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quarta-feira, 17 de novembro de 2021

René Descartes

 




René Descartes
(1596-1650)


Quem foi René Descartes?
Descartes foi um filósofo, físico e matemático francês. É um dos pensadores tradicionalmente ligado ao racionalismo. Estabeleceu os fundamentos filosóficos do que hoje se denomina ciência moderna. 

Qual o seu objectivo?
No centro das suas preocupações estava:
- o combate ao ceticismo reinante na sua época e a reabilitação da razão;
- a criação de um método que conduzisse a razão à verdade;
- a construção de um sistema baseado em princípios firmes e indubitáveis.

Que método escolheu Descartes?
De modo a mostrar que os céticos estavam enganados e a construir uma base absolutamente segura para o conhecimento, Descartes institui a dúvida como método e rejeita como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor dúvida, para ver se, depois disso, restava algo absolutamente indubitável.

Como se caracteriza a dúvida cartesiana?
A dúvida cartesiana é metódica (é o meio utilizado para descobrir o absolutamente certo, a ferramenta da razão que permite evitar o erro), provisória (o objetivo é encontrar certezas e reconstruir o edifício do saber), universal (nada pode escapar à dúvida) e hiperbólica (a dúvida estende-se, inclusivamente, à existência do mundo físico).

  DA DUVIDA AO COGITO

Como chega Descartes à sua primeira verdade indubitável?
Ao exercer metodicamente a dúvida, Descartes percebe que existem boas razões para duvidar das crenças estabelecidas. 
A maioria das nossas crenças não é indubitável, pois:
- as informações com origem nos sentidos não merecem confiança, pois os sentidos são enganadores.
-  a crença nas verdades racionais (como as matemáticas) pode ser falsa, pois toda a gente se pode enganar.
- todas as crenças que possuímos acerca do mundo físico podem ser falsas (argumento dos sonhos).  

O exercício da dúvida faz surgir uma primeira certeza indubitável: a existência do sujeito que duvida.
Causa repugnância, diz Descartes, imaginar que quem duvida possa não existir, pois para duvidar é preciso pensar e para pensar é preciso existir: penso, logo existo
Assim, há razões para duvidar de tudo (incluindo da existência do mundo físico), menos do sujeito pensante que tudo pôs em dúvida.

Qual é, para Descartes, o critério de verdade?
Para Descartes, as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras. Ou, dito de outro modo, clareza distinção são o critério de verdade.


O que caracteriza a primeira verdade inabalável?  

cogito (nome por que é conhecida a afirmação «Penso, logo existo») é uma evidência que se impõe ao espírito humano de forma absolutamente clara e distinta. Enquanto verdade primeira e exclusivamente a priori, oferece um ponto de partida seguro para o conhecimento.

Qual é a função do génio maligno no sistema cartesiano?
A hipótese do génio maligno é a hipótese de existir um Deus enganador, extremamente poderoso e astuto, que pusesse toda a sua indústria em enganar, fazendo-nos crer em falsidades. Esta hipótese faz Descartes chegar à conclusão de que por mais que fosse possível essa entidade existir e enganá-lo, há algo sobre o qual esse ser nunca o poderia enganar: o cogito (se penso, existo). 
Assim, a possibilidade de um génio maligno o enganar reforça a indubitabilidade do primeiro princípio, permitindo concluir a verdade da sua existência enquanto ser pensante.

 DO COGITO A DEUS

Como chega Descartes à existência de Deus?   

