segunda-feira, 10 de abril de 2017

Até sempre




Até sempre

Morreu Maria Helena da Rocha Pereira, 
especialista em Estudos Clássicos

Foi a primeira mulher a doutorar-se na Universidade de Coimbra, onde foi também a primeira professora catedrática. Tinha 91 anos.

Maria Helena da Rocha Pereira, considerada a mais conceituada especialista portuguesa em Estudos Clássicos, morreu nesta segunda-feira aos 91 anos, revelou ao PÚBLICO uma fonte da família.
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Nascida em 1925, no Porto, foi a primeira mulher doutorada pela Universidade de Coimbra, em 1956, instituição onde leccionou até se jubilar, em 1995. Foi também a primeira professora catedrática daquela universidade. A sua obra abrange mais de 300 trabalhos, entre livros e artigos, publicados em Portugal e no estrangeiro.
Alunos e colaboradores com quem o PÚBLICO tem vindo a falar ao longo desta manhã distinguem a sua dedicação ao ensino, a "competência extrema" e o "rigor absoluto" que colocava em tudo o que fazia e que procurava transmitir aos milhares e milhares de alunos que passaram pelas suas mãos. "Coragem" é outra das palavras que Frederico Lourenço, tradutor e professor de Grego na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, usa para se referir a Rocha Pereira, dando como exemplo a sua formação inglesa, na década de 1950.
“É incrível pensarmos que ela, uma menina do Porto, parte sozinha naquela altura para estudar em Oxford, quando quem saía, raríssimos, o fazia para Paris... Uma mulher no Portugal do Estado Novo, fechado a tudo, numa área dominada por homens. Foi precisa uma enorme coragem, determinação, vontade de aprender, coisas que a Maria Helena da Rocha Pereira teve toda a vida”, diz Lourenço.
A sua ligação aos estudos clássicos que se faziam no Reino Unido e também na Alemanha – “ela falava muito bem alemão desde criança e isso ajudou muitíssimo porque lhe deu acesso a fontes que muitos não liam por não estarem traduzidas” – permitiram abrir Portugal nesta área, defende o também escritor de 54 anos, Prémio Pessoa 2016.
Lourenço nunca a teve como professora porque estudou em Lisboa, mas leu muito do que ela escreveu e contou com Maria Helena da Rocha Pereira no júri do seu doutoramento. “Havia um certo terror quando se sabia que a professora Rocha Pereira fazia parte do júri, simplesmente porque ela era de uma exigência extraordinária, em primeiro lugar consigo mesma, e depois com os outros.”
A catedrática da Universidade de Coimbra, há muito jubilada, acompanhava o que o autor ia fazendo e, embora não tivessem grande contacto pessoal, chegava a mandar-lhe cartões de felicitações por esta ou aquela obra.
Para Lourenço, tradutor de textos clássicos como Odisseia Ilíada, Rocha Pereira é um exemplo de dedicação à cultura e ao ensino, que via como um verdadeiro “sacerdócio”. Entre as muitas obras fundamentais que deixou, salienta a tradução de A República, de Platão (editada em 1972 pela, Gulbenkian, vai já na 14.ª edição). “A professora Rocha Pereira dá-nos uma panorâmica extraordinária da cultura grega ao traduzir a Hélade, Sófocles, Eurípedes, mas a mais fantástica é, na minha opinião, A República. É uma tradução que vai ficar para sempre porque é de uma imensa qualidade. E estamos a falar de um texto que é dificílimo de traduzir porque obriga a conhecimentos de grego muito exigentes e a um enquadramento filosófico muito sério.”
Como o PÚBLICO destacava em 2006, quando venceu o prémio Universidade de Coimbra, Maria Helena da Rocha Pereira estudou também as influências clássicas na literatura e cultura portuguesas, analisando inúmeros poetas - de Camões a Pessoa, passando por Camilo e Torga, entre muitos outros. Trabalho recolhido nos volumes Temas Clássicos na Poesia Portuguesa (1972), Novos Ensaios sobre Temas Clássicos na Poesia Portuguesa (1988) e Portugal e a Herança Clássica e Outros Textos (2003). O latim medieval também foi alvo da sua investigação, reunida no volume Pedro Hispano: Obras Médicas (1973), Vida e Milagres de São Rosendo (1970), Vida de Santa Senhorinha (1970) e Vida de São Teotónio (1987).

A arte grega, e em especial, a pintura de vasos, foi outra das áreas que mereceram a atenção de Rocha Pereira, traduzida no livro Greek Vases in Portugal (1962), do qual resultou a descoberta de um novo artista, designado por Pintor de Lisboa. Já os grandes autores gregos e latinos têm sido um dos aspectos mais relevantes da sua actividade. Dela resultaram duas antologias, uma de textos gregos e outra de textos latinos, respectivamente a Hélade (1959), que teve mais de uma dezena de edições, e a Romana (1976); Antígona (1958) e Ájax (2003), de Sófocles (1958); Medeia (1955), As Bacantes (1992) e AsTroianas (1996), de Eurípides; Sete Odes, de Píndaro (2003) e A República, de Platão.
Rocha Pereira ocupou os cargos de vice-reitora da UC, presidente Conselho Científico da Faculdade de Letras e directora das revistas Humanitas Biblos
Foi distinguida com o Prémio de Ensaio do Pen Club (1989), a Grã-Cruz da Ordem de Santiago de Espada e o Prémio Eduardo Lourenço (2005). Faz ainda parte de várias academias e sociedades científicas, nacionais e estrangeiras. Em 2010, recebeu o Prémio Vida Literária APE.
As cerimónias fúnebres de Maria Helena da Rocha Pereira realizam-se a partir das 15h de terça-feira na Igreja da Lapa, no Porto.

in PÚBLICO 
10 de Abril de 2017, 9:10



Lola

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