Filipe - o cientista da ESA
Filipe Ressurreição:
[Após 32 anos de carreira] “o melhor
projeto está para vir”
Filipe Ressurreição é
engenheiro agrónomo de formação, mas foi no ensino que fez carreira e na
investigação que encontrou a realização profissional. Com os "miúdos"
da oficina de ciência da Escola Secundária de Arouca - ESA - desenvolve trabalho científico
que todos levam muito a sério. A qualidade dos projetos já foi diversas vezes premiada.
Como surgiu o seu
interesse pela ciência?
Sempre fui curioso,
desde miúdo, mas o meu interesse pela ciência a sério só surgiu mais tarde, já
depois dos 30 anos, quando decido dedicar-me exclusivamente à investigação,
durante cinco anos. Tive a sorte de encontrar uma equipa de investigação
fantástica na área da genética e da biologia celular, acabei por me apaixonar
pela área, e ainda hoje mantenho-me como investigador no departamento de
genética do centro de Botânica Aplicada à Agricultura, do Instituto Superior de
Agronomia de Lisboa.
Qual foi a
importância dessa passagem pela investigação no seu percurso como professor?
Acima de tudo foram
importantes os processos por que passei e os horizontes que me abriu. Ajudou-me
a aprender a pensar, a questionar e a inventar.
Entretanto sempre deu
aulas?
Dou aulas desde os
meus 18 anos, desde o primeiro ano da faculdade. O meu percurso inicial foi nos
Açores, dei aulas lá durante 10 anos, e em Arouca estou há 22 anos. Parei
entretanto os 5 anos para fazer investigação e 2 anos para desenvolver um
projeto no Visionarium. Um projeto de laboratório aberto à experimentação de
alunos, professores e para qualquer pessoa interessada pela ciência.
Que importância tem,
na sua opinião, a vertente prática e o envolvimento dos alunos em projetos para
a aprendizagem?
Eu acho que a
investigação é importantíssima. Em Arouca montámos uma oficina de ciência, um
laboratório de investigação e descoberta a que os alunos que estão interessados
vêm bater à porta. Este projeto de “brincar aos cientistas” tem 12 anos e hoje
formamos um grupo sólido e multidisciplinar, com o objetivo fundamental de
ensinar-lhes a ser investigadores. Não quer dizer que todos estes miúdos com
quem temos trabalhado e partilhado estas experiências venham a ser grandes
investigadores, mas serão, com certeza, grandes homens e grandes mulheres. No
nosso projeto os jovens passam por provas de fogo impressionantes: têm de fazer
um trabalho de pesquisa exaustiva, têm de escrever um artigo científico, e
depois têm de o saber “vender”. Isto são ferramentas muito úteis para qualquer
percurso de vida.
"Fico muito
feliz quando o reconhecimento é para com os miúdos"
Grupo vencedor da edição de 2012 do Concurso para Jovens Cientistas e Investigadores |
Em Arouca, como se
desenvolveu esse projeto? O facto de estar numa comunidade pequena funciona
como um entrave ou como uma vantagem?
Eu acho que o projeto
que conseguimos montar em Arouca poderia ter-se montado noutra escola qualquer,
porque depende mais das pessoas do que propriamente do local. Estou convencido
que se não tivesse tido aquela experiência de investigação se calhar não tinha
sido eu a dar o pontapé de saída no projeto, mas provavelmente teria sido outro
colega a fazê-lo. Mas não é fácil… Nós conseguimos construir este
espaço com equipamento de ponta à custa de prémios que temos ganho. Isto
implica termos de nos moldar aos temas dos grandes projetos, e escolher os
concursos em que participamos de acordo com as nossas necessidades. Neste
momento é de destacar o prémio Ciência na Escola da Fundação Ilídio Pinho, o
único concurso de ciência destinado ao ensino secundário cujo prémio é
atribuído à escola e não aos jovens investigadores. É importante também
estabelecer as parcerias certas, que nos possam dar contrapartidas. Temos
parceria com faculdades e centros de investigação para os quais abrimos novas
pistas de estudo que depois são desenvolvidas.
Em que projetos está
envolvido atualmente?
