Filósofos e vida privada
Francis Bacon perdeu
o cargo de magistrado sob a acusação de receber uns "presentes" dos
envolvidos nos casos em que julgava; o senhor Jean-Jacques Rousseau teve,
segundo ele mesmo, cinco filhos, e todos foram abandonados na porta de
orfanatos; Karl Marx foi o típico universitário, beberrão e financiado pelo
dinheiro do papai; St. Agostinho antes de encontrar Jesus e
teve seu filho aos 17 anos e Hannah Arendt e Martin Heidegger mantiveram um
conturbado romance secreto.
É certo que aquele que
pretende estudar filosofia deve ater-se a obra e não ao autor. Embora
eventualmente possa ser interessante saber passagens biográficas dos filósofos,
a rigor, não é isto que deve guiar os estudos e as discussões sobre filosofia.
Ok. Contudo, no artigo que segue, o autor chama a atenção para o perigo que se
configura quando este tipo de distanciamento se converte em uma espécie de
"cheque em branco" moral. Não podemos nos esquecer que todo filósofo
é, antes de tudo, um homem, que sente fome, sono e frio, igual a todo outro
homem e que, por isso mesmo, a vida que se leva também é importante.
( in Professor de Filosofia - Pense fora da caixa)
É
certo que há uma moralidade presente no modo como determinada cultura se
constrói. A formação em filosofia carrega implícita uma moralidade, talvez
necessária para a sua realização, porém extremamente danosa na construção dos
sujeitos morais filosóficos.
As
graduações em filosofia concentram-se no pensamento elaborado, crítico,
argumentativo e genial da enorme pluralidade de autores que a história da
filosofia nos legou. Essa história, obviamente, é a história do pensamento,
seja ético, político, ontológico, lógico, estético, metafísico, científico,
religioso, antropológico, sociológico, axiomático etc.
Na
história do pensamento estão em questão os conceitos, definições, argumentos,
ideias e aforismos. Não há na filosofia espaço para discutir pormenores como,
por exemplo, quem afinal de contas levou Fedro para a cama. Foi Lísias ou
Sócrates? Discutir a sexualidade dos gregos não muda o que os árabes guardaram
de seus escritos.
Muitas
ciências consideram primordial esta análise. A história e a psicologia
alimentam-se destes detalhes para constituir outro tipo de análise. As ideias,
para estas ciências, são uma construção que passa pelos determinantes
históricos e psicológicos. O modo de ser e viver de uma época aliado ao modo de
perceber-se no mundo e interagir com este mundo é que dão a forma original ao
pensamento de um autor. São as múltiplas experiências que permitem tanta
pluralidade no mundo das ideias, o mundo das ideias filosóficas e não o mundo platónico.
A singularidade da filosofia está na afirmação de que
o importante é a obra e não a vida do autor. O abandono dos filhos não é mais
importante do que os livros que Rousseau escreveu. A Crítica da Razão Pura de Kant é certamente mais importante que o fato dele
ser extremamente pontual. A homossexualidade de Foucault não está acima de suas
contribuições à discussão sobre o poder.
É
óbvia a existência de predileções por determinadas temáticas por conta de um
percurso existencial, de experiências e de determinantes históricos. A questão
é observar que no debate ideológico estas particularidades não irão contribuir
para o seu enriquecimento. Assim pensa-se na formação em filosofia.
Para evitar que os debates caiam num julgamento do
autor, ao invés de num apontamento sobre falhas na argumentação do mesmo, há o
sempre solicitado ad
hominem. Esse argumento contra o homem é uma
falha argumentativa e a filosofia está certa em recusá-lo. Se a pontualidade de
Kant é uma característica boa ou ruim, tal fato em nada irá decidir se suas
ideias são válidas ou não.
Contudo,
aqui se mostra um enorme perigo moral para a formação em filosofia. Os neófitos
nos cursos de filosofia estão aprendendo uma moralidade. Há presente a ideia de
que toda ação é permitida àquele que produz conhecimento. Não importa se você
agride outras pessoas, se é conhecido pela enorme quantidade de mentiras que
conta, se apoia atrocidades de terceiros ou se defende qualquer outro ponto
passível de discussão no campo da moralidade; basta escrever alguns livros e
ter alguns leitores para que tudo seja anulado em nome das ideias.
Uma
investigação um pouco mais aprofundada poderia colocar nessa moral da formação
em filosofia o fator de ascensão de ideias relativistas. Foi o
relativizar a vida, o modo de estar no mundo, ao longo dos séculos que abriu
caminho para a relativização das ideias. Talvez a filosofia chegue, se já não
chegou, no tempo no qual nem a vida e nem a obra serão importantes. Seria a
época do monólogo.
Filipi Celiti
Publicado em 08/04/2013
Lola
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