Provada a existência do cogito, o sistema cartesiano afirma a existência de um sujeito pensante e das suas ideias e nada mais. Permanecem dois problemas sem solução: primeiro, a hipótese da existência  de um génio maligno; segundo, consequência do primeiro, a hipótese de o mundo físico não existir. Para poder prosseguir, Descartes tem de resolver este impasse e ultrapassar o solipsismo. Para tal, Descartes tentar provar a existência de um Deus sumamente bom. O raciocínio que nos propõe é o seguinte:
Eu, sujeito pensante, erro e duvido. Errar e duvidar são sinais de imperfeição. Saber que sou imperfeito implica ter em mim a ideia de um ser perfeito. De onde me terá vindo a ideia de um ser mais perfeito do que eu? A causa desta ideia ou está em mim ou em algo distinto de mim. Sei que a imperfeição não pode ser causa da perfeição. Assim, a causa da ideia de um ser perfeito não posso ser eu, sujeito pensante, pois sou imperfeito; a causa da ideia de ser perfeito tem, pois, de proceder de algo absolutamente perfeito e exterior a mim – Deus.
Se Deus é perfeito, então não pode ser enganador (um ser perfeito que fosse maldoso não seria perfeito) e tem de, forçosamente, existir (um ser perfeito que não existisse não seria perfeito).

Qual é o papel de Deus no sistema cartesiano?
Como Deus é perfeito e, por essa razão, não é enganador, podemos confiar na nossa razão quando esta pensa ter descoberto ideias claras e distintas. Deus é assim a garantia de que aquilo que conhecemos clara e distintamente é verdadeiro. 

DE DEUS AO MUNDO

Como chega Descartes à existência do Mundo?   

Com Deus como garantia, Descartes pode deduzir outras verdades – a existência do seu corpo e do mundo físico, por exemplo – e construir, com toda segurança, o edifício do conhecimento verdadeiro.

Existem objeções ao racionalismo cartesiano?
Sim. Entre as mais comuns encontra-se uma que se designa por círculo cartesiano: as ideias claras e distintas são verdadeiras, pois Deus existe e é perfeito; Deus existe e é perfeito porque concebemos clara e distintamente a sua perfeição. Por este motivo, Descartes é, frequentemente, acusado de incorrer numa petição de princípio.


Lola

domingo, 15 de abril de 2018

René Descartes





René Descartes (1596-1650)


Itinerário Filosófico de Descartes

Razão - “ O bom senso ou razão é a coisa do mundo melhor partilhada” (Discurso do Método)
Método (4 regras) - bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências (DM)
Dúvida (metódica) - suspensão da existência de tudo até encontrar a primeira certeza indubitável.
Cogito (Penso, logo existo) - primeira certeza a que Descartes chega
Deus (princípio e garante de toda a verdade; todo o conhecimento é de carácter metafísico)
Mundo (extensão)
A relação entre as substâncias
Pensar (res cogitans)
Deus (res divina)
Extensão (res extensa)
O problema do erro
Descartes tem uma visão dualista do Homem
Pensamento (res cogitans) - razão
Extensão (res extensa) - corpo

O que é a razão ou bom senso?
Descartes vai procurar demonstrar que a razão é a origem do conhecimento
 Razão: capacidade de distinguir o verdadeiro do falso
É universal, igual e unívoca  (só tem um significado)
Se todos possuímos razão, porque é que não conhecemos bem? – Porque nem sempre a razão é bem conduzida, daí a necessidade do método

O que é o método?
  • É um conjunto de regras certas e fáceis que, por quem quer que sejam utilizadas, não lhe permite tomar o falso pelo verdadeiro e permita conhecer tudo o que puder ser conhecido
  • Guia para a razão
  • Inspirado no rigor matemático

Que regras?
  • Evidencia – só aceitar como verdadeiro o que se apresentar ao espírito clara e distintamente. A clareza e a distinção são o critério da verdade –  intuição.
  • Análise- dividir cada dificuldade/problema em parcelas mais pequenas - dedução
  • Síntese- conduzir o espírito do simples ao complexo - dedução
  • Enumeração – fazer enumerações tão gerais e revisões tão completas para ter a certeza de nada omitir- dedução

