Kant, Stuart Mill e Rawls: exercícios
A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas perspetivas filosóficas.
I
- ESCOLHA MÚLTIPLA
1. Leia o texto seguinte.
Quando Kant propõe (...), enquanto princípio
fundamental da moral, a lei «Age de modo que a tua regra de conduta possa ser
adotada como lei por todos os seres racionais», reconhece virtualmente que o
interesse coletivo da humanidade, ou, pelo menos, o interesse indiscriminado
da humanidade, tem de estar na mente do agente quando este determina
conscienciosamente a moralidade do ato. Caso contrário, Kant estaria [a] usar
palavras vazias, pois nem sequer se pode defender plausivelmente que mesmo
uma regra de absoluto egoísmo não poderia ser adotada por
todos os seres racionais, isto é, que a natureza das coisas coloca um
obstáculo insuperável à sua adoção. Para dar algum significado ao princípio
de Kant, o sentido a atribuir-lhe tem de ser o de que devemos moldar a nossa
conduta segundo uma regra que todos os seres racionais possam adotar com
benefício para o seu interesse coletivo. Stuart Mill, Utilitarismo,
Porto, Porto Editora, 2005. |
1.1. Segundo
Stuart Mill, Kant verdadeiramente valoriza:
A. as
circunstâncias da ação.
B. o
interesse da humanidade.
C. o
imperativo categórico.
D. um
imperativo hipotético.
1.2. Kant defende
que a ação moral é determinada:
A. pela
inclinação e pela boa vontade.
B. pelo
exemplo e pelo sentimento.
C. pela
razão e pelo dever.
D. pelo
bem-estar e pela felicidade.
1.3. Stuart Mill
defende que uma ação tem valor moral:
A. sempre
que o agente renuncia ao prazer.
B. quando a
intenção do agente é boa.
C. sempre
que resulta de uma vontade boa.
D. quando
dela resulta um maior bem comum.
1.4. Para Kant, a
lei «Age de modo que a tua regra de conduta possa ser adotada como lei por
todos os seres racionais» significa que:
A. os seres
racionais estão submetidos a leis objetivas.
B. as ações
morais são avaliadas segundo as leis vigentes.
C. as ações
morais são avaliadas pelas suas consequências.
D. os seres
racionais estão submetidos às suas emoções.
2. Leia
o texto seguinte.
O princípio da felicidade pode, sem
dúvida, fornecer máximas, mas nunca aquelas que serviriam de leis da vontade
(...). Podem certamente dar-se regras gerais, mas nunca
regras universais, isto é, regras que, em média, são corretas na
maior parte das vezes, mas não regras que devem ser sempre e necessariamente
válidas (...). Este princípio não prescreve, pois, a todos os seres racionais
as mesmas regras práticas, embora estejam compreendidas sob um título comum,
a saber, o de felicidade. Kant, Crítica da Razão Prática, Lisboa,
Edições 70, 1989. |
2.1. Segundo Kant,
o princípio da felicidade:
A. prescreve regras
universais, porque todas as pessoas as podem seguir.
B. é contrário à moral, porque
torna as pessoas egoístas.
C. é um princípio ético que a
todos impõe a beatitude.
D. pode fornecer regras, mas não uma lei
moral.
2.2. O texto de
Kant refere-se implicitamente ao imperativo categórico quando menciona:
A. as
máximas da ação.
B. as leis
da vontade.
C. regras em
média corretas.
D. o
princípio da felicidade.
2.3. Diferentemente
de Kant, Stuart Mill defende que a ação ética visa:
A. a obtenção do prazer pessoal e a
promoção de interesses individuais.
B. o prazer em realizar a ação
independentemente dos seus resultados.
C. a promoção do maior bem
comum.
D. o desejo do agente de
ser feliz.
2.4. A ética de
Stuart Mill pode ser classificada como:
A. hedonista,
porque a felicidade e a qualidade dos prazeres são o objetivo da vida boa.
B. hedonista,
porque a intensidade e a duração do prazer são o objetivo da vida boa.
C. deontológica,
porque o critério ético é a vontade enquanto determinante da ação.
D. deontológica,
porque o critério ético é o resultado das ações.
3. Leia
o texto seguinte.
A emoção dizia-nos: “A minoria
branca é o nosso inimigo, nunca devemos falar com eles.” Mas a cabeça
dizia-nos: “Se não falares com eles, o país vai explodir em chamas.” Tivemos
de reconciliar esse conflito. Falarmos com o inimigo foi o resultado desse
domínio da mente sobre a emoção. Nelson Mandela, citado em
editorial do Suplemento Especial do Público, em 6 de dezembro de
2013, p. VIII. |
Estas palavras de
Nelson Mandela exemplificam aquilo que Kant designou por:
A. entendimento.
B. autonomia.
C. heteronomia.
D. deliberação.
4. De acordo com a
ética utilitarista de Mill, mentir:
A. pode ser correto, dependendo das consequências.
B. é incorreto, porque nunca
se deve mentir.
C. pode ser correto, mas isso
não depende das consequências.
D. é correto, porque nenhuma
lei proíbe a mentira.
5. A maximização
da utilidade, defendida por Mill, obriga a:
A. considerar imparcialmente o bem de cada pessoa.
B. dar prioridade às pessoas
que nos são mais próximas.
C. satisfazer apenas o nosso
interesse próprio racional.
D. valorizar mais a comunidade
do que o indivíduo.
6. A
perspetiva ética de Mill enfrenta a objeção seguinte.
A. A felicidade não pode ser
uma questão meramente quantitativa.
B. É errado não dar prioridade
aos interesses da maioria das pessoas.
C. Temos de ser responsáveis pelas consequências do que fazemos.
D. Dar sempre prioridade à felicidade geral é demasiado
exigente.
7. De
acordo com a ética de Kant, o motivo moralmente válido para honrar compromissos
é:
A. o interesse dos envolvidos.
B. o benefício social.
C. o dever de o fazer.
D. a simpatia pelos
envolvidos.
8. Segundo Kant, o
imperativo categórico pode ser formulado do seguinte modo: age apenas
segundo uma máxima tal que:
A. ela se torne uma lei
universal.
B. ela se torne um hábito para
ti.
C. possas ao mesmo tempo querer que ela se torne um hábito para ti.
D. possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei
universal.
9. Kant consideraria
que uma pessoa que, motivada unicamente pelo sentimento de pena, ajudasse uma
criança perdida na praia a encontrar os seus pais:
A. praticaria uma ação com valor moral.
B. agiria em conformidade com o dever.
C. praticaria uma ação imoral.
D. agiria por dever.
10. A ética de
Kant pode ser criticada por:
A. não defender princípios
morais universalizáveis.
B. considerar que as pessoas
só devem ser tomadas como fins e nunca como meios.
C. não dar qualquer importância aos motivos dos agentes.
D. considerar que as ações motivadas apenas por compaixão não
têm valor moral.
11. Segundo Kant,
a máxima de que devemos diminuir os outros para ver reconhecida a nossa
superioridade não está de acordo com o imperativo categórico, tal como é
apresentado na fórmula da lei universal, porque:
A. a sua adoção por todos os
agentes teria consequências negativas.
B. não tem em conta o
interesse próprio de todos os agentes.
C. a sua adoção universal anularia o nosso sentimento de igualdade.
D. não é possível universalizá-la sem que ela se anule a si
mesma.
12. De acordo com
Kant, uma pessoa que, motivada pela obediência a um mandamento da religião que
professa, dá assistência a quem vive numa situação de pobreza:
A. não tem, neste caso, uma vontade autónoma.
B. age, neste caso, por
respeito à lei moral.
C. age, neste caso, apenas por
dever.
D. é uma pessoa que, neste
caso, se autodetermina.
13. De
acordo com Mill, geralmente temos a obrigação de dizer a verdade, porque:
A. a consequência de mentirmos
é sentirmo-nos infelizes.
B. a vítima da mentira pode
deixar de contribuir para o bem-estar social.
C. dizer a verdade decorre do
princípio de que devemos ser felizes.
D. dizer a verdade tende a produzir efeitos positivos no saldo
global de felicidade.
14. Muitas ações
geram simultaneamente felicidade e infelicidade, em vez de gerarem apenas
felicidade ou apenas infelicidade.
Em cada uma das alternativas seguintes,
são resumidas, de modo simplificado, as consequências de diferentes ações.
Identifique a alternativa que, mantendo-se tudo o resto igual, satisfaz melhor
o princípio da maior felicidade, defendido por Mill.
A. 25 unidades de prazer e 12
unidades de dor.
B. 17 unidades de prazer e 3
unidades de dor.
C. 12 unidades de prazer e 0
unidades de dor.
D. 19 unidades de prazer e 4
unidades de dor.
15. Segundo a
perspetiva utilitarista, a única coisa desejável por si mesma é:
A. a felicidade.
B. o dever.
C. a boa vontade.
D. a justiça.
16. Considere o
caso seguinte.
Um
agressor apoderou-se de um tanque de guerra e manifestou publicamente a
intenção de matar centenas de pessoas. Fez ainda um refém inocente, que
mantém no tanque, usando-o como escudo humano. Destruir o tanque, matando o
agressor e o refém, é a única alternativa capaz de evitar a morte de centenas
de pessoas. |
De acordo com a ética
de Mill, num caso como o apresentado:
A. é obrigatório abstermo-nos
de agir.
B. é permissível abstermo-nos
de agir.
C. é
obrigatório destruirmos o tanque.
D. é proibido sacrificarmos
inocentes.
17. De acordo com
a ética de Kant, temos a obrigação de respeitar os princípios seguintes:
– Nunca se deve violar
contratos.
– Nunca se deve quebrar
promessas.
Suponha que alguém
prometeu fazer algo, não se apercebendo de que isso implicava violar um
contrato.
Que problema levantaria
este caso à ética de Kant?
A. O primeiro princípio deverá
ser desrespeitado, pois tem menos força do que o segundo.
B. O segundo princípio deverá
ser desrespeitado, pois tem menos força do que o primeiro.
C. Os dois princípios deixam
de ter importância moral, pois mostram não ser universalizáveis.
D. O conflito de princípios é irresolúvel, pois ambos
constituem proibições absolutas.
18. Considere o
caso seguinte.
O Ministério da
Qualidade de Vida de um certo país adotou uma política utilitarista. |
A finalidade dessa
política é:
A. distribuir igualmente os
bens primários.
B. garantir que todos têm o que querem.
C. aumentar a felicidade ou bem-estar geral.
D. dar a todos as mesmas
oportunidades.
19. Considere a
seguinte recomendação moral, decorrente da ética utilitarista.
Se a Dona Maria dispõe de 50 000 euros, deve usá-los
para apoiar um programa de vacinação de 5000 crianças de um país pobre, em
vez de pagar um curso de teatro em Londres à sua neta, que deseja ser atriz. |
Há quem considere que recomendações como a
anterior mostram a implausibilidade do utilitarismo de Mill, porque:
A. levam a fazer algo que
ninguém estaria disposto a fazer.
B. nos obrigam a tratar os
outros como meros meios, e não como fins em si, contrariando as convicções
morais comuns.
C. levam a fazer algo cujos
resultados somos incapazes de prever.
D. mandam não ter em conta os nossos projetos e preferências
pessoais, contrariando as convicções morais comuns.
20. Imagine que o
Luís precisa urgentemente de medicamentos e que a única maneira de os conseguir
é pedir dinheiro emprestado a um amigo rico, sem ter a intenção de lhe pagar.
Neste caso, o Luís decidiu adotar a máxima «faz promessas enganadoras quando
não há outra forma de resolver os teus problemas pessoais».
Esta máxima pode ser
usada para fazer uma crítica à ética kantiana, dado ser razoável argumentar que
a máxima:
A. não é imoral, ainda que não seja racional querer
universalizá-la.
B. é imoral, ainda que venha a
ter aprovação dos agentes envolvidos.
C. não é imoral, embora seja
um imperativo categórico condicional.
D. é imoral, embora dê
prioridade às consequências da ação.
21. De acordo com
Mill:
A. os prazeres físicos e
sensuais nem sempre são inferiores.
B. apenas os animais têm
prazeres inferiores.
C. devemos renunciar aos prazeres inferiores para não nos rebaixarmos à condição animal.
D. são superiores os prazeres preferidos por quem tem
competência para os apreciar.
22. Considere os
seguintes enunciados sobre a comparação entre as teorias éticas de Kant e de
Stuart Mill.
As teorias: 1. apresentam critérios de moralidade distintos. 2. defendem que o valor moral da ação é relativo à
situação ou às circunstâncias. 3. reconhecem que as regras da moral comum se devem
subordinar a um princípio ético fundamental. 4. reconhecem que a felicidade é o fim último das
ações humanas. |
Deve afirmar-se que:
A. 1 e 2 são corretos; 3 e 4
são incorretos.
B. 4 é correto; 1, 2 e 3 são incorretos.
C. 1 e 3 são corretos; 2 e 4 são incorretos.
D. 1, 2 e 4 são corretos; 3 é
incorreto.
II
- Outras questões
1.Alguém decide doar
anonimamente toda a sua fortuna à UNICEF, porque encontra grande alegria no
alívio do sofrimento das crianças dos países pobres.
1.1. Enuncie o
princípio que, do ponto de vista utilitarista, permite justificar a correção
moral da ação descrita.
Mostra compreensão do princípio fundamental
do utilitarismo: uma ação é moralmente correta se realiza algo que promove a
maior felicidade do maior número de pessoas OU o valor moral de uma ação
depende das suas consequências.
1.2. De acordo com
Kant, a ação dessa pessoa é moralmente boa? Justifique.
– Não, porque é uma ação cujo motivo
determinante é a satisfação de uma inclinação (a alegria no alívio do
sofrimento das crianças) e não o cumprimento do dever.
– O valor moral da ação depende da
intenção do agente. Uma ação é moralmente boa apenas se o agente a praticou por
dever, ou seja, tendo como única intenção a obrigação de respeitar a lei moral.
2. Considere
o texto seguinte.
