Até sempre
Morreu Maria Helena da Rocha Pereira,
especialista em Estudos Clássicos
Foi a primeira mulher a doutorar-se na
Universidade de Coimbra, onde foi também a primeira professora catedrática.
Tinha 91 anos.
Maria Helena da Rocha Pereira, considerada a mais conceituada especialista
portuguesa em Estudos Clássicos, morreu nesta segunda-feira aos 91 anos,
revelou ao PÚBLICO uma fonte da família.
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Nascida em 1925, no Porto, foi a primeira mulher doutorada pela
Universidade de Coimbra, em 1956, instituição onde leccionou até se jubilar, em
1995. Foi também a primeira
professora catedrática daquela universidade. A sua obra abrange mais de 300 trabalhos, entre livros e artigos,
publicados em Portugal e no estrangeiro.
Alunos e colaboradores com quem o PÚBLICO tem vindo a falar ao longo desta
manhã distinguem a sua dedicação ao ensino, a "competência extrema" e
o "rigor absoluto" que colocava em tudo o que fazia e que procurava
transmitir aos milhares e milhares de alunos que passaram pelas suas mãos.
"Coragem" é outra das palavras que Frederico Lourenço, tradutor e
professor de Grego na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, usa para
se referir a Rocha Pereira, dando como exemplo a sua formação inglesa, na
década de 1950.
“É incrível pensarmos que ela, uma menina do Porto, parte sozinha naquela
altura para estudar em Oxford, quando quem saía, raríssimos, o fazia para
Paris... Uma mulher no Portugal do Estado Novo, fechado a tudo, numa área
dominada por homens. Foi precisa uma enorme coragem, determinação, vontade de
aprender, coisas que a Maria Helena da Rocha Pereira teve toda a vida”, diz
Lourenço.
A sua ligação aos estudos clássicos que se faziam no Reino Unido e também
na Alemanha – “ela falava muito bem alemão desde criança e isso ajudou
muitíssimo porque lhe deu acesso a fontes que muitos não liam por não estarem
traduzidas” – permitiram abrir Portugal nesta área, defende o também escritor
de 54 anos, Prémio Pessoa 2016.
Lourenço nunca a teve como professora porque estudou em Lisboa, mas leu
muito do que ela escreveu e contou com Maria Helena da Rocha Pereira no júri do
seu doutoramento. “Havia um certo terror quando se sabia que a professora Rocha
Pereira fazia parte do júri, simplesmente porque ela era de uma exigência
extraordinária, em primeiro lugar consigo mesma, e depois com os outros.”
A catedrática da Universidade de Coimbra, há muito jubilada, acompanhava o
que o autor ia fazendo e, embora não tivessem grande contacto pessoal, chegava
a mandar-lhe cartões de felicitações por esta ou aquela obra.
Para Lourenço, tradutor de textos clássicos como Odisseia e Ilíada,
Rocha Pereira é um exemplo de dedicação à cultura e ao ensino, que via como um
verdadeiro “sacerdócio”. Entre as muitas obras fundamentais que deixou,
salienta a tradução de A República, de Platão (editada em 1972
pela, Gulbenkian, vai já na 14.ª edição). “A professora Rocha Pereira dá-nos
uma panorâmica extraordinária da cultura grega ao traduzir a Hélade,
Sófocles, Eurípedes, mas a mais fantástica é, na minha opinião, A
República. É uma tradução que vai ficar para sempre porque é de uma imensa
qualidade. E estamos a falar de um texto que é dificílimo de traduzir porque
obriga a conhecimentos de grego muito exigentes e a um enquadramento filosófico
muito sério.”
Como o PÚBLICO destacava em 2006, quando venceu o prémio Universidade de
Coimbra, Maria Helena da Rocha Pereira estudou também as influências clássicas
na literatura e cultura portuguesas, analisando inúmeros poetas - de Camões a
Pessoa, passando por Camilo e Torga, entre muitos outros. Trabalho recolhido
nos volumes Temas Clássicos na Poesia Portuguesa (1972), Novos
Ensaios sobre Temas Clássicos na Poesia Portuguesa (1988) e Portugal
e a Herança Clássica e Outros Textos (2003). O latim medieval também
foi alvo da sua investigação, reunida no volume Pedro Hispano: Obras
Médicas (1973), Vida e Milagres de São Rosendo (1970), Vida
de Santa Senhorinha (1970) e Vida de São Teotónio (1987).
A arte grega, e em especial, a pintura de vasos, foi outra das áreas que
mereceram a atenção de Rocha Pereira, traduzida no livro Greek Vases in
Portugal (1962), do qual resultou a descoberta de um novo artista,
designado por Pintor de Lisboa. Já os grandes autores gregos e latinos têm sido
um dos aspectos mais relevantes da sua actividade. Dela resultaram duas
antologias, uma de textos gregos e outra de textos latinos, respectivamente a Hélade
(1959), que teve mais de uma dezena de edições, e a Romana (1976); Antígona (1958)
e Ájax (2003), de Sófocles (1958); Medeia (1955), As Bacantes (1992)
e AsTroianas (1996), de Eurípides; Sete Odes, de
Píndaro (2003) e A República, de Platão.
Rocha Pereira ocupou os cargos de vice-reitora da UC, presidente Conselho
Científico da Faculdade de Letras e directora das revistas Humanitas e Biblos.
Foi distinguida com o Prémio de Ensaio do Pen Club (1989), a Grã-Cruz da Ordem
de Santiago de Espada e o Prémio Eduardo Lourenço (2005). Faz ainda parte de
várias academias e sociedades científicas, nacionais e estrangeiras. Em 2010,
recebeu o Prémio Vida Literária APE.
As cerimónias fúnebres de Maria Helena da Rocha Pereira realizam-se a
partir das 15h de terça-feira na Igreja da Lapa, no Porto.
in PÚBLICO
10 de Abril de 2017, 9:10
Lola
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