As ideias claras e distintas são conhecidas por intuição. O que pode ser corretamente derivado daquilo que conhecemos por intuição é conhecido por dedução. Assim, Descartes atribui duas funções cognitivas principais à mente, a intuição e a dedução, a que correspondem duas formas de conhecimento, o conhecimento intuitivo e o conhecimento dedutivo. Temos um conhecimento por intuição quando a nossa razão percebe imediatamente, sem qualquer raciocínio e sem qualquer dúvida que algo é verdade. Conhecemos por intuição verdades evidentes, como, por exemplo, «Eu existo» ou «um triângulo tem apenas três lados» e «duas coisas iguais a uma terceira são iguais». Conhecemos algo por dedução quando a partir de proposições que conhecemos por intuição inferimos uma outra proposição que é também de certeza absoluta verdadeira, como, por exemplo, quando a partir da definição de triângulo inferimos que a soma dos três ângulos de um triângulo é igual a dois ângulos rectos.

Criado o método, Descartes não tem uma base sólida para o aplicar e então vai tomar uma atitude de dúvida. – dedução




O que é a dúvida?
“Resolvi supor que tudo o que até então entrara no entendimento não era mais verdadeiro do que as ilusões dos meus sonhos”
  • Suspensão do juízo para libertar o espírito dos erros que podiam perturbar a procura da verdade.
  • Atitude voluntária para construir o saber com fundamentos sólidos.


Que razões levam Descartes a duvidar?
  • Os sentidos enganam (desvalorizam o conhecimento sensorial)
  • Há preconceitos de infância que não são verdadeiros.
  • Não conseguimos distinguir os sonhos da vigília (estar acordado).
  • Há homens que se enganam a racionar até nos mais simples problemas de matemática.
  • Coloca a hipótese de existir um deus enganador/génio maligno cuja função seja enganar-nos.


Características da Dúvida
  • Metódica - diferente de sistemática –céticos
  • Provisória - temporária (até chegar à primeira certeza)
  • Voluntária - fruto da vontade
  • Deliberada - não imposta
  • Universal - aplica-se ao conhecimento em geral
  • Hiperbólica - exagerada/excessiva
  • Radical - atinge os fundamentos do saber
  • Gnosiológica - aplica-se ao conhecimento e não à acção
  • Especulativa ou teórica


Se depois de tomar a atitude de dúvida, Descartes encontrar algo que lhe resiste, então esse será o primeiro princípio da sua filosofia.

Se duvida, pensa, porque ninguém pode duvidar se não estiver a pensar! Então chega à certeza da sua existência como ser pensante – o cogito.




Cogito
  • Primeira certeza a que Descartes chegou depois da dúvida
  • Primeira verdade indubitável
  • Ponto de partida do saber
  • “Penso, logo existo”
  • Não é dedução é intuição: simultaneidade entre pensar e existir
  • Existe (neste momento)  apenas como pensamento
  • Res cogitans- substância pensante
  • A essência é o pensamento
  • Conhece-se primeiro e melhor o pensamento do que o corpo
  • Para existir, não se precisa de lugar nem de qualquer materialidade - existe apenas como pensamento

Descartes chegou ao cogito por intuição -  e esta é uma ideia clara e distinta (critério de verdade)
O que faz do «Eu penso, logo existo» uma verdade indubitável, e, por isso, um conhecimento, é a clareza e distinção com que é aprendido pela nossa mente.
Isto fornece a Descartes o critério para determinar quando uma qualquer proposição é uma verdade indubitável: a clareza e distinção.
Mas, em que condições é uma ideia clara e distinta? A resposta de Descartes é a de que uma ideia é clara quando a razão, sem qualquer participação dos sentidos, nos mostra que ela é verdadeira sem a mínima possibilidade de erro; e é distinta quando não se confunde com nenhuma outra ideia.
Neste momento, Descartes apenas tem a certeza da sua existência como ser pensante: “Penso, logo existo” (cogito ergo sum)
O cogito encontra-se num solipsismo ou isolamento de outras consciências e da realidade.
Como sair deste solipsismo?
Se duvida, é um ser imperfeito, pois é mais perfeição ter certezas do que dúvidas- Descartes sabe que é imperfeito, pois tem em si a noção de perfeição que não foi criada por si (pois se o fosse tê-la criado para si próprio) mas sim por um ser superior que é Deus.