É
indiscutível que um ser cujas capacidades de prazer sejam baixas tem uma
probabilidade maior de as satisfazer completamente e que um ser amplamente
dotado sentirá sempre que, da forma como o mundo é constituído, qualquer
felicidade que possa esperar será imperfeita. (...) Tenho de
voltar a repetir o que os críticos do utilitarismo raramente têm a justiça de
reconhecer: que a felicidade que constitui o padrão utilitarista daquilo que
está certo na conduta não é a felicidade do próprio agente, mas a de todos os
envolvidos. (...) O motivo é
irrelevante para a moralidade da ação. Aquele que salva um semelhante de
se afogar faz o que está moralmente certo, seja o seu motivo o dever, seja a
esperança de ser pago pelo seu incómodo; aquele que trai um amigo que confia
em si é culpado de um crime, mesmo que o seu objetivo seja servir outro amigo
relativamente ao qual tem maiores obrigações. Stuart
Mill, Utilitarismo, trad. port., Porto, Porto Editora, 2005, pp.
51-59 (adaptado). |
2.1. Enuncie as
teses características do utilitarismo presentes no texto.
As teses presentes no texto são as
seguintes:
(1) Nem todos os prazeres contribuem da
mesma maneira para a felicidade, pois há prazeres inferiores (os corporais) e
prazeres superiores (os que decorrem da aplicação das nossas faculdades
intelectuais).
(2) A felicidade, ou bem-estar, consiste
apenas no prazer e na ausência de sofrimento.
(3) Uma ação é moralmente boa quando
maximiza a felicidade: as ações são moralmente corretas quando tendem a
promover a felicidade do maior número de pessoas e são moralmente erradas
quando tendem a promover o contrário.
(4) O utilitarismo é uma ética
consequencialista: o que determina o valor moral das nossas ações são os seus
resultados e não a intenção com que as praticamos.
2.2. Apresente uma
objeção à teoria utilitarista.
O examinando pode apresentar, entre outras,
uma das seguintes objeções ao utilitarismo:
– o utilitarismo
pode levar-nos a fazer coisas erradas, como matar, mentir ou roubar, na medida
em que matar, mentir ou roubar podem, em certas situações, maximizar a
felicidade de um maior número de pessoas: por exemplo, matar uma pessoa
solitária para lhe tirar os órgãos (coração, rins, fígado, etc.) com o objetivo
de salvar várias pessoas que necessitam deles;
– o utilitarismo reduz o
raciocínio moral a um simples cálculo sobre as consequências das nossas ações,
uma vez que, se o que conta são os resultados das nossas ações, temos de medir
a todo o momento os ganhos e as perdas relativos de todas as ações possíveis;
– o utilitarismo
pode, em numerosas situações, levar-nos à indecisão sobre o que devemos fazer,
dado que nem sempre podemos calcular quais são as ações que irão maximizar a
felicidade;
– ao contrário do que afirma o
utilitarismo, o nosso bem-estar não depende apenas do prazer que resulta das
nossas ações, pois não aceitaríamos que nos ligassem definitivamente a uma
máquina capaz de nos proporcionar todo o tipo de experiências aprazíveis que
possamos imaginar.
3. Leia o texto seguinte.
Ficaria eu
satisfeito de ver a minha máxima (de me tirar de apuros por meio de uma
promessa não verdadeira) tomar o valor de lei universal (tanto para mim como
para os outros)? E poderia eu dizer a mim mesmo: – Toda a gente pode fazer
uma promessa mentirosa quando se acha numa dificuldade de que não pode sair
de outra maneira? Em breve, reconheço que posso em verdade querer a mentira,
mas que não posso querer uma lei universal de mentir; pois, segundo uma tal
lei, não poderia propriamente haver já promessa alguma (...). Por
conseguinte, a minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia
a si mesma necessariamente. Kant, Fundamentação
da Metafísica dos Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960. |
3.1. Explique, a
partir do exemplo do texto, por que razão o ato de mentir nunca é moralmente
permissível, segundo Kant.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou
outros considerados relevantes e adequados:
– identificação das condições de
moralidade de um ato, segundo Kant;
– articulação entre máxima,
universalidade e lei moral;
– aplicação da lei moral kantiana ao
exemplo do texto.
3.2. Compare o
papel da intenção do agente na ética de Kant com o papel da intenção do agente
na ética de Stuart Mill.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou
outros considerados relevantes e adequados:
– distinção do critério de avaliação
moral das ações em Kant – a intenção do agente – e em Stuart Mill – as
consequências das ações;
– clarificação do conceito de «dever»
e/ou de «imperativo categórico» na ética kantiana e do «princípio da maior
felicidade» em Stuart Mill.
4. Leia
o texto seguinte.
Ora, todos os imperativos ordenam
ou hipotética ou categoricamente. Os hipotéticos
representam a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar
qualquer outra coisa que se quer (ou que é possível que se queira). O
imperativo categórico seria aquele que nos representasse uma ação como
objetivamente necessária por si mesma, sem relação com qualquer outra
finalidade. (...) No caso de a ação ser apenas
boa como meio para qualquer outra coisa, o imperativo é hipotético;
se a ação é representada como boa em si, por conseguinte, como
necessária numa vontade em si conforme à razão, como princípio dessa vontade,
então o imperativo é categórico. Kant, Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 2011. |
4.1. A partir do
texto, mostre por que razão, para Kant, a ação com valor moral se fundamenta no
imperativo categórico e não em imperativos hipotéticos.
Na sua resposta, integre, de forma
pertinente, informação do texto.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou
outros considerados relevantes e adequados.
– Caracterização da ação moral em Kant:
as ações com valor moral são feitas por dever, ou seja, nelas o cumprimento do
dever é um fim em si mesmo.
– Distinção entre imperativo categórico
e imperativo hipotético: o imperativo categórico envolve uma obrigação absoluta
ou incondicional e o imperativo hipotético é uma obrigação condicional.
– Identificação do imperativo
categórico como imperativo da moralidade: o imperativo categórico exige que se
cumpra o dever por dever (por simples respeito pela lei moral).
4.2. Será que há
deveres morais absolutos?
Compare as respostas de Kant e de Stuart
Mill a esta questão.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou
outros considerados relevantes e adequados.
– Caracterização do conceito de dever
moral absoluto: os deveres morais absolutos são obrigações que devem ser sempre
cumpridas.
– Explicitação do
imperativo categórico como obrigação moral absoluta, em Kant: o imperativo
categórico exige conformidade da máxima da ação com a universalidade da lei;
não admite situações em que seja aceitável violar a lei moral, impondo,
portanto, deveres morais absolutos.
– Explicitação do princípio de
utilidade, em Stuart Mill: o princípio de utilidade exige que das nossas ações
resulte a maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas;
admite situações em que violar uma regra é aceitável, pelo que não há deveres
morais absolutos, exceto a própria procura da felicidade.
5. Leia o texto seguinte.
Não existe
sistema moral algum no qual não ocorram casos inequívocos de obrigações em
conflito. Estas são as verdadeiras dificuldades, os momentos intrincados na
teoria ética e na orientação conscienciosa da conduta pessoal. São
ultrapassados, na prática, com maior ou menor sucesso, segundo o intelecto e
a virtude dos indivíduos; mas dificilmente pode alegar-se que alguém está
menos qualificado para lidar com eles por possuir um padrão último para o
qual podem ser remetidos os direitos e os deveres em conflito. Se a utilidade
é a fonte última das obrigações morais, pode ser invocada para decidir entre
elas quando as suas exigências são incompatíveis. Embora a aplicação do
padrão possa ser difícil, é melhor do que não ter padrão algum (...). Stuart
Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005 (adaptado). |
5.1. Stuart Mill
afirma que «a utilidade é a fonte última das obrigações morais».
Esclareça o conceito de
«utilidade», integrando-o na ética de Stuart Mill.
A resposta integra os seguintes
aspetos, ou outros considerados relevantes e adequados.
– Esclarecimento da raiz hedonista do
princípio da utilidade:
• uma ação é útil quando promove
a felicidade;
• a felicidade consiste no prazer
e na ausência de dor;
• a obrigação moral básica é que
a nossa ação, nas circunstâncias em que ocorre, maximize a felicidade para o
maior número possível de pessoas por ela afetadas;
• os interesses de todos os
afetados por uma ação devem ser tidos em conta de forma imparcial.
– Explicitação da natureza
consequencialista e utilitarista da ética de Stuart Mill:
• o princípio da utilidade é o único
critério em que se baseia a avaliação moral de uma ação;
• o valor moral de uma ação
depende das suas consequências (são moralmente boas as ações que têm as
melhores consequências possíveis).
5.2. Atente na
primeira afirmação do texto de Stuart Mill:
Não existe
sistema moral algum no qual não ocorram casos inequívocos de obrigações em
conflito. |
Confronte as
perspetivas de Kant e de Stuart Mill acerca da forma de resolver conflitos de
obrigações.
Na sua resposta, recorra a um exemplo de
conflito de obrigações.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou
outros considerados relevantes e adequados.
– Apresentação dos aspetos da
perspetiva deontológica de Kant relevantes para o problema da resolução dos
conflitos de obrigações:
• de acordo com a ética kantiana,
há deveres absolutos (obrigações), que não admitem exceção;
• nos casos em que ocorrem
conflitos de obrigações, a ética kantiana parece não dar uma resposta
satisfatória.
– Apresentação dos aspetos da
perspetiva consequencialista de Stuart Mill relevantes para o problema da
resolução dos conflitos de obrigações:
• a ética de Stuart Mill procura
encontrar uma solução para os casos de conflitos de obrigações ao propor a
utilidade como critério de decisão moral;
• segundo Stuart Mill, devemos
escolher a ação que maximize a felicidade da maioria das pessoas envolvidas (ou
que minimize a sua infelicidade).
– Apresentação de um exemplo de
conflito de obrigações:
• segundo Kant, salvar uma vida,
quando esse ato está ao nosso alcance, e não mentir são deveres absolutos; mas
há casos em que, para salvar uma vida, é necessário mentir, como no caso das
pessoas que conheciam o paradeiro de judeus e tinham de mentir a quem os
perseguia se quisessem salvá-los; a solução da ética kantiana para o conflito
de obrigações não é clara;
• segundo Stuart Mill, a solução
seria claramente mentir, pois mentir é a ação mais útil.
6. Leia
o texto seguinte.
O valor
moral da ação não reside, portanto, no efeito que dela se espera (...). Nada
senão a representação da lei em si mesma, que em
verdade só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado
efeito, que determina a vontade, pode constituir o bem excelente a que
chamamos moral, o qual se encontra já presente na própria pessoa que age
segundo esta lei, mas não se deve esperar somente do efeito da ação. Kant, Fundamentação
da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, pp. 31-32
(adaptado). |
Compare, a partir do
texto, a perspetiva de Kant com a de Mill relativamente àquilo que determina o
valor moral da ação.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Comparação das perspetivas de Kant e de
Mill:
– na perspetiva de Kant, as
consequências são irrelevantes para determinar o valor moral da ação; na
perspetiva de Mill, as consequências determinam o valor moral da ação;
– na perspetiva de Kant, uma ação é boa
dependendo da intenção do agente; na perspetiva de Mill, uma ação é boa se é
útil;
– na perspetiva de Kant, uma ação é boa
quando é feita por respeito à lei moral; na perspetiva de Mill, uma ação é boa
se produz a maior felicidade para o maior número.
7. Leia
o texto seguinte.
É, na verdade, conforme ao dever
que o merceeiro não suba os preços ao comprador inexperiente, e, quando o
movimento do negócio é grande, o comerciante esperto também não faz
semelhante coisa, mas mantém um preço fixo geral para toda a gente, de forma
que uma criança pode comprar no seu estabelecimento tão bem como qualquer
outra pessoa. É-se, pois, servido honradamente; mas isso ainda
não é bastante para acreditar que o comerciante assim proceda por dever e por
princípios de honradez; o seu interesse assim o exige (...). Kant, Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 27 (adaptado). |
7.1. Distinga,
partindo do exemplo dado por Kant, agir por dever de agir
em conformidade com o dever.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Distinção, recorrendo ao exemplo do texto,
entre agir por dever e agir em conformidade com o
dever:
– a ação em conformidade com o dever
pode ser motivada por inclinações, como o interesse próprio / o comerciante
agiria em conformidade com o dever se, ao fixar um preço igual para todos,
fosse motivado pelo seu interesse em manter a clientela;
– a ação realizada por dever é
exclusivamente motivada pelo dever / o comerciante agiria por dever se fosse
motivado a fixar um preço igual para todos apenas pelo dever de ser honesto;
– a ação em conformidade com o dever,
apesar de não ser contrária ao dever, não tem valor moral;
– a ação realizada por dever é a única
moralmente boa.
7.2. Explique,
de acordo com Kant, a relação entre autonomia e boa vontade.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação da relação entre autonomia e boa
vontade:
– a vontade é autónoma quando se
autodetermina (racionalmente);
– a vontade é autodeterminada quando
não depende de qualquer princípio que lhe seja exterior / de inclinações, mas
apenas (do uso incondicionado) da razão;
– só uma vontade autónoma pode ser boa.
8. Leia
o texto seguinte.
É
perfeitamente compatível com o princípio de utilidade reconhecer que alguns
tipos de prazer são mais desejáveis do que outros (...). É melhor
ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser um Sócrates
insatisfeito do que um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma
opinião diferente, é porque só conhecem o seu próprio lado da questão. A
outra parte da comparação conhece ambos os lados. Stuart
Mill, Utilitarismo, Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 52-54 (adaptado). |
Caracterize, a partir
do texto, a perspetiva de Mill sobre a felicidade.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Caracterização da perspetiva de Mill sobre a
felicidade:
– a perspetiva de Mill é hedonista: a
felicidade consiste no prazer e na ausência de dor;
– no hedonismo de Mill, distinguem-se
dois tipos de prazer: prazeres inferiores e prazeres superiores;
– os prazeres inferiores são os
prazeres dos sentidos, e os prazeres superiores são os prazeres que envolvem as
nossas capacidades intelectuais;
– para o cálculo da felicidade contam a
quantidade e a qualidade dos prazeres.
9. Leia
o texto seguinte.
