A Sofística.
Após as grandes vitórias gregas, atenienses, contra o
império persa, houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as
vezes que o povo sente, de repente, a sua força. E visto que o domínio pessoal,
em tal regime, depende da capacidade de conquistar o povo pela persuasão,
compreende-se a importância que, em situação semelhante, devia ter a oratória
e, por conseguinte, os mestres de eloquência. Os sofistas, sequiosos de
conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloquência, de retórica,
ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de consegui-lo.
Diversamente dos filósofos gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era
ideal, desinteressado, mas sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino
abraçava todo o saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como
meio para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.
A época de ouro da sofística foi - pode-se dizer - a
segunda metade do século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles,
capital democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas
maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando até depois de
Sócrates, embora sem importância filosófica.Protágoras foi o maior de todos,
chefe de escola e teórico da sofística.
Moral, Direito e Religião.
Em coerência com o ceticismo teórico, destruidor da
ciência, a sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Como
é verdadeiro o que tal ao sentido, assim é bem o que satisfaz ao sentimento, ao
impulso, à paixão de cada um em cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo
gnosiológicos correspondem o hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o
prazer, a única regra de conduta é o interesse particular. Górgias declara
plena indiferença para com todo moralismo: ensina ele a seus discípulos
unicamente a arte de vencer os adversários; que a causa seja justa ou não, não
lhe interessa. A moral, portanto, - como norma universal de conduta - é
concebida pelos sofistas não como lei racional do agir humano, isto é, como a
lei que potencia profundamente a natureza humana, mas como um empecilho que
incomoda o homem.
Desta maneira, os sofistas estabelecem uma oposição
especial entre natureza e lei, quer política, quer moral, considerando a lei
como fruto arbitrário, interessado, mortificador, uma pura convenção, e
entendendo por natureza, não a natureza humana racional, mas a natureza humana
sensível, animal, instintiva. E tentam criticar a vaidade desta lei, na verdade
tão mutável conforme os tempos e os lugares, bem como a sua utilidade comumente
celebrada: não é verdade - dizem - que a submissão à lei torne os homens
felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm frequentemente
conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência ensina que para triunfar
no mundo, não é mister justiça e retidão, mas prudência e habilidade.
Então a realização da humanidade perfeita, segundo o
ideal dos sofistas, não está na ação ética e ascética, no domínio de si mesmo,
na justiça para com os outros, mas no engrandecimento ilimitado da própria
personalidade, no prazer e no domínio violento dos homens. Esse domínio
violento é necessário para possuir e gozar os bens terrenos, visto estes bens
serem limitados e ambicionados por outros homens. É esta, aliás, a única forma
de vida social possível num mundo em que estão em jogo unicamente forças
brutas, materiais. Seria, portanto, um prejuízo a igualdade moral entre os
fortes e os fracos, pois a verdadeira justiça conforme à natureza material,
exige que o forte, o poderoso, oprima o fraco em seu proveito.
Quanto ao direito e à religião, a posição da sofística
é extremista também, naturalmente, como na gnosiologia e na moral. A sofística
move uma justa crítica, contra o direito positivo, muitas vezes arbitrário,
contingente, tirânico, em nome do direito natural. Mas este direito natural -
bem como a moral natural - segundo os sofistas, não é o direito fundado sobre a
natureza racional do homem, e sim sobre a sua natureza animal, instintiva,
passional. Então, o direito natural é o direito do mais poderoso, pois em uma
sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas, a força e a violência
podem ser o único elemento organizador, o único sistema jurídico admissível.
A respeito da religião e da divindade, os sofistas não
só trilham a mesma senda dos filósofos racionalistas gregos do período
precedente e posterior, mas - de harmonia com o ceticismo deles - chegam até o
extremo, até o ateísmo, pelo menos praticamente. Os sofistas, pois, servem-se
da injustiça e do muito mal que existe no mundo, para negar que o mundo seja
governado por uma providência divina.
