Manuel Sobrinho Simões FERNANDO VELUDO/NFACTOS |
Sobrinho Simões, o cientista
que não
presta atenção aos prémios
Foi considerado o patologista mais
influente do mundo pelos seus pares.
Manuel Sobrinho Simões usa
a gravata da Universidade do Porto (UP) com a camisa azul. Esta indumentária
formal não é habitual num cientista descontraído, de discurso fácil e humor
frequente. “Temos uma apresentação do Instituto de Investigação e Inovação em
Saúde (I3S) hoje à tarde”, justifica. A abertura operacional deste
superlaboratório com 800 investigadores, que ajudou a criar nos últimos oito
anos, é um dos motivos pelos quais 2015 correu muito bem ao patologista. O
outro, nas suas palavras, foi a mudança política que considerava
"indispensável para o panorama da Ciência e do Ensino Superior”. Mas sobre
isso se falará adiante.
Aos argumentos usados por
Sobrinho Simões para fazer uma apreciação positiva deste ano escapa, porém, um
dos principais motivos para esta escolha do PÚBLICO: foi considerado o
patologista mais influente do mundo pelos seus pares. Apesar de já ter recebido,
por exemplo, o prémio Pessoa, em 2002, e a Grã-Cruz da Ordem do Infante D.
Henrique, atribuída pelo Presidente da República, em 2004, continua a manter
“uma relação difícil” com os prémios. “Tenho um bocado de vergonha”, confessa.
“Fico sempre a perguntar-me: 'mas eu mereço? Não mereço? O que é que isto
vale?'”
Desta feita, o galardão
quase lhe passava despercebido. A distinção foi divulgada, no início deste mês,
pela revista especializada The Pathologist, criada em 2014. A
votação decorreu online, durante dois meses, e como o investigador
do Porto apenas recebe a edição mensal em papel “nem sabia que estava a
acontecer”. Em cima da sua secretária, no Serviço de Anatomia Patológica do
Hospital S. João, tem ainda a edição do mês de Novembro da publicação e apenas
no número seguinte sairá a notícia da sua eleição. A novidade acabou, assim,
por chegar por email, numa mensagem do investigador que ficou em
segundo lugar, o britânico Michael Wells, que trabalha no Leeds Teaching
Hospitals. ”Ele é que me diz para ir ver o link e eu nem sabia
ir ver o link”, conta. Acabou por ser a secretária a confirmar o
prémio, que apanhou de surpresa Sobrinho Simões.
Na lista de cem
patologistas elencados pela publicação especializada encontrou “60, 70 ou
80" que assegura serem melhores do que ele. Será a sua relação difícil com
os prémios a manifestar-se? “Palavra de honra!”, responde. “Eu sou um tipo que
sabe patologia da tiróide e das glândulas endócrinas. Aí sou de facto um dos
melhores. Mas no resto não”. Sobrinho Simões acabaria por encontrar mais tarde
uma justificação para a distinção. O que a revistaThe Patologist escolheu
foi o patologista mais influente no mundo e aí o cientista portuense tem uma
história antiga.
O cientista português foi,
por exemplo, secretário-geral e depois presidente da Sociedade Europeia de
Patologia, no início deste século, tendo por isso estado ligado à criação de
várias divisões da Escola Europeia de Patologia como as de Ancara (Turquia) e
Moscovo (Rússia) ou em diferentes países da Europa Central do e do Leste, casos
da Polónia, Roménia e Sérvia. Na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
(FMUP) recebe estudantes do Brasil para formação há vários anos e, cada vez
mais, pupilos oriundos de outros países sul-americanos. Além disso, nos últimos
anos tem ensinado na Argélia e noutros países do Norte de África. Um percurso
com alcance mundial que acaba por alargar o seu reconhecimento.
No texto em que a
revista The Patologist justifica a escolha encontram-se outras
pistas para perceber a sua importância mundial. São citadas, por exemplo, as
suas contribuições para o diagnóstico clínico de cancro da tiróide, cujo
protocolo é seguidos por “patologistas de hospitais dos quatro cantos do mundo”
e elogiada a sua “disponibilidade para partilhar aquilo que sabe”, bem como o
facto de ter contribuído “mais do que qualquer outras pessoa para a
visibilidade da patologia na Europa”. “Foi muito agradável no fim do ano ter
essa notícia”, acaba por reconhecer Sobrinho Simões. Mas insiste que “as outras
duas são mais importantes”.
Manuel Sobrinho Simões é
bisneto, neto, filho – e agora também pai – de médicos, tendo-se formando em
Medicina pela FMUP, em 1971. Foram, porém, a investigação e a patologia que lhe
conquistaram a atenção, tendo depois feito o doutoramento e pós-doutoramento na
área. É professor catedrático da UP desde 1988 e, no ano seguinte, criou o
Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto
(Ipatimup), um dos laboratórios europeus acreditados pelo Colégio Americano de
Patologistas.