Pelo que
diz respeito ao dever necessário ou estrito para com os outros, aquele que
tem a intenção de fazer a outrem uma promessa mentirosa reconhecerá
imediatamente que quer servir-se de outro homem simplesmente como meio, sem
que este último contenha, ao mesmo tempo, o fim em si. Pois aquele que eu
quero utilizar para os meus intuitos por meio de uma tal promessa não pode,
de modo algum, concordar com a minha maneira de proceder a seu respeito, não
pode, portanto, conter em si mesmo o fim desta ação. Kant, Fundamentação
da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 2009, p. 74. |
Justifique, a partir do
texto, que fazer falsas promessas é imoral, segundo Kant.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Justificação da imoralidade das falsas
promessas, segundo Kant:
– fazer uma promessa com a intenção de
não a cumprir é servir-se do outro simplesmente como um meio / tendo em vista
apenas a satisfação dos interesses ou das inclinações do agente;
– tratar os outros apenas como meios,
não respeitando a sua qualidade de seres racionais, é desrespeitar a sua
dignidade como pessoas;
– quem faz uma falsa promessa viola o
dever absoluto de respeitar a humanidade, tanto na sua pessoa como na dos
outros;
– quem faz uma falsa promessa segue uma
máxima que não é universalizável.
10. Haverá alguma
circunstância em que seja moralmente aceitável matar uma pessoa inocente,
sem o seu consentimento, para salvar a vida de outras cinco pessoas?
Apresente as
respostas que Kant e que Mill dariam à questão anterior, comparando-as.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Comparação das respostas de Kant e de Mill:
– Kant diria que em nenhuma
circunstância é moralmente aceitável matar uma pessoa inocente, sem o seu
consentimento, para salvar a vida de outras cinco pessoas, ao passo que Mill
diria que, numa circunstância excecional, é moralmente aceitável sacrificar a
vida de uma pessoa para salvar a vida de outras cinco pessoas;
– Kant apresentaria o imperativo
categórico para justificar a sua opção, enquanto Mill justificaria a opção
contrária por meio do princípio de utilidade:
• de acordo com Kant, a máxima de
matar alguém para salvar um maior número de pessoas viola a fórmula da lei
universal, pois não podemos querer que tal máxima se torne uma lei universal
(OU a fórmula da humanidade do imperativo categórico estabelece o dever de
nunca usar a humanidade, seja na sua pessoa ou na pessoa de qualquer outro,
apenas como meio, mas sempre como um fim em si mesma; por essa razão, matar uma
pessoa, sem o seu consentimento, seria usar essa pessoa apenas como meio, não respeitando
a sua dignidade de ser um fim em si mesma em todas as circunstâncias);
• o princípio de utilidade,
defendido por Mill, estabelece o dever de maximizar a felicidade geral; assim,
havendo apenas a opção de matar uma pessoa para salvar outras cinco e a opção
de não matar uma pessoa deixando outras cinco morrerem, o princípio de
utilidade dita como moralmente certa a opção de matar uma pessoa para salvar
cinco pessoas, dado ser esta a opção que promove um total de felicidade maior.
11. «Não mintas se
queres que acreditem em ti quando dizes a verdade.»
O imperativo anterior é
hipotético ou categórico?
Justifique a sua resposta, distinguindo os
dois tipos de imperativo.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Identificação do imperativo:
– imperativo hipotético.
Justificação da resposta:
– de acordo com o imperativo
apresentado, o dever de não mentir é respeitado na condição de querermos que
acreditem em nós quando dizemos a verdade;
– de acordo com o imperativo apresentado,
o dever de não mentir é condicional e, assim, o imperativo que o ordena é
hipotético;
– para ser categórico, um imperativo
tem de ordenar incondicionalmente um dever (por exemplo, ordenando do seguinte
modo: «não mintas porque não deves mentir»);
– nesse caso, o dever de não mentir
teria de ser respeitado em qualquer circunstância, e não apenas na
circunstância de querermos que acreditem em nós quando dizemos a verdade.
12. Leia o texto.
Compete à
ética dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por meio de que teste podemos
conhecê- -los, mas
nenhum sistema de ética exige que o único motivo do que fazemos seja o
sentimento do dever; pelo contrário, noventa e nove por cento de todas as
nossas ações são realizadas por outros motivos – e bem realizadas, se a regra
do dever não as condenar. (...) O motivo, embora seja muito relevante para o
valor do agente, é irrelevante para a moralidade da ação. Aquele que salva um
semelhante de se afogar faz o que está moralmente certo, seja o seu motivo o
dever, seja a esperança de ser pago pelo incómodo; aquele que trai um amigo
que confia em si é culpado de um crime, mesmo que o seu objetivo seja servir
outro amigo relativamente ao qual tem maiores obrigações. Stuart
Mill, Utilitarismo, Porto, Porto Editora, 2005, pp. 58-59
(adaptado). |
12.1. Identifique
a tese de Mill, exposta no texto, acerca da moralidade da ação.
Justifique a sua
resposta com uma citação relevante do texto.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Identificação da tese de Mill acerca da
moralidade da ação:
– a moralidade não depende do motivo
que determina a ação (ou da intenção com que a ação é realizada) (mas dos seus
resultados, ou das suas consequências).
Justificação mediante uma citação relevante:
– segundo Mill, «O motivo, embora seja
muito relevante para o valor do agente, é irrelevante para a moralidade da
ação» (ou «Aquele que salva um semelhante de se afogar faz o que está
moralmente certo, seja o seu motivo o dever, seja a esperança de ser pago pelo
incómodo») (ou «aquele que trai um amigo que confia em si é culpado de um
crime, mesmo que o seu objetivo seja servir outro amigo relativamente ao qual
tem maiores obrigações»).
12.2. No texto,
lê-se que «Compete à ética dizer-nos quais são os nossos deveres, ou por meio
de que teste podemos conhecê-los». Segundo Kant, esse teste é o do imperativo
categórico.
Explique como funciona
o teste proposto por Kant. Na sua resposta, recorra a um exemplo.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação do funcionamento do teste:
– o imperativo categórico ordena «Age
apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne
lei universal»;
– segundo Kant, podemos derivar todos
os nossos deveres deste imperativo;
– quando nos preparamos para agir,
devemos perguntar a nós próprios qual é a máxima que determina a nossa ação e
se podemos querer sem contradição que essa máxima se converta em lei universal
(ou se podemos querer sem contradição que todos sejam determinados por ela);
– se não podemos, a ação é contrária ao
dever e devemos abster-nos de a realizar.
Apresentação de um exemplo:
– o João precisa de dinheiro e admite
pedi-lo a um amigo, prometendo pagar-lho no mês seguinte, embora saiba que não
o fará; se o fizesse, o João estaria a seguir a máxima segundo a qual se pode
fazer uma promessa falsa para resolver problemas; o João não pode querer que
essa máxima se torne uma lei universal, pois uma tal lei destruiria a
possibilidade de haver promessas; consequentemente, se fizer uma promessa
falsa, o João age contra o dever.
13. Leia o texto.
Que outra coisa pode ser, pois, a
liberdade da vontade senão autonomia, isto é, a propriedade da vontade de ser
lei para si mesma? (...) Vontade livre e vontade submetida a leis morais são
uma e a mesma coisa. Kant, Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 94 (adaptado). |
Explique por que razão,
segundo Kant, «vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a
mesma coisa».
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação, de acordo com Kant, da razão
pela qual «vontade livre e vontade submetida a leis morais são uma e a mesma
coisa»:
– uma vontade livre é uma vontade
autónoma, e a autonomia consiste em não se deixar determinar por algo exterior
a si, como os costumes, as leis (dos Estados), as religiões ou as inclinações
naturais (instintos, emoções, desejos ou interesses pessoais);
– a vontade de um ser racional só é
livre ou autónoma se o princípio que a determina for, ele próprio, racional, ou
seja, se esse princípio for a lei moral;
– a liberdade da vontade consiste na
submissão a leis morais que nós próprios, enquanto seres racionais,
estabelecemos.
14. Será que, de
acordo com a ética utilitarista de Mill, quando calculamos as consequências dos
nossos atos, temos a obrigação de dar prioridade aos nossos familiares, amigos
e vizinhos mais próximos? Porquê?
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Apresentação da resposta:
– de acordo com a ética utilitarista de
Mill, quando calculamos as consequências dos nossos atos, não temos a obrigação
de dar prioridade aos nossos familiares, amigos e vizinhos mais próximos (mais
do que isso: temos a obrigação de não dar prioridade aos nossos familiares,
amigos e vizinhos mais próximos).
Justificação da resposta:
– o cálculo das consequências dos
nossos atos subordina-se ao princípio de utilidade, que ordena a maximização da
felicidade, ou seja, que obriga a agir de modo a obter o maior saldo total de
felicidade;
– no cálculo da felicidade, que deve
ser imparcial, a felicidade de cada um dos envolvidos conta o mesmo (OU como
apenas importa o saldo global de felicidade decorrente da ação, não é relevante
se é a felicidade de uma pessoa que nos é próxima ou a de qualquer outra pessoa
afetada pela nossa ação que (mais) contribui para esse saldo).
15. Leia o texto.
Numa associação industrial cooperativa, será justo
que o talento e a perícia deem direito a uma remuneração superior? Os que
respondem negativamente defendem que aqueles que fazem o melhor que podem
merecem ser pagos da mesma maneira, e que seria injusto colocá-los numa
posição de inferioridade por algo de que não têm culpa. (...) A favor da
perspetiva contrária, alega-se que a sociedade recebe mais do trabalhador
mais eficiente, e que, como os seus serviços são mais úteis, a sociedade lhe
deve uma maior compensação. (...) Como escolher entre estes apelos a
princípios de justiça rivais? Neste caso, a justiça tem dois lados, sendo
impossível harmonizá-los, e os dois disputadores escolheram lados opostos –
um olha para aquilo que é justo que o indivíduo receba; o outro, para aquilo
que é justo que a comunidade lhe dê. Cada uma destas posições é, do ponto de
vista de cada disputador, incontestável, e qualquer opção por uma delas (...)
tem de ser completamente arbitrária. Só a utilidade social pode decidir a
prioridade. Stuart Mill, Utilitarismo, Porto, Porto
Editora, 2005, pp. 98-99 (adaptado). |
15.1. Explique o
princípio geral, indicado por Mill, que permite resolver de forma não
arbitrária conflitos entre princípios rivais, como o exemplificado no texto.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação do princípio geral, indicado por
Mill, que permite resolver de forma não arbitrária conflitos entre princípios
rivais, como o exemplificado no texto:
– só a «utilidade social» permite
decidir qual dos princípios de justiça em conflito tem prioridade (se o
princípio segundo o qual «aqueles que fazem o melhor que podem merecem ser
pagos da mesma maneira», ou se o princípio segundo o qual ao «trabalhador mais
eficiente (...) a sociedade (...) deve uma maior compensação»);
– o princípio da utilidade determina
que se deve promover sempre a maximização da felicidade;
– de acordo com o princípio da
utilidade, tem prioridade o princípio de justiça que, numa dada circunstância,
maximiza (de forma imparcial) a felicidade geral.
16. Quando agimos
moralmente, a felicidade é a coisa que mais importa?
Na sua resposta, deve:
– identificar inequivocamente a perspetiva
que defende;
– argumentar a favor da perspetiva que
defende.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Apresentação inequívoca da posição
defendida.
Justificação da perspetiva defendida:
No caso de o examinando considerar que,
quando agimos moralmente, a felicidade é a coisa que mais importa:
– a felicidade é aquilo que, por si
mesmo, as pessoas desejam (é o bem último);
– a felicidade consiste no prazer e na
ausência de dor (ou sofrimento);
– as ações são moralmente boas na
medida em que promovem a felicidade, aumentando o prazer ou diminuindo a dor
daqueles que são afetados por elas;
– uma ação que vise promover apenas a
felicidade do agente não é considerada boa, pois agir moralmente exige que
sejamos imparciais, promovendo a felicidade da maioria;
– deveres morais, como não matar ou não
roubar, não têm importância (valor) em si mesmos, mas apenas na medida em que
promovem a felicidade da maioria;
– sabemos por experiência que a adoção
de princípios morais contribui para a felicidade da maioria, e, na maior parte
dos casos, agir moralmente equivale a seguir esses princípios.
No caso de o examinando considerar que,
quando agimos moralmente, a felicidade não é a coisa que mais importa:
– além da felicidade, há outras coisas
que têm importância em si mesmas: por exemplo, a integridade, a autonomia, a
liberdade ou a justiça;
– se a integridade, a autonomia, a
liberdade ou a justiça têm importância em si mesmas, em nenhuma circunstância
se justifica que sejam violadas;
– a integridade, a autonomia, a
liberdade ou a justiça não estão subordinadas à felicidade da maioria e não
podem ser violadas, ainda que, desse modo, a felicidade da maioria fosse
maximizada;
– a moralidade não depende da felicidade,
mas de deveres que têm de ser adotados, sejam quais forem as consequências para
a felicidade da maioria;
– agir de acordo com o dever de não
matar ou de não roubar, por exemplo, é justificado pelo respeito que as pessoas
merecem;
– respeitar as pessoas requer que a sua
dignidade seja tomada como inviolável, e isso significa que devem ser sempre
consideradas como fins em si mesmas, o que implica, por exemplo, que a sua
autonomia, a sua liberdade ou a sua integridade devam ser sempre atendidas.
17. Leia o texto
seguinte.
Ser caritativo quando se pode
sê-lo é um dever, e há, além disso, muitas almas de disposição tão compassiva
que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse pessoal, acham
íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e se podem alegrar com o
contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo, porém, que,
neste caso, uma ação deste tipo, ainda que seja conforme ao dever, ainda que
seja amável, não tem qualquer verdadeiro valor moral (...). Kant, Fundamentação da Metafísica
dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 28 (adaptado). |
Por que razão Kant
afirma que o tipo de ação descrito no texto anterior não tem valor moral?
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Apresentação da razão pela qual o tipo de
ação descrito não tem valor moral:
– a ação caritativa descrita resulta de
uma disposição compassiva (de um sentimento de compaixão), e é motivada pelo
prazer que dela retira quem a pratica, em virtude do contentamento que
proporciona aos outros;
– de modo a ter valor moral, a ação
descrita teria de ser determinada pelo dever / a ação descrita teria de ter
como motivo o respeito pelo dever;
– o que distingue uma ação por dever de
uma ação meramente conforme ao dever, como é o caso desta ação (caritativa), é
o motivo ou a intenção do agente;
– por resultar de uma
disposição/inclinação, a ação caritativa descrita, ainda que seja conforme ao
dever, não foi feita por dever, o que a impede de ter valor moral.