Protágoras de Abdera.
Protágoras nasceu em Abdera - pátria de Demócrito ,
cuja escola conheceu - pelo ano 480. Viajou por toda a Grécia, ensinando na sua
cidade natal, na Magna Grécia, e especialmente em Atenas, onde teve grande
êxito, sobretudo entre os jovens, e foi honrado e procurado por Péricles e
Eurípedes. Acusado de ateísmo, teve de fugir de Atenas, onde foi processado e
condenado por impiedade, e a sua obra sobre os deuses foi queimada em praça
pública. Refugiou-se então na Sicília, onde morreu com setenta anos (410 a.C.),
dos quais, quarenta dedicados à sua profissão. Dos princípios de Heráclito e
das variações da sensação, conforme as disposições subjetivas dos órgãos, inferiu
Protágoras a relatividade do conhecimento. Esta doutrina enunciou-a com a
célebre fórmula; o homem é a medida de todas as coisas. Esta máxima significava
mais exatamente que de cada homem individualmente considerado dependem as
coisas, não na sua realidade física, mas na sua forma conhecida. Subjetivismo,
relativismo e sensualismo são as notas características do seu sistema de
ceticismo parcial. Platão deu o nome de Protágoras a um dos seus diálogos, e a
um outro o de Górgias.
Górgias de Leôncio.
Górgias nasceu em Abdera, na Sicília, em 480-375 a.C -
correlacionado com Empédocles - representa a maior expressão prática da
sofística, mediante o ensinamento da retórica; teoricamente, porém, foi um
filósofo ocasional, exagerador dos artifícios da dialética eleática. Em 427 foi
embaixador de sua pátria em Atenas, para pedir auxílio contra os siracusanos.
Ensinou na Sicília, em Atenas, em outras cidades da Grécia, até estabelecer-se
em Larissa na Tessália, onde teria morrido com 109 anos de idade. Menos profundo,
porém, mais eloquente que Protágoras, partiu dos princípios da escola eleata e
concluiu também pela absoluta impossibilidade do saber. É autor duma obra
intitulada "Do não ser", na qual desenvolve as três teses:
"Nada existe; se alguma coisa existisse não a
poderíamos conhecer; se a conhecêssemos não a poderíamos manifestar aos outros. A
prova de cada uma destas proposições e um enredo de sofismas, sutis uns, outros
pueris."
No "Górgias" de Platão, Górgias declara que
a sua arte produz a persuasão que nos move a crer sem saber, e não a persuasão
que nos instrui sobre as razões intrínsecas do objeto em questão. Em suma, é
mais ou menos o que acontece com o jornalismo moderno. Para remediar este
extremo individualismo, negador dos valores teoréticos e morais, Protágoras
recorre à convenção estatal, social, que deveria estabelecer o que é verdadeiro
e o que é bem!
Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br.
Período Sistemático
O segundo período da história do pensamento grego é o chamado
período sistemático. Com efeito, nesse período realiza-se a sua grande e lógica
sistematização, culminando em Aristóteles, através de Sócrates e Platão , que fixam o conceito de ciência e de
inteligível, e através também da precedente crise cética da sofística. O
interesse dos filósofos gira, de preferência, não em torno da natureza, mas em
torno do homem e do espírito; da metafísica passa-se à gnosiologia e à moral.
Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de
antropológico, pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao
espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior.
Esse período esplêndido do pensamento grego - depois do qual
começa a decadência - teve duração bastante curta. Abraça, substancialmente, o
século IV a.C., e compreende um número relativamente pequeno de grandes
pensadores: os sofistas e Sócrates, daí derivando as chamadas escolhas
socráticas menores, sendo principais a cínica e a cirenaica, precursoras,
respectivamente, do estoicismo e do epicurismo do período seguinte; Platão e
Aristóteles, deles procedendo a Academia e o Liceu, que
sobreviverão também no período seguinte e além ainda, especialmente a Academia
por motivos éticos e religiosos, e em seus desenvolvimentos neoplatônicos em
especial - apesar de o aristotelismo ter superado logicamente o platonismo.
