quarta-feira, 4 de março de 2015

Utilitarismo - criticas






Críticas à teoria ética de Stuart Mill




1 – Casos problemáticos: O utilitarismo justifica a prática de acções imorais

Uma crítica à teoria ética de Stuart Mill tem a ver com o facto desta teoria justificar a realização de acções que nós habitualmente consideramos como imorais. Ao atender apenas às consequências das acções enquanto critério para avaliarmos a moralidade das mesmas, o utilitarismo vai justificar a prática de acções imorais.  
Para o utilitarista, uma pessoa pode desrespeitar uma das regras morais básicas, como a regra de “não matar” ou a de “não mentir”, e, ainda assim, agir moralmente, desde que essa sua acção proporcione uma maior quantidade de felicidade para um maior número de pessoas em relação àquelas pessoas em quem provocou dor ou sofrimento.  
Para dar um exemplo, se uma pessoa matar um indivíduo y inocente, mas se souber que a morte do indivíduo y vai proporcionar que se salve a vida a outras três pessoas, então, na perspectiva do utilitarismo, é correcto que se mate o indivíduo y. Ao matar o indivíduo y, vou provocar uma menor dor ou sofrimento sobre um maior número de pessoas do que se não matasse o indivíduo y. Logo, de acordo com o utilitarismo, é moralmente correcto matar o indivíduo y.  
Verificamos deste modo que o utilitarismo justifica que se matem pessoas inocentes. Ora, matar pessoas inocentes é intolerável. Logo, a teoria do utilitarismo é inaceitável.  
Podemos construir o argumento do seguinte modo:
Se o utilitarismo é aceitável, então não permite a morte de pessoas inocentes.
O utilitarismo permite a morte de pessoas inocentes.
Logo, o utilitarismo é inaceitável.
O argumento que critica a posição utilitarista no que se refere à justificação da prática de acções imorais terá então a seguinte forma:
 Se o utilitarismo é aceitável, então não permite que se realizem acções que consideramos imorais.
O utilitarismo permite que se realizem acções que consideramos imorais.
Logo, o utilitarismo é inaceitável.

2 – O utilitarismo cria dificuldades para o cálculo das consequências das nossas acções.

Uma das questões que se coloca ao utilitarismo é a seguinte:
Será que é possível prever as consequências das nossas acções?
O utilitarismo moderado (posição de Mill) defendeu que para avaliarmos a moralidade das nossas acções devemos atender ao critério da previsibilidade das consequências das acções.
Aquilo que vamos verificar é que mesmo as previsões das nossas acções são incertas, falíveis.
Imagine a seguinte situação, que é idêntica à do exemplo da situação anterior:

Um utilitarista encontra-se perante uma situação de caso-conflito. Uma das suas possibilidades de acção é a de matar o indivíduo x e a outra opção é a de matar os indivíduos y e z, Não tem outra alternativa de acção para além destas duas e tem forçosamente de optar por uma delas.

O que faria o utilitarista? O utilitarista escolheria aquela opção que fosse previsível que provocasse uma maior quantidade de felicidade para o maior número de pessoas possível.
O utilitarista escolheria então a primeira opção, a de matar o indivíduo x, porque esta opção era aquela que iria provocar uma menor quantidade de dor ou sofrimento para o maior número de pessoas (e, portanto, uma maior felicidade). Provoca-se uma menor quantidade de dor ou sofrimento matando uma pessoa do que matando duas.  
No entanto, imagine agora que os indivíduos y e z não têm família nem amigos, enquanto o indivíduo x tinha uma família muito numerosa que o adorava, centenas de amigos e era conhecido por muitas outras pessoas.

O que verificamos nesta situação? Que no momento em que foram dadas ao utilitarista as duas possibilidades de acção ele previu que a opção que seria a mais útil era a de matar o indivíduo x. Previu o utilitarista as melhores consequências ou as consequências mais úteis para o maior número de pessoas? Não, porque a morte do indivíduo x vai causar uma maior quantidade de dor ou sofrimento (família, amigos, conhecidos,...) sobre um maior número de pessoas (a família, os amigos e os conhecidos são aquelas pessoas implicadas pelas consequências da acção) do que a morte dos indivíduos y e z (ausência de família, amigos, conhecidos).