18. Atente no
problema apresentado no caso seguinte.
Circulam já alguns automóveis autónomos, ou seja,
capazes de se conduzirem a si próprios. As empresas envolvidas na produção de
automóveis autónomos têm feito grandes progressos, e os problemas
tecnológicos levantados pela exigência de autonomia estão quase resolvidos.
Subsiste, todavia, um problema ético: os automóveis autónomos podem ser
programados para, em caso de acidente iminente, darem prioridade à segurança
dos seus passageiros ou, em alternativa, darem prioridade à minimização do
número total de vítimas. |
Qual das duas
programações referidas seria adotada por um defensor da ética de Mill?
Justifique.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros equivalentes.
Apresentação da solução que um defensor da
ética de Mill adotaria:
– os automóveis autónomos devem ser
programados para, em caso de acidente iminente, darem prioridade à minimização
do número total de vítimas.
Justificação da solução apresentada:
– o princípio ético defendido por Mill
é o princípio da maior felicidade;
– de acordo com o princípio da maior
felicidade, temos o dever de promover imparcialmente a felicidade geral;
– no caso em questão, promover
imparcialmente a felicidade geral implica optar pela solução que minimiza o
número total de vítimas, atribuindo igual importância aos passageiros do
automóvel autónomo e a todas as outras pessoas envolvidas no acidente.
19. Leia o texto
seguinte.
O utilitarismo exige que o agente seja tão
estritamente imparcial entre a sua própria felicidade e a dos outros como um
espectador desinteressado e benevolente. Stuart Mill, Utilitarismo,
Lisboa, Gradiva, 2005, pp. 63-64. |
Há quem critique a
exigência referida no texto por ser excessiva.
Dê um exemplo que
ilustre essa crítica ao utilitarismo. Na sua resposta, comece por explicitar a
exigência referida no texto.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicitação da exigência referida no texto:
‒ a ética utilitarista exige que o
agente maximize a felicidade geral de modo imparcial, atribuindo tanta
importância à sua felicidade como à de todos os afetados pela sua ação
(incluindo pessoas com as quais não tem uma relação pessoal).
Apresentação de um exemplo que ilustra a
crítica de que o utilitarismo é demasiado exigente:
Nota – O exemplo apresentado deve ilustrar a
seguinte ideia: a maximização imparcial da felicidade geral exige que
abdiquemos de satisfazer preferências pessoais ou que abdiquemos de recursos
que excedam o estritamente necessário para termos uma vida sem privações.
‒ (a Adriana sabe que) há crianças no
mundo que não dispõem de recursos básicos e (que) o dinheiro que gasta para
fazer coisas que valoriza, como comprar roupa nova, sair com os amigos, ir a
espetáculos ou viajar, acrescenta algum bem-estar à sua vida, mas poderia
acrescentar um maior bem-estar a crianças muito pobres;
‒ (a Adriana está consciente de que,)
para maximizar a felicidade geral de modo imparcial, teria de prescindir de
muitas das coisas que valoriza / teria de ter uma vida muito insatisfatória.
20. Leia o texto seguinte.
Age de tal maneira que uses a
humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. Kant, Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1988, p. 69. |
Mostre como se poderia usar a fórmula do imperativo
categórico apresentada para condenar a mentira.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação de como se poderia usar a fórmula
do imperativo categórico apresentada para condenar a mentira:
– de acordo com a fórmula apresentada,
é errado agir de tal modo que alguém seja usado como um mero meio;
– quando mentimos a alguém, estamos a
condicionar as decisões dessa pessoa de acordo com os nossos interesses;
– ao condicionar uma pessoa de acordo
com os nossos interesses, estamos a instrumentalizá-la (OU a tratá-la como um
mero meio).
21. Leia o texto seguinte.
Uma pessoa, por uma série de
desgraças, chegou ao desespero (...). A sua máxima (...) é a seguinte: Por
amor de mim mesmo, admito como princípio que, se a vida, prolongando-se, me
ameaça mais com desgraças do que me promete alegrias, devo encurtá-la. (...)
Vê-se então (...) que uma natureza cuja lei fosse destruir a vida em virtude
do mesmo sentimento cujo objetivo é suscitar a sua conservação se contradiria
a si mesma. Kant, Fundamentação
da Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1986, p. 63. |
21.1. Explique como Kant, recorrendo à fórmula da lei
universal do imperativo categórico, condena o suicídio.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação do modo como Kant condena o
suicídio recorrendo à fórmula da lei universal do imperativo categórico:
‒ de acordo com o imperativo
categórico, para uma ação ser moralmente boa, o agente tem de poder querer que
a máxima que a determina seja uma lei universal (da natureza);
‒ se a máxima que determina o agente,
no caso considerado, fosse uma lei universal (da natureza), haveria uma
contradição na natureza, pois evitar o que é desagradável e nos ameaça
determinaria, simultaneamente, pôr fim à vida/«destruir a vida» e conservá-la;
‒ assim, a máxima que determina o
suicídio não poderia ser uma lei universal (da natureza).
21.2.
Segundo Kant, uma pessoa que, nas circunstâncias descritas no texto, optasse
pelo suicídio agiria de modo autónomo ou heterónomo? Justifique a sua resposta.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Identificação do modo de ação em causa:
‒ a pessoa agiria de modo heterónomo.
Justificação:
‒ a vontade da pessoa que optasse pelo
suicídio seria determinada por uma inclinação («o amor de si mesmo» / o desejo
de se subtrair aos aspetos desagradáveis ou insuportáveis da vida / o
amor-próprio);
‒ por conseguinte, a sua vontade não
seria determinada unicamente pela razão (que proíbe o suicídio).
22. Leia os dois textos seguintes, um de Kant e outro de Mill.
Aquele que diz uma mentira, por
muito bem-intencionado que possa ser, tem de ser responsável pelas suas
consequências (...), ainda que estas possam ter sido imprevisíveis; pois a
veracidade é um dever que tem de ser entendido como a base de todos os
deveres decorrentes de um contrato, cuja lei se torna incerta e inútil caso
se admita a menor exceção. Por conseguinte, ser verídico
(honesto) em todas as declarações é um mandamento sagrado da razão (...). Kant,
«Sobre um Suposto Direito de Mentir por Amor à Humanidade», in A Paz
Perpétua e Outros Opúsculos, Lisboa, Edições 70, 1989, pp. 175-176
(adaptado). |
Todos os moralistas reconhecem que mesmo a regra de
dizer a verdade, sagrada como é, admite a possibilidade de exceções,
verificando-se a principal quando ocultar um facto (por exemplo, ocultar
informação a um malfeitor ou más notícias a uma pessoa muito doente) iria salvar
uma pessoa (especialmente uma pessoa que não nós próprios) de um mal maior e
imerecido, e quando só é possível realizar a ocultação negando a verdade. Stuart Mill, Utilitarismo, Porto, Porto
Editora, 2005, p. 63 (adaptado). |
Confronte as posições de Kant e de Mill, expressas nos
textos anteriores, acerca da regra de dizer a verdade.
Na sua resposta, integre adequadamente a
informação dos textos.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Confronto das posições de Kant e de Mill,
expressas nos textos apresentados, acerca da regra de dizer a verdade:
‒ Kant considera que a regra de dizer a
verdade é «um mandamento sagrado da razão» (um imperativo categórico), e que em
nenhuma circunstância essa regra admite exceções OU segundo Kant, nunca se deve
mentir;
‒ Mill, em contrapartida, considera que
a regra de dizer a verdade, ainda que seja entendida como sagrada, admite
exceções OU segundo Mill, por vezes devemos mentir;
‒ Kant considera que mesmo os melhores
propósitos não justificam a violação da regra de dizer a verdade, pois, caso a
violação da regra fosse permissível, deveres tão importantes como aqueles que
vinculam as pessoas a contratos (e que são a base da confiança social)
passariam a ser inúteis;
‒ Mill considera que há justificação
para violar a regra de dizer a verdade quando ocultar ou negar a verdade evita
«um mal maior e imerecido» / produz as melhores consequências, permitindo, por
exemplo, salvar uma pessoa.
23. Leia o texto seguinte.
Quando, por exemplo, dizemos «Não
deves fazer promessas enganadoras», admitimos que a necessidade desta abstenção
não é (...) um conselho para evitar qualquer outro mal – como se disséssemos
«Não deves fazer promessas mentirosas para não perderes o crédito quando se
descobrir o teu procedimento» – mas que fazer promessas enganadoras é uma
ação que tem de ser considerada como má em si mesma (...). Kant, Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 2009, p. 59 (adaptado). |
Recorrendo às máximas apresentadas no texto, explique
a diferença entre imperativo categórico e imperativo hipotético.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação da diferença entre imperativo
categórico e imperativo hipotético, recorrendo às máximas apresentadas no
texto:
– a máxima «Não deves fazer promessas
enganadoras» constitui um imperativo categórico, porque ordena que não façamos
promessas enganadoras, independentemente dos fins que desejamos alcançar (OU
ordena incondicionalmente) (a ação de fazer promessas enganadoras é considerada
má em si mesma, não dependendo o facto de ser má dos nossos desejos ou
interesses);
– a máxima «Não deves fazer promessas
mentirosas para não perderes o crédito quando se descobrir o teu procedimento»
constitui um imperativo hipotético, porque ordena que não façamos promessas
mentirosas como um meio para o fim, determinado pelo nosso interesse
(inclinação), de não perdermos o crédito que temos aos olhos dos outros (OU
ordena condicionalmente) (a ação de fazer promessas enganadoras não seria
considerada má em si mesma, admitindo-se que, em virtude dos nossos fins,
poderia ser boa nuns casos e má noutros).
24. Talvez roubar se
justifique em certas circunstâncias. Por exemplo, no caso de um país devastado
pela guerra, uma pessoa em condições de extrema necessidade pode ter de se
apropriar de alimentos ou de agasalhos que não lhe pertencem para ajudar os
seus filhos a sobreviverem.
Mostre como o exemplo dado representa um desafio para
a moral kantiana.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Explicação do modo como o exemplo dado
representa um desafio para a moral kantiana:
– a moral kantiana prescreve regras
absolutas, como não matar, não roubar ou não mentir;
– porém, parece haver casos em que
essas regras absolutas entram em conflito, sem que seja possível decidir qual
prevalece;
– no caso apresentado, a regra que
manda ajudar os outros sempre que possível (encontrando alimentos ou agasalhos
que lhes permitam sobreviver) pode ser considerada tão importante como a regra
que proíbe o roubo.
25. Considere o caso seguinte.
A Maria sempre
gostou muito de crianças e chegou a pensar em trabalhar como voluntária numa
associação de apoio a crianças doentes, mas acabou por concluir que seria
muito difícil conciliar esse trabalho com os estudos. Entretanto,
ela soube que o voluntariado era muito valorizado nas entrevistas de emprego.
Por essa razão, decidiu contactar uma conhecida associação de apoio a
crianças doentes e conseguiu ser admitida, passando a conciliar o trabalho de
voluntariado com os estudos. Pela sua dedicação e pela sua simpatia, a Maria
destacou-se desde o primeiro momento como uma das voluntárias favoritas das
crianças e das famílias. |
O apoio dado pela Maria às crianças doentes e às suas
famílias tem valor moral?
Na sua resposta, deve:
‒ clarificar o problema filosófico inerente
à questão formulada;
‒ apresentar inequivocamente a sua posição;
‒ argumentar a favor da sua posição.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Clarificação do problema:
– consideramos, geralmente, que os
motivos são relevantes para o valor moral das ações, mas também consideramos,
geralmente, que as consequências das ações são relevantes para o seu valor
moral;
– daí decorre o problema de saber o que
determina o valor moral das ações.
Apresentação inequívoca da posição
defendida.
Argumentação a favor da posição defendida:
Nota – Os aspetos constantes nos
cenários de resposta apresentados são apenas ilustrativos, não esgotando o
espectro de respostas adequadas possíveis.
No caso de o examinando considerar que a
ação descrita não tem valor moral:
– os motivos (determinantes) da Maria
são o gosto que tem por crianças e o desejo (egoísta) de valorizar o seu
currículo;
– a ação da Maria não tem como motivo
determinante o dever de ajudar os outros quando ajudar os outros está
ao nosso alcance;
– a ação da Maria é conforme a esse
dever / não contraria esse dever, mas não é realizada por dever;
OU
– a ação da Maria é determinada pela
máxima ajuda aos outros quando ajudar os outros estiver de acordo com os
teus interesses ou servir as tuas conveniências;
– a noção de auxílio seria vã se
dependesse dos interesses/inclinações egoístas do agente;
– a Maria não pode querer que essa
máxima se converta numa lei universal OU apoiar crianças doentes para valorizar
o currículo seria tratá-las apenas como meros meios, e não como fins.
No caso de o examinando considerar que a
ação descrita tem valor moral:
– a ação da Maria, além do benefício
claro e imediato que proporciona às crianças e às suas famílias, ainda poderá
beneficiar futuramente a própria Maria;
– a ação da Maria contribui para
aumentar significativamente o saldo de felicidade / a ação da Maria está de
acordo com o princípio da utilidade;
– o facto de a sua ação ser determinada
pelo seu gosto por crianças e pelo seu desejo de valorizar o seu currículo não
retira valor moral à ação, pois os motivos apenas são relevantes para
determinar o valor/carácter do agente (além disso, os motivos da Maria – o amor
às crianças e o desejo de valorizar o currículo – são bons).
26. Considere o caso seguinte.
O José é
um bom aluno, mas sente-se inseguro quando tem de utilizar fórmulas
memorizadas. Ao ser informado de que o enunciado do teste final de Física não
iria incluir uma lista com as fórmulas, decidiu levar uma pequena cábula com
as fórmulas mais complexas, para o caso de se esquecer de alguma. Ainda
assim, o José acabou por não usar a cábula, errando algumas fórmulas, pois
teve receio de ser apanhado a copiar. |
Será que, de acordo com Kant, a decisão do José tem
valor moral? Justifique a sua resposta.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Indicação de que, de acordo com Kant, a
decisão não tem valor moral:
‒ de acordo com Kant, a decisão do José
não tem valor moral.