É certo, não obstante, que as obras completas de Demócrito (que
incluem as obras de Leucipo e outros, bem como as de Demócrito) continuaram a
existir, porquanto a escola as conservou em Abdera e Teos ao longo dos tempos
helenísticos. Por isso, foi possível para Trasilo, sob o reinado de Tibério,
fazer uma edição das obras de Demócrito, organizada em tetralogias, exatamente
como sua edição dos diálogos de Platão. Mesmo isso não foi suficiente para
preservá-las. Os epicuristas, que
tinham a obrigação de ter estudado o homem a quem deviam tanto, detestavam
qualquer tipo de estudo, e provavelmente nem se preocuparam em multiplicar os
exemplares de um escritor cujas obras teriam sido um testemunho permanente para
a carência de originalidade que caracterizou o próprio sistema deles.
Sabemos extremamente pouco sobre a vida de Demócrito. Como
Protágoras, era natural de Abdera na Trácia, uma cidade que nem mereceria a
reputação proverbial de embotamento, considerando que pode dar origem a dois
homens de tanta envergadura. Quanto à data do seu nascimento, temos apenas
conjeturas para nos orientar. Em uma das principais obras, afirmou que elas
foram escritas 730 anos após a queda de Tróia; não sabemos;
porém, quando, segundo a suposição dele, isto ocorrera. Havia nessa época e
posteriormente diversas eras em uso. Disse também algures que, quando
Anaxágoras era velho, ele era jovem, e a partir dai concluiu-se que nasceu em
460 a.C. Parece, entretanto, cedo demais, visto estar baseado na hipótese de
que tinha quarenta anos quando se encontrou com Anaxágoras, e a expressão
"jovem" sugere menos que esta idade. Demais, cumpre-nos encontrar um
espaço para Leucipo entre eles [Demócrito] e Zenão. Se Demócrito
morreu, como se diz, com a idade de noventa ou cem anos, de qualquer maneira
ainda vivia quando Platão fundara a Academia. Mesmo a partir de fundamentos
meramente cronológicos, é falso classificar Demócrito entre os predecessores de
Sócrates, e obscurece o fato de que, como Sócrates, ele tentou responder ao seu
distinto concidadão Protágoras.
Demócrito foi discípulo de Leucipo, e temos uma prova
contemporânea, a de Glauco de Régio, que também os pitagóricos foram seus
mestres. Um membro posterior da escola, Apolodoro de Quizico, diz que tomou
conhecimento por intermédio de Filolau, o que parece muito provável. Isto
esclarece o seu conhecimento geométrico, bem como, outros aspectos do seu
sistema. Sabemos, outrossim, que Demócrito falou nas obras das doutrinas de
Parmênides e Zenão, que chegou a conhecê-las através de Leucipo. Fez menção a
Anaxágoras, e parece ter dito que a sua teoria do sol e da lua não era
original. Isto pode referir se à explicação dos eclipses, que geralmente fora
atribuída em Atenas, e sem dúvida alguma na Jonia, a Anaxágoras, ainda que
Demócrito naturalmente estivesse ciente de ser ela pitagórica.
Diz-se ter visitado o Egito, mas há uma certa razão para se
acreditar que o fragmento onde isto é mencionado (fragmento 298 b) é apócrifo.
Há um outro (fragmento 116) no qual ele diz: "Eu
fui a Atenas e ninguém tomou conhecimento de mim". Se disse
isto, sem dúvida deu a entender que não conseguira causar uma impressão tal
como o fizera o seu mais brilhante concidadão Protágoras. Por outro lado,
Demétrio de Falerão afirmou que Demócrito jamais visitou Atenas; então é
possível que este fragmento também seja apócrifo. Seja como for, ele deve ter
despendido a maior parte do seu tempo no estudo, ensinando e escrevendo em
Abdera. Não era um sofista itinerante do tipo moderno, mas sim o cabeça de uma
escola regular.
