Giordano Bruno
Filósofo, astrônomo
e matemático, importante pelas suas teorias sobre o universo infinito e a
multiplicidade dos sistemas siderais, rejeitou a teoria geocêntrica
tradicional e ultrapassou a teoria heliocêntrica de Copérnico que ainda
mantinha o universo finito com uma esfera de estrelas fixas. Embora tais campos
não existissem ainda na ciência, pode-se dizer que Bruno esta interessado na
natureza das idéias e do processo associativo na mente humana. Por outro lado,
está fascinado em envolver com um embasamento filosófico as grandes descobertas
científicas de seu tempo.
Nascido em Nola
(motivo de ser chamado o Nolano), província de Nápoles, na Campônia, Itália
Meridional, em 1548, recebeu no batismo o nome de Filippo Bruno.
O sul da Itália era
domínio de Carlos V (Sacro Império), depois de Felipe II da Espanha, seu filho.
Essa dominação vai de 1529 a 1700. Nápoles era baluarte espanhol contra os
mouros. Governada por um Vice Rei (Pedro de Toledo na época de Carlos V). Porém
já nessa época, devido a descoberta de novas rotas marítimas, a importância do
mediterrâneo para o comércio acaba.
Bruno era filho de
João Bruno, militar, e Flaulissa Savolino. Foi para Nápoles em 1562, estudar
humanidades, lógica e dialética.
São muitas as
influências apontadas que Giordano Bruno teria sofrido durante o período de sua
formação. É especialmente atraído pelas novas correntes de pensamento, entre as
quais as obras de Platão e Hermes Trismegistus, ambos muito difundidos na
Itália ao início do Renascimento. É a época dos mais acesos debates no Concílio
de Trento (1545-1563), convocado pelo papa Paulo III para discutir estratégias
na contra reforma protestante. Possivelmente as discussões ousadas que ocorriam
em Trento, sobre temas controversos da religião e da filosofia, das quais com
certeza tinha notícias no convento, influíram no espírito de Giordano Bruno.
Ficou impressionado com as aulas de G. V. de Colle, filósofo de tendência
averroísta (Aristotélico segundo a interpretação de Aristóteles pelo muçulmano
Averroes) como também com o que leu sobre métodos de memorização (Mnemotécnica).
Quanto aos métodos
de memorização, Giordano Bruno foi muito influenciado pelo pensamento de
Raimundo Lúlio (1235-1316), de Maiorca, místico catalão e poeta autor de um
manual da cavalaria, Ars Magna ("A grande Arte"), "A Árvore da
Ciência", Liber de ascensu et descensu intellectus ("O Livro da
subida e da descida do intelecto") descrevendo estágios do desenvolvimento
intelectual no entendimento na compreensão de todos os seres através do método
da sua arte. Assim como Santo Agostinho, Lúlio fez corresponder os três poderes
da alma como imagens da trindade no homem. Como intelecto, era a arte de
conhecer, como vontade a arte de amar e como memória a arte de recordar. Teve
visões de Cristo que o levaram a deixar a vida de casado e da corte, e adepto
de São Francisco pregou no norte da África e oriente tentando converter
muçulmanos ao catolicismo. Lúlio viu o universo inteiro refletindo os atributos
de Deus. Teve então a idéia de reduzir todo o conhecimento a princípios simples
com uma convergência de unidade. Teria sido martirizado a pedradas no norte da
África.
Outra influência
sobre Bruno, versando o mesmo campo, supõe-se que foi a de Giovanni Battista
Della Porta, um erudito napolitano que publicou um livro importante sobre
mágica natural. Nessa área, porém, talvez a influência predominante sobre
Giordano Bruno tenha sido a da antiga religião egípcia do culto ao deus Toth,
escriba dos deuses, inventor da escrita e patrono de todas as artes e ciências,
e identificado com o deus grego Hermes Trismegisto (Três vezes grande) pelos
neoplatônicos. As obras de Platão e também a Hermética, que é o conjunto dos
segredos revelados por Hermes-Toth que constituem as ciências ocultas e
astrologia a nível popular, e certos postulados de filosofia e teologia a nível
erudito, - introduzidos em Florença por Marsilio Ficino ao final do século
anterior.
Em 1565, aos 17
anos, Bruno recebe hábito de São Domingos, no convento de San Domenico Majore,
em Nápoles (onde São Tomas de Aquino havia lecionado), ocasião em que muda o
nome para Giordano. Ordenado sacerdote em 1572, continuou no convento seus
estudos de teologia, que concluiu em 1575. Intolerante com a ignorância dos
colegas de claustro; aborrecia-se com as discussões de sutilezas teológicas.