Justificação:
‒ ao levar a cábula para o teste final
de Física, o José violou o dever de não levar cábulas para testes (OU o dever
de não tentar obter vantagens indevidas) OU o José agiu contra o dever;
‒ é certo que o José acabou por não
usar a cábula que levou para o teste; contudo, não foi o dever (de não usar
cábulas nos testes OU de não tentar obter vantagens indevidas) que o motivou,
mas o receio de ser apanhado a copiar OU contudo, tendo sido motivado pelo
receio (uma inclinação resultante do amor de si), o José agiu em conformidade
com o dever, e não por dever.
27. Atente na tese seguinte.
Nenhum
dever admite exceções. |
Concorda com esta tese? Justifique a sua posição.
Na sua resposta,
‒ apresente inequivocamente a sua posição;
‒ argumente a favor da sua posição.
A resposta integra os aspetos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Apresentação inequívoca da posição
defendida.
Justificação da posição defendida.
No caso de o examinando considerar que
nenhum dever admite exceções:
− os deveres são universais, e seria
incoerente afirmar que temos deveres e, ao mesmo tempo, admitir que podemos
violá-los.
− por serem universais, os deveres são
expressos em princípios universalizáveis;
− admitir exceções a princípios
universalizáveis implicaria aceitar princípios não universalizáveis, isto é,
princípios que se anulariam a si mesmos se tentássemos universalizá-los (por
exemplo, universalizar os princípios de que devemos mentir ou de que devemos
romper contratos levaria a que mentir ou romper contratos fosse impossível);
No caso de o examinando considerar que há
deveres que admitem exceções:
− seria errado admitir à partida que em
nenhuma circunstância se justificariam exceções a certos deveres;
− é possível conceber circunstâncias
excecionais em que a violação de certos deveres teria consequências valiosas
para a maioria das pessoas afetadas;
− a experiência tem confirmado que, nas
circunstâncias habituais, os deveres de não mentir ou de não romper contratos,
por exemplo, têm consequências valiosas para a maioria, mas isso não significa
que o cumprimento desses deveres seja independente das consequências da sua
adoção nas diferentes circunstâncias;
No caso de o examinando considerar que todos
os deveres admitem exceções:
− há circunstâncias que, dada a sua
natureza excecional, tornam problemático o cumprimento de deveres tidos como
corretos nas circunstâncias habituais, havendo a necessidade de ponderar a
violação de certos deveres;
− a experiência mostra que, em
circunstâncias excecionais, pode haver justificação para que se viole deveres
amplamente aceites;
− se mesmo deveres tão importantes como
o dever de não matar ou o dever de não romper contratos podem ser
justificadamente violados, é razoável inferir que todos os deveres admitem
exceções.
28. Atente no caso seguinte.
Um soldado
encontra-se na frente de batalha. Sabe que, caso fuja, conseguirá salvar-se,
mas porá em causa a operação militar, destinada a proteger uma aldeia onde se
abrigam centenas de civis inocentes. Ainda assim, ele acabou por fugir. |
Será que Kant e Mill divergiriam na avaliação moral do
ato do soldado? Justifique.
Indicação do solicitado:
‒ Kant e Mill não divergiriam na
avaliação moral do ato do soldado / ambos condenariam o ato do soldado.
Justificação:
‒ de acordo com Kant, o ato do soldado
constitui uma violação do dever (absoluto) de proteger a vida de pessoas
inocentes e, por isso, é imoral/condenável; o ato do soldado resulta de uma
cedência às inclinações, como o amor de si/o receio de perder a sua vida
(tratando-se o soldado a si mesmo, desse modo, apenas como meio);
‒ de acordo com Mill, o ato do soldado
diminui o saldo de felicidade, que previsivelmente será menor do que seria caso
o soldado cumprisse a sua obrigação de colaborar na operação; o ato do soldado
resulta de, erradamente, ele atribuir mais importância à sua felicidade pessoal
do que à felicidade agregada.
29. Leia os textos A e B.
Texto A Conseguimos, portanto, mostrar, pelo menos, que, se
o dever é um conceito que deve ter um significado e conter uma verdadeira
legislação para as nossas ações, esta legislação só se pode exprimir em
imperativos categóricos, mas de forma alguma em imperativos hipotéticos. Kant, Fundamentação da Metafísica dos
Costumes, Coimbra, Atlântida, 1960, pp. 61-62. |
Texto B O objeto da ética é dizer-nos
quais são os nossos deveres, ou por que meios podemos conhecê‑los; mas nenhum
sistema de ética exige que o único motivo de tudo o que façamos seja um
sentimento de dever. (...) O motivo nada tem a ver com a moralidade da ação,
embora tenha muito a ver com o valor do agente. Quem salva um semelhante de
se afogar faz o que está moralmente correto, quer o seu motivo seja o dever,
ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo. Stuart Mill, Utilitarismo,
Lisboa, Gradiva, 2005, p. 65. |
29.1. Distinga imperativo categórico de
imperativo hipotético, considerando o Texto A.
Na resposta, são referidos os aspetos
seguintes:
– o imperativo categórico exprime a lei
moral sob a forma de dever;
– só as ações praticadas em obediência
ao imperativo categórico, por puro respeito à lei, têm valor moral; o
imperativo categórico ordena sem condições;
– o imperativo hipotético ordena
mediante condições. Neste caso, as ações são praticadas em função de
inclinações, ou como condição para se atingir uma finalidade extrínseca, pelo
que não têm valor moral.
29.2. Interprete o exemplo dado no Texto B
segundo a perspetiva ética do autor.
Na resposta, abordam-se os seguintes
aspetos, ou outros considerados relevantes:
– a ação de salvar alguém de se afogar
(exemplo do texto) é moralmente correta, independentemente da intenção do
agente;
– o valor moral da ação
depende das consequências da ação.
30. Compare a ética de Kant com a ética de Stuart Mill.
Na sua resposta deve abordar, pela ordem que
entender, os seguintes aspetos:
– o princípio ético da autonomia da vontade
em Kant e o princípio ético da maior felicidade em Stuart Mill;
– o critério de moralidade em
Kant e em Stuart Mill.
Na resposta, integram-se os seguintes
aspetos, ou outros considerados relevantes e adequados:
– segundo o princípio da vontade
autónoma (racional), na ética formal de Kant, é na intenção do agente, na obediência
ao imperativo categórico (dever), que se encontra o critério de moralidade; é
moralmente boa a ação realizada por dever;
– segundo o princípio da maior
felicidade para o maior número de pessoas, na ética utilitarista de Stuart
Mill, são as consequências da ação que devem ser julgadas; é moralmente boa a
ação cujas consequências beneficiem o maior número de pessoas,
independentemente da intenção do agente;
– a ética de Kant é considerada
deontológica, enquanto a ética de Stuart Mill é considerada consequencialista.
31. Leia o texto seguinte.
A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou
realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas
tão-somente pelo querer, isto é, em si mesma, e, considerada em si mesma,
deve ser avaliada em grau muito mais alto do que tudo o que por seu
intermédio possa ser alcançado em proveito de qualquer inclinação, ou mesmo,
se se quiser, da soma de todas as inclinações. [..] A utilidade ou a
inutilidade nada podem acrescentar ou tirar a este valor. Kant, Fundamentação da
Metafísica dos Costumes, Lisboa, Edições 70, 1992, p. 23. |
Compare, a partir do texto, as posições de Kant e de
Stuart Mill relativamente ao problema da avaliação moral das ações.
Na sua resposta, deve referir, para cada
autor:
– a importância atribuída à
intenção e às consequências da ação;
– os princípios éticos em que
fundamentam as suas posições.
A resposta integra os seguintes aspetos, ou
outros considerados relevantes e adequados.
– Comparação das perspetivas de Kant e
de Stuart Mill relativamente ao critério de avaliação das ações morais:
• Para Kant, as ações são más ou
boas em si mesmas, independentemente das suas consequências. O que torna má ou
boa uma ação é a intenção com que é praticada;
• Para Stuart Mill, não há ações
boas ou más em si mesmas, e a intenção com que são praticadas é irrelevante.As
consequências são o único critério relevante para apreciar o valor moral das
ações.
– Comparação de Kant e de Stuart Mill
relativamente ao princípio supremo da moralidade:
• Para Kant, o imperativo
categórico é o princípio supremo da moralidade. Este determina que devemos agir
somente de acordo com máximas universalizáveis;
• Para Stuart Mill, a moralidade
deve fundamentar-se no princípio de utilidade que afirma que são boas as ações
que tendem a promover de forma estritamente imparcial a felicidade do maior
número possível de indivíduos.
32. Leia o Texto 1 e considere-o nas suas respostas aos itens 32.1. e
32.2.
Texto 1 Temos a
obrigação de ajudar alguém que seja pobre; mas, como o favor que fazemos
implica que o seu bem-estar dependa da nossa generosidade, e isso humilha a
pessoa, é nosso dever comportarmo-nos como se a nossa ajuda fosse (...)
meramente o que lhe é devido (...), permitindo-lhe manter o seu respeito por
si própria (...), de modo a não diminuir o valor dessa pessoa enquanto ser
humano (...). Kant, A
Metafísica dos Costumes, Lisboa, FCG, 2017, pp. 390-392 (adaptado). |
32.1. É possível inferir do Texto 1 que há atos
de caridade que podem ser moralmente censuráveis.
Concorda que há atos de caridade que podem ser
moralmente censuráveis? Justifique a sua perspetiva.
A resposta integra os aspetos seguintes ou
outros igualmente relevantes.
Apresentação inequívoca da posição
defendida.
Justificação da posição defendida:
No caso de o aluno defender que há atos de
caridade que podem ser moralmente censuráveis:
‒ em circunstâncias em que o bem-estar
de uma pessoa dependa da generosidade de outra e essa generosidade seja de
algum modo exibida, o respeito que a pessoa ajudada tem por si própria não é
tido em devida conta e, com isso, o seu valor é diminuído;
‒ a diminuição do valor de uma pessoa é
uma violação do dever de tratar sempre qualquer pessoa como fim em si mesma (OU
é uma violação do dever de reconhecer o valor incondicional de qualquer
pessoa).
No caso de o aluno defender que não há atos
de caridade que possam ser moralmente censuráveis:
‒ por geralmente aumentarem o bem-estar
das pessoas pobres (ou diminuírem a sua insatisfação), os atos de caridade
promovem a felicidade geral e têm consequências moralmente boas;
‒ ainda que a pessoa pobre possa sentir
algum embaraço perante um ato de caridade praticado por alguém que não o
apresenta como um dever, as consequências do ato são boas por aumentarem o
bem-estar, independentemente da atitude ou das motivações de quem o pratica.
32.2. No Texto 1, Kant
começa por afirmar que «temos a obrigação de ajudar alguém que seja pobre».
Essa afirmação exprime um juízo de valor? Justifique a sua resposta.
A resposta integra os aspetos seguintes ou
outros igualmente relevantes.
Indicação de que a afirmação exprime um
juízo de valor:
‒ sim, a afirmação exprime um juízo de
valor.
Justificação:
‒ a afirmação indica o que devemos
fazer;
‒ por indicar o que se deve fazer, a
afirmação tem carácter normativo.
33. Considere o caso seguinte.
Num país, metade das pessoas tem um rendimento mensal
de 6000 €, que lhes permite adquirir bens que elas próprias consideram
dispensáveis, e a outra metade tem um rendimento mensal de 600 €, que
dificilmente chega para satisfazer as suas necessidades básicas. Foram
apresentadas duas propostas ao governo: na primeira, propõe-se que o
rendimento disponível seja redistribuído, transferindo 200 € das pessoas que
têm um rendimento mensal de 6000 € para as que têm um rendimento mensal de
600€; na segunda, propõe-se que não se faça qualquer redistribuição. |
Um utilitarista tenderia a apoiar a primeira proposta.
Porquê?
A resposta integra os aspetos seguintes ou
outros igualmente relevantes.
Apresentação das razões que levariam um
utilitarista a apoiar a primeira proposta:
‒ o utilitarismo recomenda que a
felicidade geral seja maximizada;
‒ transferir 200 € das pessoas que têm
um rendimento de 6000 € para as pessoas que têm um rendimento de 600 € aumenta
mais a felicidade das pessoas que têm um rendimento de 600€ (por lhes permitir
satisfazer as necessidades básicas) do que diminui a felicidade das pessoas que
têm um rendimento de 6000 € (por apenas limitar parcialmente a aquisição de
bens reconhecidos como dispensáveis);
‒ se a felicidade de umas pessoas
aumenta mais do que diminui a felicidade de outras, a felicidade geral é desse
modo maximizada.
34. Leia o Texto 1 e considere-o nas suas respostas aos itens 34.1. e
34.2.
Texto 1 Todos já tivemos de lidar com
pessoas que dizem que algo – por exemplo, a homossexualidade (...) – é
moralmente errado, mas que são incapazes de apontar quaisquer consequências
más que daí resultem. (...) Certas teorias morais, mesmo quando são motivadas
por uma preocupação com o bem- W. Kymlicka, Contemporary
Political Philosophy – an introduction, Oxford, Oxford University Press,
2002, p. 11. |
34.1. Será
que o utilitarismo é uma das teorias morais que consistem apenas «num conjunto
de regras para serem seguidas»? Justifique.
A resposta integra os aspetos seguintes ou
outros igualmente relevantes.
Indicação do solicitado:
‒ não, o utilitarismo não é uma teoria
moral que consista apenas «num conjunto de regras para serem seguidas».
Justificação:
‒ para os utilitaristas, o facto de
algo ser moralmente certo ou errado é determinado pelas suas consequências OU o
simples facto de uma regra ser considerada correta (ou ser apresentada como
correta) não é uma justificação aceitável da sua moralidade / de que deva ser
seguida;
‒ uma regra só adquire estatuto moral /
só deve ser seguida se o teste da experiência mostrar que, em geral, a sua
aplicação tem consequências boas;
‒ em circunstâncias excecionais, se for
previsível que a aplicação de uma regra não maximizará o bem, então essa regra
não deve ser seguida.
34.2.No Texto 1,
refere-se que há teorias morais «motivadas por uma preocupação com o bem-estar
humano».
Explique o que entende
Mill por bem-estar.
A resposta integra os aspetos seguintes ou
outros igualmente relevantes.
Explicação da noção de bem-estar defendida
por Mill:
‒ o bem-estar é o mesmo que a
felicidade;
‒ a felicidade consiste no prazer e na
ausência de dor OU a felicidade consiste em experiências aprazíveis (e de
ausência de dor).
