Rawls
- críticas
Porque critica Robert
Nozick o princípio da diferença de Rawls?
Por que razão, defende Michael
Sandel, que o véu de ignorância não funciona?
A- A crítica libertarista de Robert Nozick (1938-2002)
Colega de
Rawls em Harvard, Robert Nozick escreveu a obra “Anarquia, Estado e Utopia”
onde critica a conceção de justiça de John Rawls.
Como sabemos
o princípio de justiça de Rawls ou o princípio da diferença diz-nos que a
propriedade deve ser distribuída de forma a que os mais desfavorecidos fiquem o
melhor possível.
De acordo
com Rawls, se não se respeitar este princípio de justiça, a sociedade será
injusta.
O
libertarista defende que as funções do Estado são apenas a defesa perante
ameaças externas (exército), a segurança dos cidadãos e dos seus bens (policia)
e o cumprimento dos contratos e das leis (tribunais).
Além destes
aspectos, a intervenção do Estado só se justifica para evitar um eventual
horror social.
Nozick
defende uma concepção de Estado – o “Estado mínimo” – em que as pessoas devem
preservar a autonomia para fazerem livremente as suas escolhas e devem exercer
os direitos e liberdades individuais que, segundo Nozick, são invioláveis.
Se Nozick
concorda com o princípio da liberdade de Rawls, critica, no entanto, o
principio da diferença pois entende que este estabelece um padrão na
distribuição dos bens: distribuir a riqueza de modo que os menos favorecidos
fiquem na melhor situação possível.
A teoria de
Rawls assenta numa concepção padronizada de riqueza e, como tal, não consegue
manter a distribuição dos bens sem ser com a intervenção do Estado e do
sacrifício dos direitos das pessoas.
Segundo
Robert Nozick, cada pessoa defende padrões de distribuição diferentes (esforço,
necessidades ou mesmo o seu contributo para a sociedade) não geraria uma
situação estável pois uns investiriam e reproduziriam os seus rendimentos,
outros guardariam ou esbanjariam tudo.
Passado
algum tempo, teríamos de redistribuir de novo os rendimentos, por meio da
intervenção do Estado, cobrando impostos a uns para redistribuir por outros e
assim sucessivamente….
Segundo
Nozick, isto é uma intromissão abusiva do Estado na vida individual, tratando
os bens das pessoas como se fossem delas – ora, se estes bens não tiverem sido
conseguidas de modo fraudulenta, esses bens pertencem às pessoas que são os
seus únicos e justos titulares – a teoria de Nozick é conhecida como a “Teoria
da Titularidade”.
O Estado ao
retirar parte desses bens aos seus justos titulares sem o seu consentimento,
está a violar os seus direitos de propriedade.
Para saber
se uma sociedade é justa, não é necessário ver se a riqueza está igual ou
desigualmente distribuída, mas antes olhar para o modo como ela foi adquirida e
transferida de pessoa para pessoa.
Quando o
Estado tira a uns para dar a outros está a apropriar-se, inaceitavelmente, de
parte de vida dos primeiros. Por exemplo: Se o Estado cobrar em impostos 25% do
vencimento para distribuir por outras pessoas, estará na prática a obriga-la a
dar uma semana do seu trabalho aos outros.
Segundo
Robert Nozick, isto equivale a trabalho escravo porque a pessoa é forçada a
trabalhar para os outros e essa pessoa não pode ser dona de si própria, pois
roubam-lhe parte da sua vida e esta acaba por estar ao serviço dos outros.
É
inaceitável reconhecer que uma pessoa não pertence a si própria, o que é,
eticamente, inaceitável, pois viola os direitos absolutos das pessoas.
Tirar a uns
pra dar a outros, sem o consentimento dos primeiros, é tratar as pessoas como
meios e não como fins em si mesmos; é instrumentalizar as pessoas, violando a
sua autonomia e, portanto, os seus direitos mais básicos.
Assim…
Nenhum
princípio distributivo como o princípio da
diferença pode ser aplicado sem interferir na sua vida pessoal –
Robert Nozick
Há uma
violação da liberdade individual, quando se quer defender uma igualdade na
distribuição dos bens.
Nozick
apresenta um argumento com base num jogador de basquetebol, Wilt
Chamberlain, que de início vive numa sociedade segundo o princípio da diferença,
a esta situação vamos-lhe chamar D1.
