Ciência ou narrativa?
Pedro Galvão
A Verdade da Ciência, de Roger G. Newton
Dinalivro, 1999, 302 pp.
Dinalivro, 1999, 302 pp.
"Sociólogos influentes anunciam, com grande confiança, que os
resultados das ciências, obtidos com muito trabalho e através de muita
observação, experimentação e reflexão, durante os últimos quatrocentos
anos, nada têm a ver com a Natureza e o mundo externo em investigação,
mas são apenas narrativas, como os mitos e os contos de fadas, ou o
resultado de acordos sociais." É nestes termos que Roger Newton,
professor de física na Universidade de Indiana, apresenta a perspectiva
que o irritou ao ponto de o ter levado a escrever um livro — "A Verdade
da Ciência", publicado agora entre nós pela Dinalivro. Contra essa
perspectiva, Newton defende que os resultados da ciência, embora não se
baseiem em observações puras efectuadas por indivíduos imparciais,
"também não são narrativas consensuais ou mitos com objectivos
políticos".
"A Verdade da Ciência" apresenta-se como uma defesa da objectividade
científica. Newton desenvolve essa defesa da melhor maneira: sem perder
demasiado tempo com polémicas contra os que negam tal objectividade,
empenha-se na tarefa construtiva de mostrar como as teorias físicas nos
permitem efectivamente compreender a realidade. Só o segundo capítulo,
aliás, tem um carácter marcadamente polémico. Nele e no primeiro
capítulo, Newton discute o problema de saber até que ponto a ciência é
convencional. Defende que, embora a adopção do método científico seja
convencional, e embora as leis científicas contenham elementos
convencionais, não se pode concluir daí que a ciência não passa de
convenções. Deste modo, aceita um convencionalismo moderado, mas rejeita
a recente "variante maligna" do convencionalismo, que concebe as
teorias científicas, bem como os próprios factos em que estas se
baseiam, como simples construções sociais.
Nos cinco capítulos seguintes, Newton examina diversas questões
metodológicas suscitadas pela ciência. Começa por mostrar como as
teorias físicas permitem explicar os fenómenos naturais, avaliando de
seguida o papel desempenhado por alguns dos dispositivos explicativos
usados pelos cientistas, como os modelos, as analogias e as metáforas.
Depois, tenta esclarecer o estatuto e a função dos factos na ciência, o
que conduz ao problema decisivo da sua relação com as teorias. O modo
como estas nascem e morrem, aliás, também é considerado num dos
capítulos. Newton discute ainda a natureza da matemática, tendo em vista
o objectivo de explicar a que se deve o seu enorme poder na compreensão
do mundo físico.
Os temas metafísicos estruturam os últimos quatro capítulos. Estes,
sem dúvida, são ao mesmo tempo os mais densos e os mais interessantes do
livro. Neles, investigando o contraste entre a física clássica e a
física quântica, Newton mostra como esta última afectou as noções
tradicionais de causalidade, realidade e verdade. O problema de saber o
que, à luz da física quântica, devemos considerar real ao nível
submicroscópico, recebe uma discussão bastante desenvolvida. Newton
salienta que os fenómenos quânticos nos ensinaram que a linguagem
adequada para as descrições à escala quotidiana, que inclui as noções de
onda e de partícula, não serve para adquirir um entendimento mais
básico da matéria.
O último capítulo, dedicado à verdade científica, retoma as
preocupações iniciais do livro. Será a verdade relativa? Muitos dos que
negam a objectividade da ciência pensam que sim, declarando que a
verdade de uma afirmação consiste na sua aceitação consensual no
interior de uma comunidade. Contra esta teoria da verdade como consenso,
Newton faz notar que, "se a concordância fosse a definição de verdade,
as afirmações científicas consensuais não seriam tão exactas como
costumam ser, antes teriam a tendência para ser tão vagas quanto
possível." Mas, mais do que na questão da definição de verdade, Newton
está interessado nos critérios que a permitem reconhecer. E a este
respeito saliente que o "critério mais importante, para averiguar a
verdade de uma afirmação, é a sua coerência com uma rede de afirmações
que também sejam consideradas verdadeiras."
Dados os temas que aborda e o desenvolvimento que lhes concede, "A
Verdade da Ciência" deve ser considerada como uma introdução à filosofia
da ciência, até porque, como é normal nas obras deste tipo, não se
destaca pela apresentação de teses ou argumentos filosóficos originais.
No entanto, como introdução à filosofia da ciência, este livro de Newton
é bastante original, pois discute sempre os problemas filosóficos no
contexto das melhores teorias físicas. A exemplificação, abundante e
esclarecedora, é uma das suas melhores virtudes. Mas, sobretudo quando a
física quântica entre em acção, não é possível seguir a discussão sem
uma certa formação em física.
Lola