Leu dois comentários proibidos de Erasmus e discutia desassombradamente a
heresia de Ariano, que negava a divindade de Cristo. Sua excepcional habilidade
com a arte da memória viria a atrair tutores, e foi levado a Roma para
demonstrar suas habilidades ao Papa.
As suas tendências
heterodoxas provocaram censuras e admoestações e por fim chama a atenção da
Inquisição em Nápoles. Em 1576 deixou a cidade para escapar a um processo de
heresia instaurado pelo Provincial da ordem. Fugiu para Roma onde foi vítima de
uma acusação improcedente de assassinato. Um segundo processo de excomunhão em
Roma fez com que fugisse novamente. Deixou o hábito dominicano e perambulou
pelo norte da Itália por mais de um ano. Em 1578, viajou para a França e Suiça,
onde, em Genebra, ganhava a vida fazendo revisão de textos. Abraçou o
calvinismo, talvez apenas por conveniência por se achar em um país calvinista,
porque logo publicou um escrito em que criticava um professor calvinista.
Discorda da tese calvinista da justificação por meio da fé e não das obras, o
que significa desvalorização e desprezo de toda caridade, misericórdia e
justiça. A reação dos calvinistas foi rigorosa: foi preso e excomungado, porém
retratou-se e assim lhe foi permitido deixar a cidade. Vai para a França. Passa
2 anos (1579-1581) em Toulouse, onde consegue nomeação para uma cátedra de
filosofia; lá tentou, sem sucesso, ser absolvido pela Igreja Católica. A esta
altura é um homem sem pátria e sem Igreja.
Um dos interesses
de Bruno é a Arte Combinatória Luliana. A arte luliana busca construir um
sistema de relações entre as idéias as quais diz Lúlio, apoiando-se em Platão,
que existem e são interligadas na construção da realidade. Atua por meio de
táboas e figuras. Determina os elementos primeiros do pensamento: sujeitos e
predicados, e os representa por meio de letras que constituem "o alfabeto
da grande arte". Dispõe essas letras em uma espécie de tábua pitagórica, e
as escreve em triângulos, círculos que se sobrepõe e faz rodar para conseguir
todas as diferentes combinações possíveis. As combinações formam o silabário e
o dicionário da grande arte. Acreditava-se que, depois de conhecidas todas as
maneiras de combinar os sujeitos com os predicados, se teria a possibilidade de
responder a todas as perguntas que a mente humana pode fazer. Mas toda a sua
construção gira em torno dos gonzos de um princípio filosófico platônico, isto
é, que as nossas idéias por serem sombras das idéias eternas, estão vinculadas
reciprocamente, como essas, em cadeias cujos elos são partes de um sistema
único total e por isso podem iluminar-se mutuamente, pois é uma só a luz que
resplandece em todas. (Leibniz depois retoma essa linha).
Fiel a sua
primeiras leituras sobre a teoria luliana, quando professor na universidade de
Toulouse Bruno escreve um livro: Clavis Magna ("A grande chave")
sobre o assunto. De Toulouse seguiu para Paris, em 1581. Em Paris começou a dar
aulas de filosofia. Não era incomum para os eruditos vagar de lugar para lugar,
buscando alunos e protetores abastados. Ele fazia contactos facilmente e podia
interessar qualquer grupo que encontrasse com o fogo de suas idéias.
Em Paris Bruno
encontrou ambiente favorável para trabalhar e lecionar. Reina Henrique III
(n.1574-89), filho de Henrique II e Catarina de Medici, nascido em 1551 e
falecido assassinado em 1589. Era o filho favorito, o que melindrava seu irmão
que veio a ser Charles IX. A mãe Catarina de Medici planejou a noite de São
Bartolomeu (24 de agosto de 1572), um massacre de protestantes. Foi por breve
tempo rei eleito da Polônia, voltando para a França (1574) para assumir o trono
após a morte do irmão Charles IX. Casou dois dias depois de coroado (1575) com
Louise de Vaudémont, mas não teve filhos.
