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domingo, 8 de março de 2015

Tolerância e Relativismo Moral






Tolerância e Relativismo Moral



O relativismo moral pode promover a intolerância.

O RMC afirma que aquilo que uma sociedade pensa ser moralmente correcto é moralmente correcto para ela. Imaginemos que, como já aconteceu, uma determinada cultura julga ser seu dever «civilizar» outros povos porque considera os seus costumes morais intoleráveis. Se moralmente correcto é igual a cultural e socialmente aprovado, então essa atitude intolerante é moralmente correcta. Assim apesar de pretender promover o diálogo entre culturas o RMC pode promover o conflito e a agressão. E como entender o diálogo entre culturas se o RMC nos parece convidar a uma aceitação passiva do que cada sociedade considera ser moralmente bom? Temos de tolerar tudo o que é aceite pelos outros? Esse diálogo não está associado a juízos de valor positivos e negativos? Não implica por exemplo afirmar que certas sociedades têm práticas culturais moralmente indesejáveis e inaceitáveis? Ou sermos tolerantes exige que sejamos hipócritas?
Voltemos ao caso da excisão. Não é um atentado aos direitos humanos? Será que podemos que é uma boa prática só porque há sociedades que assim pensam? E se dizemos que é má estamos simplesmente a tentar impor a pessoas de outras culturas o nosso ponto de vista? Não será que essa prática é realmente, objectivamente má?

Pense no que James Rachels diz no texto seguinte:

A excisão é praticada em muitos países e os seus defensores apresentam em sua defesa uma série de argumentos. Eis alguns: As mulheres incapazes de prazer sexual são supostamente menos propensas à promiscuidade; assim, haverá menos gravidezes indesejadas em mulheres solteiras. Acresce que as esposas, para quem o sexo é apenas um dever, têm menor probabilidade de ser infiéis aos maridos; e uma vez que não irão pensar em sexo, estarão mais atentas às necessidades dos maridos e filhos. Pensa-se, por outro lado, que os maridos apreciam mais o sexo com mulheres que foram objecto de excisão. (A falta de prazer sexual das mulheres é considerada irrelevante.) Os homens não querem mulheres que não foram objecto de excisão por serem impuras e imaturas. E, acima de tudo, é uma prática realizada desde tempos imemoriais, e não podemos alterar os costumes antigos.
Seria fácil, e talvez um pouco arrogante, ridicularizar estes argumentos. Mas podemos fazer notar uma característica importante de toda esta linha de raciocínio: tenta justificar a excisão mostrando que é benéfica – homens mulheres e respectivas famílias são alegadamente beneficiados quando as mulheres são objecto de excisão. Poderíamos, pois, abordar este raciocínio, e a excisão em si, perguntando até que ponto isto é verdade: será a excisão, no todo, benéfica ou prejudicial?
Na verdade, este é um padrão que pode razoavelmente ser usado para pensar sobre qualquer tipo de prática social: Podemos perguntar se a prática promove ou é um obstáculo ao bem-estar das pessoas cujas vidas são por ela afectadas. E, por isso, podemos perguntar se há um conjunto alternativo de práticas sociais com melhores resultados na promoção do seu bem-estar. Se assim for, podemos concluir que a prática em vigor é deficiente.
Mas isto parece justamente o tipo de padrão moral independente que o relativismo cultural afirma não poder existir. É um padrão único que pode ser invocado para ajuizar as práticas de qualquer cultura, em qualquer época, nomeadamente a nossa. É claro que as pessoas não irão, em geral, encarar este princípio como algo «trazido do exterior» para os julgar, porque, como as regras contra a mentira e o homicídio, o bem-estar dos seus membros é um valor inerente a todas as culturas viáveis.
Por que razão, apesar de tudo isto, pessoas prudentes podem ter relutância, mesmo assim, em criticar outras culturas. Apesar de se sentirem pessoalmente horrorizadas com a excisão, muitas pessoas ponderadas têm relutância em afirmar que está errada, pelo menos por três razões.
Primeiro, há um nervosismo compreensível quanto a «interferir nos hábitos culturais das outras pessoas». Os europeus e os seus descendentes culturais da América têm uma história pouco honrosa de destruição de culturas nativas em nome do cristianismo e do iluminismo. Horrorizadas com estes factos, algumas pessoas recusam fazer quaisquer juízos negativos sobre outras culturas, especialmente culturas semelhantes àquelas que foram prejudicadas no passado. Devemos notar, no entanto, que há uma diferença entre a) considerar uma prática cultural deficiente; e b) pensar que deveríamos anunciar o facto, dirigir uma campanha, aplicar pressão diplomática ou enviar o exército. No primeiro caso, tentamos apenas ver o mundo com clareza, do ponto de vista moral. O segundo caso é completamente diferente. Por vezes poderá ser correcto «fazer qualquer coisa», mas outras não.
As pessoas sentem também, de forma bastante correcta, que devem ser tolerantes face a outras culturas. A tolerância é, sem dúvida, uma virtude - uma pessoa tolerante está disposta a viver em cooperação pacífica com quem encara as coisas de forma diferente. Mas nada na natureza da tolerância exige que consideremos todas as crenças, todas as religiões e todas as práticas sociais igualmente admiráveis. Pelo contrário, se não considerássemos algumas melhores do que outras, não haveria nada para tolerar.
Por último, as pessoas podem sentir-se relutantes em ajuizar por que não querem mostrar desprezo pela sociedade criticada. Mas, uma vez mais, trata-se de um erro: condenar uma prática em particular não é dizer que uma cultura é no seu todo desprezível ou inferior a qualquer outra cultura, incluindo a nossa. Pode mesmo ter aspectos admiráveis. Na verdade, podemos considerar que isto é verdade no que respeita à maioria das sociedades humanas - são misturas de boas e más práticas. Acontece apenas que a excisão é uma das más.