Mas o
jogador, depois de várias propostas assina contrato com uma equipa em que: nos
jogos em casa recebe 0.25€ por cada bilhete de entrada. Todos querem ver jogar
Chamberlain e no fim da época um milhão de pessoas viu jogos e, assim,
Chamberlain ganhou 250 000€
Teríamos,
segundo Rawls, de fazer uma nova distribuição da riqueza.
Será o
princípio da diferença de Rawls injusto? Porque nem todas as pessoas gastam o
dinheiro de igual forma. E se uma pessoa recebe uma oferta ou ganha dinheiro
numa aposta, teremos que limitar a sua liberdade?
O estado
através de impostos tenta redistribuir a riqueza. Tira a algumas pessoas sem o
seu consentimento parte daquilo que possuem legitimamente para beneficiar os
mais desfavorecidos.
A
interferência do estado na vida das pessoas é eticamente inaceitável, porque
viola os direitos de liberdade e propriedade.
Nozick
defende que “A tributação dos rendimentos do trabalho é equiparável ao trabalho
forçado”.
B- A crítica
comunitarista de Michael Sandel (1953)
É um filósofo comunitarista e
escreveu a obra “Liberalismo e os Limites da Justiça”.
Critica o individualismo de John
Rawls, pois este não dá importância à vida coletiva e ao bem comum que é
caracterizada por Sandel como aquilo em nome do qual se avaliam as preferências
individuais.
Para Sandel o bem comum é algo que
tem prioridade moral sobre as preferências das pessoas e não o resultado da
combinação ou agregação dessas preferências.
Só em comunidade é possível
encontrar um modo devida que define uma vida boa, ou seja, o bem comum.
Sandel defende que a filosofia moral
deve assentar na procura do bem comum e não como Rawls pensava na distribuição
de bens materiais.
As pessoas não se autodeterminam,
pois há laços comunitários pre-existentes que moldam as nossa preferências.
Por exemplo, as pessoas não escolhem
a sua família, mas esta molda muitas das nossas opções, preferências,
fidelidades e outras.
É no âmbito da vida social
comunitária que se constrói a nossa própria identidade – o que somos e como nos
definimos – pelo que pertencemos, em grande parte, não só a nós próprios mas à
comunidade em que estamos enraizados.
Segundo Sandel, o modelo proposto
por Rawls para encontrar os princípios da justiça falha completamente,
sobretudo quando se refere à posição original e, sobretudo, ao véu de
ignorância.
Como sabemos, Rawls defende que a
posição original visa garantir a imparcialidade na escolha dos princípios da
justiça.
Para Sandel, não basta as nossas
escolhas serem imparciais para serem boas, porque avaliar uma escolha como boa
ou como má é uma questão moral, mas o véu de ignorância coloca as pessoas numa
situação anterior a qualquer moral, pois exige que as escolhas sejam feitas por
seres racionais que têm em conta apenas os seus interesses pessoais.
Mesmo que as pessoas cheguem a
acordo, ele não é justo só por as partes terem livremente acordado nisso- um
acordo é justo quando é bom, pelo que a noção do que é bom é anterior à noção
do que é justo.
O que é bom não resulta das
preferências individuais desenraizados de uma comunidade concreta.
O véu de ignorância transforma os
homens em seres fictícios, uma espécie de fantasmas desencarnados e
desprendidos de qualquer laço social.
Se qualquer noção do bom ou mau
decorre do nosso enraizamento nma comunidade concreta, as escolhas na posição
original por um conjunto de seres hipotéticos e desprendidos não são moralmente
credíveis.
Todo o homem faz parte de uma
comunidade e, por isso, o véu de ignorância permite que nos esqueçamos da nossa
condição e do nosso próprio eu que se constrói em sociedade.
Esquecer que as pessoas se esqueçam
dos seus laços sociais concretos é o mesmo que exigir que se desprendam
de si próprias.
Pelo véu de ignorância, as nossas
escolhas transformam-se em escolhas amorais e, por isso, Sandel defende que
Rawls criou uma espécie de vazio moral no que diz respeito à
escolha de princípios de justiça!
Assim....
Para os comunitaristas,
o estado deve intervir para combater as desigualdades
sociais redistribuindo bens essenciais de
forma igualitária pelos cidadãos: dinheiro, emprego, saúde, educação,
poder político.
Sandel discorda
da forma de encontrar os princípios de
justiça (Posição Original de Rawls), pois não basta as nossas escolhas
serem imparciais para serem boas.
