Muçulmanos e o Islão
Para compreender o Ramadão, ou o sentido da religião no mais íntimo do
dia-a-dia
Sendo o quarto dos Pilares do Islão, o Ramadão tem exactamente o nome do
nono mês do calendário islâmico - para quem, como quase todos nós, segue o
chamado Calendário Gregoriano, todos os anos o Ramadão se "adianta"
em virtude de seguir o ciclo lunar.
Este ano, esse mês de jejum muito exigente será bastante duro para os
crentes muçulmanos a viverem no hemisfério norte. Começando no dia 27 de Junho,
o Ramadão decorre ao longo do mês mais quente e com dias mais longos.
Ditam os cânones que, enquanto muitos de nós estaremos nas praias e nas
esplanadas a beber alguma coisa fresca, muitos muçulmanos estarão em meditação,
em dedicação a Deus, através de um jejum rigoroso, acolhido como parte da sua
profissão de fé. Etimologicamente, a palavra «ramadão» tem origem numa raiz
árabe que significa «estar a arder, queimar», talvez como alusão ao facto
de o primeiro Ramadão ter ocorrido exactamente no Verão, ou porque a mais comum
imagem do sacrifício seja através do fogo.
Este é o mês mais sagrado do Islão, dedicado à prática intensa da oração,
do recolhimento, da constante lembrança da dedicação da vida a Deus. O jejum
prescrito é para ser cumprido, integralmente, desde a aurora até à noite,
estando interdito o consumo de comida e de bebida (salvo por razões de saúde),
de fumar e de ter relações sexuais. Apenas em condições de fragilidade se está
dispensado desta obrigação.
Para o crente, o sentido profundo do Jejum do Ramadão é o de um testemunho
de gratidão para com Deus, através da oferta do sacrifício físico, e constitui
ocasião para uma peregrinação interior, uma oração física.
E é exactamente esse o lado mais actual de uma prática que marca tão
vincadamente o dia-a-dia. De resto, o Islão encontra-se muito mais ritmado pelo
regular “re-lembrar” e “re-dedicar” de tudo a Deus, pelo menos, através das
cinco orações diárias obrigatórias, que a maioria das confissões cristãs onde
está muito mais marcada uma separação entre o tempo sagrado e o tempo profano.
Jejuar é, num entendimento académico tradicional, um misto de expiação,
através de uma purificação, e de dedicação, através da renúncia. Mas o jejuar,
poucas vezes ocupa um tempo tão imenso como no Ramadão. Pela dimensão
continuada deste sacrifício colectivo, o Ramadão é também um instrumento de
irmandade, de fraternidade, de comunhão numa mesma natureza, o ser muçulmano.
Hoje, numa sociedade onde o tempo e o espaço são os da individualidade, e
onde o sucesso se mede na diacronia curta dos resultados da bolsa ao fim do
dia, os ritmos dos sacrifícios ligados à alimentação medem-se apenas pelos
atrasos com que chegamos às refeições. Para a maioria dos habitantes de
Portugal, a prática do jejum religioso perdeu-se há, pelo menos, duas gerações,
exactamente quando se deixou de dar “Graças” quando se iniciava a refeição.
A laicização do tempo implicou a dessacralização da maioria das acções
quotidianas. O mundo perdeu muito do que de sagrado tinha na forma como os
indivíduos e a sociedade a viam. De um mundo “encantado” a diversos níveis de
contacto com o divino, mesmo hierofânicos, passámos para um mundo de prazeres
imediatos, mas tantas vezes “desencantado”.
Os sacrifícios colectivos fazem sentido exactamente no campo da
fraternidade, no que coloca todos os indivíduos num patamar de cidadania
religiosa: irmãos perante uma ideia e prática de divino. O Ramadão é a
afirmação interior, familiar e pública da condição de muçulmano. Fraternalmente
muçulmano, não individualmente religioso do Islão.
Paulo Mendes Pinto e Fernando Catarino
Os autores são investigadores do Instituto Al-Muhaidib de Estudos Islâmicos da área de Ciência das Religiões, da Universidade Lusófona
Todos os dias, o
empresário Hibraim vai à Mesquita Central de Lisboa rezar e conviver. Quando
sai pela porta principal, volta a ser conhecido como Cripriano Ramos, um
ex-católico de 60 anos, que recentemente se converteu ao islamismo.
“Converti-me a 4 de Janeiro deste ano e adoptei outro
nome. E a minha mulher também. O Islão mudou a minha vida e tornou-me mais
calmo e tolerante” - conta ao SOL, orgulhoso de pertencer a uma comunidade
religiosa que em Portugal terá cerca de 50 mil fiéis e 42 mesquitas e lugares
de culto, apesar de, muitas vezes, o Islão aparecer associado a histórias de
terrorismo, como a da recente adesão de jovens portugueses à Jihad do Estado
Islâmico. “Isso não tem nada a ver com o Islão mas com pessoas más. Há
muçulmanos maus, como há católicos maus”, afirma Hibraim, que todos os dias
partilha as orações com muçulmanos de várias nacionalidades, como africanos,
árabes e asiáticos. A estes, juntam-se cada vez mais portugueses.
“De facto, as conversões estão a aumentar”, diz ao SOL o
Sheik Munir, o líder da Mesquita Central de Lisboa.
In SOL, 31 de Outubro de 2014
Lola
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