O egoísmo ético é a teoria que defende que devemos agir apenas em função do nosso interesse pessoal. (devemos viver atendendo apenas aos nossos interesses pessoais). É uma teoria normativa, no sentido em que nos diz como nos devemos comportar em toda e qualquer situação da nossa existência.
Admite a existência de actos altruístas, mas considera esses actos moralmente incorrectos. Não obstante, o egoísta ético não apenas aceita como defende que as outras pessoas realizem e promovam o altruísmo, porque, se as pessoas com as quais o egoísta ético se relaciona forem altruístas, o egoísta terá maiores probabilidades de promover os seus interesses pessoais. O egoísta ético desempenha assim um papel de “disfarce”, porque, por um lado, assume-se como egoísta ético e, por outro, pretende que as outras pessoas sejam altruístas.
Para o defensor do egoísmo ético, apenas seria válido agirmos visando os interesses dos outros, se essa mesma opção fosse uma forma de visarmos os nossos próprios interesses.
A teoria do egoísmo ético apoia-se na teoria do egoísmo psicológico, a qual defende que agimos sempre em função do nosso interesse pessoal.
O egoísmo psicológico
É uma teoria descritiva do nosso comportamento, no sentido em que nos diz que o comportamento humano é sempre motivado pela satisfação dos nossos próprios interesses.
Para o defensor do egoísmo psicológico, somos todos egoístas, porque, dada a disposição natural do nosso comportamento, sempre que agimos procuramos visar a satisfação dos nossos interesses.
Põe em causa todo o acto altruísta propriamente humano. (Para o egoísta psicológico, não faz sentido dizer que existem actos altruístas, porque, para ele, o comportamento humano encontra-se naturalmente motivado pela concretização dos nossos interesses pessoais.)
Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico:
1 - Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo de que mais gostamos e desejamos fazer.
Logo, somos todos egoístas.
2 - Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer.
Ora, a causa destas nossas acções é a de sabermos que vamos obter prazer com elas.
Logo, somos todos egoístas.
1 – Dificuldades do primeiro argumento:
No primeiro argumento, da premissa não se segue necessariamente a conclusão.
Do facto de, ao agirmos voluntariamente, fazermos aquilo de que mais gostamos ou desejamos fazer não se segue que sejamos egoístas.
Ex.: O Carlos ajudou um cão faminto que se encontrava junto à porta de sua casa dando-lhe comida. Já era hábito Carlos ajudar animais carenciados, sendo um tipo de acção que o Carlos sempre gostou de fazer. Ora, mas do facto do Carlos ter gostado de ajudar o cão faminto não se segue que a acção do Carlos tenha sido egoísta.
Ex.: O João deu dois euros a um mendigo que se encontrava sentado no passeio. O João sempre gostou de ajudar pessoas pobres, porque, como também já passou por algumas dificuldades económicas na vida, sabe o quão difícil e deprimente é viver nessa situação. Ora, mas do facto do Carlos ter ajudado o mendigo, dando-lhe uma esmola, não se segue que a acção do João tenha sido egoísta.
Nem sempre acontece que, quando agimos voluntariamente, façamos aquilo de que mais gostamos ou que mais desejamos fazer
Ex.: O Diogo decidiu ler no dia anterior os apontamentos das aulas para o teste. O Diogo tomou esta decisão voluntariamente. No entanto, não podemos afirmar que seja algo que o Diogo goste de fazer.
Ex.: A Leonor decidiu ir à aula de compensação de Filosofia, mas essa sua decisão não significa que tenha sido aquilo de que a Leonor mais gostasse ou que mais desejasse fazer.
2 – Dificuldades do segundo argumento.
No segundo argumento, da premissa não se segue necessariamente conclusão.
Do facto de, quando fazemos bem aos outros, sentirmos prazer, sendo este prazer a causa da nossa acção, não se segue que sejamos egoístas
Ex.: A Ana sentiu prazer ao ajudar uma senhora de idade a atravessar a rua, sabendo a Ana que, ao realizar a acção, esta lhe iria proporcionar prazer. Já era hábito a Ana ajudar pessoas idosas em dificuldades, porque é um género de acção que lhe dá prazer realizar. Ora, mas do facto da Ana saber que a acção de ajudar a senhora de idade a atravessar a rua lhe iria causar prazer não podemos concluir que a acção da Ana tenha sido egoísta. Este exemplo prova que nem sempre acontece que uma pessoa seja egoísta apenas pelo facto de essa pessoa saber que, ao realizar uma determinada acção, essa acção lhe irá proporcionar muito prazer naquele momento.
Nem sempre acontece que, ao fazermos bem aos outros, essa acção nos cause prazer.