A corte francesa
era bastante livre, quanto aos costumes. O rei tinha um grupo de amigos
(rapazes bonitos) que chamava meus pequenos (mignons) com os quais se entregava
a divertimentos suspeitos. Extravagante, Henrique III levou as finanças do
reino à ruína; por todo o seu reinado a França esteve mergulhada na guerra das
religiões, católicos contra huguenots (simplesmente protestantes, não se sabe a
origem do nome). A reputação de Bruno chegou ao conhecimento Henrique III, que
ficou curioso de conhecer essa nova atração filosófica e descobrir se a arte de
Bruno era de um mágico ou de um bruxo. Bruno gozava a reputação de um mágico
que podia dotar a pessoa de uma grande retenção de memória, mas demonstrou ao
rei que seu sistema era baseado em conhecimento organizado. Bruno encontrou um
verdadeiro protetor em Henrique III. A corte era dominada por uma facção de
católicos tolerantes, simpatizantes do rei de Navarra, o protestante Henrique
de Bourbon, sucessor presuntivo do rei.
A posição religiosa
de Bruno afinava com o grupo, motivo de ser bem aceito na corte e receber a
proteção de Henrique III. As artes combinatória e mnemônica são objeto de
curiosidade. O rei se interessa pela arte combinatória. Bruno desperta a inveja
dos professores por ser popular e admirado. O rei concede-lhe uma renda
especial, nomeando-o um de seus "Leitores reais". Foi por essa
ocasião que um dos primeiros trabalhos de Bruno foi publicado De Umbris
Idearum, ("A sombra das idéias") logo seguido por Ars Mernoriae
("Arte da memória"). Nestes livros ele sustentava que a idéias eram
somente sombras da verdade.
No mesmo ano um
terceiro livro surgiu: De architetura et commento artis Lulli ("Sobre a
Arte de Lúlio e comentário"). Lúlio havia tentado provar os dogmas da
Igreja por meio da razão. Bruno nega o valor desse esforço mental. Ele
argumenta que o Cristianismo é inteiramente irracional, que é contrário à
filosofia e que contraria outras religiões. Salienta que nos o aceitamos pela
fé, que a assim chamada revelação não tem base científica.
No seu quarto
trabalho Bruno escolhe a feiticeira de Homero, Circi, que mudava homens em
bestas e faz Circi discutir com sua criada o tipo de erro que cada besta
representa. O livro Cantus Circaeus mostra Bruno trabalhando com o princípio da
associação de idéias, e continuamente questionando o valor dos métodos de
conhecimento tradicionais.
Em 1582, com a idade
de 34 anos, ele escreveu uma comédia em italiano, Il Candelajo , um fabricante
de velas que sai a anunciar seus produtos com gritos e estardalhaço: "...
as velas que fiz nascer, as quais iluminarão certas sombras de idéias...O tempo
dá tudo e tudo toma, tudo muda mas nada morre... Com esta filosofia meu
espírito cresce, minha mente se expande. Por isso, apesar de quanto obscura a
noite possa ser, eu espero o nascer do dia... Alegrem-se, portanto, e mantenham
união, se puderem, e retribuam o amor com amor." Nessa peça faz uma
representação eloqüente da sociedade napolitana contemporânea, como um protesto
contra a corrupção social e moral da época.
Na primavera de
1583, não obstante a cordial acolhida que lhe fora dispensada em Paris pelo rei
e pelos espíritos desvinculados do aristotelismo, Bruno resolve sair da França.
Seja porque não pudesse mais sustentar sua popularidade em Paris, ou por que a
cada dia se tornava mais grave a ameaça de uma renovação da guerra civil, em
abril de 1583 Bruno mudou-se para Londres, com uma carta de apresentação de
Henrique III para seu embaixador para as ilhas britânicas, Michel de Castelnau.
Sob a rainha
Isabel, a Inglaterra vivia um Renascimento tardio. A rainha, filha de Henrique
VIII e Ana Bolena, nasceu 1533. Terceira na linha de sucessão de seu pai
Henrique VIII, reinou de 1558 a 1603, depois de seu irmão doente Eduardo VI e
depois de sua irmã mais velha Maria I, que foi casada com Felipe II de Espanha.
É possível que o brilho do período elisabetano tenha atraído Giordano Bruno à
Inglaterra. Pronunciou em Oxford uma série de conferencias no verão do mesmo
ano nas quais expunha a teoria de Copérnico mantendo a realidade do movimento
da terra. Oxford, como as demais universidades europeias da época, cultivava a
reverência escolástica pela autoridade de Aristóteles. Bruno, ao seu modo
impetuoso, pregava que não se deveria acreditar no que Aristóteles havia
afirmado, quando a simples observação da natureza demonstrasse o contrário.
Devido à recepção hostil dos professores oxfordianos às suas idéias, ele voltou
para Londres onde permaneceu como hospede do embaixador da França Castelnau.
