quarta-feira, 4 de junho de 2014

Última aula


A última aula de João Lobo Antunes ou “uma vida examinada” numa hora

Médico faz 70 anos na quarta-feira, nesta terça deu a última lição na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Uma plateia cheia ouviu-o falar sobre o tempo, a educação e o sentido da vida.


O neurocirurgião e professor de medicina João Lobo Antunes jubilou-se nesta terça-feira, um dia antes de fazer 70 anos. Na sua última aula, no auditório Egas Moniz do Instituto de Medicina Molecular, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), o prémio Pessoa de 1996 abriu as portas para o seu passado. Durante mais de uma hora, falou sobre o sentido da vida, enalteceu as qualidades de uma educação liberal, fez rir uma plateia que transbordava e falou da sua arte: a cirurgia. Após os aplausos, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, condecorou o neurocirurgião com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, que distingue o mérito literário, científico e artístico.
“O tempo passou tão depressa”, desabafou João Lobo Antunes, no início da sua última lição. Antes, falaram José Fernandes e Fernandes, director da FMUL, e António da Cruz Serra, reitor da Universidade de Lisboa, que agradeceu ao médico a ajuda na unificação das antigas Universidade de Lisboa e Universidade Técnica de Lisboa. “É com imensa pena que o vejo jubilar”, disse Cruz Serra.
A assistir na plateia, estavam Jorge Sampaio e António Ramalho Eanes, ex-presidentes da República, António Lobo Antunes, escritor e irmão do neurocirurgião, o patriarca de Lisboa D. Manuel Clemente, o empresário Francisco Pinto Balsemão, o ministro da Educação e Ciência Nuno Crato, a antiga ministra da Ciência Maria da Graça Carvalho, a presidente do Instituto Champalimaud Leonor Beleza, médicos, muitas pessoas de bata branca, investigadores, alunos.
“Última lição” prometia ser o título da aula do neurocirurgião, de acordo com oslide de abertura que tinha desenhados neurónios. Mas João Lobo Antunes explicou que, depois de pensar sobre o que queria dizer, decidiu o seguinte: “Falar para vós como se estivesse a falar simplesmente e só para mim.” Por isso, inspirando-se na Apologia de Sócrates de Platão, onde se lê “sem me examinar a mim próprio e aos outros não vale a pena viver a vida”, o neurocirurgião chamou à sua lição de Uma vida examinada.
Nessa revisitação, a profissão surge como se se tratasse de uma característica genética, que João Lobo Antunes herdou do pai, João Alfredo Lobo Antunes, também médico. No PowerPoint apareceu uma árvore genética da família, com quadrados e círculos (homens e mulheres). Estas árvores mostram a frequência com que uma doença genética aparece nas famílias, ajudando a antecipar a probabilidade de surgir num novo membro. Mas, neste caso, os quadrados e círculos pintados a vermelho eram os médicos. E o título do slide, “Profissão dominante de penetrância variável”, era um trocadilho com jargão científico que fez rir a plateia.
Lisboa-Nova Iorque-Lisboa
João Lobo Antunes nasceu a 4 de Junho de 1944, em Lisboa. Antes de entrar na FMUL, passou pelo Liceu Camões. Do estudo que o permitiu terminar a licenciatura em 1967 com média 19,47, lembrou a vida quase monástica que teve, ao ritmo do relógio da Igreja de Benfica: “Estudava das 9h às 13h, parava para almoçar, continuava das 15h às 20h, parava para ir jantar e voltava das 21h até às 23h.” E lembrou também o “prazer de ter um livro na mão”.
Diz-se um produto da “educação liberal”, onde se aprende a “saber ouvir”, mas também a ler, a compreender, a falar com qualquer pessoa, a escrever de forma prática, humilde, clara, a reconhecer uma variedade de problemas quando se analisa um tema e, finalmente, a “relacionar tudo e tudo saber articular”.
Depois de falar sobre a sua passagem pelo Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, e por outras instituições portuguesas, o médico contou a sua estadia nos Estados Unidos. “Fui sempre livre para que as coisas me acontecessem.” Entre 1971 e 1984 esteve em Nova Iorque, como bolseiro Fulbright e professor de neurocirurgia da Universidade de Columbia, e onde completou o doutoramento. Entre as pessoas que o marcaram, falou de Houston Merritt, “o maior neurologista americano da sua geração”, que nunca “perdia a oportunidade de ver mais um doente”.
Quanto às razões que o fizeram regressar a Portugal, João Lobo Antunes cita Robert Oppenheimer, físico que dirigiu o projecto Manhattan (que desenvolveu a bomba atómica). Mais tarde, o físico foi posto de parte a nível político por suspeitas de espionagem para a União Soviética. Mas nunca abandonou os EUA, e um amigo citou-o a justificar-se: “Raios! Acontece que amo o meu país.”
