Uma Mentira
Uma mentira, fina como um cabelo,
perturba para sempre a ordem do mundo. Aquilo que sabemos tem muita
importância. Tomamos decisões, vamos por aqui ou por ali, consoante aquilo que
sabemos. E tudo o que virá a seguir, o futuro até ao fim dos tempos, será
diferente se formos por um lado em vez de irmos por outro. Nascem pessoas
devido a insignificâncias, morrem pessoas pelo mesmo motivo. Uma pessoa é uma
máquina de coisas a acontecer, possibilidades multiplicadas por possibilidades
em todos os instantes do seu tempo. Uma mentira, mesmo que transparente,
perturba o entendimento que os outros têm da realidade, leva-os a acreditar que
é aquilo que não é. Essa poluição vai turvar-lhes a lógica do mundo. As
conclusões a que forem capazes de chegar serão calculadas a partir de um dado
falso e, desse ponto em diante, todas as contas serão multiplicações de erros.
Uma mentira baralha tudo aquilo em que toca, desequilibra o mundo. É por isso
que uma mentira precisa sempre de mentiras novas para se suster. O mundo não
lhe dá cobertura. Para alcançar coerência, cada mentira requer a criação
apressada de um mundo de mentira que a suporte. É assim que a mentira vai
avançando pela verdade adentro, como uma toupeira cega a abrir túneis e câmaras
no interior da terra. Quando se abre a boca para libertar uma mentira, a
primeira, filha de nada que a justifique, nunca se consegue ter noção completa
de onde chegará. Nesse momento, na inocência aparente, com voz de gatinho
acabado de nascer, está a soltar-se um predador voraz, não há fronteiras
marcadas para a sua fome. Uma mentira pode construir edifícios imensos,
levantar cidades; uma mentira pode colocar em movimento milhares de pessoas,
pode dar propósito a multidões incalculáveis, cada pontinho a ser uma cabeça
com história; uma só mentira pode manter em cativeiro gerações inteiras de
pessoas que ainda não nasceram, netos que os avós não são capazes de imaginar,
ignorantes da mentira original que os domina.
José Luís Peixoto,
in 'Em Teu Ventre'
Qual a diferença entre Mentir, Errar e Enganar?
Mentir: é um acto consciente de um sujeito mal intencionado;
Errar: é involuntário pois pode ser por desconhecimento ou por incapacidade;
Enganar:liga-se à mentira, mas nem toda a mentira engana. Só há engano quando a mentira tem consequências desejadas.
Então, que relação com a manipulação?
- O erro não manipula;
- A mentira é tentativa de manipulação;
- O engano é consequência da manipulação intencional.
Lola
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