Freqüentou a corte
e tornou-se ligado a figuras influentes tais como Sir Philip Sidney e Robert
Dudley, o duque de Leicester. Em 1584 foi convidado por Fulke Greville, um
membro do círculo de Sidney, para discutir sua teoria do movimento da Terra com
alguns doutores de Oxford. A discussão degenerou em querela. Ao final do século
XVI aparentemente não havia um único professor que ensinasse o universo segundo
Copérnico, exceto Giordano Bruno. Galileu apresenta suas provas no início do
século seguinte, e mesmo então é obrigado a abjurar a teoria. Galileu nunca
encontrou Bruno em pessoa e não o menciona em seus trabalhos, sendo bastante
esperto de sua parte evitar citar um herege condenado, em suas obras.
Pouco depois Bruno
começou a escrever seus diálogos italianos, que constituem a primeira exposição
sistemática de sua filosofia. São seis diálogos, três cosmológicos - sobre a
teoria do universo - e três sobre moral. Na Cena de le Ceneri (1584: "A
Ceia da Quarta Feira de Cinzas"), com local simulado em Paris e Veneza,
ele não apenas reafirma a realidade da teoria heliocêntrica mas ainda sugere
que o universo é infinito, constituído de inumeráveis mundos substancialmente
similares ao do sistema solar. É a história de um jantar de que participam
convivas ingleses, e nele Bruno difunde a teoria de Copérnico, a qual ainda era
objeto de riso e, como dito acima, de descrença por não coincidir com os
ensinamentos de Aristóteles.
Afirmava que não
havia posição absoluta no espaço, como dissera Aristóteles, mas que a posição
de um corpo "era relativa à dos outros corpos". Em toda parte ocorre
mudanças relativas incessantes de posição por todo o universo, e o observador
está sempre no centro das coisas". Porém, o movimento dos astros não seria
esférico como Copérnico havia apresentado. Bruno suprime a esfera
das estrelas fixas conservada por Copérnico e alarga o universo ao infinito. O
mundo não tem limites nem referência absoluta e, portanto, as várias imagens
dele são relativas: qualquer ponto é centro - periferia. Infinidade e
relatividade. Os astros giram também sobre seu próprio eixo para perpetuar em
si a vida, para expor sucessivamente todas as suas partes ao sol (como seres
que tem vida, animismo). São afirmações ousadas em uma época em que o
pensamento teológico filosófico medieval era ainda predominante, e tinha como
uma de suas peças básicas a astronomia de Ptolomeu que afirmava ser a Terra um
ponto imóvel privilegiado, centro do movimento circular de todos os corpos
celestes, teoria que afinava tanto com os textos bíblicos quanto com o
pensamento racional aristotélico que a escolástica integrava num todo unitário.
Seguindo deduções
tipicamente aristotélicas, diziam os mestres escolásticos que, se a terra se
movesse, as nuvens seriam deixadas para trás, as folhas mortas voariam sempre
no mesmo sentido; uma pedra solta do alto de uma torre se afastaria do pé da
torre. A esse pensamento juntava-se a concepção de que, excetuando-se o
movimento circular uniforme, impresso por Deus aos corpos celestes, todos os
demais movimentos são imperfeições, constituindo transgressões ou reparações de
transgressões da ordem divina. A refutação de Bruno a esse argumento, em
"O Banquete das Cinzas", é que a terra e tudo que nela se encontra
formam um sistema. Os objetos de um navio se movem com ele. Do mesmo modo, as
nuvens, os pássaros, as pedras são levados com a terra. No mesmo diálogo ele se
antecipa ao seu colega italiano o astrônomo Galileu Galilei sustentando que a
Bíblia devia ser seguida pelos seus ensinamentos morais e não por suas
implicações astronômicas. Ele também criticou fortemente os costumes da
sociedade inglesa e o pedantismo dos doutores de Oxford.
Em De la causa,
principio e uno (também de 1584) ele elabora a teoria física na qual estava
baseada sua concepção do universo: "forma" e "matéria"
estão intimamente unidas e constituem o "Uno". Assim o tradicional
dualismo dos físicos aristotélicos foi reduzido por ele a uma concepção
monística do mundo, implicando a unidade básica de todas as substancias e a
coincidência dos opostos na unidade infinita do Ser. Bruno é animista. Em sua
filosofia o universo é um sistema em permanente transformação, um todo no qual
nada existe imóvel. Não apenas um movimento mecânico e passivo, segundo as leis
da física, mas um movimento anímico que o faz transformar-se permanentemente.
