Sons do Espaço
Um Nobel para os “sons” do espaço
A observação das ondas gravitacionais na
Terra é uma das proezas mais notáveis da física contemporânea.
As ideias físicas de Einstein apresentadas no início do século XX diferem
muito daquelas que Newton tinha proposto no século XVII. Para Newton, o espaço
e o tempo eram universais e eternos. Nesses vastos e imperturbáveis cenários
manifestavam-se as forças de atracção gravitacional, descritas por uma fórmula
simples. Sobre a natureza dessa força, Newton declarou que “não fazia
hipóteses”. Mas Einstein, na sua teoria da relatividade geral de 1915, fez uma
hipótese: a força da gravidade era a deformação do espaço e do tempo, os dois
interrelacionados, causada pela presença de massa e energia. A observação
astronómica revelou que, no domínio das grandes massas, Einstein estava certo
em vez de Newton: a primeira e também a mais famosa dessas observações foi realizada
por duas equipas britânicas durante um eclipse solar em 1919 na ilha do
Príncipe, então colónia portuguesa, e em Sobral, no norte do Brasil.
Einstein não parou as suas investigações sobre a força da gravidade depois
de ter chegado às equações da relatividade geral. Num artigo de 1916
conjecturou que existiam ondas gravitacionais, semelhantes às ondas
electromagnéticas (ou radiação ou luz), conhecidas desde meados do século XIX.
Uma oscilação de uma massa deveria abanar a geometria do espaço e do tempo
propagando-se a grandes distâncias, tal como uma oscilação de uma carga espalha
luz em redor. Para o efeito ser apreciável era preciso que a massa em vibração
fosse muito maior do que a do Sol. De início, Einstein não acreditou totalmente
na realidade das suas ondas gravitacionais, pois receou tratar-se de um
artifício matemático. Faleceu em 1955 sem ter a certeza da existência das ondas
que tinha previsto.
As ondas gravitacionais manifestaram-se indirectamente com a descoberta, em
1974, de um sistema binário formado por estrelas pesadas, chamadas estrelas de
neutrões, pelos americanos Russel Hulse e Joseph Taylor Jr., que ganharam o
Nobel da Física de 1993. Uma parte da energia escapava das estrelas
provavelmente sob a forma de ondas gravitacionais. Mas, faltando uma observação
directa, foram propostas engenhosas experiências.
Verificou-se que as ondas gravitacionais eram mesmo reais precisamente cem
anos após a ideia de Einstein. A 11 de Fevereiro de 2016, os media de
todo o mundo anunciavam a extraordinária descoberta, fazendo eco de um artigo
da equipa da experiência LIGO, com cerca de mil autores, que relatava a recolha
das ondas em duas instalações gémeas no noroeste e no sul dos Estados Unidos,
separadas por mais de 3000 quilómetros. Era precisa uma observação simultânea
nos dois lados já que, como os sinais eram extremamente ténues, tinham se ser
excluídas perturbações com uma origem terrestre e não extraterrestre. Cada
instalação possui "antenas", em forma de L, com braços de quatro
quilómetros, onde se pode medir através de um feixe laser o afastamento entre
pares de espelhos. Ora esses espelhos abanaram um bocadinho durante uma fracção
de segundo, no dia 14 de Setembro de 2015. Ou melhor, o espaço entre eles
oscilou. O sinal, que já foi comparado a um chilrear, foi o mesmo nos dois
sítios: só um match perfeito permitiria concluir que a emissão
era remota. Simulações computacionais indicaram que as ondas em causa eram
devidas à fusão de dois buracos negros, cada um deles com cerca de 30 vezes a
massa do Sol, à distância de mais de mil milhões de anos-luz de nós. Buracos
negros, descritos pela teoria da relatividade geral, são as estrelas mais
pesadas que se conhecem. A observação das ondas gravitacionais na Terra,
revelando um acordo bastante bom entre teoria e experiência, é uma das proezas
mais notáveis da física contemporânea. A Academia Sueca acaba de distinguir com
o Nobel da Física os responsáveis maiores por essa observação pioneira, que já
foi repetida por mais três vezes (uma das quais há poucos dias, com a
participação de um observatório em Itália). O prémio foi para os americanos
Brian Weiss, Barry Barish e Kip Thorne (o físico que ajudou no filme Interstellar).
Até agora só víamos o céu através de luz, visível ou invisível. Mas agora
passámos a recolher as vibrações do próprio espaço. Se antes só tínhamos olhos
para o céu, passámos a ter também "ouvidos”.
In Publico
4 de Outubro de 2017, 6:31
Prof. Carlos Fiolhais
Lola
Sem comentários:
Enviar um comentário