Já sobre os anos em Portugal, quando veio dar aulas para a FMUL, o neurocirurgião falou do crescimento da ciência, de pessoas que o marcaram — como o ex-ministro da Ciência José Mariano Gago, Graça Carvalho, o filósofo Fernando Gil ou Fernando Ramôa Ribeiro, antigo presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia —, lembrou o tempo em que foi mandatário das campanhas presidenciais de Jorge Sampaio e Cavaco Silva e referiu a unificação das universidades de Lisboa como exemplo de que os compromissos são possíveis por um bem maior.
Mas o neurocirurgião voltou ao bloco operatório e ao universo da medicina, onde ajudou a dar mais vida a alguns, a tranquilizar muitos, mas também testemunhou aqueles que a doença venceu. “O acto cirúrgico é sagrado”, defendeu. “Purificamos as mãos”, disse, referindo-se à lavagem antes da cirurgia. Um ofício de que, ao contrário das aulas, João Lobo Antunes ainda não se despediu: “Enquanto as mãos me obedecerem e o cérebro souber mandar, vou continuar.” A plateia levantou-se e bateu palmas mais de um minuto.
In PublicoNicolau Ferreira, 03/06/2014


João Lobo Antunes: “Egas Moniz merecia dois prémios Nobel”…
«O neurocirurgião João Lobo Antunes lançou há poucas semanas o seu último trabalho literário e de investigação. Intitulado Egas Moniz – Uma Biografia, é o mais diferente dos que até agora escreveu e também o mais surpreendente, porque estaria fora das suas habilitações profissionais ultrapassar o ensaio sobre temas da sua experiência como médico e pensador para avançar como um especialista na redacção de algumas centenas de páginas de índole biográfica.
As pedras da rua onde João Lobo Antunes mora estavam manchadas de lama que vem de uma encosta próxima devido à chuva. O neurocirurgião chega à hora marcada para conversar sobre a biografia que escreveu sobre o primeiro Prémio Nobel português e, depois de fugir dos pequenos rios enlameados, abre a porta da sua residência. A alcatifa e as paredes claras destacam os quadros que estão nas paredes, um de autor desconhecido que retrata a Nova Iorque onde viveu anos de formação médica e que quase esteve para ser o seu endereço definitivo; outro que «pinta» a sua profissão e alguns de Edward Hopper que, no fim, irá mostrar e comentar devido ao apreço que tem por este artista.
No escritório onde trabalha, o que chama a atenção são as muitas fotografias sobre as estantes repletas de ensaios, biografias e livros de memórias que compõem uma parte da sua biblioteca. Há várias fotografias que chamam a atenção mas é uma sua em bebé, junto à mãe e ao irmão António, que mais atrai o olhar. A segunda fotografia tem que ver com o assunto que nos fez entrar em sua casa e está numa moldura em que o pai se encontra ao lado do médico Egas Moniz.
Pode dizer-se que o Nobel português é lá de casa a partir desta fotografia a preto e branco. Tanto o pai como Egas Moniz estão de bata, envergando o hábito da profissão que ambos escolheram. Assim ficaram para a posteridade e, no caso de Egas Moniz, João Lobo Antunes decidira já há uns anos decifrar publicamente em livro, recentemente publicado. É uma biografia que recupera pela primeira vez o percurso de vida do cientista português em busca do qual o autor tem andado como que seduzido pela obrigação de a fazer. Até porque para lá da admiração que sente pelo cientista não se esquece do testemunho que foi ouvindo de seu pai, que «tinha por ele uma enorme admiração e devoção», ou do seu tio-avô, o professor Almeida Lima, que foi um dos mais próximos colaboradores de Egas Moniz e co-autor na psicocirurgia.
Já se sabia deste projecto literário do médico Lobo Antunes e por duas vezes se conversou sobre o andamento desse trabalho. Em 2008, referia as palavras de Fernando Gil, que lhe exigiam a escrita de «o» livro enquanto prognosticava que tinha para si a «esperança remota de que a minha biografia do Egas Moniz fosse esse livro». Considerava que seria «uma obra extensa, com muita pesquisa de fontes históricas e análise para tentar desvendar o enigma do homem que certamente é uma das grandes figuras da ciência portuguesa de sempre». Em 2009, afirmava: «Agora, finalmente, estou a trabalhar a sério no Egas Moniz. Comecei a embrenhar-me e é assustador como absorve completamente a nossa atenção.» Acrescentava: «Parece que habitamos na personagem, na vida, cultura e na época. A ver se consigo levar isto a bom termo, sobretudo no prazo de tempo que eu gostaria, porque é um projecto que me entusiasma.»
