Retenções: sim ou não?
Porque sou a favor das retenções
Como se
sentirá um aluno que chega ao 3.º ano e é o único de 20 que ainda não lê? Que
autoestima terá quando olhar para o lado e se confrontar com o conhecimento bem
mais evoluído dos colegas?
No passado
dia 1 de junho, a colega Alexandra Silva escreveu
um artigo, aqui no Observador, onde explicava porque era contra a retenção de
alunos.
Discordando eu dessa opinião, tentarei explicar, nas próximas linhas, as razões
pelas quais sou a favor das retenções.
A retenção
de alunos é um tema polémico na área da educação, com defensores e críticos,
geralmente, fervorosos. No entanto, gostaria de apresentar a minha visão como
alguém que acredita que a retenção pode trazer benefícios significativos para o
desenvolvimento educativo dos estudantes. Ao afastar o facilitismo da escola e
valorizar o rigor, a exigência, a cultura do esforço e do empenho, podemos
proporcionar uma base sólida para o sucesso académico e pessoal dos alunos, em
qualquer ano escolar.
Defender a
retenção não é um ato de maldade ou insensibilidade, significa, na realidade,
reconhecer e valorizar o mérito e o esforço dos alunos. A retenção, quando
aplicada com critérios claros, pode premiar aqueles que se dedicam e se
empenham nos estudos, motivando-os a continuar a procurar o sucesso académico.
Para além
disso, também ajuda a combater o facilitismo, um problema cada vez mais
recorrente nas escolas públicas portuguesas. A promoção quase automática de
alunos sem a devida aquisição de conhecimentos, mascarada de medidas de suporte
à aprendizagem, contribui para a desvalorização do ensino e prejudica a
formação de indivíduos aptos para o mercado de trabalho e para a sociedade.
A retenção
pode proporcionar aos alunos uma oportunidade de desenvolver habilidades
socioemocionais, como resiliência, perseverança e responsabilidade. A
experiência de enfrentar desafios académicos e superá-los pode fortalecer o
caráter dos estudantes, preparando-os para os obstáculos futuros. As dificuldades
não se combatem com a diminuição dos obstáculos, mas sim com ajuda para os
conseguir transpor.
Ao reter
alunos, as escolas podem e devem oferecer um ensino mais personalizado,
adaptado às necessidades individuais de cada estudante. A chamada personalização
do ensino é essencial para garantir que todos os alunos alcancem o seu
potencial máximo, permitindo-lhes progredir de acordo com o seu ritmo de
aprendizagem. Respeitar o ritmo de aprendizagem é exatamente aceitar que
determinado aluno possa não estar academicamente preparado para transitar de
ano e nessa altura a sua passagem pode ser mais prejudicial do que benéfica.
Como se sentirá um aluno que chega ao 3.º ano e é o único de 20 que ainda não
lê? Se há quem defenda que reter pode traumatizar, eu defendo que transitá-lo
sem conhecimentos traumatiza muito mais. Que autoestima terá este aluno quando
olhar para o lado e se confrontar com o conhecimento bem mais evoluído dos
colegas?
Por essa
razão considero que a retenção de alunos permite que eles adquiram uma base
sólida antes de avançarem para o próximo ano escolar, sendo que essa é
essencial para o sucesso contínuo dos alunos, evitando lacunas de conhecimento
que podem comprometer o seu desempenho académico ao longo da escolaridade.
Quantos de nós já não ouvimos os colegas, até do ensino superior, queixarem-se
de que os alunos chegam cada vez mais mal preparados? Não é legítimo fazer uma
ligação direta com o facto de as retenções serem apenas possíveis em casos
excecionais, conforme consta na atual lei?
A transição
automática desvaloriza a importância do processo de aprendizagem e não apenas
do resultado final. O foco no esforço contínuo e na aquisição efetiva de
conhecimentos é fundamental para o desenvolvimento intelectual dos alunos,
tornando-os estudantes críticos e autónomos. Não deveria ser esse um dos
propósitos da escola?
A escola tem
a obrigação social de garantir que determinado sujeito, a quem dá a
certificação, adquiriu verdadeiramente o conhecimento e as capacidades que era
suposto ter adquirido ao longo da sua frequência escolar. Certificando sem essa
garantia é mentir à sociedade e não cumprir com o seu propósito!
Ao tomar a
decisão de reter um aluno, é necessário envolver os pais e responsáveis,
criando um diálogo aberto e construtivo para apoiar o desenvolvimento académico
e pessoal do estudante.
A retenção
promove uma cultura de exigência e responsabilidade, tanto por parte dos alunos
quanto dos professores. Por essa razão é essencial estabelecer padrões elevados
de desempenho e responsabilizar os alunos pela sua própria aprendizagem,
incentivando-os a superar os desafios e a alcançar metas graduais e cada vez
mais altas.