Tudo que existe estaria reduzido a uma única essência material provida de
animação espiritual.
O universo não é
finito e limitado como pretendia a concepção medieval, mas infinito e
ilimitado. O universo não contem apenas o nosso sistema (nosso mundo) mas um
sistema de mundos infinitos que nascem e decaem movidos pela divina força
universal. Existiriam possivelmente inumeráveis mundos habitados. Sendo Deus,
criador do mundo, necessariamente um ser infinito; seria contraditório que a
uma causa infinita não correspondesse um efeito infinito. O universo, pois,
como efeito de uma causa infinita não pode conceber-se senão como infinito.
No De l infinito
universo e mondi ("Sobre o Infinito, Universo e Mundos") ele
desenvolveu sua teoria cosmológica criticando sistematicamente os físicos
aristotélicos. Argumentava que o universo era infinito e continha um número
infinito de mundos, e que estes eram todos habitados por seres inteligentes.
Ele também formula sua visão averroísta da relação entre filosofia e religião,
de acordo com a qual existe a religião dos ignorantes e a religião dos doutos.
A primeira é considerada como um meio para instruir e governar o povo
ignorante. É um conjunto de superstições contrárias à razão e a natureza,
"útil para governar os povos incultos", que é válido enquanto a
humanidade não atingir um grau superior de evolução. A religião dos doutos ou
dos teólogos, que o processo histórico enriquece, é esclarecida, na qual se
integra a filosofia como a disciplina dos eleitos que estão aptos a se
controlar e governar os outros.
O Espaccio de la
bestia trionfante ("Expulsão da besta triunfante") o primeiro diálogo
da sua trilogia moral, é uma sátira sobre os vícios e superstições de sua
época, e ao o pedantismo que encontra na cultura Católica e Protestante. Faz
uma forte crítica da ética Cristã - particularmente o princípio calvinista da
salvação exclusivamente pela fé, à qual Bruno opunha uma visão exaltada da
dignidade de todas as atividades humanas.
A Cabala del
cavallo Pegaseo ("Cabala do cavalo Pégaso"), de 1585, com o anexo
"O asno cilênico", é semelhante aos anteriores, porém mais
pessimista, inclui a discussão da relação da alma humana e a alma universal,
concluindo com a negação da individualidade absoluta do primeiro. Nele faz da
religião uma sátira amarga, apresentando-a como "santa ignorância"
que condena a curiosidade ímpia da pesquisa, preferindo fechar os olhos,
reprovar qualquer pensamento humano e renegar todo sentimento natural,
acusando-a de renuncia e proibição do livre exercício do pensamento e da investigação
filosófica. É uma discussão irônica das pretensões da superstição. O
"asno", diz Bruno, pode ser encontrado em toda parte, não apenas na
Igreja mas nas cortes de justiça e mesmo nas universidades.
No De gli eroici
furori ("Dos heróicos furores"), também de 1585, Bruno, fazendo uso
da simbologia neoplatônica, trata da obtenção da união com o infinito Uno pela
alma humana e exorta o homem à conquista da virtude e da verdade.
Enquanto na
Inglaterra, Bruno teve uma audiência pessoal com Elizabete I, a quem teria
bajulado com superlativos, inclusive chamando-a "sagrada" e
"divina", o que serviu, mais tarde, para alimentar seu processo como
infiel e herege. Consta porem que a rainha não o levou em grande conta,
achando-o rude, radical, subversivo e perigoso, enquanto Bruno considerava os
ingleses um tanto primitivos. Suas críticas, no entanto, haviam atraído a
antipatia dos mestres ingleses ainda aferrados a Aristóteles, e Bruno se vê
obrigado a acompanhar Castelnau de volta quando este é chamado pelo Rei de
volta a França em 1585. No caminho ambos são roubados de tudo que possuíam.
Em Paris encontrou
uma atmosfera política mudada. Henrique III havia revogado o edito de
pacificação com os protestantes, e o Rei de Navarra havia sido excomungado.