Ex.: O Jaime teve de abater o seu cão devido ao sofrimento em que este se encontrava, provocado por uma doença. O Jaime tem consciência de que, ao abater o cão, agiu bem. No entanto, não podemos afirmar que o Jaime tenha sentido prazer com essa sua acção. Este exemplo prova que nem sempre acontece que, ao fazermos bem aos outros, essa acção nos proporcione prazer.
Ex.: A Catarina ao dar a injecção de insulina à Gabriela, sua prima, está a fazer-lhe bem, mas essa acção não lhe causa prazer. Certamente não lhe causa prazer ter de dar todos os dias uma injecção de insulina à Gabriela, pelo facto de Gabriela ser uma pessoa com diabetes elevados, mas tem consciência de que está a fazer bem à Gabriela.
• Põe-se assim em causa a tese de que somos todos egoístas.
Mas se, afinal, depois de apresentadas algumas das críticas aos argumentos do egoísta psicológico, concluímos que não somos todos egoístas, o egoísta ético pensa que, pelo menos, devemos procurar ser egoístas.
Para o egoísta ético, a nossa única obrigação moral é a de procurarmos visar o nosso próprio interesse, o nosso próprio bem-estar. Vamos então procurar averiguar se a teoria do egoísmo ético é aceitável.
O egoísmo ético
A teoria do egoísmo ético já não vai defender que aquilo que fazemos é aquilo de que mais gostamos ou que mais desejamos fazer, tal como o egoísta psicológico tinha defendido. O egoísmo ético já não comete o mesmo erro do egoísmo psicológico. Aquilo que fazemos é correcto, desde que seja uma forma de promover os nossos interesses pessoais, independentemente de ser algo que gostemos ou não de fazer.
Por outro lado, o egoísmo ético também já não vai defender o facto de sabermos que vamos obter prazer, que fazemos bem aos outros. O egoísmo ético também já não comete o mesmo erro do egoísmo psicológico. Para o egoísta ético, fazer bem aos outros é uma acção correcta, desde que essa acção seja uma forma de promover os nossos interesses pessoais. Agora, eu já não faço bem aos outros, porque sei que vou obter prazer com a sua realização, mas faço bem aos outros e apenas o faço se essa mesma acção for uma forma de promover os meus interesses. Assim, posso fazer bem aos outros, independentemente de essa acção me proporcionar ou não prazer.
Justificação do egoísmo ético
A ideia de que o altruísmo se auto - derrota:
Apenas podemos conhecer correctamente os nossos próprios desejos e necessidades.
Não podemos conhecer totalmente os desejos e necessidades das outras pessoas.
Ao fazermos bem aos outros, podemos estar a fazer mais mal do que bem.
Promover os interesses das outras pessoas apenas revela que as pessoas não são competentes para tratarem de si mesmas.
Ao promovermos os interesses das outras pessoas, estas deixam de ter confiança em si mesmas e tornam-se cada vez mais dependentes dos outros.
As pessoas beneficiadas com as nossas acções altruístas acabam com frequência por se sentirem ressentidas e mal agradecidas.
De notar que a razão de fundo que conduz o egoísta ético a defender estes argumentos tem a ver com o facto de ele acreditar que o indivíduo, ao agir dessa maneira – cada um lutando pelos seus próprios interesses –, terá maiores probabilidades de contribuir para o melhoramento social (na medida em que o egoísta ético acredita que o altruísmo conduz a uma negação do valor do indivíduo, porque ao promovermos os interesses dos outros estamos a sacrificar os nossos interesses em prol de outras pessoas e, portanto, a sacrificar a nossa própria vida).
Contra-exemplos aos argumentos anteriores:
- Alimentar crianças com fome. (Caso concreto: Uma pessoa portuguesa que decide ir num grupo voluntariado da Cruz Vermelha até à Somália, para ajudar crianças em estado de subnutrição, fornecendo-lhe alimentação e cuidados médicos.)
- Ajudar pessoas idosas nas mais diversas tarefas. (Caso concreto: Uma pessoa que decide juntar-se a um grupo de animação musical que vai actuar no lar da misericórdia da sua freguesia.)
Dificuldades da teoria do egoísmo ético.
1 – A razão pela qual o egoísta ético argumenta a favor da sua perspectiva, não é própria de um egoísta.
A razão pela qual o egoísta ético defende a sua argumentação é a de acreditar que a pessoa, lutando pela promoção dos seus próprios interesses, acabará por ter maiores probabilidades de contribuir para o melhoramento social. Mas, na verdade, o egoísta ético não pode aceitar este princípio, porque o que ele está a dizer é que devemos procurar visar os nossos interesses pessoais, porque esse é o caminho mais adequado para promovermos o interesse da sociedade como um todo, ou seja, o interesse de todas as pessoas de uma dada sociedade.