A verdadeira grandeza de Demócrito não está na teoria dos átomos e
do vazio, que ele parece ter exposto bem conforme a tinha recebido de Leucipo.
Menos ainda está no seu sistema cosmológico, que deriva mormente de Anaxágoras.
Pertence inteiramente a uma outra geração que a desses homens, e não está
preocupado de modo especial em encontrar uma resposta a Parmênides. A questão à
qual tinha que se dedicar era a de sua própria época. A possibilidade de
ciência havia sido negada, bem como todo o problema do conhecimento levantado
por Protágoras, e era isto que exigia uma solução. Ademais, o problema do
comportamento tornara-se premente. A originalidade de Demócrito, portanto, está
precisamente na mesma linha que a de Sócrates.
Teoria do Conhecimento
Demócrito procedeu como Leucipo ao fazer uma avaliação puramente
mecânica da sensação, e é provável que ele seja o autor da doutrina minuciosa
dos átomos com respeito a este assunto. Uma vez que a alma se compõe de átomos
como qualquer outra coisa, a sensação deve consistir no impacto dos átomos
externos sobre os átomos da alma, e os órgãos dos sentidos devem ser
simplesmente ''passagens" (póroi =
poros) através das quais estes átomos se introduzem. Disto decorre que os
objetos da visão não são estritamente as coisas que nós mesmos presumimos ver,
mas as "imagens" (deíkela, eídola) que os corpos estão
constantemente emitindo. A imagem na pupila do olho era considerada como a coisa
essencial em visão. Não é, porém, uma semelhança exata do corpo do qual provém,
pois está sujeita às distorções causadas pela interferência do ar. Este é o
motivo por que vemos as coisas a distância de um modo embaraçado e indistinto,
e por que, se a distância for grande, não podemos vê-las de modo algum. Se não
houvesse ar, mas somente o vazio, entre nós e os objetos da visão, isto não
seria assim; "poderíamos ver uma formiga rastejando no firmamento".
As diferenças de cor devem-se à lisura ou aspereza das imagens ao tato. A
audição explica-se de uma maneira similar. O som é uma torrente de átomos que
jorram do corpo sonante e produzem movimento no ar entre ele [corpo] e o
ouvido. Chegou, portanto, ao ouvido junto com aquelas porções do ar que se Ihe assemelham.
As diferenças de paladar são devidas às diferenças nas figuras (eide,
skhémata) dos átomos que entram em contato com os órgãos desse
sentido; e o olfato explica-se semelhantemente, embora não com os mesmos
detalhes. De modo idêntico, o tato, considerado como o sentido pelo qual
sentimos o calor e o frio, o molhado e o seco e outros que tais, é afetado de
acordo com a forma e o tamanho dos átomos chocando nele.
Aristóteles afirma que Demócrito reduziu todos os
sentidos ao tato, e é realmente verdade se entendermos por tato o sentido que
percebe qualidades, tais como forma, tamanho e peso. Este, todavia, deve ser
cautelosamente distinguido do sentido próprio do tato, que acima foi descrito.
Para compreender esta questão, temos que considerar a doutrina do conhecimento
"legítimo" e "ilegítimo".
É aqui que Demócrito entra nitidamente em conflito com Protágoras,
que asseverou serem todas as sensações igualmente verdadeiras para o objeto
sensível. Demócrito, pelo contrário, considera falsas todas as sensações dos
sentidos próprios, posto que elas não têm uma contrapartida real fora do objeto
sensível. Nisto, naturalmente, está em conformidade com a tradição eleática
onde repousa a teoria atômica. Parmênides afirmara claramente que o paladar, as
cores, o som e outros semelhantes eram apenas "nomes" (onómata),
e é bastante idêntico a Leucipo que disse algo de parecido, apesar de não haver
razão de se acreditar que ele tenha elaborado uma teoria sobre o assunto.