Neste momento temos
duas linhas de orientação dentro das quais os temas vão variando. Uma delas,
que iniciámos há dois anos e retomámos agora em força, tem a ver com um
problema ambiental local: as minas abandonadas. Elas têm uma série de metais
tóxicos expostos ao ar e com potencial para contaminar os subsistemas naturais,
mas também têm muitos recursos que podem ser valorizados. O grande desafio tem
sido a investigação e identificação de plantas com capacidade para ajudar na
despoluição e também na extração de metais nobres como a prata ou ouro. A outra
está relacionada com a toxicologia, com desreguladores endócrinos, ou seja
químicos, presentes por exemplo em plásticos ou em detergentes, que têm a
capacidade de simular hormonas. Isto começa a ser uma questão preocupante em
termos de saúde pública e desconhecem-se os seus efeitos a longo prazo. Neste
sentido temos um projeto em parceria com o centro de investigação ao qual eu
pertenço que aposta precisamente no estudo destes poluentes e da sua ação.
Como é para si
receber o reconhecimento pelo trabalho efetuado, quer através dos prémios
ganhos pelos estudos, quer a título individual?
É sempre bom quando
reconhecem o nosso trabalho, não vamos estar com falsas modéstias. Mas
infelizmente isto às vezes é um pouco ingrato, porque é distinguido um elemento
do grupo e nós somos vários. Fico sobretudo muito feliz quando o reconhecimento
é para com os miúdos, porque normalmente estes prémios dão-lhes oportunidade de
conhecer locais e contactar com gente que doutra forma não teriam oportunidade
de conhecer. Há muito anos que temos pelo menos um grupo de alunos a viajar e a
ter oportunidade de contactar com investigadores seniores do melhor que há no planeta.
"Como uma
profissão que é, ser cientista é algo que se ensina"
Sente que consegue
estimular os alunos ao máximo?
Eu acredito que sim.
Pelo menos eles a mim estimulam-me muito.
Também aprende com
eles?
Sempre! Quando falo
nestes jovens falo como meus colegas de trabalho. Aprendo constantemente com
eles. Às vezes estamos tão empolgados no trabalho e é tudo tão partilhado que
eu discuto com eles como se fossem meus colegas, e depois dou por mim a pensar
– que disparate, são miúdos! Isto mostra a relação que se consegue estabelecer
e a qualidade que se encontra neles. É impressionante!
Já passaram por si
alunos com um nível de excelência surpreendente?
Bastantes. Passaram
essencialmente dois tipos de alunos: aqueles que, com um percurso académico que
em princípio não seria promissor, de repente descobrem competências técnicas e
vocações que impressionam; e os alunos com altos níveis de sucesso académico e
com uma capacidade de aprender acima da média. Eu tenho a certeza de que terão
um futuro de sucesso.
O que é necessário
para formar as bases de um bom cientista?
Como uma profissão
que é, ser cientista é algo que se ensina. O que é inato é a vontade de aprender,
a curiosidade e a capacidade de inventar, e depois há treino: como se estuda,
como se seleciona a informação, como se digere essa informação, como se
planifica a experiência. Aprender a errar e a retificar as coisas, e nunca
desistir mesmo que o resultado final não seja o que era inicialmente esperado.
E têm de aprender também que a ausência de resultados, ou seja mostrar que algo
não tem efeito, também é um excelente resultado. Tudo isto permite dar um
grande salto qualitativo.
Que projetos destaca
ao longo da sua carreira?
Eu digo sempre que o
melhor projeto, aquele que eu destaco é o que está para vir. Hoje em dia
sinto-me muito realizado com o trabalho que faço. Mas quero sempre fazer mais
coisas…
Quais são os seus
objetivos para o futuro?
Em primeiro lugar,
terminar todos os projetos que estão em andamento, e para os a quais estes
miúdos vão abrindo pistas, até porque temos compromissos com várias
instituições e temos de dar conta do recado. Depois será trabalhar a ligação às
Universidades… Estamos à espera para ver quais as propostas que vêm do
Ministério da Educação, nesse sentido, agora em setembro. Espero que surja um
grande programa, que deixe marcas que perdurem em muitas escolas.
Que conselho deixa
para os professores que queiram apostar em novos projetos?
O primeiro passo – e
aí o Ministério da Educação têm um papel importante a desempenhar – é
o próprio professor estudar, aprender e viver experiências. Só conseguimos ser
auto-didatas, entrando por novas áreas, se tivermos bases científicas sólidas,
e infelizmente a formação de professor não nos dá isso. Eu acho que está na
altura de mudar um bocadinho, porque a componente científica tem de prevalecer
sobre a componente pedagógica na formação do professor. Mas tudo é possível, e
acho que nós somos um exemplo disso (nós e um grupo de escolas, para já ainda
restrito, mas que espero ver aumentar). As coisas conquistam-se… é preciso
acreditar e trabalhar muito, mas chega-se lá!
Publicado in Ciência 2.0
em 20/6/2012 por Isabel Pereira
Lola
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