O que pretendeu com Egas Moniz – Uma Biografia é claro: «A mensagem fundamental que gostaria que fosse colhida é no que respeita ao que fez do ponto de vista científico e clínico. Foi notabilíssimo, só que esse reconhecimento é muito mais universal do que nacional.» Neste âmbito, o biógrafo faz um desabafo inesperado: «Acho que a maior parte dos portugueses não faz a mínima ideia de quem foi Egas Moniz e do que fez.» Foi a primeira experiência no capítulo da biografia, João Lobo Antunes sentiu o peso do género quando diz: «A personagem acaba por nos habitar e ocupa-nos o pensamento. Acompanha-nos sempre e a certa altura é quase obsessivo, porque o é quotidianamente, mas sem ser desagradável.» Garante que evitou a hagiografia, que teve algum escrúpulo em revelar «uns defeitos humanos ou pecadilhos próprios da sua personalidade, os que, de facto, lhe dão uma outra humanidade» e que quis rebater «todas as críticas que achei necessário rebater no âmbito da psicocirurgia».

Quem lê esta biografia acha que o autor não está envolvido emocionalmente no tema. Como conseguiu manter a distância?
Só posso dizer que o envolvimento emocional foi enorme!
Mas não perpassa na leitura?
Há biografias em que se nota o ódio/admiração em relação à personagem, mas eu queria fazer uma interpretação correcta de Egas Moniz. Há muito que sonhava fazê-lo, achava até que tinha a obrigação porque haveria poucos que tivessem acesso ao material que estava disponível e que me foi dado a ler pela Câmara de Estarreja e pela Casa Museu Egas Moniz.
O que mais o define?
Ele tinha uma qualidade que muitas vezes é um defeito e que pode ser definida por uma expressão portuguesa muito característica, que é ser «muito amigo do seu amigo». Essa virtude dá consistência à sociedade, mesmo que seja um sentimento quase tribal e, de facto, há muita coisa na vida de Egas que quase inspira inveja pois conseguiu um equilíbrio na sua figura pública.
O reconhecimento de Egas Moniz é muito inferior ao merecido?
Sim. Eu não vou a uma reunião internacional em que não falem de angiografia ou que, invariavelmente, não apareça o seu retrato projectado. O que é notável em Egas Moniz foi a intuição para ter percebido o que estava em causa e por isso acrescentei um epílogo para demonstrar qual tinha sido a repercussão das suas contribuições quarenta anos depois. Porque se dentro da medicina houve coisas reconhecidas com o Prémio Nobel, existiram outras que foram englobadas no conhecimento científico geral e cuja autoria se perdeu. Mas no caso da angiografia, essa tem a assinatura Moniz. Praticamente não ficou mais nada para descobrir nesse campo.
Também a psicocirurgia começa a ter aplicações?
Exactamente. E se já não cortam como cortavam, a verdade é que do ponto de vista conceptual a ideia é a dele. Eu até digo que não são descobertas, no fundo são invenções.
Ficar marcado negativamente pela prática da lobotomia é injusto?
Sim, e faço questão de explicar as razões por que acho injusto. É muito fácil criticarem-se tantas coisas até porque é uma característica do discurso ético contemporâneo perder-se completamente a perspectiva histórica. Estar a criticar Egas Moniz pelo que fez há cinquenta anos baseado em conceitos e em códigos que foram incorporados no raciocínio ético contemporâneo é um disparate.
Em Portugal deveria pensar-se diferente dele?
O discurso sobre a ciência em Portugal é muito limitado e a superficialidade no tratamento jornalístico muito grande. Se os que estão mais ligados às ciências sociais olharam para o Egas de outra forma, nem sempre com razão, dentro da comunidade médica o Egas Moniz tornou-se uma figura quase mitológica.
Refere que a neurologia portuguesa era um prolongamento da neurologia francesa. Até que ponto?
Os pioneiros da neurologia em Portugal foram treinados em França ou na Alemanha, portanto, estavam longe da neurologia inglesa e da americana. Pode dizer-se que Egas era neurologicamente francês e neurocirurgicamente americano, mas não se fica por aí pois até na visão ele era excepcional. Isso viu-se quando pensou que deveria existir a especialidade na estrutura hospitalar já em 1918. A par dos grandes nomes da medicina de então, percebeu que era preciso haver uma neuroanestesia, ter neurocirurgiões e não cirurgiões gerais que fizessem a cirurgia. Este é um pensamento relativamente precoce e para ele era aparente porque tinha um pensamento muito moderno. O mesmo se passa na sociedade, onde como político defendeu o voto dos analfabetos logo na Primeira República e contra Afonso Costa e outros, tal como defendeu os lactários e a necessidade de cuidados de higiene. Era um homem que não se confinava à sua área da neurologia.
Como é que uma pessoa com essa visão cai no esquecimento e só agora surge a primeira biografia?
