domingo, 21 de dezembro de 2014

Entregar a TAP - texto argumentativo




Entregar a TAP?



NÃO HÁ UMA SÓ RAZÃO PARA ENTREGAR A TAP


Há quase vinte anos que sucessivos governos tentam passar a ideia de que é forçoso vender a TAP. Tal ideia é falsa e não assenta em qualquer argumento que possa contrariar os evidentes e irreversíveis danos para o país, para a sua política externa, para a sua economia e para os portugueses, que a sua venda representaria. E há quase vinte anos que os sucessivos governos tudo têm feito, por acção ou inacção, para conduzir a TAP a uma situação de ruptura que possa criar na opinião pública a ideia de que só resta a alternativa de nos livrarmos da TAP, para “pôr fim ao vazadouro”. Não há aqui sombra de inocência.

O primeiro argumento é o da necessidade de refinanciar a TAP e a impossibilidade de o fazer com dinheiros públicos por tal contrariar as normas europeias. Esse foi o principal motivo esgrimido pelo actual Governo, mas sem nunca fazer demonstração cabal do mesmo. Porém, essa impossibilidade foi agora expressamente negada pela comissária europeia responsável: ou seja, o Governo mentiu. Sem pudor.

Desmascarada a mentira, o Governo reformula o argumento: o financiamento público só seria consentido pela UE, com a contrapartida da “reestruturação” da empresa — o que significaria despedimentos, diminuição de rotas, eventualmente corte de salários. E o que a TAP precisa, dizem-nos, é de investimentos que assegurem o seu “crescimento” — o que só pode ser garantido por privados. Este argumento é de uma hipocrisia chocante. Em primeiro lugar, porque a TAP não precisa de crescer: o que precisa é de assegurar a dimensão actual do serviço que presta, o qual já é bem mais vasto do que seria imaginável numa empresa de um país desta dimensão. Em segundo lugar, a “reestruturação”, que será sempre necessária e desejável, seria inevitavelmente pior (em despedimentos, diminuição de rotas e de meios) se feita por privados tendo como objectivo único o aumento dos lucros de exploração. Olhem para a “reestruturação” da Iberia e concluam. Por fim, a necessidade de refinanciar a empresa não obriga a que o modo escolhido seja a da sua entrega em bloco a uma empresa estrangeira. Com vontade e imaginação, o Governo conseguiria, entre investidores institucionais, dispersão de parte do capital em bolsa e escolha de um parceiro estratégico, privatizar uma parte, assegurar o financiamento e manter uma posição de controle e influência efectivos. Basta atentar nos motivos invocados para a requisição civil decretada, para perceber que aquilo que o Governo agora quer evitar é exactamente o que não conseguirá evitar no futuro, com a venda em bloco da TAP. Haja coerência: se a TAP é estratégica para o Governo se opor a esta greve, também é, então, para uma venda em que os mesmos danos podem ser causados habitualmente e sem necessidade de qualquer greve. 

Mas o fatal argumento financeiro tem outro calcanhar de Aquiles: o core business da TAP é uma actividade que dá lucros: a voar e a funcionar, a TAP dá lucro. Onde perde dinheiro, contaminando pela negativa os resultados de toda a empresa, é no negócio da manutenção no Brasil (a M&E), resultante de uma desastrosa decisão de compra jamais explicada. A pergunta é, pois: porque não se fecha a M&E? Ao longo dos anos, ouvi, como resposta a esta pergunta, a explicação de que tal criaria um sério problema nas relações diplomáticas com o Brasil. Ou seja: no Brasil, a TAP salvou generosamente do desemprego 2000 trabalhadores da falida Varig, mas, ao fazê-lo, teria criado uma obrigação perpétua. Portanto, mais vale despachar a TAP do que ousar resolver o problema do Brasil — coisa que, obviamente, será de imediato resolvida por quem comprar a TAP. Mas depois de termos visto como a Cimpor e a PT foram tratadas pelos brasileiros após a sua venda, depois de constatar os inestimáveis serviços que a TAP tem prestado ao Brasil nos últimos anos, ligando directamente à Europa destinos como São Salvador, Brasília, Belo Horizonte ou Porto Alegre, cabe perguntar que justificação têm tais pruridos diplomáticos? Por que razão a nossa diplomacia nunca se atreve a invocar a reciprocidade e o interesse mútuo?

A TAP é, segundo creio, a segunda empresa exportadora do país, gerando 75% das suas receitas no estrangeiro, e tem sede cá, pagando os seus impostos aqui e não no Luxemburgo (250 milhões por ano, que, em mãos privadas...voariam). É, do ponto de vista económico, político e diplomático, sem sombra de dúvida, a mais importante embaixada de Portugal no mundo. Se outras não houvesse, seriam razões suficientes para a manter em mãos públicas. Mas há outra razão, habitualmente desprezada pelos fanáticos das privatizações: o interesse dos consumidores. No passado (por exemplo, no Governo de Cavaco Silva), os contribuintes foram chamados a meter dinheiro na TAP para tapar buracos de má gestão, erros políticos ou excessos sindicais. Esse dinheiro que pagámos deveria implicar que alguma responsabilidade moral houvesse para com os contribuintes na hora da venda. Porque a justificação de que então pagámos por um serviço ao país e aos portugueses cai agora pela base. Sendo portuguesa e sediada em Portugal, a TAP serve os portugueses, que daqui saem e aqui voltam, como nenhuma outra companhia. Mas isso acabará no dia em que deixar de estar em mãos portuguesas: os exemplos da EDP, da ANA, da Galp, da PT, aí estão, todos eles, para não deixar criar ilusões sérias de que uma TAP privada nos servirá pior, mais caro e sem qualquer consideração pelos interesses estratégicos do país. Continuará a voar a preços subsidiados para as Ilhas, mas quem pagará o subsídio serão os contribuintes; talvez continue a voar para destinos como São Tomé, Guiné-Bissau ou Venezuela, mas só se compensada financeiramente pelo Estado, em obediência à fatal fórmula lucros privados/prejuízos públicos; e, dependendo dos interesses de quem a comprar, coisas como o hub da Portela, as rotas da diáspora, os destinos importadores de turismo ou exportadores de bens, poderão ser livremente abandonados sem que os governos possam fazer alguma coisa (esqueçam a treta dos 34% em mãos do Estado, no longo prazo de... dois anos).

Restam os argumentos políticos. O primeiro é o de que o PS também quis vender a TAP. É verdade que sim, ninguém se esqueceu da brilhante iniciativa de João Cravinho de fundir a TAP sob o mando da Swissair, a pior companhia aérea europeia de então — um projecto só falhado pela falência da Swissair. Mas o que temos nós ou a TAP a ver com isso? Se o PS mudou de ideias, ainda bem: só os burros não mudam, quando todos os sinais lhes demonstram que estão errados. O segundo argumento “político” é a extraordinária razão “democrática”, brandida esta semana pelo secretário de Estado Sérgio Monteiro: seria “negar a democracia” ignorar que “os accionistas foram consultados e se pronunciaram” (isto é, o Governo, representante do accionista único); que o programa do Governo previa a privatização da TAP; que “80% da representação parlamentar a apoia”; e que, como terá lido nos astros, “há um amplo consenso na sociedade quanto à importância de privatizar a companhia”.

Caro dr. Sérgio Monteiro, caro primeiro-ministro: se a democracia e a vontade popular são argumentos para privatizar a TAP, façam uma coisa muito simples: uma sondagem séria entre os portugueses aqui residentes e os da emigração para ficarem a saber o que eles querem. Eu calo-me para sempre, se ganharem a sondagem. 

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia


Miguel Sousa Tavares, 

em Jornal Expresso, 20 de dezembro de 2014


Tema, Tese, Argumentos e contra argumentos!

Vamos là analisar!




                                               Lola

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