35. Leia o Texto 1 e considere-o na resposta aos itens 35.1. e 35.2.
Texto 1 Alguém bate à sua porta. Depara-se
com um jovem que, claramente, necessita de ajuda. Está ferido e a sangrar.
Leva-o para dentro e ajuda-o, fazendo-o sentir-se confortável e seguro, e
chama uma ambulância. Não há dúvida de que esta ação é correta. Mas, se o
ajudasse apenas por ter pena do jovem, segundo Kant, isso já não seria uma
ação moral. N. Warburton, Uma Pequena
História da Filosofia, Lisboa, Edições 70, 2012, p. 123. |
35.1.De acordo com
Kant, a ação descrita no texto, ainda que seja correta, pode não ser «uma ação
moral». Caso não seja uma ação moral, como a classificaria Kant? Explique.
A resposta integra os aspetos seguintes ou
outros igualmente relevantes.
Classificação da ação:
‒ ação em conformidade com o dever OU
ação em conformidade com a lei moral OU ação motivada por uma inclinação.
Explicação:
‒ temos o dever de ajudar (quem
necessita de socorro), e a ação descrita não é contrária a esse dever;
‒ contudo, caso a ajuda dada dependa do
sentimento de pena, a ação não é motivada pelo dever (e, por isso, é meramente
conforme ao dever).
35.2. Como poderá
o caso apresentado no Texto 1 ser usado para criticar a teoria ética de Kant?
A resposta integra os aspetos seguintes ou
outros igualmente relevantes.
Explicação do modo como o caso apresentado
pode ser usado para criticar a teoria ética de Kant:
‒ independentemente dos motivos do
agente – pena do jovem, respeito pela lei moral que manda ajudar os outros ou
vaidade pessoal –, o seu comportamento aumenta o saldo global de felicidade;
‒ ora, se o comportamento aumenta o
saldo global de felicidade, então tem consequências boas para todos os
envolvidos;
‒ aumentar o saldo global de felicidade
é o propósito do comportamento moral OU o bem-
-estar é o propósito do comportamento moral.
OU
‒ o motivo do agente – pena de um jovem
ferido – é um sentimento moral;
‒ os sentimentos morais motivam os
agentes a considerar os interesses dos outros;
‒ a consideração (imparcial) dos
interesses dos outros é o aspeto central da vida moral OU tais sentimentos são
nobres e resultam de um carácter moralmente educado/refletem uma educação
moral/não só não retiram valor moral às ações, como até lhes conferem valor
moral.
RAWLS e o problema da organização de uma
sociedade justa.
I
- ESCOLHA MÚLTIPLA
1. Na teoria de John Rawls, o
conceito de «véu de ignorância»:
A. permite conceber o estado natural do homem
antes da sociedade.
B. significa
que os cidadãos estão cobertos de preconceitos.
C. significa a posição
original na história humana.
D. permite
conceber cidadãos capazes de julgar imparcialmente.
2. Segundo John Rawls, a
conceção de justiça fundamenta-se na:
A. partilha
da mesma noção de bem comum por todos os cidadãos.
B. distribuição
igualitária de bens por todos os cidadãos.
C. partilha
dos mesmos princípios de justiça por todos os cidadãos.
D. distribuição
utilitarista do mérito por todos os cidadãos.
3. Em John Rawls, é condição
necessária da aplicação do princípio da diferença a:
A. igualdade
equitativa de oportunidades.
B. anulação
do princípio da liberdade.
C. igualdade
de mérito e de talento.
D. conservação
dos direitos adquiridos.
4. De acordo com a teoria da justiça de John Rawls:
A. as desigualdades
económicas são aceitáveis sob certas condições.
B. uma igual
liberdade é suficiente para assegurar a justiça social.
C. toda e qualquer
desigualdade entre os indivíduos deve ser suprimida.
D. o direito a dispormos
do que ganhamos ou adquirimos é absoluto.
5. Segundo Rawls, os princípios
da justiça por si apresentados:
A. proíbem
diferenças entre os indivíduos.
B. são
aqueles que indivíduos racionais escolheriam na posição original.
C. asseguram
a igualdade económica e social.
D. são aqueles que os
indivíduos escolheriam sem o véu de ignorância.
6. De acordo com Rawls, o véu
de ignorância garante:
A. que
nenhum sujeito se encontra na posição original.
B. que
a posição original tem um carácter hipotético.
C. a
equidade na criação de uma sociedade igualitária.
D. a
equidade na escolha dos princípios da justiça.
7. Uma das finalidades do
princípio da diferença, proposto por Rawls, é:
A. dar
as mesmas liberdades a todas as pessoas.
B. eliminar
todas as diferenças sociais.
C. reduzir
os efeitos da lotaria social.
D. preservar
algumas diferenças individuais.
8. Rawls concebe a posição
original como:
A. uma
situação hipotética.
B. uma
situação histórica.
C. uma
experiência social concreta.
D. uma
experiência de cooperação.
9. De acordo com o princípio da
diferença formulado por Rawls:
A. as
desigualdades económicas entre as pessoas justificam-se, uma vez que as pessoas
são diferentes.
B. as desigualdades
económicas são justas apenas se melhorarem o mais possível as expectativas dos
menos favorecidos.
C. se dermos
oportunidades iguais às pessoas, não haverá desigualdades económicas.
D. se dermos oportunidades
iguais às pessoas, cada um será responsável pela sua situação social e
económica.
10. Em Uma Teoria da Justiça, Rawls defende que:
A. a
justiça é independente da distribuição da riqueza, mas não da liberdade.
B. a justiça consiste
apenas em todos terem idênticas oportunidades e expectativas.
C. as
distribuições desiguais da riqueza são proibidas pelo princípio da diferença.
D. o princípio da
liberdade tem prioridade sobre os outros princípios da justiça.
11. Rawls defende
que, na posição original, a escolha dos princípios da justiça seguiria a
estratégia maximin.
Suponha que há 100 unidades de
bem-estar para distribuir por três pessoas. Selecione a opção que apresenta o
modelo de distribuição que está mais de acordo com a estratégia maximin.
A. Na
melhor das hipóteses, pode receber-se 65 unidades de bem-estar e, na pior, pode
receber-se 15.
B. Na
melhor das hipóteses, pode receber-se 60 unidades de bem-estar e, na pior, pode
receber-se 20.
C. Na
melhor das hipóteses, pode receber-se 80 unidades de bem-estar e, na pior, pode
receber-se 5.
D. Na
melhor das hipóteses, pode receber-se 45 unidades de bem-estar e, na pior, pode
receber-se 15.
12. O caso seguinte serve para testar a teoria da
justiça de Rawls.
Um
indivíduo sofre de graves deficiências mentais, e um outro tem um grande
talento matemático. Estando satisfeitas as necessidades materiais de ambos, a
sociedade dispõe de recursos adicionais que permitem ajudar apenas um deles.
Desse modo, ou o indivíduo com graves deficiências mentais terá um apoio
educativo suplementar, que não irá melhorar significativamente a sua vida, ou
será proporcionada uma educação superior ao indivíduo com talento matemático,
que dela retirará a grande satisfação de desenvolver todas as suas
potencialidades nesse domínio. |
Quem, contra Rawls, defender a
opção de ajudar o indivíduo com talento matemático estará a pôr em causa:
A. a
existência de bens sociais primários.
B. o dever
de imparcialidade.
C. o
princípio da diferença.
D. o
princípio da igualdade de oportunidades.
13. Suponha que uma
pessoa rica tem de participar na escolha de princípios de justiça que regulem a
estrutura básica da sociedade em que vive. De acordo com Rawls, para que a
escolha seja razoável, essa pessoa terá de atender às restrições da posição
original. Por conseguinte, ela deve escolher princípios de justiça:
A. tendo em
conta o rendimento dos mais desfavorecidos.
B. sem ter
em conta que todos são livres e iguais.
C. sem ter
em conta a sua posição social.
D. tendo em
conta os recursos disponíveis.
14. Na teoria da justiça de Rawls, o princípio da
liberdade igual tem prioridade sobre o princípio da
diferença.
Aceitar esta prioridade implica
aceitar que:
A. as liberdades não
podem ser negadas mesmo que impeçam a criação de riqueza que beneficiaria os
menos favorecidos.
B. os
incentivos ao crescimento da riqueza envolvem sempre o risco de serem negadas
liberdades aos menos favorecidos.
C. as liberdades são
indispensáveis à melhoria crescente do rendimento dos menos favorecidos.
D. os incentivos ao
crescimento da riqueza apenas limitam as liberdades dos menos favorecidos.
15. No texto seguinte, é apresentada uma crítica à perspetiva de Rawls.
E se (...) algumas pessoas preferissem apostar? E se
vissem a vida como uma lotaria e quisessem certificar-se de que haveria
algumas posições muito atrativas para ocupar na sociedade? Em princípio, os
jogadores estão dispostos a correr o risco de ficarem pobres se, em
contrapartida, tiverem a hipótese de serem extremamente ricos. (...) Rawls
acreditava que as pessoas sensatas não desejariam apostar as suas vidas desta
maneira. Talvez estivesse enganado a este respeito. N.
Warburton, Uma Pequena História da Filosofia, Lisboa, Edições 70,
2012, p. 228 (adaptado). |
O propósito do texto é mostrar
que, na posição original:
A. todos
queremos obter as posições mais atrativas.
B. nem
todos iriam aplicar a regra maximin.
C. seria
sensato melhorar a pior posição social.
D. todos
estamos dispostos a arriscar.
16. Suponha que os valores apresentados nas
situações A e B indicam o acesso aos bens primários dos indivíduos 1 e 2.
Indivíduo 1 |
Indivíduo 2 |
|
Situação A |
4 |
4 |
Situação B |
5 |
6 |
De acordo com Rawls:
A. a
situação A é preferível, porque nenhum dos indivíduos é desfavorecido.
B. a
situação B é preferível, porque o total de acesso a bens e de felicidade dos
dois indivíduos é maior.
C. a situação A é
preferível, porque os dois indivíduos têm oportunidades iguais.
D. a
situação B é preferível, porque o acesso aos bens primários do indivíduo menos
favorecido é superior.
17. A crítica de Nozick à teoria da justiça de
Rawls põe em causa:
A. o
princípio da diferença.
B. o
princípio da liberdade.
C. a
existência de direitos de titularidade.
D. a existência de direitos
invioláveis.
18. A teoria da justiça de Rawls é liberal,
porque:
A. recomenda
que cada um conduza a sua vida de acordo com as suas preferências.
B. os
princípios de justiça que devem estruturar a sociedade não impõem um certo modo
de vida.
C. contém
princípios de justiça que apenas especificam as diferentes liberdades.
D. a
liberdade individual apenas pode ser anulada quando é incompatível com os
desejos da maioria.
19. Na perspetiva de Rawls, o princípio da
diferença é justificado pelo facto de:
A. ninguém
merecer o seu lugar na lotaria natural nem na lotaria social.
B. as
desigualdades económicas terem aumentado nas sociedades atuais.
C. as
liberdades dos mais talentosos valerem menos do que o rendimento dos
desfavorecidos.
D. todos
terem naturalmente a expectativa de que as suas vidas sejam agradáveis e
satisfatórias.
20. Nozick considera a teoria da justiça de Rawls
insatisfatória por esta:
A. anular
a igualdade de oportunidades.
B. limitar
a liberdade individual.
C. diminuir
a felicidade geral.
D. impedir
contratos entre partes iguais.
II
- Outras questões
1. De acordo com a teoria da
justiça proposta por John Rawls, os princípios da justiça devem ser escolhidos
a coberto de um «véu de ignorância». Porquê?
– Os
princípios da justiça devem ser escolhidos a partir da posição original, ou
seja, a partir de uma situação hipotética na qual ignorássemos a nossa posição
atual na sociedade.
– Admite-se
que, se ignorássemos a nossa posição atual, escolheríamos os princípios mais
equitativos. Deste modo, evitaríamos escolher os princípios que beneficiassem
exclusivamente a nossa situação atual, minimizando os riscos de termos uma vida
insatisfatória.
2. Leia o texto seguinte.
Para nos
podermos queixar da conduta e das crenças de outros, temos de demonstrar que
essas ações nos ferem ou que as instituições que as permitem nos tratam de
forma injusta. E isto significa que temos de apelar para os princípios que
escolheríamos na posição original. Contra estes princípios, nem a intensidade
do sentimento nem o facto de ele ser partilhado pela maioria têm
qualquer relevância. John
Rawls, Uma Teoria da Justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2001. |
Explique, a partir do texto, a
função da ideia de «posição original» na teoria da justiça de Rawls.
A
resposta integra os seguintes aspetos, ou outros considerados relevantes e
adequados:
– identificação
da função da ideia de «posição original» como a ideia pela qual se estabelecem
de modo racional os princípios da sociedade justa;
– identificação
dos princípios da sociedade justa (princípio de igual liberdade e princípio da
diferença);
– explicitação
da posição original como experiência mental, em que se concebe uma situação de
contrato inicial entre sujeitos livres, iguais e racionais para a definição dos
princípios da justiça;
– articulação
do conceito de «posição original» com o de «véu de ignorância»: a posição
original como ficção na qual os sujeitos ignoram o conhecimento acerca das suas
características particulares – garantia da imparcialidade e razoabilidade das
decisões.
3. Leia o texto seguinte.
Dadas as
circunstâncias da posição original, [nomeadamente] a simetria das relações
que entre todos se estabelecem, esta situação inicial coloca os sujeitos,
vistos como entidades morais, isto é, como seres racionais com finalidades
próprias e – parto desse princípio – capazes de um sentido de justiça, numa
situação equitativa. John
Rawls, Uma Teoria da Justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2001,
p. 34 (adaptado). |
3.1. Explique, a partir do texto, por que razão Rawls considera
que a posição original «coloca os sujeitos (...) numa situação equitativa».
A
resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação
da razão por que a posição original «coloca os sujeitos (...) numa situação
equitativa»:
– na
posição original, que é uma situação hipotética, os sujeitos fazem as suas
escolhas a coberto do véu de ignorância, garantindo «a simetria das relações
que entre todos se estabelecem»;
– o
véu de ignorância coloca os sujeitos numa situação de desconhecimento dos
factos particulares das suas vidas: capacidades, classe social, género, etc.;
– desconhecendo
os factos particulares das suas vidas, ninguém se encontra numa situação de
vantagem na escolha dos princípios de justiça;
– na
posição original, as escolhas ocorrem numa «situação equitativa».