Não sei o explicar totalmente, se era um anátema por ter proposto uma terapêutica que era discutível? Basta ver que no discurso científico a revista da Gulbenkian, a Colóquio/Ciência, nunca imprimiu o nome dele ou lhe fez referência.
Quando recebe o Prémio Nobel não era um anátema?
Ele teve inimigos fortes dentro do establishment da medicina. Os grandes actores da cena médica, os professores Celestino da Costa, Pinto Leite e Francisco Gentil eram quem marcava o passo mas eram inimigos de Egas.
Celestino da Costa até cria o conceito de «egófilo».
Egas era «egófilo» porque gostava muito dele próprio, mesmo que nunca tenha sido celebrado como uma grande figura da medicina portuguesa.
Se bem que tivesse uma boa relação com a imprensa da altura…
Tinha uma óptima relação com os directores dos jornais que cobria o espectro da esquerda à direita! Dava-se tão bem com o director do República e do Diário de Lisboa como com o de O Século e do Diário de Notícias. Os jornais tratavam-no com uma enorme generosidade.
A sua vida política agitada e interventiva terá sido uma razão?
A vida de Egas é um fenómeno extraordinário. Teve uma grande intervenção política mas, quando é demitido de presidente da delegação portuguesa ao Tratado de Versalhes, bate com a porta e desaparece. Faz umas declarações que incomodam alguns e nunca mais diz nada durante anos e anos. Foi bem tratado pelo Estado Novo, mesmo sendo um homem da oposição, um liberal que lutou contra a Censura, que se dava com o [presidente] Carmona. No entanto, a dado momento é quase morto num atentado, Salazar inquire da saúde dele protocolarmente mas quando Egas quer agradecer ele não o recebe. E nunca perdoou esta humilhação. Depois andaram atrás dele para ser candidato à presidência da República, porque era uma figura icónica de uma esquerda e com um grande prestígio científico, mas não tinha saúde nem disposição para o cargo.
O envolvimento político atrasa a sua entrada na vida de medicina?
Mesmo durante a sua vida política continuou a ser neurologista, a exercer clínica e a ir a França. Nunca deixou de ser médico! Aliás, no final da monarquia e na Primeira República eram os licenciados em Medicina que dominavam a cena política e nem se falava em incompatibilidades ou conflitos de interesse nessa altura. Ele não era um político a tempo inteiro, apesar de tudo.
Nem deixa de publicar artigos científicos.
Está sempre a fazê-lo e uma coisa notável é que começa a publicar em língua estrangeira desde o princípio! Ninguém pensava nisso na altura nem estava nos cenários internacionais como ele. É dos primeiros em Portugal a aperceberem-se das teses de Freud e a valorizar o hipnotismo. Aliás, vários psicanalistas chamaram a atenção para o facto de ser o primeiro «psicanalista» português porque também tem um interesse pela sexualidade. Quando vai para Coimbra faz uma tese de doutoramento sobre a vida sexual, o que naquela altura era uma revolução.
Porquê o seu interesse nessa área?
O seu interesse pela sexualidade teria também que ver por ser um apreciador da mulher. Teria uma curiosidade que era mais do que biológica sobre o tema. Mas há outra coisa extraordinária, a compatibilização do seu ateísmo e agnosticismo com a educação jesuíta, que lhe deixou uma marca notável em termos de argumentação e uma educação muito sólida.
Não é habitual que o trabalho científico comece tão tarde, como é o caso dele?
Ele começa aos 50 anos, mas com um enorme entusiasmo. Persiste, trabalha com insucesso num cão, depois consegue e avança no homem, com insucessos seguidos, com uma morte pelo meio, mas ao décimo doente vê resultados. Quantos não desistem muito antes disso?
Ele não desiste por vaidade pessoal ou por interesse científico?
Creio que não desiste por convicção de que seria possível fazer e porque seria útil. A utilidade era evidente para ele e para todos. Eu ainda sou do tempo em que abríamos a cabeça e não encontrávamos nada. Ou seja, comecei antes de aparecer a TAC ou a ressonância. Nós tínhamos uma agulha grossa e grande com a qual perfurávamos o tecido cerebral para ver se sentíamos alguma coisa! Isto é uma coisa impensável hoje e era indispensável ter uma técnica que permitisse localizar os problemas. Ele persistiu num certo contraste que depois se revelou perigoso porque era radioactivo, mas do ponto de vista técnico avançou ao começar-se a fazer o cateterismo.
Observado no tempo em que aconteceu, não há qualquer crítica a fazer?
Pelo contrário. Aliás, os grandes neurocirurgiões dos anos 1930 e 1940 vergaram-se à qualidade do processo. Os mais aristocratas dos neurocirurgiões mundiais vieram a Lisboa prestar a sua vassalagem. Egas era um ídolo dos neurocirurgiões porque lhes tinha dado um instrumento de diagnóstico que tornava muito mais seguro aquilo que faziam.