Longe de adotar uma linha de comportamento cauteloso, no entanto, Bruno entrou
em polêmica com um protegido do partido católico, o matemático Fabrizio
Mordente, a quem ridicularizou em quatro Dialogi, e em maio de 1586 ele ousou
atacar Aristóteles publicamente em seu Cento e vinti articuli de natura et
mundo adversos Peripatetiso ("120 artigos sobre a natureza e o mundo
contra os peripatéticos") proclamadas em junho por seu discípulo João
Hennequin em desafio aos doutores da Universidade de Paris. O desafio audaz
provoca um tumulto grande e violento. Os católicos moderados então o
desautorizaram, em consequência do que Bruno se acha ameaçado de perigos tão
graves que se vê obrigado a sair logo da França. Muda-se para Praga (Reino da
Boêmia, hoje Checoslováquia), onde freqüenta a corte do rei Rodolfo II, filho
de Maximilian II e Maria, filha de Carlos V, Imperador do Sacro Império de 1576
a 1612.
Rudolf II,
impopular e doente, se diz que nada fez para conter a Reforma ou para evitar a
Guerra dos Trinta Anos. Sucedeu seu pai como imperador do Sacro Império Romano
em 1576. Sujeito a crises de depressão, deixou Viena, a capital oficial do
Império e retirou-se para Praga, onde vivia em reclusão, ocupado com artes e
ciência. Giordano Bruno encontra em Praga um ambiente propício a suas pesquisas
matemáticas e astronômicas. Não foi o único a beneficiar-se do apoio de Rudolf
II. O Imperador haveria de apoiar em 1599 o astrônomo holandês Tycho Brahe
cujos trabalhos ajudaram a convencer os europeus ainda duvidosos da teoria de
Copérnico, e que, brigado com a Igreja, refugiou-se em Praga. Posteriormente
ainda apoiaria o astrônomo Johannes Kepler, que sucedeu a Tycho como matemático
imperial do Santo Império Romano em 1601.
Em Praga, Bruno
escreve uma crítica contra a intolerância e sectarismo religioso, que diz
contrariar a lei divina do amor. Faz uma reivindicação da dignidade própria da
liberdade espiritual humana (sem liberdade não haveria essa dignidade) doutrina
certamente do agrado de Rudolf II que pouco fez para reprimir os protestantes.
Mas Praga não lhe convém muito. De lá Bruno vai para a Alemanha, onde
perambulando de uma cidade universitária para outra, consegue ser professor em
Wittenberg (1588).
Ensinou e publicou
uma variedade de trabalhos menores, incluindo o Articuli centum et sexatinta
("160 Artigos") contra os filósofos e matemáticos contemporâneos, no
qual ele expôs sua concepção de religião - uma teoria da coexistência pacífica
de todas as religiões baseada no conhecimento mútuo e liberdade recíproca de
discussão. É uma crítica contra a intolerância e o sectarismo religioso, que
diz contrariar a lei divina do amor. Faz uma reivindicação da dignidade própria
da liberdade espiritual humana (sem liberdade não haveria essa dignidade).
Muda-se para Helmstadt, onde o Duque Henrique Júlio dispensa-lhe acolhida
favorável e cordial.
Escreve a que
considera sua maior obra: De imaginum signorum et idearum compositione
("Sobre a Associação de imagens, os signos e as idéias") sobre
mnemônica. Mas os calvinistas não toleram sua doutrina. Em Helmstadt, em
Janeiro de 1589, ele foi excomungado pela Igreja Luterana local. Permaneceu em
Helmstadt até a primavera, completando trabalhos em mágica natural e matemática
(publicado postumamente) e trabalho em três poemas latinos - De minimo, De
monade, e De innumerabilibus sive de immenso - os quais relembrava as teorias
expostas nos diálogos italianos e desenvolvia o conceito de uma base atômica da
matéria e do ser. Para publicar estes, ele foi em 1590 a Frankfurt sobre o
Maine, onde o senado rejeitou sua solicitação de permanecer. Não obstante, ele
conseguiu residente no convento Carmelita, lecionando para doutores
protestantes e adquirindo uma reputação de ser um "homem universal"
que, o Prior pensou, "não possuía um traço de religião" e que estava
ocupado principalmente em escrever e na quimérica e vã imaginação de
novidades".
Em Frankfurt um
editor veneziano que o encontra traz-lhe os chamados insistentes de um
patrício, João Mocenigo, que desejava aprender suas técnicas mnemônicas. Bruno
estava saudoso da Itália. Aceita o convite acreditando na independência da
República Veneziana. O risco não pareceu muito grande: Veneza era de longe a
mais liberal dos estados italianos; a tensão europeia tinha afrouxado
temporariamente após a morte do intransigente papa Sixtus V em 1590; Henrique
III desaparecera do cenário político. Todo o seu reinado fora marcado pela
guerra entre católicos e protestantes, sempre em dificuldades com a Santa Liga
fundada pelos católicos e liderada por Henrique, duque de Guise, devido a
concessões feitas aos protestantes. Fugiu de um levante da Liga em Paris,
refugiando-se em Chartres. Mandou assassinar o Duque de Guise e o irmão dele, o
cardeal de Lorraine em 1588. Uniu-se a Henrique de Navarra, líder protestante,
fazendo com ele o cerco a Paris em 1589, que era uma fortaleza da Liga. Então
foi assassinado a facadas por Jacques Clément, um frade Jacobino fanático que
conseguiu uma audiência. Ao morrer reconheceu Henrique de Navarra seu sucessor.