Qual é o papel de Deus na filosofia cartesiana?
  • Fundamento e garante de toda a verdade.
  • Perfeito e criador de verdades eternas.
  • Origem de tudo o que existe
  • Fundamento do saber e da certeza
  • Garantia do pensamento evidente e de toda a realidade
  • É o fundamento da ciência
  • É infinito, omnipotente, omnisciente e eterno
  • Criador do universo- não criou o mal nem é responsável por ele 

Provas da existência de Deus
Descartes foi o primeiro pensador ocidental a provar racionalmente a existência de Deus
São  três as provas que apresenta:
  • “Eu penso em Deus, logo ele existe” (argumento ontológico) – do pensamento à existência
  • “Eu tenho a ideia de perfeição que foi posta em mim por um ser superior e perfeito que é Deus”
  • “Se eu existo e sou imperfeito, muito mais tem de existir Deus, se não faltar-lhe-ia a perfeição de existir”- da minha existência à existência de Deus

O que sabe neste momento o cogito?

  • Sabe duas coisas: que existe e que Deus existe. O solipsismo não tem, portanto, razão de ser, uma vez que o cogito não é tudo o que existe. Este conhecimento, no entanto, não permite ainda recuperar as crenças que a dúvida metódica pôs em suspenso — as verdades da Matemática e a crença no mundo exterior —, mas permite definitivamente afirmar que a hipótese de um Deus enganador não tem razão de ser.
  • Descartes está finalmente em condições de afastar o mais poderoso dos argumentos que constituem a dúvida metódica;
  •  Deus não é enganador, porque enganar é uma imperfeição e Deus é perfeito.
  • A ideia de Deus é aquilo a que Descartes chama uma ideia inata, e, como todas as ideias inatas, foi colocada em nós por Deus, pelo que é como a marca do criador na sua obra. 
  • As ideias inatas são ideias com as quais já nascemos e que a mente descobre por si própria, não tendo, portanto, origem na experiência, como são o caso, além da ideia de Deus, do cogito, das verdades auto-evidentes da Aritmética e da Geometria e, de uma maneira geral, de muitas ideias que conhecemos por intuição e que são claras e distintas. 
  • Além das ideias inatas, existem também as ideias adventícias, que têm origem nas sensações, como as ideias de casa, árvore e as ideias factícias, ou forjadas, que são as que a nossa imaginação cria a partir das ideias adventícias

Porque é que erramos? (o problema do erro)
Para já, porém, temos de lidar com outro problema. Se Deus é perfeito — e, portanto, não é enganador — e fomos criados por Deus, como se explica o erro, isto é, como se explica que façamos juízos falsos? Como se explica que o erro seja possível num universo criado por um Deus, que é sumamente bom, sábio e poderoso?
Descartes explica o erro distinguindo dois tipos de pensamentos, os que dependem do entendimento e os que dependem da vontade ou livre-arbítrio.
Embora aquilo que conhecemos pelo entendimento seja indubitavelmente verdade, o nosso entendimento é limitado, pois há muita coisa que é incapaz de compreender, ao contrário do intelecto divino, que compreende tudo.
 Por outro lado, a nossa vontade tem uma capacidade infinita e pode escolher afirmar ou negar algo que o nosso entendimento não compreende completamente e levar-nos assim ao erro:

O entendimento constrói juízos
A vontade valida os juízos
O que é a vontade?
É a capacidade de validar ou não os juízos
A verdade nunca deve precipitar-se usando mal a liberdade
Somos todos dotados de livre-arbítrio e conduzimos mal a nossa vontade validando juízos que não são evidentes (que se apresentam ao espírito sem clareza e distinção que são, segundo Descartes, critérios de verdade)
Os erros resultam desta assimetria entre o nosso entendimento e a nossa vontade. Os erros acontecem quando a vontade afirma ou nega uma proposição que o entendimento não compreende completamente e resultam, assim, do nosso livre-arbítrio. Isto explica, por um lado, por que erramos e, por outro, mostra que Deus, embora nos tenha criado, não é o responsável por esses erros.