Seguindo o exemplo de Protágoras, Demócrito foi obrigado a ser explícito com
referência à questão. Sua doutrina, felizmente, foi-nos preservada através de
suas próprias palavras. "Por convenção (nómo)": disse ele (fragmento 125), "há o doce; por convenção há o amargo; por
convenção há o quente e por convenção há o frio; por convenção há a cor".Porém,
na realidade (etee), há os átomos e o vazio. Deveras,
as nossas sensações não representam nada de externo, apesar de serem causadas
por algo fora de nós, cuja verdadeira natureza não pode ser apreendida pelos
sentidos próprios. Esta é a razão por que a mesma coisa às vezes dá a sensação
de doce e às vezes de amargo. "Pelos sentidos", afirmou Demócrito
(fragmento 9),"nós na verdade não conhecemos nada de certo,
mas somente alguma coisa que muda de acordo com a disposição do corpo e das
coisas que nele penetram ou Ihe opõem resistência". Não
podemos conhecer a realidade deste modo, pois "a
verdade jaz num abismo" (fragmento
117). Vê-se que esta doutrina tem muito em comum com a distinção moderna entre
as qualidades primárias e secundárias da matéria.
Demócrito, pois, rejeita a sensação como fonte de conhecimento,
exatamente como fizeram os pitagóricos e Sócrates; contudo, como eles, ressalva
a possibilidade de ciência, afirmando que existe uma outra fonte de
conhecimento que não a dos sentidos próprios. "Há",
diz ele (fragmento 11), "duas
formas de conhecimento (gnóme): o legítimo (gnesíe) e o ilegítimo (skotíe). Ao
ilegítimo pertencem todos estes: a visão, a audição, o olfato, o paladar e o
tato. O legítimo, porém, está separado daquele". Esta é a resposta de Demócrito
a Protágoras. Ele diz que o mel, por exemplo, é tanto amargo quanto doce, doce
para mim e amargo para você. Na realidade, é "não mais tal do que
tal" (oudèn mãllon toion è toion). Sexto Empírico e Plutarco afirmaram claramente que Demócrito
argüiu contra Protágoras, e o fato, por conseguinte, está fora da discussão.
Ao mesmo tempo, não se pode ignorar que Demócrito dera uma
explicação puramente mecânica deste conhecimento legítimo, como o fizera do
ilegítimo. Defendeu, com efeito, que os átomos fora de nós poderiam afetar
diretamente os átomos da nossa alma sem a intervenção dos órgãos dos sentidos.
Os átomos da alma não se restringem a algumas partes específicas do corpo, mas
nele penetram em qualquer direção, e não há nada que os impeça de ter contato
imediato com os átomos externos, chegando assim a conhecê-los como realmente
são. O "conhecimento legítimo" é, afinal de contas, da mesma natureza
do "ilegítimo", e Demócrito recusou-se, como Sócrates, a fazer
uma separação absoluta entre os sentidos e o conhecimento. "Pobre
Mente", imagina ele os sentidos dizerem (fragmento 125); "é por causa
de nós que conseguiste as provas com as quais atiras contra nós. Teu tiro é uma
capitulação." O conhecimento "legítimo" não é, apesar de tudo,
pensamento, mas uma espécie de sentido interno, e seus objetos são como os
"sensíveis comuns" de Aristóteles.
Como seria de esperar de um seguidor dos pitagóricos e de Zenão, Demócrito
ocupou-se com o problema da continuidade. Em uma passagem digna de nota
(fragmento 155), ele o confirma desta forma: "Se
um cone fosse cortado por um plano em linha paralela à base, o que se deveria
pensar das superfícies das duas partes cortadas? Seriam iguais ou desiguais? Se
forem desiguais, farão irregular o cone, pois ele terá muitas incisões em forma
de degraus e muitas asperezas. Se forem iguais, então as partes cortadas serão
iguais, e o cone terá a aparência de um cilindro, que é composto de círculos
iguais e não desiguais, o que é o maior absurdo". Segundo um
comentário de Arquimedes, parece que Demócrito prosseguiu afirmando que o
volume do cone era a terça parte do volume do cilindro sobre a mesma base e do
mesmo peso, cujo teorema foi demonstrado primeiro por Eudoxo. É evidente, pois,
que ele estava empenhado em problemas tais como aqueles que finalmente deram
origem ao método infinitesimal do próprio Arquimedes. Vemos mais uma vez como
foi importante a obra de Zenão como um fermento intelectual.