O protestante
Henrique IV, originalmente Henrique de Bourbon e Navarra, estava então no trono
da França e a pacificação religiosa parecia estar iminente. Além do mais, Bruno
ainda estava
procurando por um
estrado acadêmico do qual pudesse expor suas teorias, e ele deve ter sabido que
a cadeira de matemática da Universidade de Pádua estava então vaga. Regressou à
Itália em agosto de 1591. Foi imediatamente para Pádua e durante o verão de
1591 iniciou uma série de cursos privados para estudantes alemães e escreveu o
Praelectiones geometricae e Ars deformationum . No início do inverno, quando
parecia que ele não iria receber a cátedra (ela foi oferecida a Galileu em
1592) retornou a Veneza, como hóspede de Mocenigo, e tomou parte nas discussões
dos aristocratas venezianos progressistas que, como Bruno, favoreciam a
investigação filosófica independentemente de suas implicações teológicas.
Em maio de 1592,
Bruno havia terminado um outro trabalho e preparava-se para viajar a Frankfurt
para publica-lo, quando se viu preso por Mocenigo no sótão da sua casa.
Desapontado com as lições privadas de Bruno sobre as técnicas mnemônicas que em
nada ajudaram sua precária memória, além de considerar-se atraiçoado por não
conseguir o milagre esperado, Mocenigo também ficou ressentido com a intenção
de Bruno de voltar para Frankfurt para publicar seu novo trabalho. Depois de
prendê-lo, Mocenigo denunciou-o à Inquisição Veneziana por suas teorias
heréticas. Levado pelo Santo Ofício com todos os seus papeis, Bruno defendeu-se
admitindo alguns erros teológicos menores, insistindo, no entanto, nos seus
postulados básicos. O palco do julgamento veneziano parecia proceder de modo
favorável a Bruno, quando então a Inquisição Romana pediu sua extradição.
Por solicitação
insistente do Papa, curioso sobre a personalidade de Bruno e o conteúdo do
processo com respeito a suas idéias, o tribunal de Veneza encaminha o
prisioneiro para Roma, e em janeiro de 1593 Bruno entrou na cadeia do palácio
romano do Santo Ofício. Em Roma, um frade, Celestino de Verona, junta novos
testemunhos acusadores. Inicia-se um novo processo em 1593, este mais sério,
acompanhado de torturas, e que haveria de prolongar-se por sete anos. O papa
Clemente VIII (1592-1605) viria a ter papel decisivo no julgamento de Bruno.
Apesar de engajado em refregas políticas com Veneza e Nápoles, ocupava-se
zelosamente da doutrina da Igreja. Foi responsável pela publicação da vulgata
(Versão standard da bíblia latina) e muitos outros livros litúrgicos
(valendo-se do recente invento da imprensa). Criou uma comissão para resolver a
querela entre Jesuítas e Dominicanos sobre a graça divina e a liberdade da
vontade.
O papa encarregou o
cardeal Belarmino (1542-1621) de analisar e acompanhar o processo de Giordano
Bruno. O Cardeal, originalmente Roberto Francesco Romolo Bellarmino, cardeal e
teólogo (veio a ser canonizado São Roberto Belarmino) foi um dos maiores
defensores do catolicismo contra os protestantes. Jesuíta em 1560, estudou em
Roma e Pádua, ordenou-se em Louvain, Bélgica, onde lecionou teologia. Voltando
à Itália, foi feito cardeal em 1599 pelo papa Clemente VIII, a quem ajudou na
preparação da vulgata da Bíblia (159l-92) expurgando os erros da vulgata
anterior de Sixtus V. Grande teólogo, dedicou-se ao estudo das controvérsias
religiosas: escreveu entre 1586-93 "Lições Relativas às Controvérsias da
Fé Cristã contra os Hereges Contemporâneos". Mais tarde salvou Galileu da
condenação aconselhando-o, privadamente, - antes do processo -, que tomasse a
doutrina de Copérnico como hipótese. Dedicou-se grandemente aos pobres a quem
destinava todos os seus rendimentos, vindo a morrer pobre.