Até aqui, Descartes tem a certeza da existência do cogito e de Deus, mas não sabe se existe algo mais para além destas duas substâncias. Como sabemos, a essência do pensamento é pensar, mas sentirmos uma dor ou uma picada e esta não provém do cogito nem de Deus.

O mundo/extensão
Para além do cogito e de Deus, Descartes defende que existe matéria ou extensão
  • A extensão é a qualidade dos corpos em comprimento, largura e profundidade
  • A ideia de extensão apresenta-se clara e distintamente ao espírito
  • Fazem parte da extensão o corpo e as substâncias materiais

Descartes pensa que é possível provar que a crença na existência do mundo é verdadeira. Para o fazer, ele usa um procedimento semelhante ao que utilizou para provar a existência de Deus: constatar que temos certas ideias e perguntar quais as suas causas. 

Ele raciocina do seguinte modo:
O cogito tem em si ideias que associa com objetos físicos. Qual é a causa dessas ideias? Uma resposta possível a esta pergunta é que estas ideias têm origem no cogito. Mas, diz Descartes, o cogito não pode ser a causa destas ideias, porque elas são produzidas sem a sua cooperação e frequentemente contra a sua vontade (temos perceções de objetos físicos mesmo quando não queremos). No entanto, temos uma grande propensão para acreditar que a causa das ideias que temos, por exemplo, de uma certa casa ou árvore, é uma dada casa ou árvore, que existe exterior e independentemente de nós. Ora, se as causas destas ideias não fossem estes corpos físicos, Deus seria enganador, dado que nos teria criado com a propensão a crer que estas nossas ideias têm como causa os objetos físicos e não seria isso o que aconteceria. Mas, como já vimos, Deus é perfeito e, por isso, não pode ser enganador. Portanto, termos esta propensão pode apenas significar que são os corpos físicos a causa destas ideias e, consequentemente, que os corpos físicos existem:
Ora, não sendo Deus enganador, é absolutamente manifesto que ele não introduz em mim essas ideias, nem imediatamente por si próprio, nem também por meio de outra criatura.
Deus é o nosso criador e não é enganador. Temos uma grande propensão para atribuir a objetos físicos a causa das nossas ideias de objetos físicos. Portanto, os objetos físicos são a causa dessas ideias e, claro, existem objetos físicos.

Descartes conseguiu, assim, recuperar todas as crenças que a dúvida colocou em suspenso. E embora os nossos sentidos não sejam nunca de inteira confiança, é possível provar a verdade das nossas crenças mais fundamentais se, em vez de darmos primazia aos sentidos, como normalmente fazemos, nos guiarmos pela razão.
Poderemos pensar que ganhámos muito pouco ao fazermos este trajeto. Afinal, já acreditávamos que as proposições das Matemáticas são verdadeiras e que o mundo exterior existe. Contudo, há uma diferença substancial entre a posição em que nos encontrávamos no começo e a atual. Na altura, acreditávamos que essas crenças eram verdadeiras, mas não sabíamos efetivamente que o eram.
Agora, com a garantia divina, não apenas acreditamos mas sabemos que as nossas crenças são verdadeiras.
Passámos da mera crença para o conhecimento e isso, para Descartes, é uma diferença substancial porque passámos a ter a certeza da verdade daquilo em que acreditamos.

