Filósofos e Filosofias
A moralidade na formação em filosofia
É certo que há uma moralidade presente
no modo como determinada cultura se constrói. A formação em filosofia carrega
implícita uma moralidade, talvez necessária para a sua realização, porém
extremamente danosa na construção dos sujeitos morais filosóficos.
As graduações em filosofia concentram-se
no pensamento elaborado, crítico, argumentativo e genial da enorme pluralidade
de autores que a história da filosofia nos legou. Essa história, obviamente, é
a história do pensamento, seja ético, político, ontológico, lógico, estético,
metafísico, científico, religioso, antropológico, sociológico, axiomático etc.
Na história do pensamento estão em
questão os conceitos, definições, argumentos, ideias e aforismos. Não há na
filosofia espaço para discutir pormenores como, por exemplo, quem afinal de
contas levou Fedro para a cama. Foi Lísias ou Sócrates? Discutir a sexualidade
dos gregos não muda o que os árabes guardaram de seus escritos.
Muitas ciências consideram primordial
esta análise. A história e a psicologia alimentam-se destes detalhes para
constituir outro tipo de análise. As ideias, para estas ciências, são uma
construção que passa pelos determinantes históricos e psicológicos. O modo de
ser e viver de uma época aliado ao modo de perceber-se no mundo e interagir com
este mundo é que dão a forma original ao pensamento de um autor. São as
múltiplas experiências que permitem tanta pluralidade no mundo das ideias, o
mundo das ideias filosóficas e não o mundo platônico.
A singularidade da filosofia está na
afirmação de que o importante é a obra e não a vida do autor. O abandono dos
filhos não é mais importante do que os livros que Rousseau escreveu. A Crítica
da Razão Pura de Kant é certamente mais importante que o fato dele ser
extremamente pontual. A homossexualidade de Foucault não está acima de suas
contribuições à discussão sobre o poder.
É óbvia a existência de predileções por
determinadas temáticas por conta de um percurso existencial, de experiências e
de determinantes históricos. A questão é observar que no debate ideológico
estas particularidades não irão contribuir para o seu enriquecimento. Assim
pensa-se na formação em filosofia.
Para evitar que os debates caiam num
julgamento do autor, ao invés de num apontamento sobre falhas na argumentação
do mesmo, há o sempre solicitado ad hominem. Esse argumento contra
o homem é uma falha argumentativa e a filosofia está certa em recusá-lo. Se a
pontualidade de Kant é uma característica boa ou ruim, tal fato em nada irá
decidir se suas ideias são válidas ou não.
Contudo, aqui se mostra um enorme perigo
moral para a formação em filosofia. Os neófitos nos cursos de filosofia estão
aprendendo uma moralidade. Há presente a ideia de que toda ação é permitida
àquele que produz conhecimento. Não importa se você agride outras pessoas, se é
conhecido pela enorme quantidade de mentiras que conta, se apoia atrocidades de
terceiros ou se defende qualquer outro ponto passível de discussão no campo da
moralidade; basta escrever alguns livros e ter alguns leitores para que tudo
seja anulado em nome das ideias.
Uma investigação um pouco mais
aprofundada poderia colocar nessa moral da formação em filosofia o fator
de ascensão de ideias relativistas. Foi o relativizar a vida, o modo
de estar no mundo, ao longo dos séculos que abriu caminho para a relativização
das ideias. Talvez a filosofia chegue, se já não chegou, no tempo no qual nem a
vida e nem a obra serão importantes. Seria a época do monólogo.
Francis Bacon
perdeu o cargo de magistrado sob a acusação de receber uns
"presentes" dos envolvidos nos casos em que julgava; o senhor
Jean-Jacques Rousseau teve, segundo ele mesmo, cinco filhos, e todos foram
abandonados na porta de orfanatos; Karl Marx foi o típico universitário,
beberrão e financiado pelo dinheiro do papai; St. Agostinho era bem saidinho
antes de encontrar Jesus e teve seu filho aos 17 anos; e Hannah Arendt e Martin
Heidegger mantiveram um conturbado romance secreto.
É certo que
aquele que pretende estudar filosofia deve ater-se a obra e não ao autor.
Embora eventualmente possa ser interessante saber passagens biográficas dos
filósofos, a rigor, não é isto que deve guiar os estudos e as discussões sobre
filosofia. Ok. Contudo, no artigo que segue, o autor chama a atenção para o
perigo que se configura quando este tipo de distanciamento se converte em uma
espécie de "cheque em branco" moral.
Não podemos nos esquecer que
todo filósofo é, antes de tudo, um homem, que sente fome, sono e frio, igual a
todo outro homem e que, por isso mesmo, a vida que se leva também é importante.
"Para evitar
que os debates caiam num julgamento do autor, ao invés de num apontamento sobre
falhas na argumentação do mesmo, há o sempre solicitado 'ad hominem'. Esse
argumento contra o homem é uma falha argumentativa e a filosofia está certa em
recusá-lo. [...] Contudo, aqui se mostra um enorme perigo moral para a formação
em filosofia. [...] Há presente a ideia de que toda ação é permitida àquele que
produz conhecimento. Não importa se você agride outras pessoas, se é conhecido
pela enorme quantidade de mentiras que conta, se apoia atrocidades de terceiros
ou se defende qualquer outro ponto passível de discussão no campo da
moralidade. [...] Talvez a filosofia chegue, se já não chegou, no tempo no qual
nem a vida e nem a obra serão importantes. Seria a época do monólogo."
Professor de Filosofia - Pense fora da caixa!
Tudo isto sem esquecer...
Les amants du café Flore |
Platão e Aristóteles |
e ...
- Serà que a Critica da Razão Pura poderia ter sido escrita por Nietzsche, o mais latino dos filósofos alemães?
- Será que a filosofia "està separada" do contexto do seu autor?
- No entanto...
Concordo que a filosofia do autor é bem superior aos aspectos da sua vida (perspectiva que os realizadores de filmes sobre figuras da Filosofia, não estão de acordo), mas o filosofo tal como qualquer outro ser "é ele e as suas circunstancias!"
Paul-Michel Foucault |
Lola
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