Filosofia e Ensino Secundário
O ENSINO DE
FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA
A IDADE DO
QUESTIONAMENTO
Introdução
Os diferentes aspectos da filosofia
na educação secundária
Não é objetivo deste capítulo
oferecer um repertório para o currículo de filosofia em todo mundo. Tal
projeto seria completamente inútil.
O ensino de filosofia, hoje, não pode
se reduzir a uma série de currículos, programas oficiais, ou instruções anuais.
Como o ensino de filosofia é um assunto considerável na maioria dos sistemas educacionais,
parece prudente abordar a questão a partir
do ângulo dos problemas que ela levanta; às vezes soluções
temporárias, às vezes soluções de longo prazo para cada problema, e as adaptações que estas
geram.
Os diferentes aspectos de ensinar filosofia
para adolescentes refletem as dificuldades colocadas por esta disciplina, e as
preocupações que suscitam entre administradores, professores e alunos também. Diversos
estudos de casos recentes são apresentados aqui. Pretende-se que
funcionem mais como situações particularmente representativas dos problemas do
que como exemplos a serem seguidos.
Mas pode uma pesquisa
geral da posição da educação filosófica no nível secundário estar livre de tal tarefa?
Às vezes o lugar da filosofia parece estar a evoluir para as universidades; às vezes
parece estar ganhando terreno novo dentro
dos sistemas escolares.
Convém observar que a filosofia mostra-se
mais e mais como uma disciplina técnica, e tende a ser ensinada de forma
especializada ou mesmo dentro de cursos vocacionais, embora ela geralmente
seja subordinada a outras matérias, tais como a educação cívica ou a instrução
de diferentes formas religiosas – quando ela é ensinada a estudantes mais jovens.
Há uma forte tendência de atribuir um aspecto funcional de modo crescente à educação
secundária em geral. Esta direção é visível não somente na proliferação de assuntos técnicos nas escolas
secundárias; até mesmo as ciências humanas tendem a emprestar um
aumento para a funcionalidade dos assuntos. Nos níveis mais altos da escola
secundária, em que o ensino de filosofia sempre teve um lugar histórico, a formação
da mente é, por vezes, delegada para disciplinas
orientadas para a ação, tais como as ciências sociais e políticas. Não há
nada em si mesmo que possa ser lamentado nesta tendência, mesmo que
ela pareça estar baseada numa ilusão (encontrada também no nível
universitário), de que uma melhor formação da mente pode ser obtida
focalizando um conteúdo substantivo, ao invés de desenvolver nos
estudantes habilidades críticas.
É como se uma estrutura baseada na
educação com o desenvolvimento das faculdades lógicas dos estudantes – seu
julgamento livre, seu pensamento crítico – tivesse sido
substituído por um conceito de ensino concebido para persuadir –
uma educação servindo como vetor de idéias-chave supondo dos estudantes
absorvê-las de forma não crítica.
No entanto, a capacidade para
criticar todas idéias - mesmo aquelas mais simples de serem praticadas, ou
seja, a capacidade de se rebelar – é um elemento essencial para a formação
intelectual dos jovens. Um cidadão obediente pode ser um bom cidadão, mas ele
ou ela também será capaz de ser manipulado, e também é provável
que algum dia eles assumam
outras posições que não aquelas da
sua formação.
Outros elementos proporcionam espaço
para o otimismo. Por todo o mundo, comunidades de professores e
especialistas pedagógicos estão desempenhando um papel cada vez mais ativo na
promoção do ensino de filosofia e na abertura de grandes redes de
debates sobre os métodos de ensino e as práticas que se
colocam de uma forma ou de outra quase diariamente.
Neste capítulo vamos olhar para
exemplos de associações de professores que juntos protestam
contra o corte de tempo das aulas de filosofia, ou discutir o ensino
de ética em seu país, e com sucesso propor reformar curriculares. Estas contribuições
são de enorme valor, e elas têm um lugar chave entre as preocupações
da UNESCO com relação à educação secundária e o lugar da filosofia dentro
desta.
METODOLOGIA
Na elaboração de um relatório sobre
o ensino de filosofia acerca do nível secundário no mundo, é útil
perguntar qual é o lugar destinado a este produto acabado entre a massa de
informações disponíveis através de publicações especializadas, redes de
peritos, documentos oficiais, e, claro, a internet.
Na elaboração deste estudo,
tornou-se rapidamente evidente que não se poderia concebê-lo como simplesmente
um manual de práticas em uso em diferentes países. Ao escolher
um relatório a partir da compilação das contribuições, como
foi o caso do Ensino e Pesquisa em Filosofia pelo Mundo, nas séries de 1980,
temos, no entanto, indicado que o principal objetivo deste estudo é identificação
sistemática das práticas existentes. Mas a nossa
intenção não é simplesmente o estudo, país por país, do ensino de
filosofia nas escolas secundárias, mas isolar e comparar as principais formas e
modos em que o presente ensino é realizado
a nível mundial. Para ter sucesso nesse esforço, foi proposta uma
hipótese básica a partir do início: no nível secundário, a direção que a educação
filosófica toma deriva muito dos conteúdos filosóficos ensinados, bem como da
inclusão de algumas idéias filosóficas ou habilidades
dentro das outras disciplinas no currículo da escola. Dito de outra maneira, a presença
global da filosofia nas escolas deve ser considerada. Um
relatório como este é um trabalho de síntese, e como tal deve fornecer
uma base sólida para desenvolver futuras ações. Desde o início, foram levantadas
diversas questões-chave na construção deste relatório.
