Stuart Hall (1932-2014), um
pioneiro do multiculturalismo que marcou várias gerações
10/02/2014
- 17:54
Os trabalhos de Stuart Hall sobre questões de raça,
género e identidade marcaram o debate intelectual da esquerda britânica desde
os anos 1950 até hoje.
Stuart Hall numa fotografia do documentário intitulado The Stuart
Hall Project
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Morreu esta segunda-feira, aos 82 anos, o sociólogo
e teórico da cultura Stuart Hall, a quem chamavam “o avô do multiculturalismo”.
De origem jamaicana, mas radicado no Reino Unido desde 1951, Hall influenciou o
debate académico e político na esquerda britânica ao longo de mais de meio
século e foi um dos grandes responsáveis pelo acolhimento universitário dos
estudos culturais, bem como pelo alargamento da disciplina às questões de raça
e género.
“A obra de Stuart Hall influenciou várias gerações
de teóricos da cultura e da política, incluindo a actual” e “as suas análises
continuam ainda hoje a ser profundamente importantes quer para académicos, quer
para activistas políticos de esquerda”, afirmou ao PÚBLICO, num depoimento
enviado por e-mail, o sociólogo e teórico da comunicação Peter Golding,
responsável pelas áreas de investigação e inovação na universidade inglesa de
Northumbria. Uma influência que fica a dever-se à contínua actividade
intelectual de Hall, designadamente como colaborador regular, acrescenta
Golding, da “muito lida revista Soundings”, uma publicação
académica de estudos políticos assumidamente situada à esquerda.
Para o historiador Geoff Eley, Hall “foi o pensador
crítico mais importante da esquerda que emergiu da efervescência dos anos 1960
e 1970”. Também numa declaração escrita, o professor da universidade
norte-americana do Michigan disse ao PÚBLICO que Hall “combinou de modo muito
lúcido” as “mais difíceis áreas da alta teoria”, o “senso comum”, o “alcance
visionário”, a “precisão da análise política contemporânea” e “um espírito
excepcionalmente generoso em todas as formas de comunicação”.
O impacto da obra de Hall, e em particular os seus
textos sobre questões de raça, género, sexualidade e identidade, ultrapassou
largamente os círculos académicos. E o mesmo se pode dizer dos seus estudos dos
anos 1970 sobre o discursos dos meios de comunicação social, que mostraram as
ligações entre os media o preconceito racial, como Encoding and
Decoding in the Television Discourse (1973).
Este último tinha por base “uma tentativa inovadora
de começar a teorizar a produção, a circulação e a recepção de ideias, imagens
e significados gerados no seio dos meios de comunicação de massas
contemporâneos”, explica Geoff Eley, “à medida que são recebidos e negociados
por indivíduos e colectivos”.
Nos anos 1980, foi um dos principais colaboradores
do jornal Marxism Today, cuja crítica do thatcherismo influenciou
líderes trabalhistas como Neil Kinnock ou Tony Blair, mas nos últimos anos
mostrava-se cada vez mais pessimista em relação à esquerda britânica e ao
Partido Trabalhista em particular. Numa entrevista dada há dois anos ao diário The
Guardian, afirmava: “A esquerda está em apuros: não tem ideias e não tem
uma perspectiva própria e autónoma”.
Nascido em 1932 em Kingston, no seio de uma família
jamaicana de classe média, Hall mudou-se com a mãe para o Reino Unido em 1951,
tendo estudado, como bolseiro, na universidade de Oxford. Socialista, esteve
ligado, com outros intelectuais marxistas, como o historiador comunista E. P.
Thompson ou Ralph Miliband – pai dos actuais dirigentes trabalhistas Edward e
David Miliband – ao lançamento de jornais e revistas de esquerda, como The
New Reasoner ou a New Left Review.
Professor de estudos dos media no Chelsea College,
publicou em 1964, com Paddy Whannel, The Popular Arts, que
rapidamente se tornaria uma obra de referência e que está na origem do convite
que lhe foi dirigido nesse mesmo ano, por Richard Hoggart, para integrar o
Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) da universidade de Birmingham,
quartel-general do que viria a ser conhecido, no âmbito dos Estudos Culturais,
como a escola de Birmingham.
Stuart Hall substituiu Hoggart na direcção em 1968
e permaneceu na instituição até 1979, quando assumiu o cargo de professor de
sociologia na Open University, que manteve até se reformar. No final de Junho,
a universidade de Birmingham assinalará os 50 anos do CCCS através de uma conferência na qual Hall participaria, juntamente com
académicos como Geoff Eley, Lawrence Grossberg, Jo Littler, Jackie Stacey ou
Richard Johnson, outro dos fundadores do centro.
“Ele era um professor extraordinário – não apenas
na sala de aula, no auditório e no mundo institucional da universidade, mas no
sentido mais amplo da pedagogia pública e política”, sublinha Geoff Eley. O
“espírito de amplo calibre” e o eclectismo colocaram-no “acima dos debates
muitas vezes ásperos e destrutivos entre a esquerda intelectual”.
Eley lembra que Hall era capaz de “pensar
simultaneamente dentro de uma ampla variedade de tradições de pensamento
contemporâneo, demonstrando ao mesmo tempo e de forma concreta o valor de
tentar construir e sustentar uma conversa não-sectária”.
Entre as suas obras mais conhecidas, contam-se,
além das já referidas,Situating Marx: Evaluations and Departures (1972),
o seu contributo para o volume colectivo Policing the Crisis (1978), The
Hard Road to Renewal(1988), Resistance through Rituals (1989), Modernity
and Its Future (1992),Questions of Cultural Identity (1996), Cultural
Representations and Signifying Practices (1997) ou Visual
Cultural (1999).
Em 2013, John Akomfrah realizou um documentário
sobre a vida de Hall e o seu legado intelectual, intitulado The Stuart
Hall Project.
in Jornal Publico
Lola
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