“Alimentei-me das letras desde a minha infância, e porque me tinham persuadido de que, por meio delas, se pode adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo quanto é útil à vida, tinha um enorme desejo de as aprender. Mas, logo que terminei todo este curso de estudos, no termo do qual é costume ser-se acolhido na categoria dos doutos, mudei completamente de opinião. Pois encontrava-me embaraçado com tantas dúvidas e erros que me parecia não ter tido outro proveito, ao procurar instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estivera numa das mais célebres escolas da Europa (...).”
Descartes, Discurso do Método, I Parte,
Descartes sentiu, desde muito cedo, o desejo de conhecer a natureza, o homem e o universo.
Foi após ter terminado os seus estudos, que se apercebeu da sua ignorância.
Descartes estava, de facto, decepcionado com o ensino que lhe havia sido ministrado. Não era tanto o método de ensino que estava em causa mas os conteúdos e a desarticulação curricular entre as várias disciplinas leccionadas.
Para além de sentir que o seu conhecimento não era coerente, recusou a lógica como processo ideal de investigação do saber. A lógica aristotélica aparecia-lhe incapaz de permitir o progresso do conhecimento. Ora, para Descartes, a função da filosofia é o aumento gradual do conhecimento, a busca de um saber unitário e universal, ou seja, atravessado por uma mesma estrutura matemática.
Influenciado pela filosofia do Renascimento, mas ligado ainda à filosofia medieval, Descartes foi um adepto intransigente do vigor, da clareza e da disciplina metódica. Nesse sentido, a sua obra tem como ponto de arranque a dúvida universal, que se institui como método e critério da verdade. Duvidando de todos os conhecimentos adquiridos, duvidando da sua própria existência, Descartes chega à evidência de uma verdade que não pode negar: o seu próprio pensar, a realidade do sujeito pensante que se torna assim no arquétipo da ideia clara e distinta - «penso, logo existo».
Pensamento
O pensamento de
Descartes é revolucionário para uma sociedade feudalista em que ele nasceu,
onde a influência da Igreja ainda era muito forte e quando ainda não existia
uma tradição de "produção de conhecimento". Aristóteles tinha
deixado um legado intelectual que o clero se encarregava de disseminar. Foi um
dos precursores do movimento, considerado o pai do racionalismo,
e defendeu a tese de que a dúvida era o primeiro passo para se chegar ao
conhecimento. Descartes viveu numa época marcada pelas guerras religiosas entre
Protestantes e Católicos na Europa - a Guerra dos Trinta Anos.
Viajou muito e viu que sociedades diferentes têm crenças diferentes, mesmo
contraditórias. Aquilo que numa região é tido por verdadeiro, é considerado
ridículo, disparatado e falso em outros lugares. Descartes viu que os
"costumes", a história de um povo, sua tradição "cultural"
influenciam a forma como as pessoas veem e pensam naquilo em que acreditam.
O primeiro filósofo moderno
Descartes é
considerado o primeiro filósofo moderno.
A sua contribuição
à epistemologia é essencial, assim como às ciências
naturais por ter estabelecido um método que ajudou no seu
desenvolvimento. Descartes criou, em suas obras Discurso Sobre o Método e Meditações -
a primeira escrita em francês, a segunda escrita em latim, língua
tradicionalmente utilizada nos textos eruditos de sua época - as bases da
ciência contemporânea. O método cartesiano consiste numa atitude metodológica - que nada tem a ver com a atitude cética: duvida-se de
cada idéia que não seja clara e distinta.
Ao contrário dos gregos antigos e dos
escolásticos, que acreditavam que as coisas existem simplesmente porque
"precisam" existir, ou porque assim deve ser, Descartes
instituiu a dúvida: só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado,
sendo o ato de duvidar indubitável. Baseado nisso, Descartes busca provar a
existência do próprio eu (que duvida: portanto, é sujeito de algo. Cogito ergo sum, "eu que penso, logo existo")
e de Deus.
·
Em relação à Ciência,
Descartes desenvolveu uma filosofia que influenciou muitos, até ser superada
pela metodologia de Isaac Newton. Ele sustentava, por
exemplo, que o Universo era pleno e não poderia haver vácuo. Acreditava que a
matéria não possuía qualidades secundárias inerentes, mas apenas qualidades
primárias de extensão e movimento. Ele dividia a realidade em res cogitans (consciência,
mente) e res extensa (matéria). Acreditava também que
Deus ou res divina criou o Universo como um perfeito mecanismo que
funcionava segundo um determinismo sem intervenção desde então.
Lola
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