Primeiro, a questão da filosofia nas escolas.
Uma crise da filosofia deve ser considerada
a esse respeito, pela tendência geral, hoje, que é inquestionavelmente no sentido
de declínio, e há múltiplas razões para isto. Não
haverá, neste capítulo, nenhuma questão que tente esconder a imagem um pouco manchada
da filosofia. Mesmo porque, no contexto em que as escolas são
pressupostas, de uma conexão mais íntima com a realidade
atual do mundo, a filosofia nem sempre é vista como particularmente relevante.
Este mal-estar da filosofia, que vai além da sua presença apenas nas escolas,
é somado ao frágil status dos professores do ensino
médio e dos professores de filosofia em particular. Dificuldades em face dos
sistemas de formação de professores, acrescidas à relação continuamente debilitada
entre educação secundária, universidades e pesquisa, considerando que estes três
níveis deveriam estar mutuamente se reforçando.
Outra questão essencial para se entender
o mal-estar da filosofia é o
confronto ilustrado pela variedade
de práticas que são postas sob o guarda-chuva “o ensino de filosofia”. Os dados
recebidos durante o curso deste estudo sugerem que há uma dicotomia
entre a presença da filosofia como uma matéria ensinada e a inclusão de
conceitos filosóficos ou idéias
através de outros assuntos. É muito
comum movimentos de reforma com o objetivo de reduzir as horas- aula em
filosofia para outros temas propostos como aulas de ética,
educação cívica ou religiosa. Inversamente, é muito freqüente que outros assuntos
associados com doutrinas mais políticas ou sectárias sejam revelados como
filosofia. Este capítulo contém também uma visão geral do que
pode ser agrupado entre as principais formas dos sistemas de
ensino médio no mundo. Isto indica que a filosofia tem seus espaços privilegiados
– os níveis mais altos da escola secundária – mas que está longe de restringir-se
a eles.
Para este fim, demos uma olhada em
vários exemplos que parecem particularmente representativos das
principais questões ligadas ao ensino de filosofia no nível
secundário, e os desafios com que elas se confrontam.
Estes exemplos da vida real nos trazem a questão da relação entre o ensino de filosofia e as tradições
das culturas locais, bem como as escolhas que devem ser feitas entre
os diferentes paradigmas pedagógicos. Além de questionar a pertinência destas
práticas, este capítulo propõe diversas vias de reflexão. A relação
entre a escola secundária e a universidade - um assunto candente
para a contemporaneidade do ensino de filosofia – também é levantado.
Isto é apoiado por várias sugestões especificamente
pedagógicas.
Em primeiro
lugar, aparecem
duas abordagens principais para o ensino de filosofia nas escolas secundárias,
que correspondem, historicamente, à natureza bilateral da pesquisa filosófica.
Por outro lado, existe a abordagem teórica e lógica para os
problemas filosóficos, que põe ênfase sobre a análise racional e o
desenvolvimento lógico e intelectual das faculdades dos estudantes,
através dos exercícios de pensamento e o trabalho prático sobre o teórico. Por
outro lado, há a abordagem histórica para o ensino de filosofia – em que esta é
entendida como apresentação e reflexão sobre os conteúdos da “tradição
filosófica” ou cânon.
Em segundo plano, parece apropriado não olhar apenas
para os benefícios, mas também para as
limitações do ensino de filosofia nas escolas. Na medida em que o ensino é
marcado por transformações, seria muito simples cantar os
louvores da filosofia sem olhar para a questão da sua utilidade pedagógica,
sua função, e os limites sobre este ensino. Há, ainda, aqui, uma
séria falta de estudos e dados recentes.
O presente estudo e as respostas ao
questionário da UNESCO usadas para coletar dados a ele preenchem
uma importante lacuna, dados avaliáveis sobre o ensino de
filosofia no mundo todo. O questionário não apenas forneceu uma análise do
ensino de filosofia país por país, mas através dos comentários e
sugestões respondidas foi possível visualizar como a evolução do
sistema educacional está sendo vivida por seus participantes. Como respondeu
um dos participantes da Espanha: “fazer qualquer hipótese com a realidade de
trabalho do professor de filosofia em sala de aula só pode
vir das impressões obtidas
pelo contato com outros colegas”.
Assim, as respostas dadas ao questionário de 2007 da UNESCO
representam uma contribuição essencial a série de estudos neste campo, e que têm sido
levado a cabo desde 1950 pela entidade.
Diotime – L’Agorà (publicação somente
em formato eletrônico – Edição nº 19 – novembro 2003 – presidida por Michel Tozzi,
professor da Universidade de Montpellier III – França – www.crdp-montpellier.fr/ressources/agora)
é uma análise internacional da didática da filosofia que tem também fornecido
uma rica informação de pesquisa para este projeto, particularmente
no que se refere aos estudos de casos à volta do mundo. Por fim, temos explorado
os objetivos e impactos das reformas mais notáveis nesta área.
Lola
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