Quando se fala em dar-lhe o Prémio Nobel…
Ele merecia o Prémio Nobel pela angiografia! Aliás, quem inventou a TAC recebeu e quem inventou a ressonância também. E ele teria recebido por isso se não o tivessem desviado para a psicocirurgia. Por isso eu digo, vão-me certamente criticar, que Egas Moniz merecia dois prémios Nobel.
Quando acabou a biografia sentiu ainda mais empatia com Egas Moniz?
Foi a mesma! Mesmo que algumas pessoas se tenham interrogado se eu gosto do homem ou não. Talvez essa ambiguidade seja uma qualidade porque o meu primeiro objectivo era explicar o melhor que pudesse o que é que ele fez. E depois convencer os leitores a conhecerem este homem, porque vale a pena. Tem uma vida que é um romance interessante e ainda por cima não maça porque fez tantas coisas. Teve de tudo, teve sexo, teve crime, foi político…
Tem duas pessoas que o marcam: o seu pai, que trabalhou com ele, e o seu tio Pedro Almeida Lima. No caso deste último, diz-se que foi marginalizado nos louros pelo seu trabalho com Egas Moniz. É verdade?
O professor Almeida Lima nunca disse nada. Foi de uma fidelidade ao mestre impressionante. Também nunca quis escrever as memórias nem deixou nada para se publicar. Tenho muita pena, hoje em dia, de não ter questionado mais o meu tio Pedro Almeida Lima acerca da relação deles, mas também acho que seriam perguntas que não podia fazer porque seriam de uma enorme impertinência para ele. Não era possível dizer-lhe: «Achou bem que ele não tivesse posto o seu nome no livro da psicocirurgia quando o senhor é que fez as cirurgias todas?» Quando eu falava com o meu tio, e conversávamos muito uma vez ultrapassada aquela barreira para lá da afectuosidade, era sobre o ofício de neurocirurgião. Quando lhe disse que queria ir para fora, ele avisou-me: «Se vais para os Estados Unidos não voltas.» E quase acertou! O que falava comigo e o que queria saber, embora declarasse que já não era ninguém, era para onde é que a neurocirurgia estava a ir. Como tenho os seus registos, vi que era um cirurgião a sério e que fez muita coisa que quase nunca tinha sido feita em Portugal. Era um britânico na maneira como vestia, no cachimbo que fumava, na sua elegância, no gosto pelo romance inglês e pela língua inglesa. Era the most british dos professores da Faculdade de Medicina, onde não havia ninguém que se lhe comparasse em termos de estilo. Era um aristocrata.
Para onde avança hoje a neurocirurgia em Portugal?
Há alguns grupos que trabalham muito bem e outros que gostaria que tivessem outra qualidade. Apesar de tudo, há ainda uma heterogeneidade que já devia ter sido ultrapassada.
A neurocirurgia em Portugal poderia dar um salto em frente nos sectores em que está em falha?
Acho que podia e devia. Não há razão para que os portugueses sejam operados noutro país. Essa é, para mim, a melhor maneira de aferir a qualidade do que se faz.
Esta tecnologia e capacidade de intervir no cérebro não nos faz perder a verdadeira dimensão do ser humano?
Isso levava-nos muito longe! A primeira verdade, que é mentira: a tecnologia é neutra de valores. Mentira, porque não há nada neutro de valores! A tecnologia tem atributos que são muito parecidos com os do ser humano e eliminar a ambiguidade é um, apesar de conferir poder: um neurocirurgião armado com o seu microscópio e os seus instrumentos é o homem mais poderoso do mundo! Um ortopedista com os seus ferros, parafusos e porcas é um homem poderosíssimo. Está na natureza intrínseca da tecnologia o alargar das indicações. Vê-se no facto de a psicocirurgia ter começado por tratar doenças psiquiátricas; depois a neurocirurgia funcional alargou-se para o tratamento da dor. A angiografia cerebral começou pelo diagnóstico de tumores cerebrais, depois descobriu-se que era indispensável para as doenças vasculares e alargou a sua indicação. Agora já não é só angiografia de diagnóstico, é terapêutica. A endoscopia começou na neurologia, depois foi para a ginecologia e hoje toda a gente faz furinhos na barriga para tirar a vesícula. A tecnologia tem este poder de expansão e, portanto, dá um enorme poder às pessoas. Um hospital, particularmente um privado, é mais caracterizado pelas tecnologias que tem ao dispor do que muitas vezes pela capacidade técnica das pessoas que a usam.
Um poder que precisa de ser vigiado?