James Rachels, Elementos de Filosofia Moral (2003), Gradiva, Lisboa, pp. 47-51

Vimos que o subjectivismo moral, o relativismo moral cultural e a teoria dos mandamentos divinos, encontram objecções fortes. Não temos outras opções? Estamos condenados a avaliar as acções seguindo ou os nossos sentimentos e gostos, o que a sociedade diz que é correcto ou o que Deus diz que é bom? Não haverá uma possibilidade de entendimento dos seres humanos acerca de problemas morais? Por outras palavras não haverá princípios morais acerca dos quais todos estejamos de acordo, sejam quais forem os nossos gostos, independentemente da cultura em que fomos educados ou de Deus existir ou não?
O filósofo anteriormente citado, James Rachels, afirma que há pelo menos três princípios morais que são universais. Um princípio moral universal aplica-se a todos os indivíduos mas admite excepções conforme os casos. Um princípio moral absoluto aplica-se a todos os indivíduos seja qual for o caso, ou seja, não admite excepções. Todos os princípios ditos absolutos são universais mas nem todos os princípios ditos universais ou objectivos são absolutos.
1- Devemos proteger as crianças.
2- Mentir é errado e
3- O assassínio é errado.
O cumprimento destas normas é, segundo Rachels, essencial para assegurar a sobrevivência de uma sociedade ou a saúde do corpo social e só em circunstâncias extraordinárias é admissível violá-las.

1. Quanto ao primeiro princípio uma objecção surge imediatamente: os esquimós da tribo Inuit praticam o infanticídio. Temos de distinguir duas coisas para compreender o que Rachels defende: uma coisa é dizer que os princípios morais dependem do contexto cultural variando com ele e outra coisa é dizer que é a aplicação dos princípios (e não os próprios princípios) que varia conforme o enquadramento cultural e os problemas que cada sociedade em dado momento tem de resolver.
Voltemos ao caso do infanticídio entre os Inuit. Esta tribo de esquimós vive num meio escasso em recursos naturais. São os homens que caçam e procuram alimento. A dieta alimentar é exclusivamente constituída por carne e, apesar de as mulheres não serem improdutivas, são os homens que fornecem a alimentação. A taxa de mortalidade é muito mais elevada entre os homens do que entre as mulheres. 

O infanticídio atinge exclusivamente os bebés do sexo feminino porque um excesso de membros do sexo feminino seria prejudicial sendo os homens os únicos fornecedores de comida. Contudo, os bebés só são mortos em tempos de grande escassez e só se não puderem ser encontrados pais adoptivos. Em épocas muito difíceis, em que escasseiam os alimentos e em que manter vivos os bebés seria por em sério risco a sobrevivência dos filhos mais velhos, os mais desprotegidos e incapazes são mortos. Por outras palavras, os Inuit matam alguns recém - nascidos para proteger outras crianças, as crianças que já têm.

 No entender de Rachels, esta sociedade esquimó preza os mesmos valores que nós: cuidar das crianças para assegurar a sobrevivência do grupo.
2. Por que razão todas as culturas têm segundo Rachels uma norma contra a mentira? Porque se houver a expectativa de que na maioria dos casos os outros vão mentir então a comunicação e a interacção social atingirão o ponto de ruptura e chegarão a um grave impasse.
3. A terceira norma diz-nos que nenhuma cultura aprova que se mate arbitrariamente alguém. Se vivêssemos na expectativa permanente de que os outros nos podem matar, se esta expectativa for a regra e não a excepção não arriscaríamos dar um passo para fora de casa e a desconfiança generalizada conduziria ao colapso da vida social.
Outra forma de defender que há verdades morais objectivas consistiria em dizer que tal como há verdades lógicas evidentes por si também há verdades morais desse tipo. Uma verdade lógica auto - evidente é por exemplo esta: Cada coisa é idêntica a si. Esta verdade fornece a sua própria evidência sem necessidade de mais justificações. Há verdades morais que também parecem ter esse estatuto. Eis duas delas: Pessoas iguais devem ser tratadas igualmente e O sofrimento desnecessário é errado. A primeira norma, por exemplo, diz que quando pessoas iguais são desigualmente tratadas se comete um erro moral. Para quem sabe o que são a igualdade e a moralidade esta verdade é evidente por si, ou seja, dispensa que se adicionem justificações. Estes dois princípios morais – o princípio da justiça e o da misericórdia parecem ser auto-evidentes e qualquer comportamento e teoria ética deve ser compatível com eles.



In Platano Editora





                                                Lola

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