                                        Lola

sexta-feira, 6 de abril de 2018

René Descartes


René Descartes

" O ponto de vista dominante da filosofia ocidental nos últimos trezentos anos tem sido o que derivou do filósofo francês René Descartes, um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. O seu método consiste em olhar para um problema questionando o modo como um indivíduo adquire conhecimento. […]
O trabalho mais conhecido de Descartes, o Discurso do Método – o seu título completo é Discurso do Método Para Conduzir Adequadamente a Razão e Procurar a Verdade nas Ciências – está escrito num estilo atraente e claro. Pode parecer que aquilo que ele escreveu é mais simples e mais óbvio do que é na realidade, por isso temos de considerar aquilo que ele escreveu de modo cuidadoso. Eis uma passagem da quarta parte do Discurso do Método, publicado em 1637, na qual ele define de modo muito claro a sua perspectiva acerca da natureza do seu próprio eu (self):


“Então, examinando atentamente aquilo que eu era e vendo que poderia presumir que não possuía corpo e que não havia mundo nem nenhum local onde eu estivesse, mas não poderia fingir que eu não existia; e que, pelo contrário, pelo facto de estar a duvidar da verdade de outras coisas, seguia-se com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que se eu tivesse parado de pensar, embora tudo o que eu sempre pensei ser verdadeiro o fosse, eu não tinha razão para acreditar que eu existia; eu soube a partir disto que eu era uma substância cuja essência ou natureza era apenas o pensamento….”


Esta passagem contém praticamente todos os componentes centrais da filosofia da mente de Descartes.

Em primeiro lugar, Descartes é um dualista. Isto significa acreditar que a mente e o corpo são duas espécies de coisas bastante distintas, dois tipos do que ele chama “substância”.

Em segundo lugar, aquilo que ele pensa que tu és, o teu eu, é a mente. Dado que tu és uma mente, e as mentes são totalmente independentes do corpo, tu podes mesmo assim existir, sem um corpo.

Em terceiro lugar, a tua mente e os teus pensamentos são aquilo que tu conheces melhor. Para Descartes é possível, pelo menos em princípio, existir uma mente sem um corpo, sendo incapaz, por mais que tente, de se aperceber de outras coisas, incluindo outras mentes. Descartes sabia, como é óbvio, que o modo como tomamos conhecimento daquilo que se passa na mente de outras pessoas é pela observação da fala e das acções de “outros corpos”. Mas para ele havia duas possibilidades sérias capazes de pôr em causa a nossa crença na existência de outras mentes. Uma é que os outros corpos podem ser apenas fingimentos da nossa imaginação. A outra é que, mesmo que os corpos e as outras coisas materiais existam, as provas que normalmente pensamos que justificam a nossa crença que os outros corpos são habitados por mentes pode ter sido produzida por autómatos, por máquinas sem mentes.

Em quarto lugar, a essência da mente é ter pensamentos, e por “pensamentos” Descartes significa algo de que te apercebes na tua mente quando estás consciente. (A essência de um tipo de coisa, K, é a propriedade – ou o conjunto de propriedades – cuja posse é uma condição necessária e suficiente para ser um membro de K. Ou seja, se algo tem a propriedade essencial E, então pertence a K – portanto E é uma condição suficiente para pertencer a K; tudo o que não tem E, não pertence a K – portanto E é necessário para a relação de pertença.) Noutras passagens Descartes diz que a essência de uma coisa material – a propriedade, por outras palavras, que toda a coisa material tem que ter – é ocupar espaço. Isto significa que para Descartes as duas diferenças essenciais entre coisas materiais e mentes são (1) que as mentes pensam, enquanto a matéria não pensa, e (2) que as coisas materiais ocupam espaço, enquanto as mentes não.

 A tese de Descartes é, assim, que aquilo que distingue a mente do corpo é o facto negativo que a mente não existe no espaço e o facto positivo que as mentes pensam. Não é surpreendente que Descartes tenha pensado que a matéria não pensa. Poucas pessoas supuseram que as mesas ou os átomos têm pensamentos. Mas porque é que ele pensou que as mentes não existem no espaço? Afinal, podes pensar que a minha mente está onde está o meu corpo. Mas se eu não tivesse corpo, tal como Descartes pensava que era possível, ainda assim eu teria uma mente. Por isso ele não podia dizer que uma mente tem que estar onde o seu corpo está, simplesmente porque se pode não ter um corpo. Além disso, se eu tenho um corpo, porque é que eu não deveria dizer que é aí que a minha mente está? Se eu não tivesse um corpo, essa seria a resposta errada, mas na verdade eu tenho um corpo.Eu penso que a principal razão para pensar que as mentes não existem no espaço é o facto de parecer estranho perguntar “Onde é que estão os teus pensamentos?”. Mesmo que respondesses dizendo 