Por fim, a
retenção prepara os alunos para os desafios da vida adulta. A escola tem a responsabilidade
de formar cidadãos competentes e preparados para os desafios da sociedade. Ao
valorizar o rigor, a exigência e o empenho, a retenção contribui para a
formação de indivíduos capazes de enfrentar os obstáculos da vida com
resiliência e determinação.
In OBSERVADOR
Alberto Veronesi (professor do 1º
ciclo)
06 jun. 2023, 00:121
Porque sou contra a retenção de alunos
Vista muitas vezes como medida
necessária para garantir a qualidade de ensino e o desenvolvimento das aprendizagens,
a prática de chumbar de ano assoma-se mais como medida punitiva.
Se, aos 15 anos, um aluno está no
3.º ciclo e já conta com três retenções escolares, todo o sistema educativo,
social e familiar teve de falhar. Um aluno com este percurso escolar é,
certamente, um Soldadinho a quem não foi feita uma perna, por falta de chumbo,
como na famosa história de Hans Christian Andersen.
A retenção de alunos em anos que não
sejam os de final de ciclo está regulamentada e deve fazer-se apenas “a título
excecional”. Apesar de nós professores termos isto em mente, o debate sobre
chumbar ou não certos alunos – que não desenvolveram aprendizagens, faltaram às
aulas, não apresentaram materiais necessários, tiveram comportamentos incorretos,
entre outros – volta a surgir à medida que nos aproximamos do final de ano
letivo. Se para os finais de ciclo as regras são explícitas (e com o regresso
dos exames finais de 9.º de Português e Matemática a contar), nos outros anos
as contas podem ficar mais complicadas. Transitamos alunos com sete níveis
inferiores a três e outros com apenas quatro níveis inferiores a três ficam
retidos.
Então o que estamos a avaliar?
Domingos Fernandes tem desenvolvido
amplo trabalho nesta área e procurado distinguir avaliação pedagógica,
classificação e notas, sustentando a importância e diferença da avaliação
formativa (avaliação para as aprendizagens) e da avaliação sumativa (avaliação
das aprendizagens). Prendo-me naquilo a que vulgarmente chamamos “as notas” de
final de ano letivo e que podem decidir o futuro académico de um aluno. Nesse
valor reflete-se o conhecimento adquirido e as competências desenvolvidas pelos
estudantes. Ora, se um aluno não atingiu esses requisitos mínimos, a transição
automática dá ideia de facilitismo, aceitação da mediocridade ou mesmo de um
plano economicista do Governo.
Não o considero. De acordo com
vários investigadores os efeitos da não transição de ano letivo em pouco ou
nada favorecem o desempenho académico dos alunos no futuro. Pelo
contrário. O
estudo Reviews of School Resources: Portugal 2018 mostrava
que cerca de 34% dos alunos de 15 anos chumbaram pelo menos um ano, quase três
vezes mais que a média da OCDE (12%) e que um dos seus principais impactos era
o abandono escolar precoce. Outros estudos internacionais confirmam também que
chumbar de ano, em Portugal, é um fator fortemente influenciado pelo estatuto
socioeconómico do aluno. De acordo com o PISA 2015, mais de 50% dos alunos de
15 anos de meios carenciados repetem pelo menos uma vez de ano. Reiteram ainda
que alunos oriundos de contextos desfavorecidos têm uma probabilidade quatro
vezes superior de ficar retidos. E que os impactos psicológicos, anímicos e
relacionais são brutais, comparáveis até com algo como a perda dos pais.
Moral da história. Vista muitas
vezes como medida necessária para garantir a qualidade de ensino e o
desenvolvimento das aprendizagens, a prática de chumbar de ano assoma-se mais
como medida punitiva (“eu bem vos andei a avisar” – quem nunca disse?). Revela
problemas de um sistema educativo que começam no pré-escolar e que se vão
acumulando ao longo de anos de passagem por ambientes pouco propícios à
aprendizagem (familiares e/ou escolares). É um mecanismo promotor de
maus-tratos tantas vezes já existentes (“se chumbar, dou-lhe uma sova” – quem
nunca ouviu?). Encobrem processos de avaliação que podem ser injustos e
subjetivos, pois os referenciais e instrumentos de avaliação variam entre
instituições de ensino, escolas e mesmo de turma para turma, consoante os
professores.
Não defendo o chumbo, reprovação,
retenção, não transição, como lhe queiramos chamar, como estratégia de
aprendizagem. Só um ensino mais focado no aluno, personalizado, com programas
de recuperação contínua, de modo a permitir que os estudantes avancem gradualmente,
sem a punição de chumbar de ano. Defendo o direito a uma Educação de qualidade,
que deve ser de acesso livre, equitativo, e que conduza a resultados de
aprendizagem relevantes e eficazes, como reforça um dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável. Só assim, creio, a Escola pode auxiliar os que
fizeram o caminho sem uma perna a não se atirarem para a fogueira. O teste
adaptado não basta e a inclusão é para todos.
In OBSERVADOR
Alexandra
silva
Professora
do 3.º Ciclo e Secundário
01 jun. 2023, 00:121
LOLA
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