A Sofística
Após as grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império
persa, houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as vezes
que o povo sente, de repente, a sua força. E visto que o domínio pessoal, em
tal regime, depende da capacidade de conquistar o povo pela persuasão,
compreende-se a importância que, em situação semelhante, devia ter a oratória
e, por conseguinte, os mestres de eloqüência. Os sofistas, sequiosos de
conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloqüência, de retórica,
ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de consegui-lo.
Diversamente dos filósofos gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era
ideal, desinteressado, mas sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino
abraçava todo o saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como
meio para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.
A época de ouro da sofística foi - pode-se dizer - a segunda
metade do século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles, capital
democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas maiores foram
quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando até depois de Sócrates,
embora sem importância filosófica.
Protágoras foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística.
Moral, Direito e Religião
Em coerência com o ceticismo teórico, destruidor da ciência, a
sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Como é
verdadeiro o que tal ao sentido, assim é bem o que satisfaz ao sentimento, ao
impulso, à paixão de cada um em cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo
gnosiológicos correspondem o hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o
prazer, a única regra de conduta é o interesse particular. Górgias declara
plena indiferença para com todo moralismo: ensina ele a seus discípulos
unicamente a arte de vencer os adversários; que a causa seja justa ou não, não
lhe interessa. A moral, portanto, - como norma universal de conduta - é
concebida pelos sofistas não como lei racional do agir humano, isto é, como a
lei que potencia profundamente a natureza humana, mas como um empecilho que
incomoda o homem.
Desta maneira, os sofistas estabelecem uma oposição especial entre
natureza e lei, quer política, quer moral, considerando a lei como fruto
arbitrário, interessado, mortificador, uma pura convenção, e entendendo por
natureza, não a natureza humana racional, mas a natureza humana sensível,
animal, instintiva. E tentam criticar a vaidade desta lei, na verdade tão
mutável conforme os tempos e os lugares, bem como a sua utilidade comumente
celebrada: não é verdade - dizem - que a submissão à lei torne os homens
felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm freqüentemente
conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência ensina que para triunfar
no mundo, não é mister justiça e retidão, mas prudência e habilidade.
Então a realização da humanidade perfeita, segundo o ideal dos
sofistas, não está na ação ética e ascética, no domínio de si mesmo, na justiça
para com os outros, mas no engrandecimento ilimitado da própria personalidade,
no prazer e no domínio violento dos homens. Esse domínio violento é necessário
para possuir e gozar os bens terrenos, visto estes bens serem limitados e
ambicionados por outros homens. É esta, aliás, a única forma de vida social
possível num mundo em que estão em jogo unicamente forças brutas, materiais.
Seria, portanto, um prejuízo a igualdade moral entre os fortes e os fracos,
pois a verdadeira justiça conforme à natureza material, exige que o forte, o
poderoso, oprima o fraco em seu proveito.
Quanto ao direito e à religião, a posição da sofística é
extremista também, naturalmente, como na gnosiologia e na moral. A sofística
move uma justa crítica, contra o direito positivo, muitas vezes arbitrário,
contingente, tirânico, em nome do direito natural. Mas este direito natural -
bem como a moral natural - segundo os sofistas, não é o direito fundado sobre a
natureza racional do homem, e sim sobre a sua natureza animal, instintiva,
passional. Então, o direito natural é o direito do mais poderoso, pois em uma
sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas, a força e a violência
podem ser o único elemento organizador, o único sistema jurídico admissível.