É preciso uma enorme vigilância em relação à forma como a tecnologia é usada e como é avaliada. É na avaliação da tecnologia que o presidente Obama faz um grande esforço, porque a sua utilização gera dúvidas e estão ali milhões investidos. Vale a pena pôr ferros na coluna para alguém com dores nas costas? Porquê? Porque há um outro parceiro que não havia no tempo de Egas Moniz, a indústria dos dispositivos que fornece estas coisas e que quer vender! Criou-se aquilo a que alguém chamou o complexo médico-industrial, que era uma contrapartida ao complexo militar-industrial de Eisenhower, mas que actualmente tem interesses que não são exclusivamente os da ciência, da saúde e do bem-estar. Os interesses comerciais poderosíssimos também determinam o progresso.
Essa não é uma questão que exista no nosso Serviço Nacional de Saúde?
Claro que existe! De várias maneiras e logo nos próprios profissionais de saúde que promovem o uso das tecnologias. Havendo um microscópio que é um Rolls-Royce, os médicos não querem ficar com um Volkswagen. Depois vão a congressos, onde está o lobby da indústria; e há a exigência dos doentes que vão à internet e vêem que «neste hospital não se opera a próstata mas põem-se lá umas sementezinhas interactivas» ou «neste faz-se uma cirurgia com robots em vez de ser manual». A pergunta frequentíssima dos doentes é «o senhor professor opera com laser?» E eu digo: «Não, opero com as mãos e com a cabeça.» Porque o laser dá aquela ilusão do rigor e da precisão e até entrou na linguagem corrente quando se pede uma intervenção cirúrgica no futebol ou na política. Esta metáfora, traduzida na linguagem há relativamente poucos anos, contém a ideia de rigor e de uma mínima intervenção. Quando dizem cirúrgica, significa que se fez sem causar grandes danos colaterais.
O mandatário de Cavaco Silva
«Qual foi o contributo de Manuel Alegre para a inovação da política?»
Não falar de política com o autor de Egas Moniz – Uma Biografia é impossível quando João Lobo Antunes é o mandatário nacional da candidatura presidencial de Cavaco Silva. Até porque, enquanto comentava a biografia que escreveu sobre o Nobel, não deixa de lembrar que na Primeira República eram os licenciados em Medicina que dominavam a cena política, bem como de lembrar que nestas eleições presidenciais existe uma situação semelhante: «Há dois candidatos que são médicos.»
Considera que é necessário fazer uma remodelação cirúrgica de vários ministros deste Governo?
Isso já é uma cirurgia mais alargada. Eu acho que cabe ao primeiro-ministro perceber, numa equipa tão complexa e com tanta gente, se de facto há pessoas que precisam de ser remodeladas. Ou porque não têm as condições necessárias para levar a cabo o que pretendiam fazer, ou porque se revelaram incapazes ou incompetentes. Em neurocirurgia não podemos assumir que a competência se cria por nomeação! Na neurocirurgia há pessoas que fazem muito bem uma cirurgia de hérnia discal e que não são tão felizes a fazer um tumor cerebral.
Pode fazer o diagnóstico da situação política em Portugal?
Na minha perspectiva da política – e eu não sou político, nunca fui e não serei mesmo tendo tido já oportunidades de o ser – espanta-me como se fazem certos erros ou certas estupidezes na governação agora, tal como se fizeram no passado, e que se ache natural errar desta maneira. Em relação a essas coisas só penso que se algumas tivessem acontecido na área da minha profissão elas seriam completamente inaceitáveis. Bem basta aquilo que é incerto, e sendo a incerteza uma dádiva inesperada da modernidade, fico estupefacto como é que se impõem certas medidas que se percebe à partida que não fazem o menor sentido.
Mas se até o presidente da República do qual é mandatário é acusado de não alertar a tempo o governo!
A intervenção do presidente da República tem duas dimensões. É como um icebergue, do qual vemos a ponta visível e não a enorme dimensão do que é dito em privado e em vários níveis. Não só a governantes mas também aos empresários e a outros sectores e personalidades. É como quando as pessoas vêm dizer que «Manuela Ferreira Leite tinha razão»! Há coisas que o presidente não pode fazer. Se podia fazer mais, é uma matéria que não vamos discutir em termos de coisa pública, mas acho que o discurso tem sido de tal maneira que o próprio Mário Soares já mais de uma vez disse que concorda com o que Cavaco Silva está a dizer.
Voltemos ao icebergue. Acha que essa pontinha à vista é suficiente para entender a atitude do presidente?
Acho que é muito difícil e, apesar de uma pedagogia insistente que tenta explicar que o presidente não governa, continua a ser de uma grande dificuldade transmitir essa mensagem. A confusão entre o que é o verdadeiro poder e de que forma a Constituição limita e define os poderes presidenciais continua a ser enorme. Mas no actual modelo constitucional é o que tem de se aceitar.
Deveria alterar-se a Constituição no âmbito dos poderes presidenciais?
