); sendo irrelevante o motivo ou intenção do agente (a razão pela qual queremos fazer algo).
  • Assim, o utilitarista defende uma perspetiva consequencialista – são as consequências de um ato que determinam se este é certo ou errado.
  • Não há regras morais absolutas ou invioláveis.

 

 

Objeções à ética utilitarista de Mill:

 

  • Críticas ao hedonismo (máquina de experiências).Experiência Mental da máquina de experiências (de Robert Nozick) Imagine-se que vivemos num mundo em que todas as pessoas se encontram ligadas a sofisticadas máquinas que controlam os nossos pensamentos e sentimentos. Imagine-se também que as máquinas controlam as nossas experiências de forma a tornar as nossas vidas virtuais extremamente ricas em prazeres. Em tal mundo, temos uma vida repleta de sucesso e prazer, sem nunca termos de enfrentar obstáculos ou dissabores. Imagine-se ainda que este mundo seria pleno de todo o tipo de prazeres, superiores e inferiores. Seria uma boa ideia estar ligado à máquina de experiências? 
  • De acordo com Robert Nozick (1974): • Não é verdade que uma vida seja boa apenas devido às experiências agradáveis que a constituem. • A autenticidade das nossas experiências é algo intrinsecamente valioso. • Uma vida constituída por experiências ilusórias, ainda que que muito agradáveis, tem menos valor do que uma vida real.

  • O utilitarismo é uma ética demasiado exigente. Se um ato não contribui no máximo grau possível para a felicidade geral, então é errado. Assim, devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para contribuir para o bem-estar de todos. Utilitarismo é demasiado exigente. Mas, esta perspetiva não exigirá de nós um altruísmo extremo? Não nos obrigará a fazer sacrifícios excessivos para benefício dos outros?

  • Um exemplo: Imagina que tens 50 euros no banco e que estás a decidir como hás-de gastá-los. Como gostas muito de ver filmes, tencionas gastar esse dinheiro em bilhetes de cinema. Mas, como tu és um utilitarista, o que deves fazer: gastar esse dinheiro em bilhetes de cinema ou doá-lo a instituições de caridade para ajudar a combater a fome? Qual é a ação que maximiza o bem e contribui para o bem-estar geral? Um utilitarista diria que gastar esse dinheiro em bilhetes de cinema provavelmente não gerará um estado de coisas tão bom como dar esse dinheiro a instituições de caridade; logo, deve-se doar este dinheiro a uma instituição de caridade.

· Se o utilitarismo fosse verdadeiro, então teríamos o dever de dedicar a nossa vida a gerar o melhor estado de coisas possível, e não teríamos muita oportunidade para tentar desenvolver os nossos projetos pessoais (como ir ao cinema, fazer um curso, comprar livros, etc. . . ). • Assim, se seguirmos o utilitarismo, parece que teremos que redefinir radicalmente a nossa vida, prescindindo de quase tudo o que apreciamos para benefício dos outros. • Teremos de sacrificar o nosso bem-estar até àquele ponto em que sacrificá-lo ainda mais não resultaria numa maior felicidade geral. a a

Uma resposta é dizer que o critério utilitarista de maximização imparcial do bem apenas nos dá um ideal orientador.

  • O utilitarismo é uma ética demasiado permissiva. A felicidade geral pode ser o melhor dos fins, mas nem sempre os fins justificam os meios; ou seja, existem certas formas de maximizar o bem que não são eticamente permissíveis. 

  • Um exemplo: A Sara é uma cirurgiã especializada na realização de transplantes. No hospital em que trabalha enfrenta uma terrível escassez de órgãos – cinco dos seus pacientes estão prestes a morrer devido a essa escassez. Onde poderá ela encontrar os órgãos necessários para salvá-los? O Jorge está no hospital a recuperar de uma operação. A Sara sabe que o Jorge é uma pessoa solitária – ninguém vai sentir a sua falta. Tem então a ideia de matar o Jorge e usar os seus órgãos para realizar os transplantes, sem os quais os seus pacientes morrerão.

  • Problemas do cálculo da utilidade: Segundo o utilitarismo dos atos temos de realizar o cálculo das consequências favoráveis e desfavoráveis de uma ação. Dificuldades de realizar o cálculo das consequências • Pressupõe que todos os prazeres e dores, de variáveis tipos e sentidos de diferentes formas por diversas pessoas, podem ser reduzidos a alguma escala puramente numérica. Mas isso é implausível. • O cálculo também pressupõe que podemos saber quais são as consequências prováveis das ações. Porém, não parece que se consiga prever com plausibilidade as consequências a longo prazo.
  • Será possível quantificar a felicidade?
  • Será possível prever todas as consequências possíveis de uma acção?
  • Não será uma exigência excessiva a obrigação da imparcialidade?
  • Será que o utilitarismo não nos poderá conduzir a consequências moralmente inaceitáveis pela excessiva  obrigação da imparcialidade?

LOLA

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