Verificamos assim que, mesmo que se faça uma previsão das consequências das nossas acções, essa previsão revela-se em alguns casos falível. Neste sentido, o critério da previsibilidade utilizado pelo utilitarista para avaliarmos a moralidade das nossas acções torna-se insuficiente.
Se o critério utilizado pelo utilitarista para avaliar a moralidade das acções não presta, então não podemos aceitar a teoria do utilitarismo.
Para o utilitarista, para agirmos moralmente, temos de fazer uma previsão das consequências das nossas acções. Nesse sentido, antes de agirmos, teríamos de fazer uma previsão das consequências da acção.
Ora, mas este procedimento também não funcionaria em termos práticos, porque nalgumas das vezes em que agimos não temos tempo para calcular todas as consequências das nossas acções.  
Também por esta razão se verifica que o utilitarismo não se revela uma teoria aceitável. 
3 – A felicidade nem sempre está presente nas acções que o utilitarismo considera boas ou correctas. 
Para o utilitarista, uma acção que provoque prazer (aqui entendido, tal como Mill entende, sobretudo como prazer intelectual) para um maior número de pessoas em relação àquele número de pessoas em que provocou dor ou sofrimento é uma acção boa ou moralmente correcta. Esta acção seria boa ou moralmente correcta para Mill, porque promove a felicidade para um maior número de pessoas (se bem se lembra, para Mill, a felicidade correspondia ao prazer ou à ausência de dor ou sofrimento).  
Ora, verificamos que existem certas acções que consideramos que nos fazem felizes, mas que na realidade não nos estão a fazer felizes.
Por exemplo, imagine que alguém que considera muito seu amigo o ridiculariza pelas costas. Sempre que conversa com esse teu amigo, fica naturalmente feliz, dada a vossa grande amizade. No entanto, esse teu amigo não faz mais do que dizer mal de si sempre que não está consigo.
O que constatamos com este exemplo? Que existe certo tipo de acções (como esta da falsa amizade) que pensamos que nos fazem felizes, mas apenas estão a contribuir para a nossa infelicidade. Pensava que essa relação de amizade o estava a fazer feliz (assim como ao seu amigo), mas, na realidade, não o estava a fazer feliz, antes pelo contrário.  
Verificamos assim que nem todas as acções que consideramos estarem a fazer-nos felizes são acções que nos tornam verdadeiramente felizes. Ora, o utilitarismo partia do princípio de que toda e qualquer acção que promova a felicidade (incluindo a nossa felicidade) é uma acção boa ou moralmente correcta. Constatamos que nem todas as acções que promovem a felicidade (incluindo a nossa felicidade) são acções boas ou moralmente correctas. Logo, não podemos aceitar a teoria do utilitarismo.

4 – As pessoas sentem a felicidade de forma diferente.

Nem todas as pessoas encaram a felicidade da mesma maneira, sendo, por isso, muito difícil avaliar a felicidade de uma certa pessoa.
O utilitarismo defende que as acções com valor moral são aquelas que promovem a felicidade geral de um modo imparcial para o maior número possível de pessoas.  
Ora, promover de um modo imparcial a felicidade para as várias pessoas é promover a felicidade de um modo equitativo ou proporcional. No entanto, sabemos que as pessoas são felizes de formas diferentes e, nesse sentido, corremos o sério risco de não estarmos a promover a felicidade sobre pessoas que julgávamos estar a fazer felizes.
Esta situação cria de imediato um problema ao utilitarismo, que é, por um lado, o de nem sempre sabermos se as nossas acções possuem ou não valor moral e, por outro lado, o de nem sempre termos a certeza se a acção que realizamos é ou não mais correcta do que outra acção diferente que poderíamos ter realizado.
Como nem sempre sabemos se as pessoas ficam felizes a partir das consequências da nossa acção, porque não conhecemos os gostos, o carácter e o temperamento de todas as pessoas, torna-se difícil avaliar a moralidade de todas as nossas acções com base no princípio utilitarista. 
5 – O utilitarismo não distingue os familiares e amigos na promoção da felicidade

O princípio utilitarista enuncia que a nossa acção tem valor moral se promover a felicidade de um modo imparcial para o maior número possível de pessoas. Mas este princípio levanta ainda um outro problema.
Esse problema é o de o utilitarismo atender aos nossos familiares e amigos na promoção da felicidade do mesmo modo que atende a estranhos ou desconhecidos.
Verificamos que se torna difícil agir em todas as situações de modo a promover a felicidade sem atender àquilo que a pessoa é, porque não nos comportamos da mesma forma em relação aos nossos amigos e familiares como em relação a estranhos. Sentimos necessariamente uma maior afectividade pelos nossos familiares e amigos do que por estranhos, em parte porque também a nossa responsabilidade e os nossos deveres em relação aos nossos familiares e amigos são diferentes.
Se seguíssemos sempre em todas as nossas acções o critério utilitarista da imparcialidade, o mais certo era acabarmos por destruir as relações pessoais que mantemos com aquelas pessoas de que mais gostamos.
Para melhor perceber esta dificuldade do utilitarismo, imagine a seguinte situação:

 O Sr. Carlos, ao dirigir-se para casa, depara com um edifício próximo em chamas. É informado pelos vizinhos que se encontravam na rua de que ainda permanecem dentro do edifício duas pessoas, sendo uma delas um polícia e a outra o seu próprio filho. Como agiria o utilitarista na situação do Sr. Carlos?

 O utilitarista iria tentar primeiro salvar a vida do polícia e só depois a vida do seu filho. Porquê?
Porque o polícia é alguém cuja futura contribuição para a felicidade geral promete ser maior do que a contribuição do seu filho. Apenas agindo deste modo o utilitarista estaria a agir de acordo com o princípio da sua doutrina.
Mas podemos nós aceitar que um pai deixe voluntariamente um filho arder para salvar a vida de uma pessoa desconhecida? Dificilmente poderemos aceitar uma decisão destas por parte de um pai.    
Verificamos assim que não nos é possível agir sempre de acordo com o critério utilitarista da imparcialidade.  
Ora, se não nos é possível agir sempre de acordo com o critério utilitarista da imparcialidade, concluímos que o utilitarismo não é uma teoria aceitável.

In Platano Editora



                                                Lola

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