É extremamente discutível e não é o único problema a encarar. Obviamente que viria a questão se queremos mais ou menos Estado, ou que Estado queremos, e coisas tão simples como a escola pública! Manuel Alegre também fala disso, que qualquer democracia é sustentada por um certo número de pilares e na garantia de igualdade de oportunidades. Pode ser dentro do âmbito da escola pública ou da escola privada, o que não é admissível é que não tenhamos todos as mesmas oportunidades à partida – não à chegada – porque essa é uma aquisição civilizacional: o direito à saúde, à educação e à justiça.
Mas o presidente deveria ter mais poderes?
Eu acho que isoladamente, sem uma revisão muito mais geral do papel do Estado, não faz muito sentido, porque são suficientes os que tem agora. Voltando ao termo cirúrgico, alterar cirurgicamente a Constituição só para aumentar os poderes presidenciais sem uma reflexão geral do modelo de Estado que queremos, acho que não faz sentido.
Foi mandatário de Jorge Sampaio e de Cavaco Silva. Que comparação faz?
Isso fica para um outro livro… Disse logo na altura, o que provocou uma grande comoção, que têm duas semelhanças muito importantes: a preocupação genuína com o povo português – Portugal faz-lhes doer na carne – e o facto de tomarem a presidência como um ofício complexo, duro e difícil e que tem de ser bem feito. Ou seja, não é um cargo cerimonial, não é o final de uma carreira na política nem uma entronização. É um ofício que exige muito de cada um deles como pessoas, cidadãos, homens de cultura e profissionais. E nisso são muito parecidos.
Acredita na reeleição de Cavaco Silva?
Eu acredito.
Logo à primeira volta?
Eu acho que sim. Tudo o indica, não há razão para não pensar dessa maneira. Da primeira vez não era tão líquido que fosse eleito, foi uma luta até ao último instante, agora acho que não. É um referencial de estabilidade que os portugueses reconhecem e que sentem que precisam. O único problema é uma abstenção muito grande, o que também era a grande preocupação de Sampaio na sua reeleição.
Uma abstenção mais à direita do que à esquerda?
Não, acho que não. Por causa da lei do casamento homossexual?
Não, só porque se pense que Cavaco está eleito.
Isso é uma situação perigosa e assumir a inevitabilidade de uma vitória é um erro duplo. É um erro de estratégia e é um erro moral, porque a democracia participativa é o exercício em liberdade do voto. O acto eleitoral tem de ser respeitado e o presidente-candidato entende-o da mesma maneira. Isto é para se levar muito a sério, até porque a situação de ser simultaneamente candidato e presidente pode ter vantagens mas também tem inconvenientes.
Manuel Alegre acha que tem mais vantagens do que inconvenientes.
E se calhar tem. Mas como é que Manuel Alegre quer alterar o curso da História? Não há um botão que diga apagar e a partir de agora começar tudo de novo. Aliás, o próprio Sampaio preocupava-se muito com essa distinção porque não é possível dissociar os dois papéis. Como é que o actual presidente da República, ou Sampaio ou Soares, poderia dizer: «Eu agora vou fazer uma pequena pausa e deixo de ser presidente»?
Mas quando Manuel Alegre referiu que Cavaco Silva seria o pai do monstro deve ter sido difícil para o presidente da República não responder?
O presidente da República não pode entrar nessa conversa, além de que toda a gente sabe o que é que era o retrato de Portugal antes e depois de Cavaco Silva. Eu não quero entrar em polémicas, mas qual foi o contributo de Manuel Alegre para a política portuguesa em termos de projectos de lei, em termos de situações estruturantes, remodeladoras, inovadoras, etc.? O alvo é muito maior quando se é presidente da República e quando se foi primeiro-ministro durante dez anos do que quando se foi deputado durante várias legislaturas. Se for tiro ao alvo, a figura tem outra dimensão e é mais fácil acertar ou, pelo menos, disparar.
Acredita na longevidade deste governo após as eleições presidenciais?
Creio que está muito dependente do que vai ser a execução orçamental. É preciso perceber se esta equipa ou se estas circunstâncias tornam possível cumprir o plano, independentemente da ajuda ou da não intervenção do FMI. Eu acho que deve ser dada a possibilidade de tentar demonstrar que efectivamente há gente e estruturas que sejam capazes de cumprir aquilo que é indispensável.
Não acha que o governo pretende a intervenção do FMI?
Esse não é o discurso oficial. Eu não tenho second guess, como se diz em inglês. Como cidadão, acho que não temos o direito de os ter, embora os discursos já tenham sido tão variados e tão contraditórios em matérias tão sérias que se pode duvidar. Se Sócrates diz que não quer e que vão ser capazes, então provem e a posição dos cidadãos deve ser de não obstruir. O que não posso deixar de dizer é que as grandes dificuldades não começaram na aprovação do Orçamento mas serão governar com este Orçamento. E proclamar que a saúde vai ficar na mesma, que os portugueses não vão sentir, é evidentemente falso a todos os níveis! Dizer que a ciência vai continuar próspera é outra falsidade, porque não poderá.