O instituto, que continua
a dirigir, está prestes a “perder visibilidade”. Mas é por um bom motivo. Vem
aí “algo maior”, diz. E isso entusiasma-o. Manuel Sobrinho Simões recebeu o
PÚBLICO na mesma tarde em que o I3S, o superlaboratório do qual o Ipatimup é um
dos três fundadores, era apresentado aos colegas da universidade e a empresas e
outros parceiros. A inauguração oficial só deverá acontecer em Março, mas a
abertura operacional, que aconteceu na semana passada, marcou o ponto final de
um processo de mudança iniciado há três meses. Desde então, o novo edifício,
contruído no pólo universitário de Asprela, no Porto, recebeu os equipamentos
dos três centros que deram origem ao novo superlaboratório: o Ipatimup, o
Instituto de Biologia Molecular e Celular e o Instituto de Engenharia Biomédica.
Um investimento de 21,5
milhões de euros permitiu juntar debaixo do mesmo tecto cerca de 800
investigadores, envolvidos em 192 projectos de investigação. A equipa de 160
funcionários de apoio e os custos anuais de funcionamento de pelo menos os 18
milhões de euros permitem compreender a dimensão da nova estrutura. Sobrinho
Simões está entusiasmado, mas está também assustado. “É uma responsabilidade
horrorosa. Passamos de uma operação pequenina, para uma operação gigantesca”,
salienta. A mudança vai permitir “ganhos de escala brutais” e juntar “gente
extraordinária” e essa é a sua principal mais-valia.
O novo o I3S organiza-se
em torno de três grandes programas: cancro; neurociências e doenças
degenerativas; interacção entre hospedeiro, patogénicos e dispositivos médicos,
que juntarão investigadores dos três laboratórios de origem. Sobrinho Simões
vai continuar a liderar a área do cancro e a sua intenção é aproveitar as
condições proporcionadas pelo novo centro se constituir como um centro de
excelência internacional no chamado cancro familiar.
Essa designação engloba
não só os cancros hereditários – que têm uma explicação genética – mas também
aqueles em que há um fenómeno declustering familiar. Ou seja, por
muito que não se conheça o gene que provoca o cancro, encontra-se uma relação
forte na sua prevalência em membros das mesmas famílias, como nos casos dos
cancros da próstata ou da tiróide. “Queremos ser o sítio da Europa aonde toda a
gente recorre quando tem um cancro familiar”, sintetiza. Sem capacidade de
competir com os grandes centros de investigação médica mundiais nos cancros
mais frequentes, nem nos mais mortais, o I3S vai concentrar-se num nicho.
De volta à política. Sobrinho
Simões foi uma das primeiras vozes críticas da política científica seguida pelo
Governo liderado por Pedro Passos Coelho nos últimos quatro anos. Há dois anos,
numa entrevista ao PÚBLICO, denunciou o que considerava ser “uma espécie de destruição criativa” na ciência,
antecipando o movimento de contestação aos cortes no financiamento público e às
novas regras de apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia a investigadores
e laboratórios que acabou por dominar o ano seguinte no sector. A esta
distância, o cientista comenta: “Tinha razão”.
Classifica a tutela de
Nuno Crato sobre a ciência como “terrível”: “Estimulou o individualismo num
país que já tem tendência a ser minifundiário”, avalia Sobrinho Simões. E destruiu
instituições “fundamentais” para o sistema científico nacional, acrescenta.
Mesmo que estejam a ser capazes de atrair cada vez mais financiamento de
projectos europeus para a sua actividade, "os investigadores
portugueses precisam de instituições que os acolham. A ciência não se pode
fazer no deserto”, defende.
Não podia, por isso, estar
de acordo com a orientação dos últimos anos. E “viu com bons olhos” a mudança
política que permitiu ao PS formar Governo, recuperar o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior – que não existia no organograma do anterior
executivo – e escolher Manuel Heitor como ministro. Manuel Sobrinho Simões
conhece bem o novo titular da pasta. Aprecia-o por ser “seríssimo, inteligente
e com muito traquejo de organizações internacionais”. E também lhe merecem
elogios o passado do governante como “investigador a sério” e a “sensibilidade
para as ciências sociais e humanas”. “Não escondo que estou muito entusiasmado
com esta escolha”, acrescenta.
O ânimo não o impede,
contudo, de manter um sentido crítico sobre o que pode vir a ser o futuro
próximo da ciência em Portugal. O sector é, para Sobrinho Simões, indissociável
do ensino superior, para o qual a tutela já deu sinais de não haver condições
para aumentar o financiamento público nos tempos mais próximos. Além disso, o
país continua a ser capaz de formar doutorandos e doutorados “muito bons”, mas
as empresas “absorvem pouca massa cinzenta”. Restam, por isso, pouco mais do
que as universidades como estruturas com capacidade para aproveitar o
conhecimento destas pessoas. O que cria um bloqueio. Por isso avisa que, “se o
ensino superior se continuar a atrofiar, vamos perder ainda mais cérebros”.
In Publico,SAMUEL SILVA
30/12/2015 - 08:00
Bom Ano, Professor
e boas descobertas científicas!
Lola
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