3.2. Apresente uma objeção à teoria
da justiça de Rawls.
A
resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação
de uma objeção à teoria da justiça de Rawls:
– Objeção
baseada no princípio da titularidade (de R. Nozick):
• para
a justiça, é relevante o modo como se adquire e transmite a riqueza, e não o
modo como a riqueza está distribuída;
• se
a aquisição e a transmissão da riqueza são legítimas, então a distribuição que
daí resultar também é justa;
• retirar
parte da riqueza aos seus legítimos titulares, para a redistribuir, sem o seu
consentimento, é violar a sua autonomia.
– Objeção
baseada na natureza das desigualdades (de R. Dworkin):
• há
desigualdades que resultam de escolhas individuais;
• há
desigualdades que resultam de contingências sociais e naturais, pelas quais os
indivíduos não são responsáveis;
• na
teoria de Rawls, estas desigualdades são tratadas do mesmo modo, incentivando‑se
as escolhas individuais irresponsáveis.
4. Leia o texto.
Quando os
dois princípios [da justiça] são cumpridos, as liberdades básicas de cada
sujeito estão garantidas e, de um modo definido pelo princípio da diferença,
cada sujeito é beneficiado pela cooperação social. Deste modo, é possível
explicar a aceitação do sistema social e dos princípios que ele cumpre
através da lei psicológica segundo a qual as pessoas tendem a amar, proteger
e apoiar aquilo que defende o seu próprio bem. Dado que o bem de todos é
defendido, todos estarão inclinados a defender o sistema. Quando o
princípio de utilidade é cumprido, (...) não existe a garantia de que todos
beneficiem. A obediência ao sistema social pode obrigar a que alguns, em
particular os menos favorecidos, devam renunciar a benefícios para que um bem
maior esteja à disposição do conjunto. Assim, o sistema não será estável, a
não ser que aqueles que sofrem os sacrifícios maiores se identifiquem com
interesses mais amplos do que os que lhes são próprios. Tal não é fácil de
obter. John
Rawls, Uma Teoria da Justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2001,
p. 149 (adaptado). |
No
texto anterior, Rawls apresenta razões a favor dos dois princípios da justiça
por si defendidos e contra o princípio de utilidade.
Explicite
as razões de Rawls.
A
resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicitação
das razões de Rawls:
– numa
sociedade organizada de acordo com os dois princípios da justiça, todos os
cidadãos são beneficiados em função do princípio da diferença (que estipula que
as expectativas dos menos favorecidos sejam maximizadas);
– (em
contrapartida,) numa sociedade organizada de acordo com o princípio de
utilidade, alguns cidadãos poderão ser sacrificados em nome da felicidade geral
ou de um bem maior (pois o princípio de utilidade estipula a maximização do
saldo global de felicidade, sem atender à forma como a felicidade e os bens que
a ela conduzem são distribuídos);
– quando
todos são beneficiados, a aceitação do sistema social é mais elevada (e o
sistema é mais estável) do que quando alguns podem ser sacrificados em nome de
um bem maior.
5. Em
muitos países, os governos aplicam recursos financeiros quer para apoiar os
estudantes provenientes de meios economicamente desfavorecidos quer para apoiar
os estudantes com necessidades educativas especiais.
Segundo
Rawls, essa aplicação de recursos financeiros é justa ou é injusta? Justifique
a sua resposta.
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Identificação da posição
de Rawls:
– a aplicação de
recursos financeiros descrita é justa;
Justificação:
– segundo Rawls, as
desigualdades económicas e sociais devem resultar do exercício de cargos e funções
abertos a todos em circunstâncias de igualdade (equitativa) de oportunidades
(princípio da igualdade de oportunidades);
– segundo Rawls, as
desigualdades económicas e sociais devem também ser distribuídas de modo que
resultem nos maiores benefícios possíveis para os menos favorecidos (parte do
segundo princípio, conhecido como princípio da diferença);
– os recursos
financeiros referidos, usados para apoiar os membros da sociedade menos
favorecidos (pela lotaria social ou pela lotaria natural), promovem a igualdade
de oportunidades (pois contrariam a situação de desfavorecimento inicial);
– os recursos
financeiros referidos são obtidos através de mecanismos de redistribuição da
riqueza (ou de impostos progressivos sobre o rendimento) (que visam os maiores
benefícios possíveis para os menos favorecidos).
6. Para que uma sociedade seja
justa, basta que todos tenham liberdades iguais?
Na
sua resposta,
‒
apresente inequivocamente a sua posição;
‒
argumente a favor da sua posição.
A
resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Nota – Os aspetos constantes do cenário de resposta
apresentado são apenas ilustrativos, não esgotando o espectro de respostas
possíveis.
Apresentação
inequívoca da posição defendida.
Justificação
da posição defendida:
No
caso de o examinando considerar que, para uma sociedade ser justa, basta que
todos tenham liberdades iguais:
– (sim,
ter as mesmas liberdades é suficiente para uma organização justa da sociedade;)
– as
posições sociais de cada um são justas quando resultam de processos que são,
eles próprios, justos (quando resultam do esforço ou da aplicação de
capacidades e de talentos individuais, de negócios bem-sucedidos baseados num
acordo livre e informado entre as partes envolvidas, ou de heranças legítimas),
ainda que se verifiquem desigualdades na distribuição da riqueza ou nas
oportunidades disponíveis;
– seria
injusto forçar as pessoas a abdicarem dos bens que adquiriram por processos
justos com a finalidade de beneficiar os mais desfavorecidos (as pessoas com
menores recursos económicos);
– apesar
de, em muitos casos, a pobreza (a escassez de recursos económicos) ou a falta
de oportunidades não dependerem de escolhas individuais nem da falta de mérito
pessoal, não é justo violar a autonomia de uns, interferindo ilegitimamente na
sua vida pessoal, com o objetivo de beneficiar outros, ainda que mais
carenciados (não é justo instrumentalizar uns para favorecer outros).
No caso de o examinando
considerar que, para uma sociedade ser justa, não basta que todos tenham
liberdades iguais:
– (não, ter
liberdades iguais é fundamental para uma organização justa da sociedade, mas
não é suficiente;)
– o facto de todos
terem, à partida, as liberdades necessárias para alcançar funções e carreiras
abertas a todos não implica que, efetivamente, todos tenham iguais
oportunidades de as alcançarem;
– as expectativas
das pessoas que têm as mesmas capacidades e aspirações devem ser idênticas,
independentemente da classe social a que pertencem, e isso exige que todos
tenham oportunidades iguais;
– assim, a
igualdade de oportunidades de educação, por exemplo, é fundamental para que os
conhecimentos e as qualificações não dependam da classe social e contribui para
que pessoas com as mesmas capacidades e aspirações tenham expectativas
idênticas;
OU
– (não, ter
liberdades iguais é fundamental para uma organização justa da sociedade, mas
não é suficiente;)
– nem a situação
social de origem nem os talentos e capacidades naturais (inteligência,
criatividade, agilidade, força) resultam de uma escolha pessoal;
– ao longo da vida,
a situação social de origem e os talentos e capacidades naturais continuam a
influenciar o rendimento e a situação social das pessoas, ainda que todas
tenham liberdades iguais;
– assim, são
necessários mecanismos de redistribuição da riqueza, de modo a assegurar que as
pessoas mais desfavorecidas são beneficiadas e compensadas pelos efeitos
negativos da lotaria natural e social nas suas perspetivas de vida.
7. Rawls afirma o seguinte:
(...) A
injustiça é simplesmente a desigualdade que não resulta em benefício de
todos. John Rawls, Uma Teoria da Justiça,
Lisboa, Editorial Presença, 2001, p. 69. |
Explique o significado desta
afirmação, tendo em conta os princípios da justiça defendidos por Rawls.
A
resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação
do significado da afirmação:
– de
acordo com os princípios da justiça defendidos por Rawls, as mesmas liberdades
e as mesmas oportunidades devem ser acessíveis a todos, e devem ser gerados os
maiores benefícios para os menos favorecidos, proporcionando-lhes, por exemplo,
oportunidades suplementares de educação;
– a
desigualdade promove a justiça se, além de beneficiar quem se encontra numa
posição social mais favorecida, gerar os maiores benefícios para os menos
favorecidos, resultando assim em benefício de todos;
– a
desigualdade produz injustiça se não beneficia quem se encontra numa posição
social desfavorecida.
8. Leia o texto seguinte.
Os princípios da justiça
constituem também imperativos categóricos no sentido empregado por Kant. Por
imperativo categórico, Kant entende um princípio de conduta que se aplica a
um sujeito em virtude da sua natureza como ser racional, livre e igual. John Rawls, Uma Teoria da
Justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2001, p. 204 (adaptado). |
Em
que sentido os princípios da justiça de Rawls constituem imperativos
categóricos?
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação do sentido em
que os princípios da justiça de Rawls constituem imperativos categóricos:
– os princípios da
justiça, tal como os imperativos categóricos, são válidos para qualquer pessoa,
sejam quais forem os seus desejos, fins e projetos particulares, em virtude de
todas as pessoas serem fundamentalmente racionais, livres e iguais;
– a adoção dos
princípios da justiça, do mesmo modo que a adoção de imperativos categóricos,
não constitui um meio para atingir fins particulares, mas é antes a expressão
do que é racional desejar, independentemente de outros desejos que as pessoas
tenham;
– os princípios da
justiça, tal como os imperativos categóricos, são a expressão de uma vida
humana racional e livre.
9. Acerca
da posição original, Rawls afirma:
O objetivo
da posição original é excluir aqueles princípios que seria racional tentar
fazer aprovar (...) em função do conhecimento de certos dados que são
irrelevantes do ponto de vista da justiça. John
Rawls, Uma Teoria da Justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2001,
p. 38 (adaptado). |
Explique a afirmação de
Rawls. Na sua resposta, dê pelo menos um exemplo de dados irrelevantes na
escolha dos princípios da justiça.
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Explicação da afirmação:
– seria racional
que cada um tentasse fazer aprovar princípios vantajosos para si, mas não seria
justo;
– na posição
original, as partes contratantes encontram-se sob um véu de ignorância, que
impede o acesso das partes a informação sobre a sua situação particular
(irrelevante para a justiça) / que restringe a informação de que as partes
dispõem aos factos gerais da vida (relevantes para a justiça);
– na posição
original, as vantagens negociais, decorrentes da lotaria natural ou da lotaria
social, são eliminadas, de modo a alcançar imparcialmente um acordo quanto aos
princípios da justiça.
Apresentação de um
exemplo de dados irrelevantes na escolha dos princípios da justiça:
– a posição social
dos indivíduos/das partes contratantes OU as capacidades intelectuais dos
indivíduos/das partes contratantes OU outros.
10. Leia o texto seguinte.
O valor da liberdade não é o mesmo
para todos. Alguns gozam de maior poder e riqueza e dispõem, portanto, de
maiores meios para alcançar os seus fins. (...) Considerando os princípios da
justiça em conjunto, a estrutura básica deve ser disposta de modo a maximizar
para os menos beneficiados o valor do sistema completo de liberdades iguais
que é partilhado por todos. É esta a definição do objetivo da justiça social. John Rawls, Uma Teoria da
Justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2001, p. 170 (adaptado). |
10.1. Por
que razão, de acordo com Rawls, é preciso maximizar o valor da liberdade para
os menos beneficiados?
Na
sua resposta, mostre como se faria essa maximização aplicando os princípios da
justiça propostos por Rawls.
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação da razão
pela qual é preciso maximizar o valor da liberdade para os menos beneficiados:
– ainda que todos
tenham iguais liberdades (cumprindo-se o que é prescrito pelo princípio da
liberdade), o valor dessas liberdades será menor para os menos beneficiados se
estes não dispuserem dos meios que permitem exercê-las / o valor dessas
liberdades pode ser maior ou menor consoante se tenham ou não os meios que
permitem exercê-las.
Explicitação do modo
como se faria a maximização do valor da liberdade para os menos beneficiados,
aplicando os princípios da justiça propostos por Rawls:
– os menos
beneficiados não podem exercer de facto as liberdades de que dispõem
(liberdades decorrentes do princípio da liberdade) se não tiverem iguais
oportunidades de acesso a todos os cargos ou posições sociais (como é exigido
pelo princípio da igualdade equitativa de oportunidades) ou se a distribuição
da riqueza disponível não lhes proporcionar as melhores expectativas (como é
exigido pelo princípio da diferença);
– assim, só a
aplicação conjunta dos princípios da liberdade igual, da igualdade equitativa
de oportunidades / da oportunidade justa e da diferença maximiza o valor da
liberdade para os menos beneficiados (permitindo a realização da justiça
social).
10.2. Considere,
a título de hipótese, que temos a liberdade de viver a vida que queremos e que
temos a liberdade de usar como entendermos os recursos que adquirimos em
resultado do exercício legítimo das nossas capacidades. Suponha, ainda, que
estas liberdades são direitos morais absolutos.
Teríamos,
neste caso, a obrigação de contribuir para a realização da justiça social
defendida por Rawls? Porquê?
A
resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação
da implicação da hipótese dada:
– não
teríamos a obrigação de contribuir para a realização da justiça social proposta
por Rawls (caso as liberdades referidas ‒ a liberdade de viver a vida que se
quer e a liberdade de usar como se entende os recursos legitimamente adquiridos
‒ fossem direitos morais absolutos).
Justificação:
– se
as liberdades referidas fossem direitos morais absolutos, então não deveriam
ser limitadas;
– as
liberdades referidas seriam limitadas caso se transferissem recursos
legitimamente adquiridos pelos mais beneficiados para os menos beneficiados,
sujeitando os mais beneficiados à obrigação de ajudar os menos beneficiados;
– ora,
a realização da justiça social proposta por Rawls implica a obrigação de ajudar
os menos beneficiados (de acordo com o princípio da diferença).
11. Rawls
defendeu que, se fôssemos colocados na posição original para escolhermos o tipo
de sociedade em que iríamos viver, escolheríamos os princípios de justiça por
ele indicados.
Terá
Rawls razão ao afirmar que essa seria a escolha que todos faríamos? Justifique
a sua opinião.