Com este Orçamento nada continuará igual?
Não. É preciso reconfigurar tudo e, sobretudo, tentar perceber quais são as prioridades em vez de fazer cortes cegos como aconteceram já, prejudicando em grande parte quem trabalha.

O clã Lobo Antunes e o Nobel
«A celebração de Saramago tornou-se uma espécie de Fátima»

Quando um dos irmãos do clã Lobo Antunes é um sério candidato ao Prémio Nobel, essa questão está sempre presente. Ao introduzir-se a situação do pouco reconhecimento pelo Nobel de Egas Moniz em Portugal, João Lobo Antunes é o primeiro a avançar nesta questão ao comparar com o que teve Saramago. «Foi uma celebração a um nível que excedeu tudo, tornou-se quase um fenómeno, uma espécie de Fátima noutra escala.» João Lobo Antunes admite que a comparação possa ser absurda mas diz que «basta ver-se as notícias de primeira página quando o prémio foi concedido a Egas Moniz e a José Saramago». De uma coisa não tem dúvida: «Se me perguntarem o que é que vai ficar, comparando duas categorias que não são comparáveis, é indiscutível que a contribuição de Egas Moniz foi, em termos de humanidade, incomparavelmente de outra dimensão.»
Não hesita em considerar que «o público está muito mais próximo da obra de Saramago porque para perceber a dimensão da contribuição de Egas Moniz é preciso uma outra sofisticação». Nem em achar que os portugueses reagiriam sempre melhor a um prémio dado ao escritor do que ao cientista porque «ligaram o nome de Egas a uma operação fútil, perigosa e criminosa quase porque é um exercício frequente dizer mal da ciência. A linguagem anticiência continua a ter os seus cultores», enquanto a obra literária de Saramago «está muito mais próxima dos portugueses», por existir um «outro suporte social e ideológico: Saramago era uma figura que transcendia o homem de letras, embora no âmbito da cidadania seja discutível».
Não está a dizer isso do Saramago por fazer parte do clã Lobo Antunes? A resposta é antecedida por um sorriso: «Foi uma matéria de que nós [António e João Lobo Antunes] nunca falámos. São dois escritores de mérito, um teve o reconhecimento que o outro não teve. É só isso.» O neurocirurgião não quer tocar mais neste assunto mas faz uma revelação: «Meti-me num grande desafio, o de escrever sobre o último livro do meu irmão – Sôbolos Rios Que Vão – sob a forma de ensaio.» A razão é simples, explica, «é que se eu quisesse fazer um cânone de livros que tratam de problemas médicos ou que têm alguma relação com a medicina, então este livro do António devia ser incluído nesta lista».
Segundo João Lobo Antunes, porque quem quiser entender o que diz mais respeito ao sofrimento da doença e à maneira como esta é vivida será neste livro que se encontrarão «metáforas do cancro que são fascinantes; diamantes que se vão apanhando ao longo do livro e que podem ser extraídos» para se compreender o «desejo de ter dor ou a forma como a dor vem».
Este último livro de António Lobo Antunes está a ser lido por João Lobo Antunes em dois capítulos de cada vez porque, refere, a «escrita é vertiginosa e para não cair num precipício deve ser lido por pedaços seguidos de pausa». No entretanto, revela, «tomo muitas notas, vou escrevendo e depois ao fim de quatro ou cinco dias continuo». Considera que não conhece bem a obra ficcional do seu irmão: «Estaria a mentir se dissesse que conhecia mesmo que tenha lido muita coisa dele.»  
O retrato íntimo de Egas Moniz
Para João Lobo Antunes, Egas Moniz tinha traços que lhe inspiram, como homem de ciência, uma enorme admiração. Aponta a persistência, a tenacidade, a convicção e a coragem: «Até física! É um homem que recebe oito tiros [de um paciente] e que aguenta tudo com enorme estoicismo.» Por outro lado, diz, «pretendeu dissimular uma vaidade que era enorme e, mesmo cuidando muito bem da sua imagem, no final da vida quer ser sepultado em campa rasa, no meio da sua gente». Acrescenta que Egas Moniz tinha contradições: «Era um homem que tinha um pensamento marcadamente liberal mas que ao mesmo tempo era um aristocrata e um homem que vivia muito bem.» Egas Moniz – Uma Biografia, editado pela Gradiva, é o resultado de vários anos de investigação e o primeiro trabalho biográfico do único Nobel da Medicina português e único laureado durante décadas. »
 5 Fevereiro de 2011
 JOÃO CÉU E SILVA




                                            Lola

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