A respeito da religião e da divindade, os sofistas não só trilham
a mesma senda dos filósofos racionalistas gregos do período precedente e
posterior, mas - de harmonia com o ceticismo deles - chegam até o extremo, até
o ateísmo, pelo menos praticamente. Os sofistas, pois, servem-se da injustiça e
do muito mal que existe no mundo, para negar que o mundo seja governado por uma
providência divina.
Protágoras de Abdera
Protágoras nasceu em Abdera - pátria de Demócrito , cuja escola
conheceu - pelo ano 480. Viajou por toda a Grécia, ensinando na sua cidade
natal, na Magna Grécia, e especialmente em Atenas, onde teve grande êxito,
sobretudo entre os jovens, e foi honrado e procurado por Péricles e Eurípedes.
Acusado de ateísmo, teve de fugir de Atenas, onde foi processado e condenado
por impiedade, e a sua obra sobre os deuses foi queimada em praça pública.
Refugiou-se então na Sicília, onde morreu com setenta anos (410 a.C.), dos
quais, quarenta dedicados à sua profissão. Dos princípios de Heráclito e das
variações da sensação, conforme as disposições subjetivas dos órgãos, inferiu
Protágoras a relatividade do conhecimento. Esta doutrina enunciou-a com a
célebre fórmula; o homem é a medida de todas as coisas. Esta máxima significava
mais exatamente que de cada homem individualmente considerado dependem as
coisas, não na sua realidade física, mas na sua forma conhecida. Subjetivismo,
relativismo e sensualismo são as notas características do seu sistema de
ceticismo parcial. Platão deu o nome de Protágoras a um dos seus diálogos, e a
um outro o de Górgias.
Górgias de Leôncio
Górgias nasceu em Abdera, na Sicília, em 480-375 a.C -
correlacionado com Empédocles - representa a maior expressão prática da
sofística, mediante o ensinamento da retórica; teoricamente, porém, foi um
filósofo ocasional, exagerador dos artifícios da dialética eleática. Em 427 foi
embaixador de sua pátria em Atenas, para pedir auxílio contra os siracusanos.
Ensinou na Sicília, em Atenas, em outras cidades da Grécia, até estabelecer-se
em Larissa na Tessália, onde teria morrido com 109 anos de idade. Menos
profundo, porém, mais eloqüente que Protágoras, partiu dos princípios da escola
eleata e concluiu também pela absoluta impossibilidade do saber. É autor duma
obra intitulada "Do não ser", na qual desenvolve as três teses:
Nada existe; se alguma coisa existisse não a poderíamos conhecer;
se a conhecêssemos não a poderíamos manifestar aos outros. A prova de cada uma destas proposições e um enredo de sofismas,
sutis uns, outros pueris.
No Górgias de Platão, Górgias
declara que a sua arte produz a persuasão que nos move a crer sem saber, e não
a persuasão que nos instrui sobre as razões intrínsecas do objeto em questão.
Em suma, é mais ou menos o que acontece com o jornalismo moderno. Para remediar
este extremo individualismo, negador dos valores teoréticos e morais,
Protágoras recorre à convenção estatal, social, que deveria estabelecer o que é
verdadeiro e o que é bem!
OBRAS UTILIZADAS
DURANT, Will, História
da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos, São Paulo,
Editora Nacional, 1.ª edição, 1926.
FRANCA S. J., Padre Leonel, Noções
de História da Filosofia.
PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luís, História da Filosofia, Edições
Melhoramentos, São Paulo, 10.ª edição, 1974.
VERGEZ, André e HUISMAN, Denis, História
da Filosofia Ilustrada pelos Textos, Freitas Bastos, Rio de
Janeiro, 4.ª edição, 1980.
Coleção Os Pensadores, Os
Pré-socráticos, Abril Cultural, São Paulo, 1.ª edição, vol.I,
agosto 1973.
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