Os princípios de
justiça devem ser justificados a partir da ideia de bem
comum.
O Bem Comum é definido pela sociedade e
tem prioridade sobre as preferências individuais e não é o
resultada da combinação das preferências individuais.
A avaliação dos princípios de justiça tem
de ser moral. As escolhas feitas a coberto do véu de ignorância são cegas,
feitas por seres hipotéticos, têm em conta apenas interesses individuais.
Para Michael Sandel, as
nossas escolhas decorrem do contexto da comunidade em
que estamos inseridos.
Texto elaborado tendo por base
o
manual 50 lições de Filosofia
Outras Críticas ...
A teoria de Rawls
não compensa as desigualdades naturais
A concepção comum de igualdade de
oportunidades não limita a influência dos talentos naturais. Rawls tenta
resolver essa falha através do princípio da diferença. Assim, os mais
talentosos não merecem ter um rendimento maior e só o têm se com isso
beneficiarem os menos favorecidos. Mas talvez Rawls não tenha resolvido o
problema. Talvez a sua teoria da justiça deixe ainda demasiado espaço para a
influência das desigualdades naturais. E nesse caso o destino das pessoas
continua a ser influenciado por factores arbitrários.
Rawls define os menos favorecidos
como aqueles que têm menos bens sociais primários.
Imagine agora
duas pessoas na mesma posição inicial de igualdade: têm as mesmas liberdades,
recursos e oportunidades. Uma das pessoas tem o azar de contrair uma doença
grave, crónica e incapacitante. Esta desvantagem natural implica custos na
ordem dos 200 euros por mês para medicação e equipamentos.
O que oferece a teoria de Rawls a
esta pessoa? Como esta pessoa tem os mesmos bens sociais que a outra e os menos
favorecidos são definidos em termos de bens sociais primários, a teoria de
Rawls não prevê a possibilidade de a compensar. Sobre as desigualdades
naturais, apenas é dito que os mais agraciados em talentos pela natureza podem
ter um rendimento maior se com isso beneficiarem os menos favorecidos.
O princípio da diferença assegura os
mesmos bens sociais primários a esta pessoa doente, mas não remove os encargos
causados, não pelas suas escolhas, mas pela circunstância de ter contraído uma
doença grave, crónica e incapacitante. A crítica à concepção dominante de
igualdade de oportunidades devia ter levado Rawls ao princípio de que as
desigualdades naturais, tal como as sociais, devem ser compensadas. Não se vê
justificação para tratar as limitações naturais de maneira diferente das
sociais. Logo, as desvantagens naturais devem ser compensadas (equipamento, transportes,
medicina e formação profissional subsidiadas). A teoria de Rawls enfrenta a
objecção de não reconhecer como desejável a tentativa de compensação destas
desvantagens.
A teoria de Rawls
leva a que certas escolhas subsidiem injustamente outras
A intuição que está por detrás da
objecção anterior diz-te que não é justo responsabilizar as pessoas pelas
circunstâncias em que por acaso se encontram: um deficiente não é responsável
pela sua deficiência e um doente crónico pela sua doença crónica. O outro lado
da mesma intuição diz-te agora que não é justo desresponsabilizar as pessoas
pelas suas escolhas. Mais uma vez, o recurso a um exemplo pode ajudar-te a
compreender melhor o que está em jogo.
Imagine duas
pessoas que trabalham na mesma empresa de electrodomésticos. Têm, por isso, os
mesmos recursos económicos. Mas também têm em comum os mesmos talentos naturais
e antecedentes sociais. Uma delas é apaixonada por futebol e gasta uma parte
razoável do seu rendimento nas deslocações permanentes que faz para apoiar o
seu clube. Somadas as outras despesas inevitáveis de uma família, nada sobra.
Por vezes esta família tem de recorrer a apoio social do estado. A outra
resolveu estudar sistemas eléctricos depois do expediente normal de trabalho.
Após um período de estudo, compra o equipamento necessário e resolve vender os
seus serviços de electricista das seis da tarde às nove da noite.
Com muitas horas de trabalho,
esforço e competência, duplica o rendimento inicial. O princípio da diferença
diz que as desigualdades de rendimento são permitidas se beneficiarem os menos
favorecidos. Que consequência tem a sua aplicação a este caso? A consequência
de fazer o apaixonado por futebol beneficiar do rendimento do electricista
esforçado.