“Eles estão na minha cabeça”, não seria óbvio que isto era literalmente verdadeiro. Porque se eles estivessem na tua cabeça, poderias saber exactamente em que lugar da cabeça estariam e a quantidade de volume que ocupariam. Mas não se pode dizer quantos centímetros de comprimento ou largura ocupa um pensamento, nem se estão situados a norte ou a sul do córtex cerebral. […]É precisamente este dualismo que faz surgir um conjunto de dificuldades à posição de Descartes. Isto porque quem pensa que mente e corpo são totalmente distintos tem que responder a duas questões principais. A primeira, como é que eventos mentais causam eventos físicos? Como é que, por exemplo, as nossas intenções, que são mentais, levam à ação, que envolve movimentos físicos do nosso corpo? Como é que, por exemplo, é possível que a interação física entre os nossos olhos e a luz leve às experiências sensoriais da visão, que são mentais? […]A resposta de Descartes a estas questões parece clara e suficientemente simples. O cérebro humano, pensava ele, possui um ponto de interação entre a mente e a matéria

De facto, Descartes sugeriu a glândula pineal, situada no centro da cabeça, como sendo o canal entre os dois domínios distintos da mente e da matéria. Era esta a resposta dele para o problema mente-corpo. No entanto esta teoria entra em conflito com a afirmação de Descartes de que o que distingue o mental do material é o facto do mental não ser espacial. Pois se acontecimentos mentais causam acontecimentos cerebrais, então isso não significa que eventos mentais ocorrem no cérebro? Como é que algo pode causar um acontecimento no cérebro sem ser um acontecimento (ou algo do mesmo género) no cérebro? Normalmente, quando um evento – digamos “A” – causa outro evento – digamos “B” – A e B têm de estar próximos um do outro, ou tem que existir uma sequência de eventos próximos uns dos outros entre A e B. Uma drama num estúdio de televisão causa uma imagem no meu televisor a muitos quilómetros de distância. Mas há um campo electromagnético transporta a imagem do estúdio até mim, um campo que existe entre o meu televisor e o estúdio. 

A perspectiva de Descartes terá de ser a de que os meus pensamentos causam mudanças no meu cérebro e que estas mudanças depois levam à minha acção. Mas se os pensamentos não existem ou não estão próximos do meu cérebro, e se não existe uma cadeia de eventos entre os meus pensamentos e o meu cérebro, então isto é um tipo de causalidade muito invulgar. Descartes quer dizer que os pensamentos não estão em nenhum lugar. Mas, de acordo com o que ele defende, pelo menos alguns dos efeitos dos meus pensamentos estão no meu cérebro e nenhum dos efeitos diretos dos meus pensamentos estão no cérebro de outras pessoas. Normalmente os meus pensamentos levam às minhas ações e nunca levam diretamente às ações de outras pessoas. 

Chegamos, assim, a um problema central da posição de Descartes, já que é normal pensar que as coisas estão onde os seus efeitos se originam. (Podemos designar esta ideia como a tese causal da localização). Deste ponto de vista, os meus pensamentos estão no meu cérebro, que é a origem do meu comportamento. Mas se os eventos mentais ocorrem no cérebro, então, dado que o cérebro está no espaço, pelo menos alguns eventos mentais também existem no espaço. Assim, o modo como Descartes distingue o mental do físico não funciona. Designemos esta aparente conflito entre o facto de que a mente e a matéria parecem interagir causalmente e a afirmação de Descartes que a mente não existe no espaço o problema de Descartes.”


 Kwame Anthony Appiah,
Thinking it Through: An introduction to contemporary philosophy, 
Oxford University Press



Lola
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