Verifica-se aqui uma contradição entre aquilo que defende como princípio da sua teoria (devemos procurar agir de acordo com os nossos próprios interesses) e aquilo que pretende obter com a aplicação regular desse mesmo princípio (promover os interesses das outras pessoas). O egoísta ético estaria, assim, a afirmar-se, não como um egoísta, mas como um altruísta, num certo sentido específico – ao promover os nossos interesses, estaremos a promover os interesses de todas as outras pessoas.
2 – O egoísmo ético defende que uma acção é correcta, desde que esteja de acordo com os nossos próprios interesses.
Ex.: Sendo assim, de acordo com o egoísta ético, se o Luís tiver interesse em matar dois colegas de trabalho para subir mais rapidamente na empresa, deve fazê-lo. Para o egoísta ético, esta acção do Luís seria correcta, porque estaria de acordo com os seus interesses. Este exemplo prova que nem sempre acontece estarmos a agir de acordo com os nossos interesses e essa nossa acção ser correcta.
Ex.: «Uma menina de treze anos foi raptada por um vizinho, algemada e mantida num abrigo subterrâneo durante 181 dias, durante os quais foi submetida a abusos sexuais». Para o egoísta ético, esta acção seria correcta, porque estaria de acordo com os interesses do raptor que violou sexualmente a menina. Mas podemos nós aceitar este acto execrável? Mais uma vez se prova que o princípio da teoria do egoísmo ético não presta.
3 – O egoísmo ético retira toda a possibilidade de uma pessoa se aconselhar, mas também põe em causa a actividade de julgar.
Ex.: Se o Manuel necessitar de um conselho moral e o pedir a um egoísta ético, o egoísta ético vai dizer a essa pessoa, não aquilo que é melhor para ela, mas aquilo que é melhor para ele.
Por sua vez, a actividade de julgar passa também a ser interesseira (ou interessada no próprio). Sendo julgar uma actividade que deve ser imparcial e objectiva, para o egoísta ético, julgar (avaliar) passaria a ser apenas mais uma forma de promover os seus interesses pessoais. Imagine a situação de um egoísta ético ter de julgar moralmente um diferendo entre duas pessoas. A resolução desta situação pelo egoísta ético não seria a de avaliar e julgar de forma imparcial o diferendo, mas a de julgar o diferendo moral de forma a promover os seus próprios interesses. Verifica-se assim que, para o egoísta ético, a actividade de julgar deixa de fazer qualquer sentido. O egoísta ético não poderia certamente ser um bom juiz ou um bom político.
4 – O egoísmo ético é moralmente inconsistente.
Se o egoísta ético for coerente com a sua própria teoria, terá de aceitar que todos devemos procurar agir de forma a realizarmos os nossos próprios interesses. Ora, mas se todas as pessoas agirem visando os seus próprios interesses, o egoísta acabará por ficar prejudicado, precisamente pelas pessoas que procuram realizar os seus interesses tendo o próprio egoísta como meio para essa sua realização. Mas o egoísta não iria querer que alguém o prejudicasse nos seus interesses. Logo, o egoísta não poderia aceitar a adopção universal do egoísmo ético e, nesse sentido, também não pode aceitar o princípio da sua teoria.
5 – O egoísmo ético derrota-se a si próprio.
A pessoa que seguir a teoria do egoísmo ético vai acabar por levar uma vida de “disfarce” ou uma vida “fingida”, no sentido em que, por um lado, vai ter de ocultar dos outros o seu egoísmo (fazendo-se parecer perante os outros aquilo que não é) e, por outro, promover nos outros o altruísmo (fazendo com que os outros adoptem posturas altruístas). Esta tarefa é, por demais, arriscada e perigosa. Arriscada porque o seu verdadeiro carácter pode vir a ser descoberto, perigosa porque, ao ser descoberto o seu carácter, a sua vida irá tornar-se progressivamente mais isolada e cada vez mais miserável. O egoísta ético acabará assim por cair no desprezo por parte dos outros, mas também e, pior que tudo, por se desprezar a si mesmo.
Nota Final
Verificamos assim que a adopção do modo de vida do egoísta ético acaba por também conduzir o indivíduo a uma ruína do seu próprio bem-estar e felicidade, quando na verdade, inicialmente, até parecia que o iria precisamente promover. A teoria do egoísmo ético acabou por se revelar igualmente um fracasso.
Lola
In Plàtano Editora
Lola
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