O cardeal Belarmino
extraiu das obras de Bruno 8 heresias; as quatro mais graves são duas
teológicas e duas filosóficas: Teológicas: (a) negaria a transubstanciação; (b)
prioridade ideal e real do Pai e da subordinação do Filho, este originado de um
ato da vontade do Pai, que lhe é preexistente. Filosóficas: (a) pluralidade dos
mundos (os atos divinos devem corresponder à potência infinita de Deus)
implicaria também várias incarnações de Cristo um número infinito de
vezes...(raciocínio tipicamente escolástico), e (b) alma presente no corpo como
o piloto no barco.
Durante os sete
anos do julgamento romano, Bruno a princípio desenvolveu sua linha defensiva
prévia, negando qualquer interesse particular em questões teológicas e
reafirmando o caráter filosófico de suas especulações. Essa distinção não
satisfez os inquisidores, que pediram uma retratação incondicional de suas
teorias. Em certa época lhe foram dados quarenta dias para reconsiderar sua
posição; ele prometia retratar- se mas renovava suas "tolices". Bruno
então fez uma tentativa desesperada de demonstrar que seus pontos de vista não
eram incompatíveis com a concepção cristã de Deus. Então conseguiu mais quarenta
dias para deliberar mas não fez mais que confundir o papa e a inquisição.
Bruno faz sua
defesa sempre tentando convencer os inquisidores 1.) da legitimidade das suas
idéias filosóficas e da possibilidade de concilia-las com a revelação
religiosa, e 2.) alegando que a acusação toma peças isoladas do contexto de seu
trabalho, e 3.) que não sabe sobre o que se emendar. Bruno finalmente declarou
que não tinha nada de que retratar-se e que ele nem sabia de que se esperava
que retratasse. Os inquisidores rejeitaram seus argumentos e o pressionaram
para uma retratarão formal. A esta altura o Papa Clemente VIII ordenou que ele
deveria ser sentenciado como um impenitente e herege pertinaz. A 20 de janeiro
de 1600 Bruno é condenado. Ao final foi levado, a oito de fevereiro, ao palácio
do Grande Inquisidor para ouvir sua sentença de joelhos, diante dos acólitos
assistentes e do governador da cidade. Quando a sentença de morte foi lida para
ele, ele dirigiu-se aos juízes dizendo: "Talvez vocês, meus juízes,
pronunciem esta sentença contra mim com maior medo que o meu em
recebe-la." Lhe foram dados mais oito dias para ver se ele se arrebentai.
Não adiantou. Em 17 de fevereiro ele foi trazido ao Campo di Fiori, sua boca
com uma mordaça, para ser queimado vivo. Foi levado ao poste e quando estava
morrendo um crucifixo lhe foi apresentado, mas ele empurrou-o para longe com
marcado desdém. Seus trabalhos foram colocados no Índex em agosto de 1603 e
seus livros tornaram-se raros.
Ao final do século
XIX intelectuais italianos redescobriram Bruno, tomando-o como símbolo do tipo
de filósofo de vanguarda ousado e livre, e mártir da ciência e da filosofia.
Para muitos no entanto não passou de um ocioso, um filósofo andarilho, um poeta
vadio, e ficou longe de merecer ser chamado um cientista. Foi, sem dúvida, um
pioneiro que acordou a Europa de um longo sono intelectual. Ele cunhou a frase
"Libertas philosophica", o direito de pensar, sonhar e filosofar, e
foi martirizado devido ao seu excessivo entusiasmo. A idéia do universo
infinito foi uma das mais estimulantes idéias do Renascimento.
In: Cobra, Rubem
Q. - Giordano Bruno. Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997.
O Filme
Giordano Bruno é um
das grandes obras do cinema político italiano dos anos 70. Com direção precisa
de Giuliano Montaldo (Sacco & Vanzetti), o roteiro mostra um dos episódios
mais polêmicos da história: o processo e a execução do astrônomo, matemático e
filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600), queimado na fogueira pela
Inquisição por causa de suas teorias contrárias aos dogmas da Igreja Católica.
Giordano Bruno tem como destaque a impressionante interpretação de Gian Maria
Volonté no papel-título, a música de Ennio Morricone e a belíssima fotografia
do mestre Vittorio Storaro.
Um filme simplesmente indispensável.
Um filme simplesmente indispensável.
Lola
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