Como evolui a ciência?
Karl Popper
Tradução de Pedro Galvão
1. O
objectivo da ciência
Sugiro que o objectivo da
ciência é encontrar explicações satisfatórias para aquilo que consideramos
precisar de uma explicação. Por explicação (ou explicação causal) entendo um
conjunto de enunciados em que uns descrevem o estado de coisas a ser explicado
(o explicandum) enquanto que os outros, os enunciados explicativos, formam a
“explicação” no sentido estrito da palavra (o explicans do explicandum).
A questão “Que tipo de
explicação pode ser satisfatória?” conduz à seguinte resposta: uma explicação
em termos de leis universais falsificáveis e testáveis e de condições iniciais.
E uma explicação deste tipo será mais satisfatória quanto mais testáveis forem
essas leis e quanto melhor tiverem sido testadas. (Isto também se aplica às
condições iniciais.)
Desta maneira, a conjectura
de que o objectivo da ciência é encontrar explicações satisfatórias conduz-nos
à ideia de melhorar o grau com que as as explicações são satisfatórias
melhorando o seu grau de testabilidade; isto significa avançar para teorias com
um conteúdo cada vez mais rico e com graus de universalidade e de precisão cada
vez mais elevados. Isto está, sem dúvida, inteiramente de acordo com a prática
efectiva das ciências teóricas.
Podemos chegar
fundamentalmente ao mesmo resultado também de outra maneira. Se o objectivo da
ciência é explicar, então é também seu objectivo explicar o que até aqui foi
aceite como explicans; por exemplo, uma lei da natureza. Deste modo, o
objectivo da ciência renova-se constantemente a si próprio. Podemos prosseguir para
sempre, avançando para explicações com um nível de universalidade cada vez mais
elevado
.
2.
Profundidade
Sugiro que as nossas leis
ou as nossas teorias devem ser universais, isto é, devem fazer asserções sobre
o mundo — sobre todas as regiões espácio-temporais do mundo. Sugiro, para além
disso, que as nossas teorias fazem asserções sobre propriedades estruturais ou
relacionais do mundo, e que as propriedades descritas numa teoria explicativa
devem ser, em algum sentido, mais profundas do que aquelas a explicar. Acredito
que esta expressão, “mais profundas”, resiste a qualquer tentativa de análise
lógica exaustiva, mas ainda assim é um guia para as nossas intuições.
No entanto, parece haver
uma espécie de condição suficiente para a profundidade, ou para graus de
profundidade, que pode ser logicamente analisada. Vou tentar explicar isto com
a ajuda de um exemplo da história da ciência.
É do conhecimento geral que
a dinâmica de Newton realizou uma unificação da física terrestre de Galileu e
da física celeste de Kepler. Diz-se frequentemente que a dinâmica de Newton
pode ser induzida a partir das leis de Galileu e de Kepler, e chegou-se mesmo a
dizer que pode ser estritamente deduzida a partir delas. Mas isto não é
verdade; de um ponto de vista lógico, a teoria de Newton em rigor contradiz
tanto a teoria de Galileu como a de Kepler (embora, obviamente, estas últimas
teorias possam ser obtidas como aproximações logo que tenhamos à nossa
disposição a teoria de Newton). Por esta razão, é impossível derivar a teoria
de Newton a partir da de Galileu, da de Kepler ou de ambas, seja por dedução ou
por indução, pois nem uma inferência dedutiva, nem uma inferência indutiva,
pode avançar de premissas consistentes para uma conclusão que contradiz
formalmente as premissas de que partimos.
É importante notar que das
teorias de Galileu ou de Kepler não obtemos o menor indício sobre como estas
teriam que ser ajustadas — que falsas premissas teriam que ser abandonadas ou
que condições teriam que ser estipuladas — se tentássemos avançar a partir
delas para outras teorias com uma validade mais geral, como a de Newton. Só
depois de estarmos na posse da teoria de Newton podemos descobrir se, e em que
sentido, as teorias anteriores podem ser suas aproximações. Podemos exprimir
este facto resumidamente dizendo que, embora do ponto de vista da teoria de
Newton as de Galileu e de Kepler sejam aproximações excelentes a certos
resultados newtonianos específicos, não podemos dizer que a teoria de Newton
seja, do ponto de vista das outras duas teorias, uma aproximação aos seus
resultados. Tudo isto mostra que a lógica, seja ela dedutiva ou indutiva, nunca
pode realizar o passo que vai destas teorias à dinâmica de Newton. Só a
imaginação pode realizar esse passo. Logo que ele tenha sido realizado, podemos
dizer que os resultados de Galileu e de Kepler corroboram a nova teoria.
Aqui, no entanto, não estou
tão interessado na impossibilidade da indução como no problema da profundidade
e, no que diz respeito a este problema, podemos de facto aprender algo a partir
do nosso exemplo. A teoria de Newton unifica a de Galileu e a de Kepler mas,
longe de ser uma mera conjunção dessas duas teorias, que desempenham o papel de
explicanda em relação à de Newton, corrige-as ao mesmo tempo que as explica. A
tarefa explicativa original era a dedução dos resultados anteriores, mas esta
tarefa é abandonada, porque não se deduzem os resultados anteriores,
deduzindo-se algo melhor no seu lugar: novos resultados que, sob as condições
específicas dos velhos resultados, aproximam-se muito deles numericamente ao
mesmo tempo que os corrigem.
Sugiro que, sempre que nas
ciências empíricas uma nova teoria com um nível de universalidade mais elevado
explica com sucesso uma teoria anterior corrigindo-a, temos um indício seguro
de que a nova teoria penetrou mais fundo do que as teorias anteriores.
Karl Popper
Retirado de Objective
Knowledge
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário