Dadas as críticas que foram colocadas à teoria ética de Kant, temos de procurar outra teoria que permita dar uma resposta mais satisfatória a essas mesmas críticas. A teoria ética de Stuart Mill, também conhecida por teoria do utilitarismo, vem resolver alguns dos problemas que foram colocados à teoria ética de Kant (não se esqueça do problema que está a orientar a nossa investigação e que é o de “Como devemos agir?”)
Para Stuart Mill, o critério para aferir da moralidade das nossas acções encontra-se nas consequências das mesmas, naquilo que resulta das nossas acções. É porque apenas se atende às consequências das nossas acções que se designa a teoria de Mill de teoria utilitarista, no sentido em que a minha acção é boa ou má, consoante seja útil ou não para o maior número possível de pessoas. A teoria ética de Stuart Mill assume-se assim como uma teoria consequencialista, na medida em que a moralidade da acção resulta do fim obtido com a nossa acção, das consequências produzidas pela nossa acção.
Para Mill, a moralidade de uma acção resulta da sua capacidade para produzir o maior bem possível. Verifica-se nesta formulação que Mill apenas atende às consequências da nossa acção, àquilo que resulta da acção, sendo precisamente a da maior ou menor capacidade da acção para produzir o maior bem possível. Por maior bem possível entende Mill a felicidade geral.
Para Stuart Mill, uma acção tem valor moral consoante produza uma maior ou menor quantidade de felicidade sobre as várias pessoas implicadas pela acção (tendo em conta as próprias circunstâncias da acção e as condições de acção do próprio agente). Por felicidade entende ainda Mill o prazer e a ausência de dor ou sofrimento.
Mill dá preferência aos prazeres intelectuais (prazeres superiores) – prazeres que resultam do exercício das nossas capacidades intelectuais – sobre os prazeres sensíveis (prazeres inferiores), querendo com isso dizer que não troca uma vida de prazeres intelectuais por outra vida com um maior número de prazeres sensíveis. Para testemunhar isso mesmo, Mill exemplifica dizendo que preferia ser um «Sócrates insatisfeito» do que um «porco satisfeito», ou seja, é preferível uma vida fraca em prazeres intelectuais a uma vida cheia de prazeres sensíveis, porque os prazeres intelectuais são qualitativamente superiores aos prazeres sensíveis.
Para Mill, uma vida boa seria então uma vida de experiências aprazíveis, mas, sobretudo, experiências de prazer intelectual.
Mill enuncia o princípio utilitarista do seguinte modo: “A máxima felicidade possível para o maior número possível de pessoas é a medida do bem e do mal.”
Para Mill, a felicidade geral é a única coisa desejável por si mesma, enquanto todas as outras coisas são apenas encaradas como um meio para obter um fim, fim esse que é a felicidade.
O argumento apresentado por Mill para justificar que a felicidade geral é algo de desejável por si mesmo (por todos nós) é o seguinte: Argumento da felicidade como fim em si:
Cada pessoa deseja a sua própria felicidade.
A felicidade de cada pessoa é um bem para essa pessoa.
Logo, a felicidade geral é um bem para o conjunto de todas as pessoas.
A partir deste argumento, de que a felicidade geral é a única coisa desejável por si mesma, Mill vai defender que quando agimos devemos procurar visar essa mesma felicidade geral. Assim, a partir do argumento anterior construímos o seguinte argumento:
A felicidade geral é um bem para o conjunto de todas as pessoas.
Logo, cada pessoa deve agir de modo a promover a felicidade geral.
Verificamos assim que, para Mill, o fim – a felicidade geral – justifica os meios. Na teoria do utilitarismo, há um primado dos fins da acção em relação aos meios. Significa isto que, para Mill, uma acção terá valor moral desde que a quantidade de felicidade que produzimos com a nossa acção sobre um determinado número de pessoas seja superior ao número de pessoas a que causamos dor ou sofrimento durante a realização da acção. Ou seja, para Mill, é suficiente que a felicidade produzida com a acção seja superior ao sofrimento eventualmente provocado com a sua realização para que a acção tenha valor moral e é neste sentido que há um primado dos fins da acção (da maximização da felicidade para o maior número) sobre os meios (mesmo que a acção produza sofrimento sobre algumas pessoas).
Mas por que razão defende Mill este princípio da máxima felicidade? Por que razão me hei-de eu esforçar por promover a felicidade dos outros, se posso limitar-me a promover apenas a minha própria felicidade? Mill parece apresentar dois argumentos para responder a esta questão, o argumento da felicidade geral como fim último das nossas acções (apresentado em cima) e o argumento da ética cristã.
O argumento da ética cristã apresenta-se do seguinte modo:
Se o utilitarismo é falso, então não permite tratar os outros tal como queremos que os outros nos tratem a nós.
Ora, o utilitarismo permite tratar os outros tal como queremos que os outros nos tratem a nós.
Logo, o utilitarismo é verdadeiro.
O princípio da teoria ética cristã enuncia o seguinte: “Deves procurar tratar os outros tal como queres que os outros te tratem a ti” – regra de ouro da teoria ética cristã. Fazendo a leitura desse mesmo princípio pela perspectiva do utilitarismo fica o seguinte: Deves procurar agir de um modo tal que, promovas nos outros aquilo que também tu queres que os outros promovam em ti, a felicidade.
Uma dificuldade e o utilitarismo moderado
Para Mill, sempre que agimos, devemos tomar em consideração a melhor forma de agirmos, ou seja, devemos tomar em consideração aquela acção que nos permita proporcionar a maior quantidade de felicidade possível de um modo imparcial para o maior número possível de pessoas. Uma acção será boa ou moralmente correcta, se promover imparcialmente a felicidade (o prazer e a ausência de dor) para o maior número possível de pessoas, e uma acção será má ou moralmente incorrecta, se promover o contrário da felicidade (a ausência de prazer e a dor ou sofrimento).
Mas como posso eu saber que a minha acção vai efectivamente promover a maior felicidade sobre as várias pessoas implicadas pela acção? Ora, dada a impossibilidade de prevermos as consequências das nossas acções, neste caso do utilitarismo, a ideia de não sabermos se a nossa acção é ou não aquela que vai gerar as melhores consequências, a versão do utilitarismo moderado avançou com a seguinte ideia: a acção moral é aquela que nós consideramos ser a que irá ser mais útil de um modo imparcial para o maior número de pessoas, ou seja, é aquela que nós prevemos ser a que irá produzir felicidade para um maior número de pessoas.
O nosso modo de agir torna-se assim mais facilitado, porque existe uma quantidade de situações a partir das quais nos é possível prever ou calcular de um modo aproximado a utilidade das nossas acções. É-nos possível prever se uma determinada acção irá proporcionar ou não uma maior quantidade de felicidade do que outra acção.
In Plátano Editora
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