Isto viola a tua intuição de justiça.
Parece obviamente justo compensar custos não escolhidos (doenças, deficiências,
etc.), mas é obviamente injusto compensar custos escolhidos. E é isso o que
acontece neste caso; o princípio da diferença leva a que o electricista
esforçado pague do seu bolso a escolha que faz e ainda subsidie a escolha do
apaixonado por futebol. Corrói assim a igualdade em vez de a promover: cada um
tem o estilo de vida que prefere, mas um vê o seu rendimento aumentado e o
outro vê o seu rendimento diminuído através dos impostos com que subsidia o
outro. Rawls afirma que a sua teoria da justiça tem a preocupação de regular as
injustiças que resultam das circunstâncias, e não das escolhas. Mas porque não
faz a distinção entre desigualdades escolhidas e desigualdades não escolhidas,
o princípio da diferença viola a tua intuição de que é justo que cada um seja
responsável pelos custos das suas escolhas. A não ser assim, que sentido fazem
ainda o esforço e a ambição das nossas escolhas pessoais?
As duas objecções precedentes foram
apresentadas pelo filósofo Ronald Dworkin. Dada a sua importância central, Dworkin formulou
uma teoria que visa explicitamente dar-lhes resposta.
A objecção do
jogador de basquetebol
Esta objecção foi apresentada pelo
filósofo Robert Nozick. Ao contrário das duas objecções anteriores, não procura
melhorar o princípio da diferença de maneira a que respeite cabalmente as
nossas intuições morais de igualdade e justiça. O objectivo de Nozick é
antes derrubar o princípio da diferença e fazer assentar em bases
sólidas o seu princípio da transferência — tudo o que é legitimamente adquirido
pode ser livremente transferido. Para isso, formula o contra-exemplo que é a
seguir submetido à tua avaliação.
Wilt Chamberlain é um jogador de
basquetebol em alta. A sociedade em que vive distribui a riqueza segundo o
princípio da diferença ou segundo o princípio “a cada um segundo as suas
necessidades”, ou então segundo o princípio que achares mais correcto — escolhe
o princípio que quiseres. A esta distribuição de riqueza vamos chamar D1.
Depois de várias propostas, Wilt Chamberlain decide assinar o seguinte contrato
com uma equipa: nos jogos em casa, recebe 25 cêntimos por cada bilhete de
entrada. A emoção é grande. Todos o querem ver jogar. Chamberlain joga muito
bem. Vale a pena pagar o bilhete. A época termina e 1 milhão de pessoas viu os
jogos. Chamberlain ganhou 250 000 euros. O rendimento obtido é bem maior
que o rendimento médio. Gera-se assim uma nova distribuição de riqueza na
sociedade em questão, a que vamos chamar D2.
Por que razão é este caso um
contra-exemplo ao princípio da diferença? Dado que cria uma enorme
desigualdade, Nozick pergunta por que razão esta nova distribuição de riqueza é
injusta. Na situação D1, as pessoas tinham um rendimento legítimo e
não havia protestos de terceiros para que se redistribuísse a riqueza. Nenhuma
questão se levantava acerca do direito de cada um controlar os seus recursos.
Depois as pessoas escolheram dar 25 cêntimos do seu rendimento a Chamberlain e
gerou-se a distribuição D2. Haverá agora lugar a reclamações de
terceiros que antes nada reclamavam e que continuam a ter o mesmo rendimento?
Que razão há para se redistribuir a riqueza? Que razão tem o estado para
interferir no rendimento de Chamberlain cobrando-lhe impostos elevados?
Se concordas com Nozick e aceitas
que a situação D2 é legítima, então o seu princípio da
transferência está mais de acordo com as tuas intuições do que princípios
redistributivos como o princípio da diferença.
Mas se assim for, o que fazer em
relação às desigualdades naturais que condenam à indigência pessoas cujos
talentos naturais não são rentáveis no mercado?
Nozick aceita que temos intuições
poderosas a favor da compensação de desigualdades não escolhidas; o problema é
que os nossos direitos particulares sobre as nossas posses e rendimentos não
deixam espaço para direitos gerais. A propriedade é absoluta. E se o é, que
meios materiais tem o estado para garantir outros direitos?
É a si que cabe fazer um juízo
sobre este problema!
Faustino Vaz in Critica
Sem comentários:
Enviar um comentário