O
SIGNIFICADO FILOSÓFICO DA ALEGORIA DA CAVERNA
Platão escreveu esta alegoria há mais de dois mil anos
mas ela permanece importante para nós porque nos diz muito sobre o que a
filosofia é.
Em primeiro lugar, na alegoria, a filosofia corresponde a uma actividade, a uma
viagem que nos deve conduzir do fundo da caverna em direcção à luz.
Sendo uma actividade, a filosofia não é um simples conjunto de teorias. É
evidente que os filósofos produziram muitas teorias sobre muitas questões
fundamentais. Mas não se trata em filosofia de estudá-las para simplesmente as
memorizar. Vais estudá-las, em vez disso, para aprender como se faz filosofia.
Ao compreenderes como alguns dos melhores filósofos fizeram filosofia, ao
considerares os problemas a que tentaram responder com as suas teorias e o modo
como construíram essas teorias terás ao teu dispor um instrumento precioso para
saber o que é filosofar e filosofares.
Em segundo lugar, a alegoria de Platão mostra-nos que a filosofia (sair da
caverna e regressar a esta) é uma actividade difícil. Porquê? Porque a viagem
que nos faz subir da caverna em direcção à luz exterior implica questionar as
nossas crenças mais básicas, crenças que nos parecem dados adquiridos e
incontestáveis. Mais claramente, é difícil porque ao questionarmos as nossas
crenças fundamentais podemos ter de enfrentar a incompreensão dos outros, das
pessoas que se satisfazem com ideias feitas. É difícil também porque exige
disciplina intelectual, esforço crítico e autocrítico. Vamos por partes.
Dispormo-nos a examinar as nossas crenças mais básicas não é tarefa fácil
porque pode fazer-nos chegar a conclusões que a maioria dos membros da
sociedade desaprovam e porque exige uma atitude crítica que lança a dúvida
sobre o que nos habituámos a considerar verdadeiro. Por exemplo, a filosofia
examina as crenças básicas nas quais se apoia a religião quando pergunta Será
que Deus existe? Que razões temos para acreditar nisso? Há uma vida para além
da morte? Também questiona as ideias fundamentais que constituem os pressupostos
das nossas relações sociais ao perguntar O que é uma sociedade justa? Será que
devemos obedecer a quem nos governa? O Estado é uma instituição necessária?
Estas questões podem ser consideradas como desafios às ideias estabelecidas e
falta de respeito pelo que a tradição definiu. Basta pensares nos problemas que
enfrentam os que defendem, por exemplo, a ideia de direitos dos animais.
A atitude filosófica é também difícil porque exige que pensemos criticamente e
rigorosamente acerca de crenças fundamentais que nos foram transmitidas e que
aceitámos de forma acrítica. Com efeito, em muitos casos adquirimos ideias como
quem contrai gripe, por contágio. À semelhança do vírus da gripe, as crenças
estabelecidas parecem fazer parte do nosso ambiente e respiramo-las quase sem
dar por isso. Assim, as crenças que eram da nossa cultura tornam-se as nossas
crenças. Até podem ser verdadeiras e excelentes, mas como havemos de o saber se
as interiorizámos de forma acrítica, sem pensar? Ao examinarmos as ideias básicas,
nossas e dos outros, que se transformaram em hábitos mentais, devemos como
filósofos perguntar: O que justifica essas crenças? Que razões temos para supor
que são verdadeiras? Podemos definir a filosofia como a actividade que critica
e rigorosamente examina as razões subjacentes às nossas crenças fundamentais.
Sair da caverna é procurar encontrar crenças fundamentais que sejam
racionalmente justificadas.
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