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação de uma
opinião.
Justificação da opinião
apresentada:
Caso o examinando defenda
que Rawls tem razão:
– (sim, Rawls tem
razão ao afirmar que essa seria a escolha que todos faríamos;)
– na posição
original, não conhecemos as condições particulares da nossa vida (talentos,
capacidades, saúde, situação de classe);
– de modo a
minimizarmos os riscos, escolheríamos princípios que nos protegessem /
assegurassem o nosso acesso aos bens essenciais, caso não fôssemos favorecidos
pela lotaria social ou pela lotaria natural.
Caso o examinando defenda
que Rawls não tem razão:
– (não, Rawls não tem
razão ao afirmar que essa seria a escolha que todos faríamos;)
– de acordo com
Rawls, na posição original escolheríamos princípios de acordo com os quais as
desigualdades económicas e sociais apenas são toleradas se trouxerem benefícios
para os mais desfavorecidos;
– muitas
desigualdades económicas decorrem de escolhas individuais (por exemplo, alguém
pode escolher ter mais tempo livre e trabalhar menos), e não é justo que
aqueles que fazem certas escolhas (por exemplo, trabalhar mais e ter menos
tempo livre) tenham de compensar aqueles que fazem outras escolhas (por
exemplo, trabalhar menos e ter mais tempo livre).
12. Suponha que a sociedade dispõe de uma quantia destinada a financiar
a preparação de dois atletas para os jogos olímpicos. Os dois atletas têm o
mesmo nível de talento e de capacidades e a mesma motivação para as usar. De
acordo com a teoria da justiça de Rawls, estes atletas devem ter a mesma
expetativa de sucesso, independentemente da classe social de origem. Por isso,
a quantia destinada a financiar a preparação de ambos para os jogos olímpicos
deve ser dividida pelos dois em partes iguais.
Identifique
o princípio de justiça, proposto por Rawls, em nome do qual a solução
apresentada é a correta.
Identificação do princípio
de justiça, proposto por Rawls, que determina a correção da solução
apresentada:
‒ (princípio da)
igualdade (equitativa) de oportunidades OU (princípio da) oportunidade justa.
13. No
texto seguinte, Rawls argumenta que o utilitarismo, ao dar prioridade à maximização
do bem, em vez de dar prioridade à justiça como equidade, não garante os
direitos e as liberdades individuais.
Admitamos que a maior parte da
sociedade detesta certas práticas religiosas ou sexuais, encarando-as como
uma abominação. Este sentimento é tão intenso que não basta que tais práticas
sejam ocultadas do público; a simples ideia de que elas ocorrem é suficiente
para suscitar na maioria sentimentos de cólera e ódio. (...) Para defender a
liberdade individual neste caso, o utilitarista tem de demonstrar que, dadas
as circunstâncias, o que verdadeiramente interessa do ponto de vista dos
benefícios, a longo prazo, é a manutenção da liberdade; mas este argumento
pode não ser convincente. Na teoria da justiça como
equidade, no entanto, este problema nunca se coloca. Desde logo, as
convicções intensas da maioria, se forem efetivamente meras preferências sem
qualquer apoio nos princípios da justiça anteriormente estabelecidos, não têm
qualquer peso. A satisfação destes sentimentos não tem qualquer valor que
possa ser contraposto às exigências da igual liberdade para todos. John Rawls, Uma Teoria da
Justiça, Lisboa, Editorial Presença, 2001, p. 344 (adaptado). |
Em
sua opinião, o argumento de Rawls é persuasivo? Justifique.
Na sua resposta, integre
informação do texto.
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação inequívoca da
posição defendida.
Justificação da posição
defendida:
No caso de o examinando
considerar que o argumento de Rawls é persuasivo:
– o utilitarista não
defende adequadamente a liberdade individual, uma vez que o argumento de que «a
manutenção da liberdade» maximiza, «a longo prazo», os benefícios pode não ser
persuasivo;
– o bem de cada um,
ou da maioria das pessoas, não deve ser prosseguido caso, como Rawls defende,
não tenha «qualquer apoio nos princípios da justiça» (pois, nesse caso, a
conceção de bem não seria razoável);
– os desejos e
aspirações de cada um, ou da maioria das pessoas, devem ser limitados de modo a
satisfazer as «exigências da igual liberdade para todos».
No caso de o examinando
considerar que o argumento de Rawls não é persuasivo:
– de acordo com o
utilitarismo, o bem não depende da satisfação de «meras preferências», mas
antes da satisfação das preferências e aspirações individuais informadas (por
exemplo, a satisfação de certos prazeres não tem o mesmo valor que a satisfação
de outros);
– «o que
verdadeiramente interessa do ponto de vista dos benefícios» é que mais
preferências e aspirações individuais sejam satisfeitas, pois, desse modo, o
bem será maximizado;
– seja como for, a
experiência/o cálculo da utilidade tem mostrado que a liberdade individual
geralmente contribui para a maximização do bem (por esta razão, a maximização
do bem tem prioridade sobre a justiça como equidade).
14. Imagine que é uma das
quatro pessoas referidas no quadro abaixo e que, sem saber qual delas é, tem de
escolher entre as duas sociedades apresentadas, A ou B. Os valores indicados
são a medida do grau de acesso aos bens primários, que vai de um mínimo de 1 a
um máximo de 10.
|
Grau de acesso aos bens primários |
|||
|
Pessoa 1 |
Pessoa 2 |
Pessoa 3 |
Pessoa 4 |
Sociedade A |
10 |
6 |
4 |
3 |
Sociedade B |
9 |
9 |
4 |
2 |
De acordo com a teoria
da justiça de Rawls, qual das duas sociedades indicadas, A ou B, iria escolher?
Porquê?
Indicação do solicitado:
‒ iria escolher a
sociedade A.
Justificação:
‒ desconhecendo que
posição teria como resultado da lotaria natural e da lotaria social, teria de
considerar a possibilidade de ser a pessoa mais desfavorecida;
‒ por conseguinte,
escolheria a sociedade que maximizasse o acesso aos bens primários da pessoa
mais desfavorecida;
‒ o grau de acesso
aos bens primários da pessoa mais desfavorecida é maior na sociedade A do que
na sociedade B.
15. Leia o texto seguinte.
A pessoa que escolhe trabalhar
mais horas para obter um rendimento que ultrapassa aquilo de que precisa para
satisfazer as suas necessidades básicas prefere alguns bens ou serviços
adicionais em detrimento do lazer e das atividades que poderia realizar
nessas horas; ao passo que a pessoa que escolhe não trabalhar tantas horas
prefere as atividades de lazer em detrimento dos bens ou serviços adicionais
que poderia adquirir trabalhando mais. Assim sendo, se seria ilegítimo um
sistema fiscal apropriar-se de uma parte do lazer de uma pessoa (impondo-lhe
trabalho forçado) com o propósito de servir os necessitados, como pode ser
legítimo que um sistema fiscal se aproprie de uma parte dos bens de uma
pessoa com esse mesmo propósito? Porque devemos tratar a pessoa
cuja felicidade requer certos bens materiais ou serviços de modo diferente da
pessoa cujas preferências e desejos tornam esses bens desnecessários para a
sua felicidade? (...) Talvez não haja diferença quanto ao princípio. R. Nozick, Anarquia,
Estado e Utopia, Lisboa, Edições 70, 2009, pp. 214, 215. |
Que princípio de justiça
de Rawls é posto em causa no texto apresentado? Justifique.
Na sua resposta, integre
adequadamente informação do texto.
A
resposta integra os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Indicação
do princípio de justiça de Rawls que é posto em causa no texto apresentado:
‒ princípio
da diferença.
Justificação:
‒ o
princípio da diferença obriga a uma distribuição da riqueza de modo a
beneficiar tanto quanto possível os mais desfavorecidos;
‒ para
isso, o sistema fiscal apropria-se de uma parte dos rendimentos de quem escolhe
trabalhar mais horas para adquirir «bens e serviços adicionais»;
‒ mas
é tão ilegítimo o sistema fiscal apropriar-se de uma parte dos rendimentos de
quem escolhe trabalhar mais horas como seria ilegítimo apropriar-se de «uma
parte do lazer de uma pessoa»;
‒ por
conseguinte, não havendo diferença entre os dois casos, é discutível que uma
sociedade justa seja aquela que se encontra organizada de modo que o rendimento
obtido pelos mais produtivos beneficie o mais possível os mais desfavorecidos.
16. Leia o texto.
Numa associação industrial
cooperativa, será justo que o talento e a perícia deem direito a uma
remuneração superior? Os que respondem negativamente defendem que aqueles que
fazem o melhor que podem merecem ser pagos da mesma maneira, e que seria injusto
colocá-los numa posição de inferioridade por algo de que não têm culpa. (...)
A favor da perspetiva contrária, alega-se que a sociedade recebe mais do
trabalhador mais eficiente, e que, como os seus serviços são mais úteis, a
sociedade lhe deve uma maior compensação. (...) Como escolher entre estes
apelos a princípios de justiça rivais? Neste caso, a justiça tem dois lados,
sendo impossível harmonizá-los, e os dois disputadores escolheram lados
opostos – um olha para aquilo que é justo que o indivíduo receba; o outro,
para aquilo que é justo que a comunidade lhe dê. Cada uma destas posições é,
do ponto de vista de cada disputador, incontestável, e qualquer opção por uma
delas (...) tem de ser completamente arbitrária. Só a utilidade social pode
decidir a prioridade. Stuart Mill, Utilitarismo,
Porto, Porto Editora, 2005, pp. 98-99 (adaptado). |
16.1. Mostre
que o princípio da diferença, defendido por Rawls, permite uma retribuição
maior para os mais talentosos.
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Apresentação das razões
pelas quais o princípio da diferença permite uma retribuição maior para os mais
talentosos:
– o princípio da
diferença permite distribuições desiguais de riqueza;
– as distribuições
desiguais de riqueza justificam-se quando produzem os maiores benefícios
possíveis para os menos favorecidos (para aqueles que sofrem os efeitos
negativos da lotaria natural ou da lotaria social nas suas vidas);
– se, por exemplo, os
incentivos aos mais talentosos aumentarem os recursos disponíveis para
distribuir pelos menos favorecidos, então (de acordo com o princípio da
diferença) justificar-se-á uma retribuição maior para os mais talentosos.
17. Será
que a redistribuição da riqueza põe em causa a liberdade individual?
Na sua resposta, deve:
− clarificar o problema
filosófico inerente à questão formulada;
− apresentar
inequivocamente a sua posição;
− argumentar a favor da
sua posição.
A resposta integra os
aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
Clarificação do problema:
– a redistribuição da
riqueza implica que o Estado transfira riqueza dos mais favorecidos/mais ricos
para os menos favorecidos/mais pobres;
– algumas pessoas
defendem que a redistribuição é um meio para assegurar a justiça social, mas
outras pessoas pensam que a liberdade individual pode ser ameaçada por esta
interferência do Estado;
– parece, então,
haver um conflito entre a liberdade individual e a redistribuição da riqueza.
Apresentação inequívoca da
posição defendida.
Justificação a favor da posição
defendida:
No caso de o aluno
considerar que a redistribuição da riqueza põe em causa a liberdade individual:
− os mais favorecidos
são geralmente os mais produtivos, e o facto de alguém ser mais produtivo
resulta geralmente de decisões voluntárias; as decisões voluntárias de
trabalhar mais e de ser mais produtivo são uma expressão da liberdade
individual dos agentes;
− para terem mais
bens e usufruírem de mais serviços/mais riqueza, os agentes preferiram
livremente trabalhar mais, em vez de disporem desse tempo de trabalho para
atividades de lazer;
− caso uma parte da
riqueza adquirida em resultado da liberdade individual de trabalhar mais seja
transferida para os menos favorecidos, é retirada uma parte do trabalho
realizado a quem nele se empenhou, e a liberdade de dispor da propriedade
individual é, deste modo, posta em causa OU o trabalho que permitiu produzir
essa riqueza converte-se em trabalho forçado (a favor dos menos favorecidos), e
a liberdade de trabalhar mais (OU de escolher o que se faz com o tempo) é,
deste modo, posta em causa.
No caso de o aluno
considerar que a redistribuição da riqueza não põe em causa a liberdade
individual:
− o lugar de cada um
na distribuição natural de capacidades e talentos (lotaria natural) e o ponto
de partida de cada um na sociedade (lotaria social), bem como os acidentes da
vida, não resultam das escolhas dos agentes, e o que não resulta das escolhas dos
agentes (nem, por conseguinte, da sua liberdade individual) não é merecido;
− a redistribuição da
riqueza permite que os menos favorecidos tenham os bens e serviços sem os quais
a sua liberdade individual estaria diminuída (e é uma compensação devida aos
menos favorecidos pelo facto de estes não merecerem que as suas expectativas
sejam determinadas pela lotaria social ou pela lotaria natural);
− se, em conjunto com
mecanismos de redistribuição da riqueza, os mais favorecidos receberem os
incentivos adequados para produzirem mais riqueza (por exemplo, prémios de
produtividade ou salários mais elevados), também eles passam a dispor de mais
bens e serviços e, assim, veem a sua liberdade individual aumentada.
OU
− a redistribuição da
riqueza permite corrigir a influência das lotarias natural e social nas
expectativas dos indivíduos e, por isso, é um aspeto fundamental da justiça;
− a redistribuição da
riqueza poria em causa a liberdade individual se implicasse violações das
liberdades básicas iguais, por exemplo, se, através de práticas igualitaristas
irrestritas, se oprimissem os indivíduos, privando-os sistematicamente do
usufruto dos seus talentos e capacidades (e, assim, da expressão da sua
individualidade/personalidade), ou se, através de tais práticas, se impedisse a
propriedade privada, não a respeitando;
− o direito a fazer
certos contratos e negócios (por exemplo, aproveitando-se da escassez de um bem
fundamental) ou o direito a deter certas formas de propriedade (tendo, por
exemplo, o controlo dos meios de produção ou o monopólio de bens e serviços
essenciais) não são liberdades básicas (nem estão protegidos pela prioridade do
princípio da liberdade).
EM QUESTÂO, dossier do
Professor, escola virtual
José Ferreira Borges,
Marta Paiva e Orlanda Tavares
MUITO OBRIGADA AOS AUTORES!
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