quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Argumentação e Auditorio



 Argumentação e Auditorio



 A argumentação não se confunde com a demonstração: enquanto esta não exige um auditório para ser concretizada ou construída, aquela depende dele para se concretizar plenamente. A argumentação é, por definição, diálogo de ideias entre dois sujeitos; a demonstração é, pelo contrário, um exercício racional monologado ou impessoal. No primeiro caso, prevalece uma relação entre um Eu e o Outro a quem se tenta influenciar de algum modo; no segundo caso, subsiste a relação de um Eu com as leis da lógica, sendo o próprio sujeito o primeiro a ter de ser convencido das teses a demonstrar (só em circunstâncias especiais a demonstração exige um auditório, como na defesa de uma tese académica, por exemplo). Naturalmente, existem situações monodramáticas que não pressupõem a existência física de um destinatário da argumentação, conquanto um sujeito pode argumentar para si próprio, em qualquer processo de autognose. (A díade Eu/Outro não deixa, pelo menos em termos psicanalíticos, de se poder aplicar a esta situação do sujeito que argumenta sem auditório em vista, sendo o Outro aquela entidade abstracta que motiva a argumentação.) Na situação comum, quem argumenta deve ter um certo conhecimento do auditório a quem se dirigeQuanto maior for esse conhecimento maiores serão as probabilidades de êxito das teses defendidas. O perfil do destinatário da argumentação tem de ser previamente estudado ou ponderado, já que as qualidades oratórias do arguente, por si só, não são suficientes, sobretudo se o discurso for entendido de forma autotélica. Por esta razão, Aristóteles dedica o segundo livro da Retórica à caracterização do perfil do auditório na argumentação, segundo os critéros da idade, do nascimento, da fortuna e do poder. Toda a argumentação pressupõe, portanto, um ajustamento às características do seu destinatário último. 





Por exemplo, se o auditório for composto por pessoas com uma formação cultural e literária geral e não especializada, a melhor estratégia de comunicação será a de recorrer a lugares-comuns que possam ser reconhecidos por todos. O senso comum, nesta situação, é mais importante do que o alarde de erudição sem eco. As homilias públicas utilizam muito este tipo de estratégia, apelando a valores universais (o bem, a justiça, a liberdade, a fé,…) que todos facilmente aceitam em qualquer argumentação. 



Este foi o chamado “método português de pregar” do Padre António Vieira, que, seguindo a norma da época, desenvolvia a argumentação dos seus sermões recorrendo a “conceitos predicáveis”. Veja- se o clássico Sermão da Sexagésima (1655), que se inicia com um conceito predicável depois desenvolvido: Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo, que saiu o Pregador Evangélico a semear a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus. (….)” (Sermões do Padre António Vieira, apres. de Margarida Vieira Mendes, Comunicação, Lisboa, 1982, p.127). Esta é uma técnica de argumentação que pressupõe uma estética da recepção totalmente controlada pelo orador. Os argumentos utilizados e ilustrados com lugares-comuns bíblicos só têm eficácia porque é suposto que o auditório conheça e aceite pacificamente as verdades morais apresentadas pelo orador. Se para os mesmos valores, estivermos a falar para um auditório especializado, precisaremos de os definir com maior precisão e contextualizá-los na história do pensamento, eventualmente comentando os diferentes sentidos canonizados. 

Na situação de extrema exigência, disse-o alegoricamente Platão, uma argumentação filosófica deve ser capaz de convencer até os deuses.


 A argumentação não age sobre evidências. O que é evidente não necessita nem de demonstração nem de apresentação de argumentos a favor ou contra. A argumentação não pode ser a afirmação da verdade, porque todo o verdadeiro diálogo nunca esgota a possibilidade de investigação da verdade. Na crítica pós-estruturalista, assume-se que toda a leitura de um texto é impossível de ser definitiva e que o sentido de um texto jamais pode ser determinado ou fixo. Da mesma forma, a argumentação não pode partir do pressuposto de que uma conclusão retórica seja, por definição, a conquista de uma verdade universal. Argumentar é procurar coerência onde existe dúvida, é descortinar sentido num paradoxo, mas também pode ser dar sentido a uma absurdidade ou a uma contradição. Nisto se distingue do dogmatismo, pois não parte para a discussão com a certeza de verdades de facto e de razão. No discurso argumentativo, não se pode assumir que uma verdade, seja contingente ou necessária, jamais possua um oposto. A anulação do oposto de uma verdade pressupõe a anulação da própria potencialidade da argumentação. Mas para que seja convincente, a argumentação precisa de um elevado grau de credibilidade. Tal é inexequível no discurso dogmático, onde apenas prevalecem as verdades ditas universais e impossíveis de contrariar.
 A argumentação é, por definição necessária, sobretudo contestação. Como afirma o Padre António Vieira, no final do supracitado Sermão da Sexagésima, em termos que se podem estender a toda a argumentação crítico-literária“A pregação que frutifica, a pregação que aproveita, não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que dá pena. (….) quando o ouvinte vai do sermão para casa confuso e atónito, sem saber parte de si, então é a pregação qual convém” (op. cit., p.173). Se nada houver para contestar num texto, nada fica para argumentar. Hoje, todos os quadrantes da crítica parecem concordar que não mais é possível governar o sentido de um texto literário, pelo que dele não poderemos dizer que é incontestável. Não devemos confundir contestação com destruição arbitrária das ideias de um texto. Se as premissas da argumentação estiverem erradas, ela será sempre falaciosa.



 Se na argumentação não se pode garantir a certeza absoluta de uma tese, nada nos impede de tentar convencer um auditório do contrário. Essa é uma estratégia retórica que vem desde a antiga sofística. Contudo, toda a argumentação deve fundar-se no razoável e não admitir a arbitrariedade das posições. A determinação do que é razoável numa argumentação é tanto da responsabilidade do arguente como do auditório, cabendo a este a confirmação final de toda a razoabilidade das teses propostas. Além disso, exige-se que a razoabilidade seja combinada com a total coesão dos argumentos. Terá sempre de existir uma grande solidariedade entre esses argumentos razoáveis e as convicções do auditório. Para atingir o fim da razoabilidade pode, em qualquer caso, o arguente utilizar figuras de retórica ou outros artifícios de linguagem e composição que acompanham, regra geral, todo o texto argumentativo. 

Como argumentar?
A diversidade dos argumentos apresentados é essencial para o mesmo fim. Pode, neste caso, o orador usar:
 argumentos analógicos, 
 argumentos de autoridade, 
 argumentos indutivos



Lola

Sem comentários:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...