Ilustração do dualismo de René Descartes: as sensações são transmitidas pelos órgãos dos sentidos à glândula pineal no cérebro e depois ao espírito imaterial. |
Descartes: dualismo antropologico
Eu descrevera, depois disso, a alma racional, e mostrara que ela não pode ser de modo algum tirada do poder da matéria, como as outras coisas de que falara, mas que deve expressamente ter sido]; e como não basta que esteja alojada no corpo humano, assim como um piloto em seu navio, exceto talvez para mover seus membros, mas que é preciso que esteja junta e unida estreitamente com ele para ter, além disso, sentimentos e apetites semelhantes aos nossos, e assim compor um verdadeiro homem. De resto, eu me alonguei um pouco aqui sobre o tema da alma, porque é dos mais importantes; pois, após o erro dos que negam Deus, que penso haver refutado suficientemente mais acima, não há outro que afaste mais os espíritos fracos do caminho reto da virtude do que imaginar que a alma dos animais seja da mesma natureza que a nossa, e que, por conseguinte, nada temos a temer, nem a esperar, depois dessa vida, não mais do que as moscas e as formigas; ao passo que, sabendo-se o quanto diferem, compreende-se muito mais as razões que provam que a nossa é de uma natureza inteiramente independente do corpo e, por conseguinte, que não está de modo algum sujeita a morrer com ele; depois, como não se vêem outras causas que a destruam, somos naturalmente levados a julgar por isso que ela é imortal.
Descartes, Discurso do Método
O fundador do Dualismo teria
sido Descartes, que formalizou a versão mais conhecida do
dualismo em 1641, ao reconhecer a existência de duas espécies diferentes de
substâncias: a corpórea e a espiritual.
Descartes foi o primeiro a assimilar claramente o espírito (substância
imaterial) à consciência e distingui-lo do cérebro, que seria o suporte da
inteligência. Chamou a mente de res cogitans ("coisa
pensante") e o corpo de res extensa ("coisa
extensa", isto é, que ocupa lugar no espaço). A ligação entre a mente
e corpo, segundo ele, seria feita através do tálamo, uma
pequenina parte do cérebro. Foi Descartes, portanto, quem primeiro formulou o
problema do corpo-espírito do modo como se apresenta
modernamente. Assim, em termos metafísicos, a realidade se constitui de duas
substâncias - material e espiritual - sendo a
substância material, a realidade sensível; e o espírito, o não físico, não
material, constituindo a realidade mental ou espiritual.
Na obra " O erro de Descartes", o neurocirurgião português Antonio Damasio apresenta uma nova interpretação acerca do cogito, ergo sum cartesiano. De uma plenitude da razão salta-se para uma ética das emoções.
Quem deu o diagnóstico, há pouco mais de uma década, foi o neurologista António R. Damásio: o
filósofo francês René Descartes errou.
O “Penso, logo existo”, que até então
era pedra fundamental para o pensamento racional, de repente, tornou-se erro.
Mais do que uma simples provocação, o debate é relevante e nos remete à
seguinte questão: Por que pensamos o que pensamos? Continuamos sem o saber,
mérito da singularidade humana – a possibilidade de questionar-se. O pensar, a
razão, expressão de nossa condição prescinde de outra face: o sentimento e a
emoção.
As pessoas tomam decisões e nem sempre são pautadas somente pela
racionalidade ou pela razão. O que pensar de um indivíduo capaz de atentar
contra a vida de outro e dizer “foi por amor”? É possível que muitos digam “Ele
(ou ela) não pensou no que estava fazendo”. Seria a razão a responsável pela
tomada de decisão e o fator determinante para as consequências esperadas ou
rejeitadas.
Uma justificativa para grandes crimes, sem a necessidade de individualizar
um ou outro, é a defesa alegar que o réu não estava no domínio de sua razão, o
que teria prejudicado sua tomada de decisão e o levado a cometer este ou aquele
crime.
Nossa vida comum e cidadã é frequentemente afetada por esse discurso, já
que se desvinculam a emoção e o sentimento da razão. São promovidos
determinados comportamentos em detrimento de outros, assim como se justificam
atos pela presença ou falta da razão.
São notícias, comentários, por vezes uma justificativa para um
comportamento que consideramos inadequado e lá se vai mais uma culpa para as
emoções e mais um ponto para a razão. Expressão da chamada postura cartesiana –
alcança o homem e o reduz.
Retrato do caso de Phineas Gage.
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E foi da história de Phineas P. Gage que Damásio partiu, ainda que não fizesse parte de um grande projeto, para a tentativa de um vislumbre de resposta ao que é o humano. E, graças aos seus vinte e alguns anos de pesquisas, podemos dizer: “Penso, sinto, logo existo.”
Por uma teoria que explique o erro
Phineas Gage, 25 anos em 1848, era capataz de uma empreiteira de estradas de ferro na Nova Inglaterra e sua principal tarefa era coordenar as explosões das pedras que abririam caminho para o assentamento dos trilhos através da cidade de Vermont. Em uma das explosões, ocorre uma falha, e Gage tem seu rosto e crânio atravessados por uma longa barra de ferro de 4 metros de comprimento por 3 centímetros de espessura. Continua consciente e é socorrido por seus colegas. Uma vez atendido, apesar dos poucos recursos possíveis, ele sobrevive. Mas seu destino seria cruel: o homem que era o mais competente em seu grupo perde seu poder de decisão e passa por alterações de comportamento sucessivas, até a decrepitude total de sua vida pessoal e social. O estudo deste caso permitiu o reconhecimento de que o poder de decisão de um homem está relacionado ao cérebro, assim como as dimensões sociais e pessoais da vida humana. Gage não conseguia manter-se em algum emprego, passou a comportar-se de forma antissocial e, por fim, perdeu sua capacidade de planear o futuro. Uma lesão no lobo pré-frontal impedia-o de associar as emoções às suas decisões.
Por Elizabeth Luft, In Revista Filosofia (adaptado)
Lola
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